PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
ADMISSIBILIDADE DE MEIOS DE PROVA
PROVA DOCUMENTAL
Sumário

I - Em caso de impugnação dos créditos na lista provisória elaborada pelo Sr. AJP, no âmbito do PEAP, o ónus da prova documental dos fundamentos aí deduzidos para o efeito, incumbe à devedora.
II - Sendo o PEAP um processo célere e simples, as decisões sobre reclamações de créditos devem ser baseadas unicamente em prova documental, não tendo aquele processo como finalidade dirimir litígios sobre a existência ou amplitude de quaisquer créditos.

Texto Integral

Pº nº 2752/20.2T8STS-A.P1

Apelação
(520)
Sumário:
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ACÓRDÃO
Acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto
I – RELATÓRIO
A devedora B…, em requerimento de 2.3.2021, impugnou a lista provisória de créditos junta aos autos pelo Sr. Administrador Judicial Provisório em 23.2.2021 e publicitada no portal Citius em 24.2.2021, com fundamento na indevida inclusão de créditos por parte da sociedade C…, STC, SA, nos termos do artº 130º nº 1 ex vi do artº 222º-A nº 3 do CIRE, por não se retirar dos documentos juntos com a reclamação de créditos apresentada por esta sociedade quaisquer elementos de identificação, relativamente aos alegados contratos de crédito que a fundamentam, não sendo possível saber a quais contratos de crédito se referem as condições particulares constantes dos documentos nºs 1, 2 e 3 sendo que relativamente ao doc. nº 4, o mesmo não diz respeito a um contrato de crédito mas a um contrato de cartão de crédito.
Mais refere a devedora/impugnante que não está provada a celebração dos contratos de crédito nºs …………, ……….., ……….. e …………., nem tão-pouco a dívida no montante de 13.338,79€, decorrente do alegado incumprimento dos mesmos.
Por fim, a devedora/impugnante impugna a genuinidade dos referidos documentos, isto é, a veracidade das letras e das assinaturas, que lhe são imputadas, ao abrigo do artigo 374.º, n.º 1, do CCivil, nos termos e para os efeitos do artigo 444.º, n.º 1, do CPCivil.
A devedora/impugnante não juntou qualquer prova.

O Sr. Administrador Judicial Provisório e a credora impugnada C…, SA, após convite dirigido por despacho de 10.3.2021, pronunciaram-se em 11.3.2021 e 17.3.2021, respectivamente.

Em 07/04/2021 (refª 423359569), foi proferida decisão que julgou improcedente a impugnação apresentada pela devedora em 2.3.2021, mantendo-se como reconhecido o crédito reclamado por C…, SA e, no mais, converteu a lista provisória de créditos apresentada em 23/02/2021 em lista definitiva (artº 222º-D nº 4 do CIRE).

Inconformada, apelou a devedora apresentando alegações, cujas conclusões são as seguintes:
I. Porque os documentos juntos com a Reclamação de Créditos apresentada pela credora C…, SA., não fazem prova bastante dos factos ali alegados.
II. Porque não basta a comprovação de uma relação jurídica entre as partes, é preciso que a prova documental comprove o facto alegado, isto é, a existência do crédito reclamado.
III. Porque a credora C…, SA., limitou-se a identificar os contratos de crédito por um número de referência, em concreto, alegou que o seu crédito decorre dos contratos de crédito n.ºs ………, ………., …….. e ………….
IV. Porque não consta da sua reclamação de crédito apresentada pela credora C…, SA, o seguinte: (a) a data da celebração de cada um dos referidos contratos de crédito; (b) o montante do crédito de cada um dos referidos contratos de crédito; (c) as condições de pagamento de cada um dos referidos contratos de crédito; (d) o saldo devedor de cada um dos referidos contratos de créditos.
V. Porque os documentos juntos pela credora C…, SA., não são bastantes para fazer a prova do crédito reclamado, ainda que perfunctoriamente, uma vez que não possuem nenhuma identificação, para além da relação jurídica entre as partes, com os factos alegados.
VI. Porque a credora C…, SA., não cumpriu o ónus da prova, relativamente ao crédito reclamado.
VII. Porque ainda que o Tribunal a quo sufrague o entendimento de que o presente Processo Especial para Acordo de Pagamento não comporte e/ou rejeite toda e qualquer prova que não seja documental, a impugnação da recorrente se mostra eficaz para afastar o direito ao crédito reclamado, pela credora C…, SA..
