INVENTÁRIO
SONEGAÇÃO DE BENS
IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
RELACIONAÇÃO
CONTAS BANCÁRIAS
Sumário

I - Tendo o Mº Juiz suportado a sua convicção no sentido de não ter ocorrido ‘sonegação de bens’, nomeadamente com base na prova testemunhal junta aos autos, reduzida a escrito [confirmando assim a decisão da Senhora Notária], não podia a recorrente impugnar com sucesso tal decisão sem qualquer alusão aos depoimentos em causa, indicando concretamente as passagens em que funda a pretensão impugnatória, confrontando tais passagens, criticamente, com as que o Mº Juiz transcreve, concluindo de forma lógica e fundamentada com as razões da sua discordância e os fundamentos para a pretendida alteração.
II - Não se verificando a situação prevista no n.º 2 do artigo 1789.º do Código Civil – separação de facto prévia à data da entrada do requerimento de divórcio – aplicar-se-á a regra geral prevista no n.º 1 da citada disposição legal, retroagindo os efeitos patrimoniais do divórcio à data da propositura da respetiva ação.
III - Se os valores dos depósitos objeto da reclamação sobre a relação de bens não existiam nas contas bancárias dos ex-cônjuges à data da propositura da ação de divórcio, não deverão integrar o ativo a partilhar, sem prejuízo do acesso da reclamante a outros meios processuais que permitam a realização do seu alegado e eventual direito.

Texto Integral

Processo n.º 61/21.9T8SJM.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Corre termos no Cartório Notarial de B…, em São João da Madeira, processo de inventário com o n.º 279/14, instaurado na sequência de divórcio entre a requerente D… e o requerido C…, no qual foi proferida decisão sobre o incidente de reclamação contra a relação de bens, impugnada judicialmente (para a 1.ª instância) pela requerente.
Consta do dispositivo da decisão da Exma. Senhora Notária:
«Face ao supra exposto decide-se o seguinte:
(i) Quanto ao incidente da Reclamação contra a Relação de Bens:
Dar como parcialmente provada a reclamação contra a relação dc bens apresentada pela requerente D…, nomeadamente no que concerne averba n.º 5 da Relação de Bens, devendo constar desta verba a identificação de todos os bens móveis, comuns do extinto casal, identificados npo auto de arrolamento junto como doc. 3 da Reclamação.
Improcedem por não provadas, as demais questões levantadas no incidente.
Deste modo, ordena-se a notificação do cabeça-de-casal para, no prazo de 10 (dez) dez dias, juntar aos autos uma nova relação de bens, devidamente completada e retificada nos termos da presente decisão.».
A requerente D… impugnou judicialmente, junto do Tribunal de 1.ª instância, o despacho da Notária, apresentando as seguintes conclusões:
1. O cabeça-de-casal apresentou uma relação de bens (em 02 de Abril de 2014) na qual relacionou vários bens, dos quais vários, estão na sua posse.
2. A aqui Recorrente reclamou dessa relação de bens acrescentando os bens comuns do casal a partilhar, que o cabeça-de-casal sonegou.
3. Na sequência disso e sem prejuízo da resposta do cabeça-de-casal, a verdade é que aquele nada acrescentou às verbas que já tinha constavam da relação de bens.
4. A Exma. Senhora Notária proferiu decisão final da reclamação contra a relação de bens, da qual a aqui Recorrente não se conforma e por tal facto recorre.
5. Com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião, entende a aqui Recorrente que a Exma. Senhora Notária, não diligenciou no sentido de (e sem prejuízo de caber à parte que alega determinado facto fazer prova) obter todos os documentos (extracto bancário da transferência de €250.000,00 da conta do cabeça-de-casal, para o seu irmão Constantino que permitiria dar como provado a verba n° 2 da reclamação contra a relação de bens) necessários e indispensáveis à descoberta da verdade e à justa composição do litígio, e que bem sabia não estar na posse da aqui Recorrente, pelo que com tal omissão, feriu a decisão de nulidade nos termos do artigo 195° do CPC e violou o Princípio do Inquisitório, plasmado no artigo 411° do CPC, no qual é aplicável, subsidiariamente ao processo de inventário, ainda que corra no Notário, assim o RJPI, e que refere que incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto a factos de que lhe é lícito conhecer.
6. Pelo que a decisão final da reclamação da relação de bens, salvo melhor e mais Douto opinião é nula, o que desde já se deixa requerido.
7. Sem prescindir, e caso assim não se entenda e por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que o cabeça-de-casal em 2010, emprestou ao seu irmão Constantino uma quantia de €250.000,00, que foi transferida de uma das contas daquele para o seu irmão (transferência bancária).
8. Sem prejuízo de tal testemunha ter negado tal recebimento de capital e transferência, a verdade é que disse não ter conta no Banco E… há cerca de 20 anos, quando nem sequer a Recorrente, nem ninguém, havia mencionado de que banco teria sido efectuada a transferência de tal valor, pois a aqui Recorrente sabe da transferência porque o seu ex-marido na época o mencionou, mas não sabe de que conta terá sido efectuada a mesma.
9. Posto isto, não se pode aceitar a decisão da Exma. Senhora Notária quanto à não inclusão da verba n° 2 da reclamação contra a relação de bens, porquanto esta tem um direito de crédito no valor de €125.000,00, devendo tal se encontrar relacionado na decisão final.
10. Ainda na Reclamação contra a Relação de Bens a partilhar, a Requerente diz em síntese que a Relação de Bens a Partilhar apresentada pelo cabeça-do-casal se encontra manifesta e ‘dolosamente’ incompleta, tendo o mesmo levado veículos automóveis consigo - bens comuns do casal - já antes do processo de divórcio, após agressão contra a Requerida num contexto de violência doméstica, vários objectos em ouro e pedras preciosas, avaliadas em acção de processo penal (que foi posteriormente apensado ao processo de violência doméstica Processo n° 547/12.6PASJM.P1, já transitado em julgado) olvidando ainda deliberada e intencionalmente os levantamentos de capital que efectuados ou junto de instituições bancárias, em contas tituladas por si, mas cujo capital é bem comum do extinto casal.
11. Assim, violou o cabe-de-casal, de forma consciente e voluntária os deveres que a lei lhe impõe, para efeitos do disposto no artigo 2086° do Código Civil.
12. E apesar de ter sido requerida a remoção do cabeça-de-casal pela aqui Recorrente, a Exma. Senhora notária indeferiu tal requerimento.
13. Havendo clara sonegação de bens por parte do cabeça-de-casal na relação de bens por si apresentada, que igualmente não foi sancionada pela Exma. Senhora Notária, sem prejuízo de ter sido exposta pela aqui Recorrente, devendo a Exma. Senhora Notária ter agido em conformidade com a legislação em vigor, o que salvo melhor e mais Douta opinião não sucedeu.
14. A Exma. Senhora Notária, deu unicamente como parcialmente provada a reclamação contra a relação de bens apresentada pela Requerida, aqui Recorrente, nomeadamente no que concerne à verba 5° da Relação de Bens (apresentada pelo cabeça-de-casal), devendo constar desta verba a identificação de todos os bens móveis, comuns, do extinto casal, identificado no auto de arrolamento junto como doe. 3 da Reclamação.
15. Por outras palavras o que decidiu a Exma. Senhora Notária, foi tão somente, que o cabeça-de-casal, discriminasse os bens que se encontram dentro da casa de morada de família aquando o arrolamento efectuado em sede de divórcio, e que na reclamação de bens atribuiu "dolosamente" o valor de €75.000,00, quanto no referido processo de divórcio e arrolamento que correu por apenso, ambos os cônjuges haviam acordado um valor aos referidos bens de cerca de €13.000,00.
16. Mal andou a Exma. Senhora Notária que quanto ao valor dos bens apesar de ter conhecimento, nada veio dizer. Não precisavam sequer os mesmos serem avaliados, pois ambas as partes anos antes haviam acordado em Tribunal o valor a atribuir a tais bens e que se encontravam na casa de morada de família que ficou atribuída à aqui Recorrente até à partilha de bens.
17. Sem prejuízo disso, também nem todos os bens que se encontravam à data do arrolamento era bens comuns do casal, como de resto bem sabe o cabeça-de-casal, pois que o mobiliário do quarto do filho do extinto casal F…, foram oferecidos por ambos e constituem bens próprios do mesmo, que ainda os utiliza diariamente.
18. Assim também o mobiliário constante do quarto do filho de ambos T…, que também não é bem comum do extinto casal, uma vez que foi igualmente oferecido pelos pais, sendo assim um bem próprio do mesmo.
19. E disso bem sabe o cabeça-de-casal.
20. Pelo que devem tais bens não serem considerados bens comuns do casal deixando assim de serem relacionados na verba n° 5 da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal.
21. O cabeça-de-casal apresentou na sua relação de bens, sob a verba n° 2 uma quota (participação social) de que é titular numa sociedade sua unipessoal por quotas. Quota essa com o valor de €5.000,00 (correspondente à totalidade do capital social da sociedade), tendo para tal junto a certidão comercial da sociedade.
22. Mal andou a Exma. Senhora Notária, que aceitou sem mais, que o valor da quota fosse o valor do capital social da sociedade, que tem uma quota única no valor de €5.000,00, que sem prejuízo de ser titulada pelo cabeça-de-casal é património comum.
23. E refira-se por pertinente para a lide, que a Recorrente requereu que fosse a sociedade notificada para vir aos autos juntar as demonstrações financeiras à data, a fim de se verificar o valor comerciar da sociedade.
24. A sociedade juntou um balanço que não é suficiente para avaliar o valor comercial de uma sociedade, mas que ainda assim foi aceite pela Exma. Senhora Notária, o que não deveria.
25. Deveria assim a Senhora Notária, ter diligenciado no sentido que a Recorrente requereu, solicitando todos os documentos necessários à avaliação da sociedade àquela data ou mesmo mandar avaliar por pessoa idónea e com conhecimentos na matéria.
