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EXONERAÇÃO DO PASSIVO
CESSAÇÃO ANTECIPADA
OBRIGAÇÃO DE CESSÃO DO RENDIMENTO DISPONÍVEL
Sumário
I- A junção de documentos em sede de recurso não pode servir para a parte apresentar novos elementos de prova relativamente aos factos essenciais em discussão quando podia e devia tê-lo feito até ao encerramento da discussão em 1ª instância, apenas admitindo os arts.º 651.º e 425.º do C.P.C., aplicáveis no processo de insolvência ex vi do artº 17º do CIRE, a junção do documento que não foi possível em momento anterior. II- O pedido de exoneração do passivo restante tem como objectivo primordial conceder ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no respectivo processo ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. III- A decisão de recusa, pelo juiz, da exoneração do passivo restante pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) violação das obrigações impostas ao insolvente por força da admissão liminar do pedido de exoneração; b) que essa violação decorra de uma actuação dolosa ou com negligência grave do insolvente; c) verificação de um nexo causal entre a conduta do insolvente e o dano para a satisfação dos créditos sobre a insolvência (artigo 243° ex vi do nº 2 do artº 244 do CIRE). III- Tendo o insolvente, reiteradamente, ao longo do período de cessão, incumprido o dever principal de entrega ao fiduciário do rendimento disponível, sem que tenha demonstrado fundamento razoável para tal falta, nem efectuado qualquer entrega parcial a ser imputada na quantia em incumprimento, nem requerido a revisão do montante inicialmente fixado a título de rendimento indisponível, verificam-se os pressupostos para que haja lugar a recusa da exoneração.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
No dia 26-08-2014, foi proferida sentença de declaração de insolvência do devedor J…, nascido em …, natural da freguesia de …, concelho de Lisboa.
Por despacho proferido em 04-09-2015, foi admitido liminarmente o incidente de exoneração do passivo restante, fixando-se o rendimento indisponível no montante correspondente a um salário mínimo nacional, acrescido de 20%.
Deste despacho foi proferido recurso, o qual foi julgado improcedente.
A 07-07-2017, o Sr. Fiduciário apresentou relatório, declarando a cessão de € 10.916,92.
Mais declarou que o devedor não forneceu qualquer informação quanto aos rendimentos auferidos desde Agosto de 2016 a Novembro de 2016.
O devedor foi judicialmente notificado para junção dos documentos em falta e em 23-02-2018 juntou aos autos 4 facturas relativas a serviços prestados pelo mesmo nos meses de Agosto a Novembro de 2016.
Em 19 de Dezembro de 2017, o Devedor apresentou requerimento com o seguinte teor: “(…) apurado um valor total de 8.010,84€ (…), refletido no mapa e ainda sujeito a vossa análise, proponho um plano de pagamento pelos restantes 35 meses (data fim de Setembro de 2020), o que perfaz um valor mensal de 228,88 € (…)”.
Em 22-06-2020, o Sr. Fiduciário apresentou relatório nos autos, do qual consta: “(…) Valor cedido até à data: 12.788,03€. Valor em incumprimento: 10.165,56€. (…) Desde 11/2019 que o insolvente não disponibiliza qualquer informação sobre os seus rendimentos. (…)”.
Em 29 e 30-06-2020, os credores C… e Banco ..., S.A. apresentaram, respectivamente, requerimento requerendo a cessação antecipada do incidente.
Em 12-11-2020 foi proferido despacho, determinando a notificação ao devedor, na sua própria pessoa, dos requerimentos dos credores imediatamente supra referidos e do relatório apresentado pelo Sr. Fiduciário em 22-06-2020.
Foi igualmente determinada a notificação do Fiduciário, Devedor, Credores e Ministério Público para se pronunciarem, querendo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 244.º/1, parte final, do CIRE (decisão final da exoneração).
Tais notificações foram efectuadas, tendo-se os credores pronunciado no sentido de dever ser recusada a exoneração definitiva e o devedor nada disse.
Em 27-11-2020, o Sr. Fiduciário apresentou relatório final aos autos, do qual consta:
“(…)Valor cedido até à data: 12.894,81€. Valor em incumprimento: 11.987,43€. (…)”
Os credores U…, S.A., Banco …, S.A., … Banco, S.A. e C… requerem a recusa da exoneração.
Em 07-01-2021, o devedor apresentou requerimento, concluindo que a exoneração do passivo deve ser concedida e juntou documentos.
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Inconformado o insolvente apresentou o presente recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
I. Convidado a pronunciar-se nos termos do art. 244º n.º 1 do CIRE, o recorrente expôs ao tribunal a quo as situações que o colocaram em situação de incumprimento das entregas do rendimento disponível à MI e juntou documentos para comprovar o alegado.