VIII. A douta Decisão recorrida viola flagrantemente a Lei substantiva, em concreto o artigo 342.º, n.º 1, do CC, por padecer de um erro de julgamento quanto às regras do ónus da prova, o qual afeta e vicia a decisão proferida pelas consequências que acarreta, em resultado de um desacerto, de um equívoco ou de uma inexata qualificação jurídica ou, como enuncia a Lei, de um erro.
IX. A douta Decisão recorrida é também manifestamente injusta e, ainda, inconstitucional, visto que, por violar as regras do ónus da prova, viola, também, o devido processo legal (due process of law), consagrado no artigo 20.º, n.º 1, da CRP, uma vez que o entendimento adotado extravasa o sentido e a finalidade inscritos no pensamento do Legislador.
NESTES TERMOS DEVERÁ A DOUTA DECISÃO RECORRIDA SER ARREDADA E, EM SUA SUBSTITUIÇÃO, SER PROFERIDO DOUTO ACÓRDÃO QUE DECLARE COMO INDEVIDA A INCLUSÃO DO CRÉDITO DA CREDORA C…, S.A., NO MONTANTE DE 17.111,66€, E DETERMINE A SUA EXCLUSÃO, SEGUINDO-SE OS DEMAIS TERMOS ATÉ FINAL.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foram dispensados os vistos legais.
II – QUESTÕES A RESOLVER
Como se sabe, o âmbito objectivo do recurso é definido pelas conclusões do recorrente importando decidir as questões nelas colocadas – e, bem assim, as que forem de conhecimento oficioso –, exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras – artºs. 635º, 639º e 663º, todos do Código Processo Civil.
Assim, em face das conclusões apresentadas, é a seguinte a questão a resolver por este Tribunal:
- Saber se a decisão recorrida viola o disposto no artº 342º nº 1 do CCivil por padecer de erro de julgamento quanto às regras do ónus da prova.
III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos pertinentes à resolução do presente recurso decorrem do antecedente relatório, sendo que a decisão recorrida é do seguinte teor:
« (…)
Impõe-se, assim, a prolação da decisão a que alude o art. 222º-D, n.º 3 do CIRE.
Para o efeito, vejamos o seguinte.
Sendo o processo de insolvência um processo de natureza urgente, o processo especial de revitalização e o processo especial para acordo de pagamento assumem uma urgência acrescida, conforme decorre das normas que os regulam.
Estamos no âmbito de um processo especial para acordo de pagamentos, previsto e regulado nos termos dos artigos 222º-A e seguintes do CIRE.
O presente processo encontra-se previsto para o devedor que, não sendo uma empresa e comprovadamente se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, pretende estabelecer com os respetivos credores negociações, de modo a concluir com estes acordo de pagamento.
Trata-se de um processo muito próximo do PER, previsto este para as empresas (artigos 17º-A e seguintes do CIRE).
Do disposto nos arts. 17º-D, nº 3 e 222º-D, nº 3 do CIRE resulta que após a apresentação da lista provisória de créditos na secretaria do tribunal e publicação no portal Citius, pode tal lista ser impugnada no prazo de cinco dias úteis, dispondo o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.
Convém aqui distinguir entre as características e os efeitos da lista de créditos reconhecidos apresentada pelo Administrador da Insolvência em sede de insolvência nos termos do art. 129º do CIRE e a lista provisória de créditos apresentada pelo Administrador Judicial Provisório em sede de Processo Especial de Revitalização ou em sede de Processo Especial Para Acordo de Pagamento nos termos dos arts. 17º-D e 222º-D do mesmo diploma, bem como das impugnações apresentadas num e noutro caso e respetivas decisões.