26. Pelo que quanto a esta matéria, mal andou a Exma. Senhora Notária, ao dar como provado que a sociedade tem um valor exactamente igual ao seu capital social.
27. Sendo que o valor da sociedade é aferido em função não só das demonstrações financeiras, do referido exercício (ano), como ainda das perspectivas futuras de negócio que poderão existir e objectivos de crescimento da sociedade em curto, médio e longo prazo.
28. Mais, o cabeça-de-casal na verba n" 3 da relação de bens apresentou e discriminou um determinado saldo de aplicações financeiras, produtos financeiros e seguros de capitalização/poupança e PP R s, associados à conta bancária no E1… sob o n° …………………. (só descreveu os PPR's), num valor total de €23.659,57, como sendo bens comuns a partilhar.
29. E na verba n" 4. apresentou como saldo da conta bancária identificada na verba n° 3 (pensamos que saldo à ordem) um valor não superior a €3.000,00, a confirmar em extracto de conta, que não apresentou, apesar do tempo que lhe foi concedido para a apresentação da relação de bens, que até lhe foi prorrogado pela Exma. Senhora Notária.
30. Quanto à verba n° 3 e 4, a própria Recorrente, referiu e bem que não só haviam muitos mais PPR"s e de valores muito mais elevados, que só num deles antigo, titulado por ela, e feito por ele, o mesmo tinha o valor de €20.000,00, pelo que estava o cabeça-de-casal a sonegar os demais PPR's e seus exactos valores e ainda as carteiras de títulos que possuíam, uma vez que o mesmo negociava bastante no mercado bolsista, encontrando-se o mesmo a sonegar valores bens comuns do extinto casal. 2012, de forma a se apoderar de tal património e com o devido respeito, deixar, tanto quanto possível a aqui Recorrente "a ver navios".
32. Isto, para além de a ter agredido em contexto de violência doméstica e furtado bens próprios da aqui Recorrida (condenado por isso no Processo n° 547/12.6PASJM.P1), ainda tenta ficar com a parte que por direito é da Recorrente.
33. Pelo que mal andou a Exma. Senhora Notária, ao não considerar as verbas, constantes dos extractos bancários apresentados pela aqui Recorrente na Reclamação contra a relação de bens, que apesar de serem os únicos exctractos de conta que aquela possuía, por ser sempre o marido a querer fazer tudo, a mesma conseguiu obter pelo menos os extractos que se juntaram como does. 7, 8, 9 e 10, na reclamação contra a relação de bens e que respeitam à conta junto do Banco E1… identificada pelo cabeça-de-casal.
34. Tais extractos revelam irrefutavelmente e são prova documental, que só em carteira de títulos a conta do extinto casal, mas titulada unicamente pelo cabeça-de- casal, aliás como a maioria das contas, o era, apresentava um saldo de €23.587,50 (G…, H…, Banco I…, J…, K…, etc.), isto depois de o cabeça-de-casal, transaccionar todo o mês no mercado, ou seja, comprar e vender títulos em carteira, acrescidos de Seguros de Poupança/ L…, o montante de €31.233,29, acrescidos de €435,16 em depósitos à ordem e €175,43 em activos pendentes de liquidação.
35. Tudo perfazendo um total de €55.431,3 8.
36. Bem diferente dos cerca de €23.000,00 que o mesmo verteu na relação de bens, desacompanhado de qualquer documento, para o efeito.
37. Os extractos (documento 9) juntos pela Recorrente na reclamação contra a relação de bens consta ainda o levantamento que o cabeça-de-casal efectuou no valor de €29.275,88 da sua conta junto do M…, com o IBAN PT.. …... ….. …. ….. …. ., em 03.10.2012, e que não foi relacionada pela Exma. Senhora Notária, na decisão final, tal como deveria ter sido.
38. Pelo que deveria a Exma. Senhora Notária ter na sua Decisão, salvo melhor e mais Douta opinião, ter dado como provado a verba n° 3 da reclamação contra a relação de bens, passando aquela a acrescer à verba n° 3 da relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal, passando o valor apresentado pelo cabeça-de-casal de €23.659,57 a partilhar para os reais €55.431,38 e ainda os €29.275,88, constantes no exctracto de conta do M…, tudo perfazendo assim o valor de €108.366,83.
39. Quanto à verba n" 4 da relação de bens, a Exma. Senhora Notária nada refere, ficando a mesma aceite, pelo valor atribuído pelo cabeça-de-casal, que em depósito na já sobejamente identificada conta no E1…, havia capital de valor não superior a €3.000,00.
40. No que se refere à verba n° 6 da relação de bens, mal ondou a Exma. Senhora Notária, por não ter levado em conta nem valorizado o vertido na verba n" 6 da reclamação contra a relação de bens apresentada pela aqui Recorrente e mais ainda, não ter valorizado a avaliação de todos os objectos ali descritos (na verba n" 6 da reclamação contra a relação de créditos) que foram avaliados por perito nomeado pelo Douto Tribunal em sede do Processo n" 547/12.6PASJM.P1, num intervalo de valores de €68.050,00 a €129.300,00.
41. Avaliação aquela, que foi efectuada no âmbito de processo judicial por perito independente, nomeado pelo próprio Tribunal e que não foi alvo nem de reclamação, nem de pedido de esclarecimentos por parte do cabeça-de-casal, tendo sido aceite por aquele no ferido processo crime.
42. Note-se que sem prejuízo de naquele processo, o cabeça-de-casal ter sido condenado pelo furto de dois objectos pertencentes à aqui Recorrente, ou seja, dois bens próprios (uma pulseira Cartier e um Relógio Rolex), não afastou a situação de os restantes objectos bens .comuns do casal estarem consigo, i.e„ na sua posse, ao contrário do que o mesmo referiu na relação de bens que apresentou.
43. No referido Acórdão pode assim ler-se:
“Confirmou que os bens indicados na acusação pertenciam a arguida e que a, escondeu no jardim pedindo ao Sr. O… para a enterrar, mas não convenceu que em Setembro depois de ter pedido à testemunha O…, para ir desenterrar não se ausentou com esta, dela se apropriando, ao contrário do referido pela testemunha transmitiu sinceridade atenta a forma isente e rigorosa como depôs.” (...)
“O facto de estar naquela mala outros objectos de valor como colecção de relógios do arguido, ter sido este último a dar instruções ao Sr. O…, a ir desenterrar e ter dado uma explicação que não se mostrou conforme a verdade, sendo que não sabe do paradeiro da mala nem dos objectos ali existentes, assumem, pois, as características de indícios graves, precisos e concordantes, de modo a poder considerar provados os factos vertidos na acusação, de forma justa, razoável, fundada, sem recurso a mera intuição, impressão ou convicção “. (...)
"No entanto, resulta claro da motivação da decisão que o Tribunal de julgamento não acreditou na versão do arguido de que não se ausentou com a mala onde se encontram os objectos após esta ter sido desenterrada pelo referido O…. Ao Tribunal mereceu credibilidade a versão da testemunha O… reputando o seu depoimento como isento e rigoroso ".
44. E, tais objectos foram alvo de avaliação por perito nomeado pelo Douto Tribunal no âmbito Processo n° 547/12.6PASJM.P1, e expressamente aceite pelo cabeça-de casal, que não impugnou, não reclamou nem pediu quaisquer esclarecimentos, sendo que ali, em juízo era o momento próprio para tal.
45. Mal andou a Exma. Senhora Notária, ao não considerar como provada verba n° 8 da reclamação contra a relação de bens, tendo em conta que no dia 07 de Outubro de 2012, aquando fuga do Requerido da casa de morada de família antes da chegada da P.S.P., e após uma última agressão violenta à Interessada, o Requerido levou o automóvel de marca Mercedes …. …., com a matrícula ..-FH-.., que "alienou" a um amigo pessoal – P… - dois dias depois, em 09 de Outubro 2012, sem consentimento da sua ainda esposa à data e em total arrepio da legislação em vigor e da boa-fé.
46. De acordo com o depoimento da Recorrente, credível e bem assim da Senhora Q…, cunhada da Recorrente e do cabeça-de-casal, o veículo automóvel foi colocado (guardado) num Stand automóvel (pensa a Requerente se ter tratado de um negócio simulado) à saída de Santa Maria da Feira (agora sabe-se que no Stand S…, com sede na Estrada Nacional n° …, ….-… Santa Maria da Feira), mas que o mesmo não estava para venda, porque foi ela própria ao Stand tendo-lhe sido dito que aquele veículo automóvel não estava para venda.
47. E nota-se que tal veículo automóvel àquela data, tinha poucos quilómetros e um valor comercial e de mercado de cerca de €39.000,00 e está no nome do cabeça-de- casal, pelo que não consegui a Recorrente ter prova documental, tendo apresentado de toda a forma prova testemunhal, válida, que se dirigiu pessoalmente ao local onde o veículo supostamente se encontrava para venda.
48. Não levou em conta a Exma. Notária o documento 17 e 18 juntos à reclamação contra a relação de bens, quando comprovam que o veículo se encontrava na titularidade do Sr. P… (amigo do cabeça-de-casal) já em 09.10.2012, portanto antes do divórcio, 2 dias após a saída do cabeça-de-casal de casa, após a agressão à aqui Recorrente, e sem o consentimento desta, nem solicitou ao cabeça-de-casal ou ao Instituto dos Registos e Notariado, a fim de se descobrir a verdade material sobre a partir de quando é que o veículo ficou na titularidade do cabeça-de-casal, quantos anos assim se manteve, se passou ou não para a titularidade da sua sociedade unipessoal.
49. Refere a Exma. Senhora Notária na Motivação da decisão, que:
“Quer as declarações de parte, quer os depoimentos das testemunhas não foram valoradas, uma vez que, apesar de terem sido prestadas com clareza e isenção, não permitiram ao decisor dar como provada diversa materialidade, que somente poderia ser provada por documento, ou não foram suficientes para dar como provada a restante materialidade”.