II. Não juntou comprovativos da alteração de entidade patronal e respectiva redução de rendimento mensal, por essa evidência já constar dos relatórios juntos aos autos pelo Exmo. Sr. Fiduciário que continham os respectivos comprovativos dos rendimentos auferidos pelo recorrente.
III. E dos quais se pode comprovar a redução do rendimento auferido pelo recorrente.
IV. Da análise do relatório do Exmo. Sr. Fiduciário é possível verificar que a maioria do valor em incumprimento à MI ocorreu nos dois primeiros anos do período de cessão, designadamente entre Outubro de 2015 e Outubro de 2017.
V. Em Outubro de 2017 o recorrente considerou que do rendimento que obtinha dos serviços que prestava à C… pouco sobrava após pagar as contribuições à Segurança Social e IVA.
VI. Bem como outros custos decorrentes da actividade que prestava e que eram necessários como seguros, apoio contabilístico para o cumprimento das obrigações fiscais, despesas com vias verdes e combustível, imperativas para a sua actividade, entre outras, conforme comprovativos juntos com a PI e que se voltam a juntar como Doc. 12, e se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais;
VII. Tentou negociar com a C…, para ter um contrato de trabalho. O que não foi aceite.
VIII. Optou por cessar a sua actividade, para dessa forma reduzir as despesas e agravar o incumprimento à MI.
IX. Foi intervencionado cirurgicamente em 2017 e em 2018, o que implicou, na primeira intervenção, a inexistência de qualquer rendimento, por ser trabalhador independente, mas manter as despesas e na segunda intervenção cirúrgica implicou a redução do rendimento mensal (vide Doc.s 1, 2 e 3).
X. A acrescer a este circunstancialismo, que fez reduzir o rendimento auferido pelo recorrente, este teve diversas despesas com saúde (Cfr. Doc. 18 que ora se junta para os devidos efeitos legais) e com processos judiciais, alguns deles pré-existentes à sua declaração de insolvência.
XI. Note-se que a declaração de insolvência não faz suspender os prazos em curso e o recorrente não pode ficar privado dos seus direitos de apresentar defesa, mesmo quando não beneficia de apoio jurídico com nomeação de patrono e isenção de custas processuais.
XII. Entre outros processos, o recorrente foi parte no processo n.º … - processo crime da empresa T…, onde o era assistente e no qual apenas conseguiu provar que não existiram funções de gerência da sua parte.
XIII. Para comprovar a existência de processos judiciais o recorrente juntou os Doc.s 4 e 5, documentos que pela sua análise comprovam que o aqui recorrente apresentou queixa, constituiu-se assistente e requereu indemnização cível.
XIV. Este processo crime com o n.º … já decorria antes do início do processo de insolvência e teve desenvolvimentos durante estes anos, com julgamento, em Junho de 2019, quando se concluiu porque o recorrente não teve meios para financeiros para recorrer.
XV. Também junto da Autoridade Tributária foram desencadeados diversos processos de execução fiscal por dívidas geradas pela empresa T…, por quem efectivamente a geria de facto, Cfr. Doc 6, que se juntou aos autos com o requerimento de Janeiro de 2021.
XVI. No âmbito da existência daquela empresa ainda foram geradas dividas à Segurança Social, que para evitar agravar os juros e demais encargos com processos daquela natureza o recorrente optou por liquidar os valores em dívida – cfr Doc 8, que se juntou aos autos com o requerimento de Janeiro de 2021.
XVII. O recorrente envidou vários esforços para colocar termo à empresa e às dividas geradas por quem de facto exercia a gerência, designadamente dívidas de IUC e Portagens não pagas, ao mandar apreender a viatura da empresa T…, ao ter requerido a cessação da actividade em sede de IVA daquela empresa, Cfr. Doc 9 que se juntou aos autos com o requerimento de Janeiro de 2021.
XVIII. O recorrente ainda teve de apoiar o seu pai, que por via do processo executivo n.º …, intentado pelo B…, ficou com a sua reforma penhorada em Junho de 2017 até aos dias de hoje.
XIX. Note-se que o pai tinha sido fiador do recorrente do crédito executado pelo B… naquele referido processo, pelo que este se sentia na obrigação de lhe dar todo o apoio possível, pelo que assegurou o pagamento faseado dos encargos do processo.
XX. Uma vez que o pai do recorrente requereu apoio jurídico para embargar o processo executivo, mas apenas teve apoio na modalidade de pagamento faseado Cfr. Doc 10, que se juntou aos autos com o requerimento de Janeiro de 2021.
XXI. Ou seja, estamos perante a existência de um processo crime, com o n.º … (vide Doc. 5), onde o recorrente se constituiu assistente e requereu indemnização cível, que iniciou em 2012 e teve o seu término em Junho de 2019.