Na verdade, a lista de créditos reconhecidos apresentada pelo senhor Administrador da Insolvência em sede de insolvência nos termos do art. 129º do CIRE constitui a relação dos créditos da responsabilidade da insolvente e que deverão, em princípio (ou seja, no caso de prosseguimento dos autos para liquidação do ativo), ser pagos após a conclusão da liquidação do ativo e de acordo com as disponibilidades que daí resultarem. Mostrando-se cristalizada a lista de créditos reconhecidos pela
homologação judicial da mesma (após decisão de eventuais impugnações), esta assume contornos definitivos quanto aos créditos que serão satisfeitos no âmbito do processo de insolvência (com exceção apenas do aditamento de créditos que possam derivar de sentença proferida em sede de Ações de Verificação Ulterior de Créditos, apensas ao processo de insolvência). Em face desta relevância da lista de créditos reconhecidos, a lei prevê uma tramitação completa e complexa das impugnações que sejam apresentadas à mesma, com produção de toda a prova requerida pelas partes, assegurando-se, portanto, a total possibilidade de defesa dos interesses das partes, semelhante à que ocorreria nas ações declarativas para reconhecimento de um crédito intentadas nos tribunais comuns.
É, por isso, legalmente admissível em sede de reclamação de créditos em processo de insolvência a produção de prova testemunhal e por declaração ou depoimento de parte ou mesmo a ocorrência de diligências probatórias a realizar antes da audiência de discussão e julgamento – cfr. arts. 134º, 25º e 137º do CIRE.
Por outro lado, assume especial relevância aqui a classificação dos créditos como comuns, privilegiados, garantidos ou subordinados, pois é essa classificação que permitirá (e imporá) a final a sua graduação em sede de sentença, para posterior elaboração do mapa de rateio e pagamentos aos credores. Ou seja, a sentença de verificação e graduação de créditos determina a ordem em que os créditos devem ser pagos, começando pelas dívidas da massa insolvente, seguindo-se o pagamento dos créditos privilegiados e garantidos, passando pelos créditos comuns e terminando nos créditos subordinados, ordem essa que será depois a referência para a elaboração do mapa de rateio e subsequente pagamento final aos credores. Em resumo, as decisões das impugnações à lista de credores reconhecidos em processo de insolvência que prossegue para liquidação do ativo assumem relevância para fixar o valor e natureza dos
créditos com vista à sua graduação e posterior satisfação através do produto daquela liquidação.
Não se passa o mesmo em sede de Processo Especial de Revitalização ou de Processo Especial para Acordo de Pagamento quanto à lista provisória de créditos apresentada pelo Administrador Judicial Provisório, em que a finalidade é outra, tal como tem diferente natureza a decisão a proferir sobre as impugnações apresentadas.
Aqui, a lista provisória de créditos apresentada pelo Administrador Judicial Provisório visa legitimar a intervenção dos credores e obter o quórum necessário para votar o plano de pagamentos apresentado pelo devedor e apenas isso. Nenhum pagamento será efetuado no âmbito desse processo e as decisões proferidas relativamente às impugnações apresentadas e a consequente lista definitiva de credores têm natureza incidental, pelo que não constituem caso julgado fora do respetivo processo, nos termos do art. 91º, nº 2 do Código de Processo Civil. Tal significa que aos credores não está vedada a possibilidade de intentarem ações declarativas para reconhecimento dos seus créditos após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano de pagamentos apresentado, ainda que visando obter o reconhecimento de créditos de valor diferente do que foi reconhecido no PER ou no PEAP. Não faz também sentido atribuir aos créditos que o forem a natureza de privilegiados ou garantidos, dado que no âmbito do PER ou do PEAP não ocorrerá qualquer graduação de créditos e aquela natureza de privilegiados ou garantidos não confere voto de qualidade ao credor respetivo.
Tem sido esta a posição dominante na nossa jurisprudência. Na verdade, conforme se refere no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24.1.2018, da autoria do Exmo. Sr. Desembargador Manuel Domingos Fernandes (processo nº 60/17.5T8VNG.P1, disponível na internet, em www.dgsi.pt.), “as impugnações de que sejam alvo os créditos incluídos pelo administrador judicial na lista provisória de créditos e as decisões que sobre essas reclamações recaírem não operam caso julgado material, uma vez que as reclamações de crédito no âmbito do PER têm como único objetivo, por um lado, legitimar a intervenção do credor no PER e, por outro, calcular o quórum deliberativo e a maioria prevista no n.º 3 do artigo 17.º-F, além de que a natureza célere e simplificada do PER é incompatível com a operância de caso julgado material. Com efeito, o PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos dos credores perante o devedor, sequer a sua natureza célere se compadece com semelhantes finalidades, pelo que as decisões que recaiam sobre as reclamações de créditos são meramente incidentais”, pelo que, “nos termos do n.º 2 do art. 96º do CPC, não constituem caso julgado fora do respetivo processo (…) O PER é um processo que se quer simples, célere e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental. Se a decisão sobre a reclamação de créditos constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de dispor de todos os meios de defesa e de prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que–em última análise–comprometeria os objetivos do PER.”