50. Com o devido respeito, que é muito, qual materialidade? Quais documentos?
51. Não concretiza a Exma. Senhora Notária, tais afirmações, que mais não foram que a motivação que originou a decisão de que ora se recorre.
52. Mais, se as provas que constam dos autos são insuficientes para decidir da reclamação apresentada, dada a complexidade da matéria, como é o caso dos objectos em ouro, como refere a decisão proferida de que ora se recorre, então com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião, deveria a Exma. Senhora Notária, abster- se de decidir, remetendo as partes para os meios comuns, nos termos legais.
53. Pois devem ser incluídos no inventário os bens cuja falta se acusou, o que significa que deveria ter sido decretada a suspensão do inventário em relação às questões controvertidas que considerou a Exma. Senhora Notária, mas que não concretizou, prosseguindo os autos quanto às demais questões do acervo a partilhar, pelo que a decisão de que ora se recorre fez aplicação incorrecta do disposto nos artigos 16° e 36° do RJPI.
DO PEDIDO
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Exa., doutamente suprirá, deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo revogada a decisão/ despacho da meretíssima notária, de acordo com o defendido no presente recurso, assim se fazendo Justiça.
Remetidos os autos ao Juízo de Família e Menores de São João da Madeira do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, o Mº Juiz proferiu o seguinte despacho introdutório:
«No confronto das duas correntes jurisprudenciais apresentadas pelas partes sobre a oportunidade e a competência em razão da hierarquia para o conhecimento do recurso interposto, acolhemos aquela constante dos Acórdãos referidos pela Recorrente, por nos parecer poder oferecer melhores garantias às partes de recorribilidade, oferecendo, eventualmente, mais um grau de reapreciação.
Assim nos parecendo, recebo, pois, o recuso interposto pela interessada D…, colocando em crise o despacho proferido pela Exmª Sr.ª Notária de 14/04/2020, nada obstando ao conhecimento do mérito do mesmo.».
Reporta-se o Mº Juiz aos acórdãos desta Relação, de 27.06.2018 [processo n.º 379/18.8T8GDM.P1], de 27.06.2029 [processo n.º 861/19.0T8VFR-A.P1] e de 22.05.2019 [processo n.º 969/17.6T8AMT.P1], nos quais se decidiu que as decisões interlocutórias proferidas pelo Notário ao longo do processo de inventário são, em regra, impugnáveis judicialmente, incumbindo ao tribunal de 1.ª instância a competência para apreciação do recurso, constando do sumário do processo 861/19.0T8VFR-A.P1: «A decisão proferida pelo Notário no incidente da reclamação da relação de bens em processo de inventário é passível de impugnação judicial para o tribunal de comarca.»[1].
Em 12.02.2021 foi proferida decisão na 1.ª instância, na qual se decidiu confirmar na íntegra a decisão recorrida – notarial.
Não se conformou a recorrente e interpôs recurso de apelação.
Na resposta às alegações de recurso, o recorrido pugnou pela sua inadmissibilidade com fundamento na intempestividade, tendo sido proferido despacho de admissão pelo relator, que considerou o recurso tempestivo[2].
Pese embora tenham recaído sobre a questão em debate nos autos duas decisões coincidentes – a decisão notarial e a decisão judicial (em sede de recurso) que a confirmou na íntegra, conforme decisão anterior deste coletivo [acórdão de 13.10.2020 proferido no processo 969/17.6T8AMT.P2], não se deverá aplicar o regime restritivo da “dupla conforme”, na medida em que a regra enunciada no n.º 3 do artigo 671.º do CPC pressupõe a existência de duas decisões judiciais coincidentes, sendo que na situação em apreço uma delas é administrativa.
No recurso interposto, a recorrente formula as seguintes conclusões:
1. Circunscreve-se o objecto do presente recurso na prática de uma omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreve e que produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão em causa e ainda, sobre factos que foram dados como não provados, quando a prova produzida deveria ter levado a concluir em sentido diverso, dando determinados factos como provados, incluindo-se assim as verbas vertidas na RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS e ainda está em causa saber se houve ou não dissipação e sonegação de bens pelo Cabeça-de-casal e em caso afirmativo, que sejam tais bens relacionados na Relação de Bens para efeitos de Partilha.
2. Da prova produzida deveria ter resultado que o Cabeça-de-casal dissipou bens antes da entrada da Acção de Divórcio (dias antes e após mais uma agressão à Recorrente em contexto de violência doméstica) sonegando os mesmos da Relação de Bens que relacionou e apresentou no Cartório Notarial.
3. Sem prejuízo da acção de divórcio ter dado entrada a 14.10.2012, o Cabeça de Casal colocou em marcha um plano de dissipação do património, pouco tempo antes de dar entrada da acção do divórcio, esperando assim conseguir sonegar parte dos bens comuns, não os tendo relacionado na Relação de Bens, como estava obrigado legalmente a fazer.
4. Sabia que o divórcio era inevitável, pois tinha agredido a Recorrente em contexto de violência doméstica em Agosto de 2012 e novamente 7 dias antes da entrada da acção de divórcio, pelo que ao dissipar o património em data anterior à propositura da acção, sabia que poderia escapar sonegando tais bens da relação de bens.
5. Os fundamentos do presente recurso também consistem na existência de erro na apreciação da matéria de facto e da prova produzida, que urge reparar, na violação de normas de direito e de processo civil, que adiante se deixarão indicadas e ainda nas provas juntas e produzidas nos autos e que não foram consideradas para efeitos da decisão.
6. Com relevância para o recurso e que decorrem da apreciação do Tribunal a quo à impugnação feita pela Recorrente, mediante recurso, resultaram segundo aquele Douto Tribunal 7 questões a serem apreciadas e respondidas:
7. PRIMEIRA QUESTÃO: “Arguição de nulidade por violação por parte da Exma. Senhora Notária do princípio do inquisitório”.
8. Quanto a esta questão, entende a Recorrente, com o devido respeito e salvo melhor opinião que a Exma. Senhora Dra. Notária não ordenou ao Cabeça de casal como deveria, no humilde entendimento da aqui Recorrente e como melhor saberá apreciar o Tribunal ad quem a junção aos autos de todos os documentos necessários e imprescindíveis para o apuramento do efectivo e verdadeiro valor e património comum, a partilhar, nomeadamente da sociedade.
9. TERCEIRA QUESTÃO: Refere o Tribunal a quo que o balanço da sociedade a partilhar foi junto aos autos pelo Cabeça de casal tal como a Recorrente requereu, pelo que o valor da sociedade é assim por aquele aferido, sendo que bem esteve a Exma. Senhora Dra. Notária que “validou” o valor de nominal como sendo o valor do património e da sociedade.
10. Com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião, não assiste razão ao Tribunal a quo, pois a Recorrente na reclamação contra a relação de bens (Verba nº 4) refere expressamente que: “Não obstante o valor nominal da quota detida pelo Cabeça de casal ser de €5.000,00, a Interessada impugna o valor atribuído, porquanto o mesmo deve corresponder ao valor resultante do último balanço apresentado pela referida sociedade e cujo montante, não pode indicar por desconhecer e os documentos estarem na posse do Cabeça de casal.” Requerendo assim e efectivamente o último balanço da sociedade. O Cabeça de casal em 10.12.2014 ao invés de juntar o requerido, ou seja, o balanço da sociedade juntou, ainda que sob o título de Balanço um balancete de razão financeira (o qual é manifestamente insuficiente para permitir apurar o real património da sociedade) e não o comprovativo do último balanço da sociedade.
11. A junção foi ordenada pela Exma. Senhora Dra. Notária, mas o documento que foi junto aos autos (em 10.12.2014) não corresponde ao que efectivamente foi ordenado, pelo que a aqui Recorrente em 07.01.2015 para além de impugnar o “balanço” junto aos autos pelo Cabeça de casal ainda requereu que o mesmo fosse notificado para vir aos autos juntar o último Balanço de 2012 da sociedade a partilhar e ainda de forma a permitir o apuramento concreto do património social àquela data, o mapa do imobilizado da sociedade, do balancete analítico, do mapa de demonstrações de resultados e da informação empresarial simplificados, por se revelarem imprescindíveis ao apuramento do património social da sociedade.
12. Tais documentos nunca foram junto aos autos, tendo a Exma. Senhora Dra. Notária, aceite que o valor da sociedade era o valor nominal, o que não se pode concordar, pois o capital social não é o valor real de uma sociedade nem representa o seu património.
13. QUARTA QUESTÃO: refere o Tribunal a quo que “Mobiliário do quarto dos filhos do casal. Não foi sequer levantada na Reclamação à Relação de Bens”.
14. A questão do mobiliário do quarto dos filhos do casal foi levantada na Reclamação à Relação de Bens (artigo 14º e 15º e verba nº 7) apresentada pela aqui Recorrente, na medida em que faz parte integrante do recheio (bens móveis) da casa de morada de família, tendo a mesma até junto aos autos, com a reclamação de bens, o arrolamento que foi efectuado, a requerimento do Cabeça-de-casal, no processo de divórcio, de todo o mobiliário existente na casa de morada de família, tendo ambos acordado o que ali havia, e que incluía o mobiliário do quarto dos dois filhos do casal (mobiliário que era dos filhos porque lhes foi oferecido pelo extinto casal e portanto não faz parte dos bens comuns a partilhar) valia €13.000,00 e não o valor de € 75.000,00 atribuído pelo Cabeça de casal.
15. Por tais razões o mobiliário existente sim na casa de morada de família mas cuja titularidade é dos filhos do casal, não pode fazer parte da relação de bens, devendo o valor do mesmo ser descontado dos €13.000,00.
16. QUINTA QUESTÃO: Refere o Tribunal a quo “Verbas constantes dos extratos bancários”, que também aqui bem esteve a Exma. Senhora Dra. Notária.