XXII. Três processos de reversão fiscal (vide Doc. 6), designadamente n.º …, o n.º … e o n.º …, onde o recorrente necessitou de patrocínio forense para exercer o direito de audição prévia:
XXIII. Teve ainda de impugnar a decisão (vide Doc. 7) no processo n.º … que recaiu nestes processos, após a sua audição prévia. O que também importa o patrocínio forense, que não é gratuito e respectivas custas processuais.
XXIV. Bem como ainda teve de impugnar o incidente de habilitação de herdeiros no processo executivo …, em Maio de 2015, cfr. Doc. 14, já junto.
XXV. A existência destes processos que ainda estão a decorrer, acarretaram um enorme encargo financeiro ao longo destes últimos anos, designadamente a título de honorários que tem pago de forma faseada, sempre que o recorrente tem possibilidade, acrescidos de pagamento de despesas inerentes a custas processuais e outras (DUC’s - taxa de justiça, manutenção de certidões da empresa T…, para ter acesso à correspondência da empresa, fotocópias, deslocações, correspondência, etc ), cfr. Doc. 15 e 16, que se junta para os devidos efeitos legais
XXVI. Como já referiu o aqui recorrente, este não beneficiou de apoio jurídico em nenhum dos processos em que interveio, inclusive o dos presentes autos, tendo em conta o rendimento que declarava, conforme se pode aferir do DUC pago com a PI de apresentação à insolvência e com o recurso que apresentou quanto ao despacho inicial de exoneração do passivo restante, Cfr. Doc. 13, que se junta para os devidos efeitos legais.
XXVII. Todo este circunstancialismo resultou na falta da capacidade financeira e estabilidade emocional do recorrente, a quem foi diagnosticado síndrome depressivo (Cfr. Doc. 17 que se junta para os devidos efeitos legais), para conseguir regularizar o valor em incumprimento maioritariamente originado nos dois primeiros anos do período de cessão.
XXVIII. Desde Fevereiro de 2018 que o rendimento do recorrente tem o valor médio mensal de € 700,00 (setecentos euros), para pagar todas os encargos domésticos, Cfr. Doc 11, que se juntou aos autos com o requerimento de Janeiro de 2021.
XXIX. O estado depressivo e desorientação em que o recorrente se encontra, impediu-o de se organizar devidamente e ter agora todos os comprovativos de todos os pagamentos de patrocínio forense que fez ao longo dos últimos anos.
XXX. Quanto aos seus deveres de colaboração, o recorrente sempre cumpriu quando solicitado, ora pelo Exmo. Sr. Fiduciário, ora por este Douto Tribunal e entregou o montante de € 12.894,81.
XXXI. No entanto não teve capacidade para regularizar o incumprimento, tendo em conta todo o circunstancialismo atrás melhor descrito e que demonstra que o recorrente não teve intenção de incumprir com os seus deveres.
XXXII. Em face do exposto, jamais o recorrente actuou com dolo ou negligência grave, não se verificando “in casu” o preceito previsto na alínea a) do artigo 243º do CIRE;
XXXIII. A conduta do recorrente em colaborar com o Exmo. Sr. Fiduciário, em informar sempre que solicitado os autos da sua situação e a incapacidade não voluntária de entregar os valores em falta do rendimento disponível, deve ser preponderante para a apreciação dos requisitos para a concessão da exoneração do passivo restante.
XXXIV. Cedeu à MI € 12.894,81 dos rendimentos disponíveis, apesar de não ter sido feito a entrega na totalidade do valor a que estava obrigado.