Veja-se, ainda e não obstante se tratar de um PER, mas cuja disciplina e fundamento se dirigem igualmente ao PEAP, por identidade de razões, a decisão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 24.03.2015: “Como é sabido, o PER - Processo Especial de Revitalização, introduzido pela Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, assumiu-se, desde logo, “como um mecanismo célere e eficaz que possibilite a revitalização dos devedores que se encontrem em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente mas que ainda não tenham entrado em situação de insolvência atual”, pois “A presente situação económica obriga, com efeito, a gizar soluções que sejam, em si mesmas, eficazes e eficientes no combate ao “desaparecimento” dos agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas. Este processo especial permite ainda a rápida homologação de acordos conducentes à recuperação de devedores em situação económica difícil celebrados extrajudicialmente,” (conforme – Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 39/XII, de 30 de dezembro de 2011). Daí a sua configuração como “um procedimento híbrido, no sentido em que, para alcançar a sua finalidade última, a recuperação do devedor, se trata de um processo extrajudicial, mas que exige a intervenção do tribunal em três momentos chave: no seu início, na decisão da impugnação da lista provisória de créditos e no final, para tornar gerais os efeitos do acordo ou para extrair as devidas consequências da não aprovação do mesmo” (cfr. Fátima Reis Silva, in Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente, Porto Editora, 2014, pág. 17). É, precisamente, no segundo desses momentos que nos situamos, o qual, evidentemente, não pode ser desligado de toda a filosofia subjacente e do fim em vista, a que já nos referimos supra, onde, naturalmente, não cabe a resolução de potenciais litígios entre o devedor e os credores. Com efeito, a decisão sobre as impugnações visa somente computar o quórum deliberativo, mas não é necessária para a aprovação e homologação do plano e não tem força de caso julgado fora do PER. Neste, “inexiste um efetivo contraditório relativamente aos créditos reclamados, desde logo porque – ao contrário do que sucede no processo de insolvência (cfr. art. 131º) – não se prevê a possibilidade de deduzir resposta às impugnações.
… O PER não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos. A decisão sobre a reclamação de créditos é meramente incidental pelo que nos termos do nº 2 do art. 96º (atual 91º) do CPC não constitui caso julgado fora do respetivo processo. Esta é, aliás, a solução que mais se coaduna com os objetivos do PER. O PER é um processo que se quer simples, célebre e ágil, o que pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental. Se a decisão … constituísse caso julgado fora do PER, as partes teriam de poder dispor de todos os meios de defesa e prova com a amplitude que lhes é reconhecida nos processos cíveis, e provavelmente a isso seriam forçadas, o que – em última análise – comprometeria os objetivos do PER ou, pelo menos, lhe traria uma complexidade desnecessária. O carácter meramente incidental, e sem força de caso julgado, da decisão sobre a reclamação de créditos, pode incentivar algum consenso sobre a lista de créditos, facilitando o desenrolar do PER e cômputo dos votos para aprovação do plano” (cit. Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis, in PER O processo Especial de Revitalização Comentários aos artigos 17ºA a 17ºI do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, págs. 78 e 79)” (Acórdão do TRP de 24/03/2015, processo nº 353/14.3TBAMT.P1, integralmente disponível no sítio www.dgsi.pt).
Veja-se ainda e a título de novo exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 29.02.2016, da lavra do Exmo. Sr. Desembargador Carlos Querido (processo nº 841/14.1TYVNG-A.P1, disponível na internet, em www.dgsi.pt.), onde se refere que “II - Na tramitação do PER, a lei não prevê a “graduação” dos créditos reclamados, ao invés do que ocorre com o processo de insolvência, na medida em que, face ao único e exclusivo objetivo enunciado (composição do quórum deliberativo) e à inexistência de caso julgado fora do âmbito do PER, tal graduação revelar-se-ia inútil. III - O que efetivamente releva para o efeito pretendido pela lei, é, unicamente, para além da verificação do crédito, saber se o mesmo tem ou não natureza subordinada, não assumindo qualquer relevância para os efeitos previstos no n.º 3 do artigo 17.º-F do CIRE, o facto de ser comum, privilegiado ou garantido.”