17. A Recorrente com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião, discorda in totum da conclusão da Exma. Senhora Dra. Notária e do Tribunal a quo.
18. A Recorrente reclamou contra a relação de bens apresentada pelo Cabeça de casal, tendo naquela reclamação requerido que o Cartório Notarial notificasse algumas entidades nomeadamente, mas sem excepção bancárias, com vista a se apurar os saldos e movimentos das contas e assim se conseguir apurar o património comum do casal. Sem prejuízo do que à data da reclamação de créditos a Recorrente já havia tomado conhecimento quanto à dissipação do património e sonegação de bens por parte do Cabeça de casal, veio ainda a ser confirmado pelos extractos bancários remetidos pelos bancos aos autos de uma série de movimentações nas contas, que num caso chegou até a originar que a conta ficasse a zeros euros.
19. Tais documentos, apesar de terem sido remetidos após a reclamação contra a relação de bens, deveriam ter sido considerados pela Exma. Senhora Dra. Notária, porquanto foram requeridos na Reclamação e são demonstrativos da dissipação do património em data anterior, mas muito próxima da entrada da acção de divórcio. Ao ser não serem considerada tal dissipação, significa que qualquer pessoa que dias antes da propositura de uma acção de divórcio “esvazie” por exemplo contas bancárias, não está a dissipar património comum do casal porque ainda permaneciam na constância de matrimónio, o que a aqui Recorrente, com o devido respeito e salvo melhor opinião não pode concordar, por questões de justiça e equidade material.
20. Assim, logo após a agressão em Agosto de 2012, o Cabeça de casal, começou de imediato a dissipar o património comum do casal, dando de imediato início a um plano de dissimulação de sonegação de bens com o propósito dos mesmos não virem a ser relacionados na relação de bens a partilhar.
21. O Cabeça de Casal na relação de Bens, sob a verba nº 3, apresentou e discriminou um determinado saldo de aplicações financeiras, produtos financeiros e seguros de capitalização/poupança e PPR`s, associados à conta bancária no E1… sob o nº ……………….. (só descreveu os PPR`s), num valor total de €23.659,57, como sendo bens comuns a partilhar. E na verba nº 4, apresentou como saldo da conta bancária identificada na verba nº 3 (pensamos que saldo à ordem) um valor não superior a €3.000,00, a confirmar em extracto de conta, que não apresentou.
As verbas relacionadas não são verdadeiras.
22. Na reclamação à relação de bens, a Recorrente juntou os documentos 7, 8, 9 e 10, que bens demonstram uma situação distinta: que em 31.07.2012 existia, por exemplo, no E… (doc. 7 da impugnação por recurso) entre seguros de poupança, activos pendentes e carteira de títulos, a quantia global de €66.065,07, sendo certo que num anterior extracto do E…, de Março de 2012 (doc. 8 da impugnação por recurso), constam descritos €24.964,20 de títulos em carteira não relacionados pelo Cabeça de Casal, acrescidos de mais €30.938,83 em Seguros de Poupança também omissos na descrição da referida verba. Só a carteira de títulos apresentava uma saldo de €23.587,50 (G…, H…, Banco I…, J…, K…, etc.) e a acrescer a esse valor existem ainda Seguros de Poupança/ L…, o montante de €31.233,29, acrescidos ainda de €435,16 em depósitos à ordem e €175,43 em activos pendentes de liquidação (Doc. 7 junto à reclamação de bens).
23. Tudo isto, que, com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião, não foi considerado, e devia, pelo Tribunal a quo, apesar de constar dos documentos junto aos autos de processo (Doc. 7) e que somam a um total de €55.431,38 (€23.587,50 + €31.233,29 + €435,16 + €175,43 = €55.431,38) portanto, bem diferente dos cerca de €23.000,00 que o cabeça-de-casal verteu na relação de bens e desacompanhado de documento, para o efeito.
24. Após a reclamação de bens (15.05.2012) os bancos remetem os extractos que naquela reclamação haviam sido requeridos, verificando-se que, por exemplo no caso do E… e em Agosto de 2012 (data de uma das agressões à Recorrente) o património comum era de €51.604,29 (DO + Seguros + Carteira de Títulos); no mês de Setembro de 2012 o património comum era de €48.487,75, ou seja, menos €3.116,54 do que no mês anterior e no mês de Outubro de 2012 (mês em que a Recorrente foi uma vez mais agredida, no dia 07) o património comum era de €19.774,74, ou seja, menos €28.713,01 em relação ao mês anterior e menos €31.829,55 em relação ao mês de Agosto.
25. Verifica-se pelo extracto de Outubro de 2012 que o Cabeça de casal, emitiu cheques, sem que apresentasse justificação para tal que originaram retiradas de capital da conta: a) 04.10.2012: cheque no valor de €10.000; b) 09.10.2012: cheque no valor de €5.300 (este depois da agressão do dia 07 e seu abandono da casa de morada de família); c) 17.10.2012: €7.000,00 (este já após entra da acção de divórcio, no dia 14).
26. O Cabeça de casal omitiu todos estes pagamentos de cheques, que provocaram uma diminuição na conta património comum do casal num valor de dezenas de milhares de euros. Assim sonegando bens comuns do casal.
27. Vê-se igualmente que o Cabeça de casal mesmo após a entrada da acção de divórcio (a 14.10.2012) continuou a fazer vários movimentos na conta, como se fosse aquela só sua.
28. Uma outra prova, que a Recorrente com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião considera irrefutável, mas que não foi considerada nos presentes autos diz respeito aos fundos junto do M… (IBAN PT.. …. …. …. …. …. .) cujo extracto de conta de 29.08.2011 a 30.01.2013 (doc. 9 junto à reclamação de bens) bem demonstra que no dia 03.10.2012 o Cabeça-de-casal fez um levantamento de €29.275,88, deixando a conta a zeros! Este documento consta como anexo da reclamação contra a relação de bens (Doc. 9 da reclamação de bens) e consta da Verba nº 3 apresentada na reclamação contra a relação de bens e é um documento idóneo, mas não foi considerado como prova, como deveria.
29. É certo que o levantamento de tal elevada quantia foi efectuado no dia 03.10.2012, ou seja, antes da entrada da acção de divórcio. Mas, é igualmente certo que o mesmo foi efectuado depois da agressão de Agosto de 2012, que sempre levaria à ruptura da relação conjugal, e 4 dias antes da última agressão a 07.10.2012 e a 7 dias da entrada da acção de divórcio.
30. Deveria assim o referido valor de €29.275,88 ser introduzido por via de uma outra verba na relação de bens comuns a partilhar, como melhor apreciará o Tribunal ad quem.
31. Mais, não foi considerado para efeitos de partilha de bens comuns, a verba que foi emprestada pelo extinto casal ao irmão do Cabeça de Casal, no valor de €250.00,00 que, pese embora o fosse no ano 2009 (conforme Doc. 10 junto à reclamação da relação de bens) aquele nunca liquidou tal empréstimo.
32. SEXTA QUESTÃO: “Objetos (ouro, joias e relógios) avaliados por perito”.
Quanto a esta questão, entende a Recorrente, com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião, que mal andou também o Tribunal quo.
33. Os objectos referidos sob a verba nº 6 da relação de bens (e também verba nº 6 da reclamação à relação de bens) sempre estiveram guardados numa mala enterrada no jardim da casa de morada de família e que era desenterrada e enterrada pelo empregado do casal o Sr. O…, sempre que necessário.
34. O Cabeça de casal foi condenado pelo furto de 2 objectos (pulseira e relógio), bens próprios da aqui Recorrente, conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo nº 547/12.6PASJM.P1, cuja certidão se encontra junto aos presente autos – que confirmou que o Cabeça de Casal em Setembro de 2012 (já após a agressão de Agosto de 2012) ordenou ao Sr. O… (testemunha no processo penal e nos presentes autos) que desenterrasse a mala que guarda todos os objectos valiosos, descritos na verba nº 6 da reclamação de bens, porque precisava, nunca mais tendo entregue ao mesmo a mala, como de resto era habitual, para que a mesma voltasse a ser enterrada.
35. Foi assim aquele o último a estar com a mala na mão.
36. Tais objectos foram no processo penal avaliados por um perito nomeado pelo Douto Tribunal, tendo o Cabeça de casal e a Recorrente sido notificados da avaliação, não tendo nenhum deles apresentado reclamação, colocado em causa, ou requerido outras diligências que tivessem por conveniente, aceitando assim, conscientemente e sem reservas a avaliação efectuada pelo perito ainda que por fotos (mas que os objectos maioritariamente são conhecidos no mercado, ainda estão em comercialização, de marcas conhecidas e referências conhecidas).
37. Ora, o Tribunal a quo, concluiu, que aquela avaliação valia nada! A avaliação feita a pedido de um outro Tribunal e aceite por todos!
38. O que não se pode concordar.
39. Sem prejuízo de ter sido realizada com base em fotos, os objectos são conhecidos das partes e do mercado: “o mercado tem alguns valores de referência que nos permite dentro de um intervalo aceitável, aferir entre que valores cada uma delas poderia valer, sendo possível avaliar com maior rigor alguns dos relógios cujas marcas e modelos identificados ainda se comercializam novos no mercado”, tendo sido avaliados por um valor que se situa entre os €68.000 a €129.000.
40. O Cabeça de casal apresenta na relação de bens tais objectos (sem os descriminar) atribuindo-lhe um valor distinto do da avaliação feita por perito nomeado pelo Tribunal e que aceitou como boa e válida, não tendo reclamado da mesma e ainda referindo que tais bens se encontravam na casa de morada de família, bem sabendo que tal não corresponde à verdade dos factos, pois foi o último a ser visto com a mala onde os mesmos são guardados e já em Setembro de 2012, ou seja, no mês anterior ao da propositura da acção de divórcio.
41. Aliás, não convenceu o Cabeça de casal que o mesmo não havia saio da casa de morada de família sem a referida mala, como se pode ler no Douto Acórdão.