XXXV. Inexiste um incumprimento reiterado pelo recorrente;
XXXVI. Verifica-se a ausência de dolo ou de negligência grave, por parte do recorrente, na falta de entrega ao fiduciário dos rendimentos objecto de cessão;
XXXVII. Ademais, todos os factos dados a conhecer ao processo pelo recorrente são evidências da falta de dolo e negligência grave da sua conduta, não lhe devendo ser recusada a concessão da exoneração do passivo restante, em conformidade com o que tem vindo a ser decidido pelos nossos tribunais, designadamente o Acórdão da Relação de Lisboa, que recaiu sobre o recurso no processo n.º …, disponível em www.dgsi.pt, que dispõe que: “… A violação dos deveres do devedor enunciados nas alíneas do n.º 4 do artigo 239.º do CIRE, durante o período de cessão, não decorre automaticamente da mera constatação de circunstâncias que se enquadrem em alguma dessas alíneas, mormente, no caso da alínea c), da constatação do incumprimento total ou parcial da obrigação de entrega imediata ao fiduciário do valor do rendimento objeto de cessão. Exige-se, ainda, que esteja demonstrado, para além do incumprimento, uma conduta menos correta do devedor enquadrável no dolo ou na negligência grave, acrescida de um concreto resultado – prejuízo por esse facto da satisfação dos créditos sobre a insolvência. Entendendo-se que este prejuízo acresce ao que já decorria do facto do insolvente não conseguir satisfazer o passivo já existente aquando da prolação do despacho de admissão do incidente da exoneração do passivo restante. É essa, aliás, a filosofia subjacente ao instituto da exoneração do passivo restante, que é a de proporcionar ao insolvente um «fresh start», ou uma nova oportunidade, de modo a que, liberto do passivo que o vinculava, se reabilite economicamente e se reintegre, plenamente na vida económica[4], ainda que tal desiderato tenha de ser compatibilizado, na medida do possível, com a satisfação dos credores do insolvente (artigo 1.º, n.º 1, 1.ª parte, do CIRE). (…) Em suma, em relação à obrigação dos devedores prevista no artigo 239.º, n.º 4, alínea c), do CIRE, não se verifica concretizado no caso em apreço o requisito previsto no n.º 1 alínea a) do artigo 243.º «ex vi» do artigo 244.º, do CIRE, ou seja, o comportamento doloso ou com grave negligência dos devedores, pelo que nem sequer importa analisar o requisito «prejuízo», atenta o caráter cumulativo dos referidos pressupostos. …”
XXXVIII. Ora, o recorrente não agiu com dolo e o tribunal a quo limitou-se a não conceder a exoneração do passivo restante com o fundamento que o recorrente não logrou provar o que alegou.
XXXIX. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, os documentos juntos pelo ora recorrente com o requerimento de 7 de Janeiro demonstram as dificuldades que teve que o levaram ao incumprimento involuntário da entrega da totalidade do rendimento disponível à MI.
XL. Ou seja, ocorreu a redução de rendimento do aqui recorrente, que o impediu de cumprir com o plano de pagamentos que propôs.
XLI. Teve de intervir em diversos processos jurídicos, que a declaração de insolvência não fez suspender nem o decurso dos vários processos, nem o direito de defesa do recorrente.
XLII. Demonstrou que não beneficiou de apoio judiciário.
XLIII. Ainda que o recorrente não tenha conseguido juntar prova com o requerimento de 7 de Janeiro de todos os pagamentos que fez das taxas de justiça e com o patrocínio forense, deve-se inferir dos documentos juntos que aqueles processos judiciais e tributários, têm necessariamente despesas associadas.
XLIV. Assim, ao considerar não provados pelos documentos juntos pelo recorrente o que este alegava, designadamente a ausência de dolo, o douto despacho recorrido violou o disposto nos art.ºs 607º n.º 4 do C.P.C., aplicáveis ex vi art.º 17.º do CIRE;
XLV. Caso o Tribunal considerasse insuficiente os documentos apresentados pelo recorrente para prova do alegado, ainda assim deveria tê-lo convidado a apresentar outros documentos;
XLVI. A circunstância do douto despacho recorrido não ter considerado para a decisão proferida todos os factos comprovados pelos documentos juntos, indicados na conclusão B) a JJ) foi determinante da concreta decisão tomada, a qual assim viola o disposto art.º 243º n.º 1 alínea a), por erro na apreciação dos factos relevantes para a decisão, factos que demonstram a ausência de dolo por parte do recorrente;
XLVII. De acordo com o previsto no referido n.º 4 do art. 607º do CPC, a fundamentação de facto da decisão judicial deve incluir, não só a indicação dos elementos de prova que foram utilizados para formar a convicção do juiz, como a sua apreciação crítica, sendo caso disso, de forma a ser possível conhecer as razões por que se decidiu no sentido em que o foi e não noutro.
XLVIII. Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto, tudo dependendo do meio probatório em causa. O que no douto despacho em crise não se verifica.
XLIX. Segundo o disposto no artigo 341º, do Código Civil (CC), “As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos.”
L. A doutrina tem vindo a salientar que o conceito de prova pode ser entendido como actividade, como meio, ou como resultado. No primeiro sentido tem-se em vista a actividade das partes tendente a convencer o julgador sobre a realidade dos factos, sendo certo que cada parte tem, como é consabido, o ónus de demonstrar os factos que integram a hipótese normativa de que depende a procedência da sua pretensão ou da excepção.
LI. No segundo sentido tem-se em vista o conjunto de meios ou elementos concretos apresentados pelas partes com vista à demonstração da realidade dos aludidos factos.
LII. Por último, a prova enquanto resultado corresponde ao seu fim último, qual seja a criação, no espírito do julgador, da convicção subjectiva quanto à sua ocorrência, ainda que não esteja em causa, como é natural, a obtenção de uma inalcançável certeza absoluta, mas apenas um grau de convicção suficiente para as exigências da vida.