Também o Sr. Conselheiro João Aveiro Pereira salienta que “o que importa, nesta fase, é estabelecer um quórum deliberativo. Aliás, tratando-se de um procedimento iminentemente negocial, nem interessa aprofundar muito o debate sobre reclamações e impugnações, pois tudo o que se relaciona com créditos poderá ser resolvido por acordo durante as negociações e, se a final sobrevier a insolvência, então sim, seguir-se-á o processado de verificação de créditos previsto nos artigos 128º e seguintes” (João Aveiro Pereira, A Revitalização Económica de Devedores, O Direito, Ano 145, 2013, I-II, Almedina, p. 41).
Por outro lado e como dissemos já, a natureza urgente do PER e do PEAP impõe que a decisão a proferir sobre as impugnações à lista provisória de créditos seja rápida, célere e, por isso, perfunctória. De facto, os arts. 17º-D, nº 3 e 222º-D, nº 3 do CIRE determinam (quanto ao PER e quanto ao PEAP, respetivamente) que a lista provisória de créditos seja imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas. O cumprimento de tal prazo de 5 (cinco) dias não se compadece com a produção de outra prova que não a documental requerida pelas partes nos seus articulados. De resto, a própria lei não prevê a possibilidade pelas partes de indicação de meios de prova não documentais (seja no requerimento de reclamação, seja no de impugnação), pois deve o juiz de imediato apreciar as impugnações apresentadas. Devem, assim, ser apreciadas de imediato as impugnações apresentadas, com recurso apenas aos elementos documentais trazidos aos autos pelas partes.
Tendo presente este quadro mental, em que a lista definitiva tem como finalidade fixar o quórum deliberativo e sem efeito de caso julgado fora do PEAP e do PER (nas palavras de Fátima Reis Silva “a lista definitiva não tem qualquer efeito de caso julgado e não vincula o administrador da insolvência senão obrigando-o a incluir aqueles créditos na lista ou listas do art. 129º” – Processo Especial de Revitalização, Porto Editora, p. 45), o Tribunal rejeita a produção de prova que não a prova meramente documental, ou seja, rejeita toda a prova testemunhal e por depoimento / declarações de parte (neste mesmo sentido, da não audição de testemunhas, pode ver-se Carvalho Fernandes/João Labareda, CIRE Anotado, Quid Juris, 2ª Edição, p. 158).
Por outro lado, esclarece que a apreciação da prova será sempre perfunctória (nas palavras de Nuno Gundar da Cruz, “a decisão sobre as impugnações, no contexto do PER, baseia-se numa análise superficial e perfunctória, tanto nos factos, como no direito” – Processo Especial de Revitalização, Estudo Sobre os Poderes do Juiz, Petrony, p. 55), podendo inclusivamente, por vezes, recorrer-se a juízos de equidade.
Por outro lado, salienta-se que não são admitidas respostas às impugnações, salvo quando o juiz o determinar, como ocorreu no caso presente.
Ainda assim, deve o juiz manter a igualdade entre os impugnantes e
credores impugnados, o que significa que o Tribunal, ou permite que todos os impugnados tenham direito de resposta, ou não permite.
No caso presente, o Tribunal concedeu ao credor impugnado e ao Sr. Administrador Judicial Provisório o direito de resposta.
Em face do exposto, é com este quadro que se aprecia a impugnação apresentada pela devedora.
Ora, entende a devedora/impugnante que não se retira dos documentos juntos com a reclamação de créditos apresentada por C…, SA quaisquer elementos de identificação, relativamente aos alegados contratos de créditos que a fundamentam, não sendo assim possível precisar a quais contratos de crédito se referem as condições particulares constantes dos documentos n.ºs 1, 2 e 3, a que acresce que o documento n.º 4 não se reconduz a um contrato de crédito, mas antes a um contrato de cartão de crédito. Entende ainda a devedora / impugnante que não está provada a celebração dos contratos de crédito n.ºs ………., ……….., …………. e ……………, nem tão-pouco a dívida no montante de 13.338,79€, decorrente do alegado incumprimento dos mesmos. Por fim, a devedora / impugnante impugna a genuinidade dos referidos documentos, isto é, a veracidade das letras e das assinaturas, que lhe são imputadas, ao abrigo do artigo 374.º, n.º 1, do CC, nos termos e para os efeitos do artigo 444.º, n.º 1, do CPC.