42. A Exma. Senhora Dra. Notária, em 02.10.2018, proferiu despacho ordenando ao Cabeça de Casal para apresentar os objectos em outro para serem avaliados por perito, tendo o Cabeça de casal respondido em 25.10.2018, que tais objectos necessitam de ser avaliados, e em 29.10.2018, vem aos autos dizer que tais objectos se encontram na casa de morada de família, bem sabendo que ele próprio foi o último a estar com a mala que continha todos os objectos no seu interior.
43. A Recorrente a pedido da Exma. Senhora Dra. Notária em 21.11.2018 juntou a avaliação dos objectos pelo perito nomeada pelo Tribunal no processo-crime e ainda juntou em 28.11.2019, uma certidão do Acórdão Proferido com a avaliação dos objectos que foi aceite por todas as partes.
44. Pelo que é de repudiar que o Cabeça de Casal tenha vindo aos autos, em 25.10.2018 dizer que os objectos tinham que ser avaliados, quando sabia que os mesmo já haviam sido avaliados e que aceitou tal avaliação conforme consta dos autos do processo-crime: “Diligenciou-se então pela realização de perícia, tendo sido o Arguido e a Assistente notificados do Relatório da mesma, sem que nada viessem requerer ou reclamar (…)”.
45. Se não concordou com a avaliação do perito, então teve o Cabeça de casal o momento próprio para o fazer no processo em que a avaliação foi efectivamente efectuada pois era o momento e o processo próprio.
46. Mais, bem sabe o Cabeça de casal que foi o último a estar com tais objectos na mão.
47. Mais, no dia do Debate Instrutório no Processo de furto, o Cabeça de Casal displicentemente, apresentou-se na diligência usando uma das pulseiras de ouro guardadas com as demais jóias na referida mala, facto reconhecido na presença dos Magistrados, pelo filho do casal, T…, continuando a exibir publicamente diversos relógios ali guardados, designadamente, o Rolex Daytona.
48. Aliás, confrontado com a diligência de arrolamento dos bens constantes da referida mala (providência de arrolamento requerida pela Recorrente, já que a dele foi apenas dos bens móveis constantes da casa de morada de família) ele prestou falsas declarações nos autos, negando estar na posse de tais bens, acusando até e pelo contrário a Recorrente de estar na posse dos mesmo e levantando, em alternativa, a suspeita de furto pela empregada doméstica, Justina Augusta Barro, contra quem requereu diligências de prova (doc. 14 da reclamação).
49. Pelo que, com o devido respeito e salvo melhor e mais Douta opinião, mal andou o Tribunal a quo, ao dizer que a avaliação que foi efectuada no processo que correu termos noutro Tribunal e por perito nomeado para o efeito vale zero.
50. SÉTIMA QUESTÃO: “O veículo de matrícula ..-FH-..”. Quanto a esta questão, a Recorrente não se recorda de ter assinado qualquer documento de consentimento para que o veículo automóvel tivesse sido alienado pelo Cabeça de casal, enquanto bem comum, para a sociedade, que posteriormente veio a vender a terceiro seu amigo.
I- DO PEDIDO
Pelo exposto, deve ser julgada a presente apelação procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, determinando-se:
a) a violação do princípio do inquisitório, plasmado no artigo 411º do CPC, que tem como consequência a nulidade da decisão nos termos do artigo 195º do CPC, com as legais consequências;
E caso assim não se entenda,
b) a nulidade da decisão com a referência às als. B) e d) do nº 1 do Artigo 615º do CPC, com as legais consequências,
Assim decidindo V. Exas. farão a acostumada
Justiça!
O recorrido respondeu às alegações de recurso, concluindo:
I – A recorrente apresentou o seu recurso no limite do prazo de trinta dias, contados nos termos legais aplicáveis, quando o prazo de que dispunha para o feito, uma vez que a decisão recorrida é, paradigmaticamente, uma decisão interlocutória, aliás expressamente fundada na al. h), do n.º 2, do art. 644.º 3, do CPCivil, é de quinze dias, nos termos do segmento final do art. 638.º do mesmo diploma legal, aqui indiscutivelmente aplicável “O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias (…) reduzindo-se para 15 dias (…) nos casos previstos no n.º 2, do art. 644.º4 (…).
I.1 – Em face do exposto, o recurso deve ser indeferido, nos termos da al. a), do n.º 2, do art. 641.º, do CPCivil.
II – Pretendendo alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, no presente recurso, absolutamente indispensável a qualquer hipótese de eventual sucesso da pretensão recursiva aqui trazida, a recorrente teria de dar cumprimento ao ónus de obrigatória especificação dos elementos elencados no n.º 1, do Art. 640.º, do CPCivil, cuja falta, aqui verificada em absoluto, determina a rejeição do recurso.
II.1 – Motivo porque, também por aqui, deve o recurso ser rejeitado.
III – O recurso abusivo ao pedido de apoio judiciário, consabidamente improcedente perante a situação de facto da recorrente, bem como facilmente intuível pelo Tribunal face à lei vigente e aos elementos constantes dos autos, deverá determinar interpelação preliminar, prévia ao conhecimento do recurso, ou, pelo menos, punição processual posterior, ao abrigo do Instituto da litigância de má-fé, cujo conhecimento, pela sua relevância na disciplina processual e o interesse público que lhe subjaz, é oficioso.
IV - O recurso em apreciação constitui, todo ele, um reportório de acusações que, em bom rigor, ou são despudoradamente falsas ou constituem verdadeiras e próprias auto censuras, por reportarem a actos que a própria recorrente podia e devia ter feito e não fez.
IV.1 – O princípio do inquisitório, a que apela a recorrente para justificar o referido no segmento final do corpo desta conclusão, não serve nem pode servir para que os directores dos processos se substituam às partes, no que a estas compete fazer, ou requerer.
V – A sentença recorrida constitui uma detalhada, coerente e inteligível descrição do processo racional que motivou a decisão respectiva, quer sobre a matéria de facto, sempre baseada nos concretos documentos que demonstra ter tido o cuidado de escrutinar, concatenando-os, na explanação do seu raciocínio, sendo, por isso, insusceptível de ser posta em causa com as considerações trazidas pela recorrente, quer sobre a matéria de direito, onde se encontra douta e inquestionavelmente fundada. Assim acontecendo, reflectir sobre os argumentos que intentam pô-la em causa reveste um cunho primordialmente de urbanidade e depende estritamente do mérito da recorrente, evidenciado na forma como expõe o problema, no cuidado com que o faz e na seriedade da convicção que exprime sobre a existência das acusadas faltas ou erros.
V.1 - Afigura-se-nos inexistir qualquer mérito para o almejado efeito, ou sorte para o que a recorrente se abalança, quando o que se colhe das alegações é, salvo o devido respeito, uma palhada repetitiva e anódina, cujo único objectivo aparenta ser convencer pelo cansaço, o que atesta a sua indignidade.
VI - Foi pois feita uma correcta aplicação do disposto no art. 607.º, do CPCivil, mormente nos seus n.º/s 4 e 5, nada havendo que apontar à douta decisão recorrida.
Termos em que deve ser julgado totalmente improcedente o recurso, assim se fazendo Justiça.
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objeto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se na apreciação das seguintes questões:
1.1. Questão prévia: a consolidação da factualidade provada e não provada;
1.2. Apreciação da nulidade processual invocada;
1.3. A questão do valor da quota social;
1.4. A questão do valor do mobiliário;
1.5. As verbas constantes dos extratos bancários;
1.6. A questão do veículo automóvel; e
1.7. As invocadas nulidades da sentença
2. Fundamentos de facto
É a seguinte [para além do que consta do relatório] a factualidade considerada provada na decisão da Exma. Senhora Notária, mantida pelo Mº Juiz na decisão recorrida:
2.1. A ação de divórcio que pôs termo ao casamento da recorrente e do recorrido foi intentada 14.10.2012, tendo o divórcio sido decretado em 14.03.2013;
2.2. Os bens existentes na casa de morada de família, conforme descrito na verba n.º 5 da Relação de Bens, são os que se encontram identificados no Auto de Arrolamento, junto como documento n.º 3, no valor global de €13.050,00:
2.3. O veículo de matrícula .. – FH - .. era propriedade, até 09/10/2012, de C… Sociedade Unipessoal, Lda.
Factos não provados:
Não se provou toda a factualidade alegada na reclamação sobre a relação de bens[3].
*
Consta, nomeadamente, da motivação da decisão da matéria de facto:
«A Notária formou a sua convicção relativamente a cada um dos factos, dados como provados e não provados, tendo por base os documentos juntos ao presente incidente, bem como o posicionamento das partes assumido nos respetivos articulados, para os três incidentes e a impugnação/oposição. […]
Quer as declarações de parte, quer os depoimentos das testemunhas não foram valoradas, uma vez que, apesar de terem sido prestados com clareza e isenção, não permitiram ao decisor dar como provada diversa materialidade, que somente poderia ser provada por documento, ou não foram suficientes para dar como provada a restante materialidade.
De facto, nenhuma das testemunhas conseguiu identificar quais os bens que foram, alegadamente sonegados pelo cabeça de casal, sendo a maior parte deles depoimentos indiretos.».
3. Questão prévia: a consolidação da factualidade provada e não provada
Alega o recorrido na resposta às alegações de recurso:
«[…] II – Pretendendo alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, no presente recurso, absolutamente indispensável a qualquer hipótese de eventual sucesso da pretensão recursiva aqui trazida, a recorrente teria de dar cumprimento ao ónus de obrigatória especificação dos elementos elencados no n.º 1, do Art. 640.º, do CPCivil, cuja falta, aqui verificada em absoluto, determina a rejeição do recurso.
II.1 – Motivo porque, também por aqui, deve o recurso ser rejeitado. […]».