LIII. Conforme acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, consultável no site www.dgsi.pt: “… O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação deva ser “vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório”. A livre convicção não pode confundir-se com a íntima convicção do julgador, impondo-lhe a lei que extraia das provas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso, e valoradas segundo parâmetros da lógica do homem médio e as regras da experiência. (…)”
LIV. Reiterando o que se transcreveu atrás do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa: “… A violação dos deveres do devedor enunciados nas alíneas do n.º 4 do artigo 239.º do CIRE, durante o período de cessão, não decorre automaticamente da mera constatação de circunstâncias que se enquadrem em alguma dessas alíneas, mormente, no caso da alínea c), da constatação do incumprimento total ou parcial da obrigação de entrega imediata ao fiduciário do valor do rendimento objeto de cessão. Exige-se, ainda, que esteja demonstrado, para além do incumprimento, uma conduta menos correta do devedor enquadrável no dolo ou na negligência grave, acrescida de um concreto resultado – prejuízo por esse facto da satisfação dos créditos sobre a insolvência.”
LV. Deverá, em conformidade, apreciando a documentação junta, ser alterada a matéria de facto considerada provada pelo douto Tribunal, concluindo-se pela falta de dolo do recorrente pelo incumprimento da entrega do rendimento disponível à MI e, por conseguinte, ser-lhe concedido o benefício da exoneração do passivo restante.
Concluiu peticionando que seja concedido provimento ao presente recurso e revogado o despacho recorrido.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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A Mma Juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso.
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Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
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II– OBJECTO DO RECURSO
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, em face das conclusões apresentadas pelo recorrente, importa decidir.
a) da admissibilidade da junção aos autos dos documentos apresentados pelo recorrente com as alegações de recurso e
b) se a decisão do tribunal a quo enferma de erro de julgamento, ao entender que se encontram verificados os pressupostos do artigo 243º do CIRE ex vi do nº 2 do artº 244º do mesmo diploma, para que haja lugar a decisão final de recusa de exoneração do passivo restante.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
A) Da admissibilidade da junção dos documentos apresentado pelo apelante com as alegações de recurso
Nos termos do disposto no artº 651º, do C.P.Civil, aplicável ex vi do artº 17º do CIRE, as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância. Por sua vez, prevê o referido artigo 425º do mesmo diploma que: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento.”
Conforme se decidiu no Ac. Relação de Coimbra de 08.11.2014 (processo nº 628/13.9TBGRD.C1, relator: Teles Pereira), o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt: “I – Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. (…) VI – Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.”.
Requereu ora o apelante a junção de 7 documentos, tendentes a demonstrar despesas alegadamente suportadas pelo mesmo no período que decorreu entre 2015 e 2020. Não invocou qualquer facto que permita concluir pela impossibilidade de tais documentos terem sido juntos em momento anterior, nomeadamente aquando da notificação que lhe foi efectuada nos termos e para os efeitos do disposto no artº 244º, nº1, do CIRE. Os próprios recibos de despesas, bem como os documentos médicos cuja junção ora requereu, têm todos datas de emissão anteriores a 2020.
Os documentos não são objectivamente supervenientes ao encerramento da discussão; como se referiu, o apelante nada invocou nas alegações sobre a superveniência subjectiva e tão pouco se verifica a situação prevista na parte final do n.º 1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil, pois é patente que o Tribunal não baseou a decisão em meio probatório não oferecido pelas partes ou em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam; bem pelo contrário, o devedor foi notificado para exercer o contraditório em relação ao constante dos relatórios do fiduciário – nos quais constavam as quantias em falta pelo mesmo – e não procedeu à junção dos documentos ora apresentados tendentes a justificar o seu incumprimento, nem nada invocou no sentido que se encontrasse nesse momento impossibilitado de proceder a tal junção.
Assim, não se verificam os requisitos para que possa haver lugar à junção de documentos nesta fase recursiva, pelo que não se admite a junção aos autos dos documentos apresentados pelo apelante.
Custas do incidente pelo mesmo, fixando-se a taxa de justiça em 1 Uc.
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B) De Facto
1- Consta da decisão em recurso em termos de factualidade provada: “Com pertinência, julgam-se assentes os factos relatados, e ainda: 1. Os créditos verificados totalizam € 133.608,36. 2. As receitas, provenientes da venda de dois veículos e de montantes penhorados, correspondem a € 3 296.95”.