A devedora/impugnante não junta qualquer prova e a credora impugnada entende que a prova necessária foi junta com a reclamação de créditos.
Olhando para a reclamação de créditos, junta pelo Sr. Administrador Judicial Provisório em 11.3.2021, e documentos a ela anexados, entende-se que estes são os bastantes para, perfunctoriamente, se considerar provado o crédito reclamado (sendo certo que é ao credor reclamante que incumbe a prova do crédito que reclama – art. 342º, n.º 1 do CC –, quer quanto ao capital, quer quanto aos juros de mora.
Assim, consideram-se perfunctoriamente provados os factos alegados na indicada reclamação de créditos, junta aos autos em 11.3.2021, e que aqui consideramos integralmente reproduzidos, para todos os efeitos legais, sem prejuízo de se retificar, quanto ao facto alegado no ponto 9, estar em causa um contrato de cartão de crédito e não um contrato de crédito.
Motivação de facto e de direito
Para se considerar provados os indicados factos, atendeu-se aos documentos juntos com a reclamação de créditos, inexistindo qualquer outra prova.
Acresce que a impugnação dos indicados documentos, efetuada pela devedora /impugnante, convocando o disposto no art. 374º, n.º 1 do CC, não colhe, na medida em que, tratando-se de documentos particulares, cuja assinatura é imputada à devedora /impugnante, a declaração efetuada por esta, no sentido de que não sabe se as assinaturas que deles constam lhe pertencem equivale à afirmação de que tais assinaturas se consideram verdadeiras.
Convocar a seguir o art. 368º do mesmo diploma legal para sustentar a impugnação da veracidade dos documentos não nos parece admissível, sabendo a requerente / impugnante que o processo tem natureza eletrónica, conforme art. 132º, n.º 1 do CPC, não podendo os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes deixar de ser apresentados a juízo por via eletrónica (art. 144º, n.º 1 do CPC), o que se estende aos documentos que os devam acompanhar (n.º 2 do citado preceito legal).
E de acordo com o n.º 4 seguinte, é atribuída a força probatória dos originais aos documentos assim apresentados, nos termos definidos para as certidões. Assim sendo e não se nos oferecendo os documentos juntos com a reclamação de créditos dúvida quando à sua autenticidade ou genuinidade, não sendo caso de realizar perícia à letra ou assinatura (não requerida e, ainda que requerida, não admissível, nos termos supra indicados), entende-se que os documentos juntos pela credora reclamante com a sua reclamação de créditos são os bastantes para prova (perfunctória) dos factos alegados na reclamação de créditos.
Destes factos conclui-se ser a devedora / impugnante devedora, à credora reclamante C…, SA, da quantia que consta na lista provisória de créditos junta aos autos em 23.2.2021
Decisão
Em face do exposto, resta concluir pela improcedência da impugnação apresentada pela devedora em 2.3.2021, mantendo-se como reconhecido o crédito reclamado por C…, SA.
No mais, converte-se a lista provisória de créditos apresentada em 23.2.2021 em lista definitiva (art. 222º-D, n.º 4 do CIRE)».
IV – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Como vimos a decisão recorrida julgou improcedente a impugnação apresentada pela devedora no âmbito deste PEAP (processo especial para acordo de pagamento) mantendo como reconhecido o crédito reclamado pela C…,SA.
Contudo, a apelante discorda, por entender que, os documentos juntos com a reclamação de créditos apresentada por aquela sociedade não fazem prova bastante dos factos alegados, limitando-se a credora a identificar os contratos de crédito por um número de referência.
Mais sustenta que, da reclamação de créditos apresentada por aquela credora não constam a data da celebração, o montante do crédito, as condições de pagamento e o saldo devedor de cada um dos contratos de crédito.
Ora bem, extrai-se de toda a prova documental junta com a reclamação de créditos apresentada pela credora que esta identifica os contratos celebrados pela devedora com o Banco D… (anteriormente designado Banco E…, SA).