Já tivemos ocasião de afirmar, ressalvando o devido respeito, que decisão da Exma. Senhora Notária é, formalmente, uma peça infeliz mas, como se vê da transcrição que antecede, contém o essencial: o elenco da factualidade provada e a motivação.
O Mº Juiz manteve a factualidade provada e à recorrente deparava-se apenas um caminho: a impugnação da decisão da matéria de facto com integral respeito pelos pressupostos enunciados no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil.
Com efeito, mantendo-se a decisão sobre a matéria de facto – onde se conclui que não se provou a factualidade alegada pela ora recorrente na reclamação – não se revela minimamente viável o sucesso da pretensão recursória.
Sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”, dispõe o n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas».
No que concerne à prova gravada, rege nestes termos o n.º 2 da citada norma:
«a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes».
A disposição legal citada impõe ao recorrente o dever de “circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento”, bem como a exigência de “fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”, não bastando “meras generalidades, não alicerçadas em factos concretos ou descritas de forma imprecisa ou vaga”[4].
Os ónus do n.º 1 do artigo 640, tal como as exigências do seu n.º 2, constituem manifestação especial do princípio da cooperação para a descoberta da verdade, previsto no artigo 417.º do CPC[5], devendo ser apreciadas à luz de um critério de rigor[6].
Como se defendeu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19.02.2015 (processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1)[7], “a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias”[8], dado que o legislador, com a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem impugnar, visa a delimitação do objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.
Na impugnação da decisão – para a 1.ª instância – a ora recorrente refere o seu depoimento, o depoimento do cabeça de casal “e de todas as testemunhas” (artigos 15.º e 16.º).
No recurso em apreciação, a recorrente deixou cair este segmento da motivação, sendo certo que o Mº Juiz fundamenta a sua decisão (único objeto do presente recurso), também nas declarações das testemunhas:
«[…] E, para além de não ter sido possível apurar a existência dos referidos bens no Processo Crime nº 547/12.6PASJM, esclarece a Exmª Sr.ª Notária o que reforçou a sua (livre) convicção:
“Quer as declarações de parte, quer os depoimentos tias testemunhas não foram valoradas, uma vez que, apesar de terem sido prestados com clareza e isenção, não permitiram ao decisor dar como provada diversa materialidade, que somente poderia ser provada por documento, ou não foraam suficientes para dar como provada a restante materialidade.
De facto, nenhuma das testemunhas conseguiu identificar quais os bens que foram, alegadamente sonegados pelo cabeça de casal, sendo a maior parte deles depoimentos indiretos.”
Efetivamente, basta ler as declarações da parte e os depoimentos das testemunhas inquiridas registados nas Atas para se concluir, como efetivamente concluiu, a Exmª Sr.ª Notária.
Repare-se: a testemunha O…, que disse ter desenterrado a “caixa” (caixa-cofre alegadamente contendo no seu interior o ouro, joias e relógios), declarou também o seguinte: […]
Para complicar, a testemunha U… declarou o seguinte […]:».
Em suma, tendo o Mº Juiz suportado a sua convicção no sentido de não ter ocorrido ‘sonegação de bens’, nomeadamente com base na prova testemunhal junta aos autos, reduzida a escrito [confirmando assim a decisão da Senhora Notária], não podia a recorrente impugnar com sucesso tal decisão sem qualquer alusão aos depoimentos em causa, indicando concretamente as passagens em que funda a pretensão impugnatória, confrontando tais passagens, criticamente, com as que o Mº Juiz transcreve, concluindo de forma lógica e fundamentada com as razões da sua discordância e os fundamentos para a pretendida alteração.
Como se refere no acórdão da Relação de Guimarães de 2.11.2017 [processo n.º 501/12.8TBCBC.G1], o recorrente que pretenda contrariar a apreciação crítica da prova feita pelo Tribunal a quo deverá de apresentar razões objetivas para contrariar a prevalência dada a um meio de prova sobre outro de sinal oposto, ou o maior crédito dado a um depoimento sobre outro contrário.
Revela-se in casu incontornável a imperativa necessidade da argumentação crítica por parte da recorrente relativamente ao suporte da decisão do Mº Juiz, nomeadamente no que se refere à prova testemunhal.
Com efeito, ainda que outros meios probatórios pudessem ser relevantes, nunca o Tribunal de recurso poderia pôr em causa a decisão da 1.ª instância sem reponderação da prova tida em consideração nessa sede judicial, não lhe sendo lícita tal reponderação sem a expressa invocação de tal meio de prova por parte da recorrente.
Acresce que na impugnação da decisão da matéria de facto é irrelevante a repetição de argumentos já anteriormente esgrimidos, numa repetição exaustiva das razões já anteriormente invocadas, quer na relação sobre a relação de bens, quer na impugnação da decisão notarial em 1.ª instância, sendo muito específica a imperatividade da lei processual (artigo 640.º do Código de Processo Civil).
Decorre do exposto a não apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto relativamente à designada “Sexta Questão – oiro, joias e relógios”, alegada nas conclusões 32.ª a 49.ª.
4. Fundamentos de direito
4.1. Arguição de nulidade processual
Alega a recorrente, classificando-a como “Primeira Questão” [conclusões 7.ª e 8.ª] a prática de “nulidade por violação por parte da Exma. Senhora Notária do princípio do inquisitório”, por entender “que a Exma. Senhora Dra. Notária não ordenou ao Cabeça de casal como deveria, no humilde entendimento da aqui Recorrente e como melhor saberá apreciar o Tribunal ad quem a junção aos autos de todos os documentos necessários e imprescindíveis para o apuramento do efectivo e verdadeiro valor e património comum, a partilhar, nomeadamente da sociedade”.
Decidiu o Mº Juiz:
«Arguição de nulidade por violação por parte da Exmª Sr.ª Notária do princípio do inquisitório:
Com o devido respeito, não ocorre a apontada nulidade, pois como resulta da própria decisão a Exmª Sr.ª Notária procedeu à realização das diligências que podia e devia, como sumariamente descreveu:
“Procedeu-se à notificação do Banco de Portugal para identificar as instituições bancárias, tendo os interessados sido devidamente notificados das variadíssimas respostas informações bancárias existentes nos autos.
Procedeu-se ainda à audição das declarações de parte da interessada D… e à inquirição das testemunhas indicadas pelas partes.
Foi junta aos autos uma certidão de registo relativo à viatura automóvel de matrícula ..-FH-...”».
O recurso restringe-se, neste segmento, à conclusão 8.ª, que se transcreve:
“8. Quanto a esta questão, entende a Recorrente, com o devido respeito e salvo melhor opinião que a Exma. Senhora Dra. Notária não ordenou ao Cabeça de casal como deveria, no humilde entendimento da aqui Recorrente e como melhor saberá apreciar o Tribunal ad quem a junção aos autos de todos os documentos necessários e imprescindíveis para o apuramento do efectivo e verdadeiro valor e património comum, a partilhar, nomeadamente da sociedade.”.
Com o devido respeito, a alegação não podia ser mais imprecisa, vaga e genérica.
Acresce que a eventual (não definida) violação do inquisitório, constituindo nulidade processual, deveria ter sido arguida junto da Senhora Notária, sendo impugnável perante o Mº Juiz a decisão proferida sobre tal arguição.
Como se escreve no acórdão da Relação de Lisboa, 6.12.2018 [processo n.º 71/16.8T8PTS.L1] proferido no âmbito de um recurso em processo de inventário, “é inútil – num recurso - qualquer descrição de nulidades que não termine pela identificação de uma decisão que se pronunciou sobre elas e que seja, ela sim, objecto de recurso, com o qual se pretenda modificar tal decisão, dizendo-se o que ela tem de errado e em que sentido é que deve ser corrigida”.
Refere-se no acórdão desta Relação citado pela recorrente – de 27.06.2019, proferido no processo n.º 861/19.0T8VFR-A.P1:
«Desde logo, o notário tem competência para decidir todos os incidentes do inventário (artigo 14.º do RJPI), e as demais questões incidentais que possam colocar-se - por exemplo, a arguição de nulidade de citações e/ou notificações, cuja realização é levada a cabo com observância das formalidades previstas no Código de Processo Civil (artigo 6.º do RJPI).
Nos incidentes do processo do inventário, ao notário cumpre promover a realização das diligências probatórias requeridas pelas partes (artigo 14.º, n.º 1, do RJPI), designadamente a inquirição das testemunhas que tiverem sido arroladas (artigo 15.º, n.ºs 2 a 4, do RJPI), e, finda a instrução que deva ter lugar, estabelecer as questões relevantes para a decisão do incidente (o que não passa de uma tentativa naïve de esconder que lhe cabe julgar os factos provados e não provados) que, em princípio, lhe compete proferir (artigo 15.º, n.º 6, do RJPI).».
Se dúvidas restassem, o artigo 82.º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5.03 [doravante designado pelo acrónimo RJPI] manda aplicar o Código de Processo Civil a tudo o que não esteja especialmente regulado no regime em apreço.
Se a recorrente entendia que faltava alguma diligência a praticar pela Exma. Notária (devendo sempre concretizar), deveria ter arguido a nulidade por omissão, integrando posteriormente a impugnação judicial, o despacho proferido sobre tal arguição.
Improcede o recurso neste segmento (conclusões 1.ª a 9.ª).
4.2. Valor da quota social
Elege a recorrente como “Terceira Questão”[9] o valor atribuído a uma quota social.
Decidiu o Mº Juiz:
«3ª Questão:
Valor da quota societária.
A tal respeito, consta da decisão da Exmª Sr.ª Notária que
“ (…) Não se conseguiu apurar, com documentos idóneos qual o valor da quota da sociedade identificada como verba n.º 2 da relação de bens, pelo que não é incorreto que o valor dessa verba seja o respetivo capital social (…)”
Neste particular, alega a Recorrente o seguinte:
“Ora, mal andou a Exma. Senhora Notária, que com após a reclamação contra a relação de bons, apresentada pela aqui Recorrente, solicita documento ao cabeça-de- casal, e este apresenta-lhe unicamente 1 documento, o balanço da sociedade, como se daí se extraísse por si só o valor de uma sociedade.”