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2- Atento o mapa de pagamentos referente aos anos 2015 a 2020 enviado em anexo ao relatório junto aos autos pelo Fiduciário em 27-11-2020 e os documentos juntos pelo devedor com o requerimento de 07/01/2021, encontram-se igualmente demonstrados, com interesse para a decisão dos autos, os seguintes factos, os quais se aditam à factualidade provada nos termos do disposto no artº 662º, nº1, do C.P.Civil:
a) Do mapa de pagamentos referente aos anos 2015 a 2020 enviado em anexo ao relatório junto aos autos pelo Fiduciário em 27-11-2020 consta que:
- O devedor nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2016, auferiu rendimentos e suportou de contribuições para a Segurança Social e de despesas com IVA nos seguintes valores:
(….)b) Não foi entregue qualquer quantia ao fiduciário pelo devedor relativamente aos meses referidos em a).
c) O A. foi submetido a uma intervenção cirúrgica em 17/07/2017 e esteve de baixa médica entre 17/07/2017 e 13/08/2017.
d) O A. foi submetido a outra intervenção cirúrgica em 14/05/2018 e esteve igualmente de baixa médica entre 13/05/2018 e 04/06/2018.
e) Foram instaurados contra o devedor processos de execução fiscal, com fundamento em reversão, sendo reclamado do mesmo a quantia total de € 16.814,93, quantia essa apurada com base em certidões emitidas em 31/05/2019.
f) O devedor deduziu oposição no Proc. nº …
g) Em 31/01/2016, o devedor pagou ao Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a quantia de € 10,62, relativa a prestação de plano de pagamento.
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Não resultou demonstrado qualquer outro facto com relevo para a decisão dos autos, sendo que não se encontra demonstrado que o pai do devedor faça parte do seu agregado familiar, nem que esteja a seu cargo, razão pela qual os factos relativos à situação económica e financeira deste não podem ser considerados para efeitos dos presentes autos.
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C) De Direito
O instituto da exoneração do passivo restante encontra-se previsto nos arts. 235º e ss. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – diploma a que pertencem todos os artigos adiante indicados sem outra referência - e conforme resulta da exposição de motivos que consta do diploma preambular do Dec. Lei que aprovou o Código em causa - Dec. Lei nº 53/2004 de 18.03 -: “o princípio geral nesta matéria é o de poder ser concedida ao devedor pessoa singular a exoneração dos créditos sobre a insolvência que não forem integralmente pagos no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao encerramento deste. A efectiva obtenção de tal benefício supõe, portanto, que, após a sujeição a processo de insolvência, o devedor permaneça por um período de cinco anos - designado período da cessão - ainda adstrito ao pagamento dos créditos da insolvência que não hajam sido integralmente satisfeitos. Durante esse período, ele assume, entre várias outras obrigações, a de ceder o seu rendimento disponível (tal como definido no Código) a um fiduciário (entidade designada pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência), que afectará os montantes recebidos ao pagamento dos credores. No termo desse período, tendo o devedor cumprido, para com os credores, todos os deveres que sobre ele impendiam, é proferido despacho de exoneração, que liberta o devedor das eventuais dívidas ainda pendentes de pagamento. A ponderação dos requisitos exigidos ao devedor e da conduta recta que ele teve necessariamente de adoptar justificará, então, que lhe seja concedido o benefício da exoneração, permitindo a sua reintegração plena na vida económica” - ponto 45.
Na pendência do período de cessão são impostas ao devedor obrigações, destacando-se desde logo a obrigação de durante cinco anos ceder os rendimentos disponíveis, que em cada momento serão determinados por contraposição com os rendimentos necessários a uma subsistência humana e socialmente condigna, que ao juiz cabe quantificar e fixar, constituindo estes os rendimentos que o devedor não está obrigado a ceder ao fiduciário nomeado.
O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação e será sempre rejeitado, se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório, ou, no caso de dispensa da realização desta, após os 60 dias subsequentes à sentença que tenha declarado a insolvência.
Se não tiver sido dele a iniciativa do processo de insolvência, deve constar do acto de citação do devedor pessoa singular a indicação da possibilidade de solicitar a exoneração do passivo restante, nos termos previstos no número 1 do artº 236º - cfr nºs 1 e 2 deste artigo.
A concessão efectiva da exoneração do passivo restante pressupõe desde logo que não exista motivo para o indeferimento liminar do pedido, por força do disposto no artigo 238º - vd artigo 237 º.
Quanto à recusa de exoneração após o período de cessão, de acordo com o n.º 2 do art. 244º do CIRE, ela dá-se pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos da recusa antecipada.
Daqui resulta que o juiz não dispõe de um poder discricionário de conceder, ou não, a exoneração, mas apenas pode recusar essa exoneração nos casos em que se prove a verificação de uma das situações taxativamente elencadas no n.º 1 do art. 243º e que constituam fundamento para a cessação antecipada do procedimento.
O instituto da exoneração do passivo restante, que, como se viu, se traduz num benefício concedido aos insolventes, tem como contrapartida que estes, de boa fé, observem um determinado número de condutas e deveres, tipificados na lei – cfr artº 239º do CIRE.