Igualmente se extrai que, por contrato de cessão de créditos, o D… cedeu o crédito resultante desses contratos à F… e esta cedeu os créditos à ora reclamante, sendo, por isso, a actual titular dos créditos reclamados.
Nos identificados contratos de crédito (n.ºs ……….., ………., ………… e …………) foi concedido à devedora crédito a liquidar nos termos e condições particulares e gerais constantes dos respectivos contratos, contratos estes que foram incumpridos em 01/12/2013 e 01/01/2014 pela devedora, tendo nessa data ficado em dívida a quantia de €13.338,79 a que acrescem juros no valor de €3.772,87 contabilizados à taxa de 4%, desde a data do incumprimento até à data da declaração de insolvência da devedora, o que totaliza o montante de €17.111,66.
Estes elementos extraem-se dos documentos apresentados pela credora.
A saber:
- doc. nº 1, trata-se de um contrato de crédito celebrado pelo Banco E… e a devedora, constando das condições particulares, para além do mais, a finalidade do crédito (conjunto de móveis), o montante do crédito (€10.000,00), o número de mensalidades (84+1) e o valor da mensalidade (€165,94).
- doc. nº 2, trata-se de outro contrato de crédito em conta corrente, celebrado em 03/03/2007 pela devedora com a G…, SA.
- doc. nº 3, trata-se de um contrato de crédito celebrado em 02/05/2007 com a H… (E…) e a devedora, no montante de €5.000,00, daí constando as respectivas condições gerais e as condições especificas co crédito.
- doc. nº 4, trata-se de um contrato de crédito celebrado em 10/03/2006, entre a G… e a devedora, para utilização do cartão I…, cujo plafond inicial foram €750,00, aí se indicam a taxa de juro e outros elementos referentes ao contrato, constando as condições gerais de utilização de tal cartão.
Estes documentos são ainda complementados pela lista de créditos apresentada pela credora, constando da mesma para além do mais, quer o número dos respectivos contratos referentes à devedora, quer os dias de incumprimento relativos a cada um dos contratos, a data do incumprimento bem como os montantes de capital em dívida em cada um deles (1.223,79+1.743,92+5.341,87+5.563,50).
Ora, toda esta prova documental mostra-se anexa à reclamação de créditos apresentada pela credora, a qual foi transposta para a lista provisória de créditos apresentada pelo Sr. AJP.
Tal como a decisão recorrida, entendemos que, toda esta prova documental é bastante para, perfunctoriamente, se considerar provado o montante total do crédito reclamado em 5º lugar na lista de créditos provisória apresentada pelo Sr. AJP.
Aliás, fazendo um paralelismo com o que se passa com o PER, em caso de impugnação dos créditos da lista provisória elaborada pelo Sr. AJP, no âmbito do PEAP, o ónus da prova documental dos fundamentos aí deduzidos para o efeito, incumbe à devedora (vide, ac. deste TRP de 24/01/2018, pº nº 60/17.5T8VNG.P1, consultável em www.dgsi.pt).
Ora, a devedora não juntou qualquer prova documental para infirmar a veracidade daqueles documentos.
Mais, tal como no PER, sendo o PEAP um processo célere e simples, as decisões sobre reclamações de créditos devem ser baseadas unicamente em prova documental, não tendo aquele processo como finalidade dirimir litígios sobre a existência ou amplitude de quaisquer créditos (vide, acs. do TRP de 24/11/2020, pº nº 1319/20.0T8VNG.P1 e do TRL de 13/04/2021, pº nº 291/18.0T8AGH-A.L1-1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Por isso, é forçoso concluir que os créditos reclamados pela credora e constantes da lista provisória elaborada pelo Sr. AJP nos termos do nº 2 do artº 222º-D do CIRE, tinham de ser incluídos.
Consequentemente, entende-se não padecer a decisão recorrida do apontado erro de julgamento quanto às regras do ónus da prova e não violar o disposto no artº 20º nº1 da CRP.
Nesta medida, improcedem “in totum” as conclusões do recurso.
V – DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a apelação, confirmando integralmente a decisão recorrida.

Custas pela apelante (sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia).
(Processado por computador e integralmente revisto pela Relatora)
Porto,12/07/2021
Maria José Simões
Abílio Costa
Augusto Carvalho