Curiosamente, foi a própria Recorrente quem, na sua Reclamação à Relação de Bens, sugeriu a apresentação do “balanço da sociedade”, o que fez nos seguintes termos:
“(…) Valor: não obstante o valor nominal da quota detida pelo cabeça de casal ser de €5.000,00, a Interessada impugnou o valor atribuído porquanto o mesmo deve corresponder ao montante do último balanço apresentado pela referida sociedade e cujo montante não pode indicar por desconhecer e os documentos estarem na posse do cabeça de casal (…)”
Portanto, tal documento, o “balanço da sociedade”, foi junto aos autos a pedido.».
Vem agora a recorrente alegar [conclusão 10.ª]: «… a Interessada impugna o valor atribuído, porquanto o mesmo deve corresponder ao valor resultante do último balanço apresentado pela referida sociedade e cujo montante, não pode indicar por desconhecer e os documentos estarem na posse do Cabeça de casal.” Requerendo assim e efectivamente o último balanço da sociedade. O Cabeça de casal em 10.12.2014 ao invés de juntar o requerido, ou seja, o balanço da sociedade juntou, ainda que sob o título de Balanço um balancete de razão financeira (o qual é manifestamente insuficiente para permitir apurar o real património da sociedade) e não o comprovativo do último balanço da sociedade.».
Recapitulando o teor da decisão da Exma. Senhora Notária: «Não se conseguiu apurar, com documentos idóneos qual o valor da quota da sociedade identificada como verba n.º 2 da relação de bens, pelo que não é incorreto que o valor dessa verba seja o respetivo capital social».
O raciocínio subjacente a este segmento decisório afigura-se-nos correto.
Sendo o Balanço da empresa, uma demonstração contabilística da posição financeira e patrimonial com referência a um determinado período e o Balancete um relatório onde se contêm saldos de créditos e débitos de todas as contas, com base nas informações do Livro Razão, com referência à situação contabilística num determinado momento específico, da empresa, não vislumbramos, salvo o devido respeito, o que possa acrescentar o Balanço.
Com efeito, o valor real da sociedade decorre muito das circunstâncias do mercador, do produto oferecido, das perspetivas de futuro, etc., etc., sendo muito mais relevante uma eventual avaliação pericial (não meramente contabilística) que tivesse em conta todos esses fatores.
Sem tal avaliação, reitera-se, afigura-se-nos correta a conclusão enunciada no segmento decisório em apreço, face à manifesta escassez de prova segura apenas com base em documentos contabilísticos.
Improcede o recurso neste segmento. [conclusões 9.ª a 12.ª]
4.3. Valor do mobiliário
Elege a recorrente como “Quarta Questão” o valor atribuído ao “mobiliário do quarto dos filhos”.
Decidiu o Mº Juiz que a questão não foi, sequer, suscitada na reclamação sobre a relação de bens.
Alega a recorrente:
«14. A questão do mobiliário do quarto dos filhos do casal foi levantada na Reclamação à Relação de Bens (artigo 14º e 15º e verba nº 7) apresentada pela aqui Recorrente, na medida em que faz parte integrante do recheio (bens móveis) da casa de morada de família, tendo a mesma até junto aos autos, com a reclamação de bens, o arrolamento que foi efectuado, a requerimento do Cabeça-de-casal, no processo de divórcio, de todo o mobiliário existente na casa de morada de família, tendo ambos acordado o que ali havia, e que incluía o mobiliário do quarto dos dois filhos do casal (mobiliário que era dos filhos porque lhes foi oferecido pelo extinto casal e portanto não faz parte dos bens comuns a partilhar) valia €13.000,00 e não o valor de €75.000,00 atribuído pelo Cabeça de casal.
15. Por tais razões o mobiliário existente sim na casa de morada de família mas cuja titularidade é dos filhos do casal, não pode fazer parte da relação de bens, devendo o valor do mesmo ser descontado dos €13.000,00.».
A Exma. Senhora Notária considerou provado apenas a seguinte factualidade, mantida pelo Mº Juiz:
1. A ação de divórcio que pôs termo ao casamento da recorrente e do recorrido foi intentada 14.10.2012, tendo o divórcio sido decretado em 14.03.2013;
2. Os bens existentes na casa de morada de família, conforme descrito na verba n.º 5 da Relação de Bens, são os que se encontram identificados no Auto de Arrolamento, junto como documento n.º 3, no valor global de € 13.050,00:
3. O veículo de matrícula ..-FH-... era propriedade, até 09/10/2012, de C… Sociedade Unipessoal, Lda.
E considerou não provada toda a factualidade restante alegada na reclamação sobre a relação de bens.
Face ao exposto, só impugnando validamente a decisão sobre a matéria de facto, no que respeita ao facto de não ter sido considerado provado o acordo ora invocado sobre a ‘oferta’ dos bens aos filhos do casal, cumprindo os pressupostos enunciados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, seria viável a procedência da pretensão recursória em apreço.
Improcede, face ao exposto, este segmento do recurso. [conclusões 13.ª a 15.ª]
4.4. Verbas constantes dos extratos bancários
Elege a recorrente como “Quinta Questão” os saldos bancários, alegando que deveria constar da relação de bens o valor de €55.431,38 e não o de €23.000,00.
Mais alega “dissipação de património” por parte do cabeça de casal, pagamentos indevidos de cheques, empréstimo de dinheiro a um irmão, que nunca terá sido liquidado, etc., etc. [conclusões 21.ª a 31.ª]
No que respeita à factualidade alegada e considerada não provada, valem as considerações tecidas no ponto anterior - só impugnando validamente a decisão sobre a matéria de facto, no que respeita aos factos alegados e considerados não provados, com integral cumprimento dos pressupostos enunciados no artigo 640.º do Código de Processo Civil, seria viável a procedência da pretensão recursória em apreço.
Decidiu o Mº Juiz:
«5ª Questão:
Verbas constantes dos extratos bancários.
Também aqui a Exmª Sr.ª Notária foi bem clara, pois tendo a ação de divórcio sido proposta no dia 14/10/2012, é essa a data à qual se tem de ater para a consideração dos efeitos patrimoniais entre os cônjuges, os quais retroagem, precisamente, à data da propositura do divórcio – art.º 1789º, nº 1 do C. Civil.
Transcreve-se, novamente, nesta parte, a decisão da Exmª Sr.ª Notária:
“Resulta da factualidade assente que o divórcio entre o cabeça de casal e a requerente do incidente contra a reclamação de bens foi decretado em 14/03/2012.
Também se encontra provado, não tendo impugnado, que a acção de divórcio foi intentada em 14/10/2012.
Nos processos de divórcio, de acordo com o artigo 1789.º do Código Civil, não obstante os efeitos do divórcio se produzirem a partir do trânsito em julgado da sentença que decrete a dissolução do casamento, a verdade é que, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio retroagem à data da proposição da ação e já não a partir da data do trânsito em julgado da referida sentença.
Assim, para efeitos de cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges decisiva é a data em que dá entrada em juízo a ação de divórcio. (…)
No entanto, nada nos permite provar e concluir que existiu uma separação de facto do extinto casal, até porque da acta junto do processo de divórcio, os ex-cônjuges não fizeram qualquer ressalva quanto aos efeitos patrimoniais do divórcio, aplicando-se, portanto, a regra geral do já aludido art. 1789° do Código Civil. (…)
Procedeu-se à notificação do Banco de Portugal para identificar as instituições bancárias, tendo os interessados sido devidamente noii fica dos das vaiiadíssi mas respostas informações ban várias existentes nos autos. (…)
Relativamente aos restantes factos invocados pela reclamante e dados como não provados, terá que se dizer que não se fez qualquer tipo de prova que permitisse, ainda que de forma indiciária, constatar da existência dos diversos bens que refere terem sido sonegados pelo cabeça de casal, nem a provar da existência de aplicações, produtos financeiros e seguros de capitalização/poupança e PPR's, uma vez que, salvo melhor opinião, esta materialidade só poderia ser provada por documento. Também não conseguiu, a reclamante pôr em cansa a verba n.º 4, porque não foi emitido qualquer documento da instituição bancária que permitisse concluir de forma diferente.”
Portanto, se as entidades bancárias comunicaram ao processo a inexistência de saldos à data da propositura da ação de divórcio - e que é a data que importa para efeitos de inventário - quaisquer movimentos de dinheiros, levantamentos e transferências efetuados em data anterior à da propositura da ação de divórcio e dos quais a Recorrente discorda, não podem ser discutidos no processo de inventário, por não ser o próprio para o efeito.
Para essa discussão a Recorrente terá de navegar noutras águas, provavelmente com as coordenadas da previsão normativa do art.º 1681º, nº 1 do C. Civil.».
Alega a recorrente que, face aos documentos juntos aos autos já depois da reclamação sobre a relação de bens, “apesar de terem sido remetidos após a reclamação contra a relação de bens, deveriam ter sido considerados pela Exma. Senhora Dra. Notária, porquanto foram requeridos na Reclamação e são demonstrativos da dissipação do património em data anterior, mas muito próxima da entrada da acção de divórcio”. [conclusão 19.ª]
Vejamos.
Lapidarmente, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão de 2.10.1997 [processo n.º 0042486]: «Se os valores dos depósitos reclamados não existiam à data da propositura da acção de divórcio, nas contas bancárias dos cônjuges, não devem integrar, a esta luz, o activo a partilhar.»[10].
No mesmo sentido, decidiu a Relação de Coimbra em acórdão de 16.04.2013 [processo n.º 1453/03.0TBFND-C.C1]: «Os efeitos de divórcio retrotraem-se à data da propositura da acção de divórcio, pelo que o acervo patrimonial estabiliza-se na data da propositura da acção e é a partir desta data que se decide se os bens móveis e/ou imóveis foram ou não integralmente relacionados no inventário respectivo, tendo sempre por referência a data em que a acção de divórcio deu entrada em tribunal, a menos que a situação se enquadre no nº 2 do artigo 1789º do CC.»[11].