Estabelece este artigo: “(…) 2- O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designada fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte. 3 - Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) Dos créditos a que se refere o artigo 115.º cedidos a terceiro, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz; b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) O sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional; ii) O exercício pelo devedor da sua actividade profissional; iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor. 4 - Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a: a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os seus rendimentos e património na forma e no prazo em que isso lhe seja requisitado; b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto; c) Entregar imediatamente ao fiduciário, quando por si recebida, a parte dos seus rendimentos objecto de cessão; d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respectiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro de igual prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego; e) Não fazer quaisquer pagamentos aos credores da insolvência a não ser através do fiduciário e a não criar qualquer vantagem especial para algum desses credores. 5 - A cessão prevista no n.º 2 prevalece sobre quaisquer acordos que excluam, condicionem ou por qualquer forma limitem a cessão de bens ou rendimentos do devedor. (…)”.
Por sua vez, estabelece o artigo 244º do mesmo CIRE: “1 - Não tendo havido lugar a cessação antecipada, o juiz decide nos 10 dias subsequentes ao termo do período da cessão sobre a concessão ou não da exoneração do passivo restante do devedor, ouvido este, o fiduciário e os credores da insolvência. 2 - A exoneração é recusada pelos mesmos fundamentos e com subordinação aos mesmos requisitos por que o poderia ter sido antecipadamente, nos termos do artigo anterior.”
Por fim e no que concerne à cessação antecipada do procedimento de exoneração, estabelece o artº 243º que: “1- Antes ainda de terminado o período da cessão, deve o juiz recusar a exoneração, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se estiver ainda em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor” – quando
“a) O devedor tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência; (…). 3- Quando o requerimento se baseie nas alíneas a) e b) do n.º 1, o juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão; a exoneração é sempre recusada se o devedor, sem motivo razoável, não fornecer no prazo que lhe seja fixado informações que comprovem o cumprimento das suas obrigações, ou, devidamente convocado, faltar injustificadamente à audiência em que deveria prestá-las.”
A situação em causa nos autos é susceptível de se enquadrar na violação do disposto pelo art.º 239º, n.º 4, c), do CIRE e, consequentemente, de fundamentar a recusa da exoneração do passivo restante nos termos do estabelecido no aludido artº 243º, nº1, a), do mesmo Código.
A recusa da exoneração para efeitos do previsto neste último normativo depende da demonstração de um elemento objectivo – incumprimento pelo devedor de alguma das obrigações que lhe são consignadas pelo artigo 239º e prejuízo para a satisfação dos créditos sobre a insolvência em razão desse incumprimento – e de um elemento subjectivo – dolo ou negligência grave do devedor.
Decorre da lei que nem toda e qualquer violação das obrigações impostas ao insolvente como corolário da admissão liminar do pedido exoneração releva como causa de recusa do benefício: o artigo 243º, nº1, a) é taxativo ao exigir que se trate de uma prevaricação dolosa ou com grave negligência e, cumulativamente, que a actuação do devedor tenha prejudicado a satisfação dos credores da insolvência.
A doutrina adiciona a estes dois requisitos um terceiro: o da existência de um nexo causal entre a conduta dolosa do insolvente e o dano para a satisfação daqueles créditos, conf. L. M. Martins, Recuperação de Pessoas Singulares, Volume I, 2ª edição, 2012, Almedina, Coimbra, pág. 163.
Deste modo, a violação, com dolo ou negligência grave das obrigações que vinculam os insolventes há-de provocar um resultado: a afectação da satisfação dos créditos sobre a insolvência.
E para estes efeitos, ao contrário do que sucede para a revogação da exoneração em que é necessário um prejuízo relevante (cfr. artigos 243.º al. b) e 246 nº 1, in fine, do CIRE), aqui é suficiente um qualquer prejuízo, ou seja, um simples prejuízo para a satisfação dos créditos.
Conforme resulta dos factos provados, em 22-06-2020, o Fiduciário apresentou relatório nos autos, do qual consta: “(…) Valor cedido até à data: 12.788,03€. Valor em incumprimento: 10.165,56€. (…) Desde 11/2019 que o insolvente não disponibiliza qualquer informação sobre os seus rendimentos. (…)”.
Em 29 e 30-06-2020, os credores C… e Banco …, SA, apresentaram, respectivamente, requerimento requerendo a cessação antecipada do incidente.
Em 12-11-2020 foi proferido despacho, determinando a notificação ao devedor, na sua própria pessoa, dos requerimentos dos credores imediatamente supra referidos e do relatório apresentado pelo Sr. Fiduciário em 22-06-2020.
Foi igualmente determinada a notificação do Fiduciário, Devedor, Credores e Ministério Público para se pronunciarem, querendo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 244.º/1, parte final, do CIRE (decisão final da exoneração).
Tais notificações foram efectuadas, tendo-se os credores pronunciado no sentido de dever ser recusada a exoneração definitiva e o devedor nada disse.
Em 27-11-2020, o Sr. Fiduciário apresentou relatório final aos autos, do qual consta:
“(…)Valor cedido até à data: 12.894,81€. Valor em incumprimento: 11.987,43€. (…)”. Na sequência da notificação deste relatório, o devedor apresentou requerimento, concluindo que lhe deve ser concedida a exoneração e juntou documentos.
Ora, de acordo com o que resulta do mapa de pagamentos anexo ao relatório final apresentado pelo Fiduciário e cujo teor não foi impugnado pelo devedor:
- Nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2016, o valor a ceder pelo devedor deveria ter sido, de acordo com o rendimento auferido pelo mesmo, respectivamente, de € 1.202,06, € 303,07, € 1.061,25 e de € 918,18 e tais quantias não foram entregues ao fiduciário;
- Nos meses de Maio, Junho e Julho de 2017, o valor a ceder pelo devedor deveria ter sido, respectivamente, de € 868,94, € 1.119,90 e de € 554,91 e esses montantes não foram entregues ao fiduciário;
- Nos meses de Junho de 2018, o valor a ceder pelo devedor deveria ter sido de € 3.645,92 e tal quantia também não foi entregue ao fiduciário;
- Nos meses de Junho, Setembro, Novembro e Dezembro de 2019, o valor a ceder pelo devedor deveria ter sido respectivamente, de € 270,40, € 158,90, € 617,56 e de € 229,55, quantias essas que não foram entregues ao fiduciário e
- Nos meses de Janeiro, Abril, Junho e Agosto de 2020, o valor a ceder pelo devedor deveria ter sido, respectivamente, de € 26,62, € 163,92, € 400,01 e € 61,69 e tais montantes também não foram entregues ao fiduciário.
Conforme resulta igualmente do relatório em causa, atentos os rendimentos auferidos pelo devedor nos meses de Outubro de 2017 a Maio de 2018, de Julho de 2018 a Setembro de 2018 e nos meses de Maio, Agosto, Outubro de 2019, Fevereiro, Março, Maio e Julho de 2019 foi considerado que não existia qualquer valor a ceder pelo mesmo à massa insolvente.
O devedor foi desde logo notificado do relatório apresentado pelo fiduciário em 22-06-2020, do qual constava encontrar-se em dívida pelo mesmo € 10.165,56€ e por este então nada foi dito.
O 1º incumprimento por parte do devedor ocorreu logo nos 9º, 10º e 11º meses após a data em que se iniciou a cessação do rendimento disponível e não obstante este ter apresentado requerimento, em 19 de Dezembro de 2017, propondo um plano de pagamento, mesmo durante os meses em que o seu rendimento mensal líquido rondou os € 1.200,00, não foi entregue por si qualquer quantia com vista a ser imputada no valor em incumprimento. O 1º incumprimento ocorreu mais de um ano antes de o devedor ter sido submetido à 1ª intervenção cirúrgica e de ter estado de baixa médica.
Em Junho de 2018, o devedor devia ter entregue ao fiduciário € 3.645,92 e nada entregou. É certo que o mesmo foi submetido a uma outra intervenção cirúrgica em 14/05/2018 e esteve de baixa médica entre 13/05/2018 e 04/06/2018, mas estes factos, por si só, também não permitem justificar o aludido incumprimento.
No período que decorreu de Junho de 2019 a Setembro de 2000, o devedor devia ter entregue ao fiduciário, atentos os seus rendimentos, a quantia de € 1.967,84 e apenas entregou € 172,59.
Do exposto e considerando os factos que resultaram provados, conclui-se que o devedor violou a sua obrigação de cessão do rendimento disponível, que o fez pelo menos com negligência grave, o que resulta do facto de os incumprimentos serem reiterados e de durante vários meses não ter procedido sequer à entrega de qualquer quantia a ser imputada no valor que por si era devido e de nunca ter vindo também requer a alteração do montante fixado em termos de rendimento indisponível.
Por outro lado, quanto ao prejuízo que deste incumprimento decorre para a satisfação dos créditos sobre a insolvência temo-lo por indiscutível, pois que a não entrega de tal valor (que é significativo) prejudica negativamente a massa insolvente e, reflexamente, a satisfação daqueles créditos à custa da massa. O montante em dívida perfaz € 11.987,43.
Verificados, assim, os pressupostos que determinam a recusa da exoneração do passivo, nada há a alterar à decisão em recurso, improcedendo a alegação do Recorrente.
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IV- DECISÃO
Por todo o exposto, acordam os Juízes deste colectivo em julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se em consequência a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente – artº 527º do C.P.Civil.
Registe e notifique.
Lisboa, 06/07/2021
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas
Paula Cardoso