Como bem se refere no despacho da Exma. Senhora Notária, reiterado pelo Mº Juiz, in casu, para efeitos de cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges decisiva é a data em que dá entrada em juízo a ação de divórcio.
Não existindo nessa data o saldo bancário que a recorrente pretende integrar na relação de bens, devido a alegado levantamento por parte do ex-cônjuge em data anterior, o seu valor não deverá ser relacionado, sem prejuízo de outros meios de realização do direito que a recorrente ora invoca[12].
Improcede, face ao exposto, o recurso neste segmento. [conclusões 16.ª a 31.ª]
4.5. A questão do veículo automóvel
Elege a recorrente como “Sétima Questão” a não relacionação do veículo automóvel de matrícula ..-FH-...
Alega apenas o seguinte: «50. SÉTIMA QUESTÃO: “O veículo de matrícula .. – FH - ..”. Quanto a esta questão, a Recorrente não se recorda de ter assinado qualquer documento de consentimento para que o veículo automóvel tivesse sido alienado pelo Cabeça de casal, enquanto bem comum, para a sociedade, que posteriormente veio a vender a terceiro seu amigo”».
Provou-se, com relevância nesta sede:
1. A ação de divórcio que pôs termo ao casamento da recorrente e do recorrido foi intentada 14.10.2012;
2. O veículo de matrícula .. – FH - .. foi propriedade, até 09/10/2012, de C… Sociedade Unipessoal, Lda.
Valem aqui todas as considerações tecidas supra, relativamente à consolidação da factualidade provada, face à sua não impugnação, reforçada neste ponto pela estranha argumentação da recorrente, que apenas afirma não se recordar de ter aceitado a transferência do veículo (em momento anterior à entrada da ação de divórcio).
Improcede o recurso neste segmento.
4.6. As invocadas nulidades da sentença
Finalmente, já em sede de “pedido”, alega a recorrente:
«Pelo exposto, deve ser julgada a presente apelação procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, determinando-se: […] caso assim não se entenda, b) a nulidade da decisão com a referência às als. B) e d) do nº 1 do Artigo 615º do CPC, com as legais consequências».
A recorrente não invoca qualquer fundamento que suporte a sua argumentação
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, a sentença é nula, nomeadamente, quando: b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Não vislumbramos – e a recorrente também não nos esclarece – qualquer fundamento válido para decretar as nulidades invocadas, sendo certo que a nulidade da sentença, com exceção da decorrente da falta de assinatura do juiz (artigo 615º, nº 1, alínea a) e nº 2, do Código de Processo Civil), não é um vício de conhecimento oficioso (artigo 615º, nº 4, do Código de Processo Civil), tendo por isso o arguente da nulidade o ónus de a substanciar, isto é, de alegar, ainda que de forma sucinta, as circunstâncias de facto de que decorre a patologia arguida, não se podendo limitar à invocação da norma jurídica violada (artigo 639º, nº 2, a), do Código de Processo Civil).
Improcede o recurso, também neste segmento.
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
*
Custas pela recorrente.
*
Porto, 25.05.2021
Carlos Querido
José Igreja Matos
Rui Moreira
___________________
[1] O regime jurídico do processo de inventário (RJPI), aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de março, veio a ser revogado pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que aprovou o regime do inventário notarial.
[2] Reproduz-se o despacho do relator:
“Na resposta às alegações de recurso, o recorrido pugna pela sua não admissão, argumentando:
«1 - A recorrente foi, como aliás o recorrido, notificada da douta decisão recorrida com data de 15.02.2021; apresentou o seu recurso, ao qual junta, nos termos legais, as suas alegações, em 22.03.2021, isto é, no limite do prazo de trinta dias, descontados os três dias da presunção legal de notificação e o fim-de- semana – concretamente sábado - em que o prazo terminaria, se fosse de trinta dias, pelo que transitaria para a segunda-feira seguinte.
1.1 - A recorrente funda expressamente o seu requerimento recursivo – nesta parte, salvo melhor opinião, bem – na al. h), do n.º 2, do art. 644.º1, do CPCivil, uma vez que a decisão recorrida é, paradigmaticamente, uma decisão interlocutória.
1.2 - Ora, diz o art. 638.º do mesmo diploma legal, aqui indiscutivelmente aplicável, que “O prazo para a interposição do recurso é de 30 dias (…) reduzindo-se para 15 dias (…) nos casos previstos no n.º 2, do art. 644.º2 (…).
1.3 - O que significa ter o recurso sido interposto indiscutivelmente fora do prazo, motivo porque deve ser indeferido, nos termos da al. a), do n.º 2, do art. 641.º, do CPCivil.
1.4 - Até porque, sempre salvo melhor opinião, o presente processo enquadra-se sem qualquer dúvida na excepção à suspensão dos prazos judiciais decretada pelo art. 6.º-B, da Lei n.º 4-B/2021, de 01.02, concretamente na al. d), do seu n.º 5 – “O disposto no n.º 1 não obsta: (…) d) A que seja proferida decisão final nos processos (…) caso em que não se suspendem os prazos para interposição do recurso, arguição de nulidades ou requerimento da rectificação ou reforma da decisão.”.
1.5 – Deve pois ser aqui decretado, se o não tiver sido antes, como estamos convictos de ir acontecer, o indeferimento do presente recurso…».
Atento o disposto no n.º 1 do artigo 652.º do Código de Processo Civil, cumpre decidir.
Vistos os autos, confirma-se que a recorrente foi notificada da decisão recorrida em 15.02.2021, tendo apresentado o seu recurso em 22.03.2021, no limite do prazo de trinta dias, descontados os três dias da presunção legal de notificação.
Alega o recorrido que o prazo de interposição de recurso era de quinze dias.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Como expressamente consta da sentença, o Mº Juiz aderiu à posição jurisprudencial vertida no acórdão desta Relação, de 27.06.2018 [processo 379/18.8T8GDM.P1], segundo a qual as decisões interlocutórias proferidas pelo Notário ao longo do processo de inventário são, em regra, impugnáveis judicialmente, competindo à 1.ª instância o conhecimento do recurso, não apenas nas situações previstas nos artigos 57.º e 16.º do RJPI mas em todas as outras em que nos termos gerais do direito processual civil a decisão seja passível de impugnação judicial.
Não se nega a natureza introdutória da decisão notarial.
A questão fulcral reside em saber se o presente recurso se inscreve em alguma das situações previstas no n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil, relativamente às quais o prazo de interposição de recurso é de 15 dias.
A resposta à questão suscitada revela-se claramente negativa, como resulta do confronto da atual norma com a que vigorava no regime anterior à reforma processual introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26.06.
No regime anterior, constava da alínea j) do n.º 2 do artigo 691.º, no elenco dos recursos de decisões intercalares, o despacho que punha termo ao incidente.
Atualmente, o despacho que ponha termo ao incidente consta da previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 644.º do Código de Processo Civil, correspondendo-lhe o prazo de recurso de 30 dias, face ao disposto na 1.ª parte do artigo 638.º do mesmo diploma legal.
Decorre do exposto a tempestividade do recurso.”.
[3] Salvo todo o respeito devido, em termos formais a decisão da Exma. Senhora Notária é uma peça infeliz. Consta da mesma:
«… III – Fundamentação de facto:
A) Quanto à matéria da Reclamação contra a Relação de Bens de D…:
1 - É a seguinte a matéria de facto assente com relevância para a decisão da causa (factos provados):
- Que a ação de divórcio foi intentada 14.10.2012, tendo o divórcio sido decretado em 14.03.2013;
- Que os bens existentes na casa de morada de família, conforme descrito na verba n.º 5 da Relação de Bens, são os melhor identificados no Auto de Arrolamento, junto como documento n.º 3, no valor global de €13.050,00:
- Que o veículo de matrícula ..-FH-.. era propriedade, até 09/10/2012, de C… Sociedade Unipessoal, Lda.
2 - Não se provou toda a materialidade invocada na relação de créditos.»
Segue-se depois a apreciação [alínea B)] “Quanto à matéria da Reclamação de Créditos da Autoridade Tributária”.
Afigura-se óbvio o lapso quando se refere: “Não se provou toda a materialidade invocada na relação de créditos”.
[4] Ana Luísa da Silva Geraldes, "Impugnação e reapreciação da decisão da matéria de facto", in Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas, Vol. I, Coimbra Editora, 2013, págs. 589/612, a págs. 593/594.
[5] Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, 2014, pág. 418.
[6] António Sousa Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 129. Como refere o autor citado: “Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
[7] Proferido no processo n.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, acessível no site da DGSI.
[8] O entendimento expresso pelo Supremo Tribunal de Justiça tem sido perfilhado pela jurisprudência, como se ilustra com a referenciação dos seguintes arestos: acórdão da Relação de Lisboa, de 24.11.2016 (processo n.º 6021/06.2TBVFX.L1-2); acórdãos da Relação de Guimarães de 20.04.2017 (processo n.º 300/15.5T8VPA.G1), de 15.10.2015 (processo n.º 132/14.8T8BCL.G1) e de 2.11.2017 (processo n.º 212/16.5T8MNC.G1) e acórdão desta Relação, de 27.09.2017 (processo nº 57/17.5T8PNF.P1).
[9] A recorrente invocava uma “Segunda Questão” na impugnação judicial, que não veio a integrar o objeto do recurso.
[10] No mesmo sentido, veja-se o acórdão do mesmo Supremo Tribunal, de 15.10.2002 [processo n.º 02A2226].
[11] Veja-se ainda o acórdão da Relação de Évora de 15.02.2007 [processo n.º 1669/06-2].
[12] Nesse sentido, com aprofundamento da questão, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 8.11.2011 [processo n.º 4931/10.1TBLRA.C1].