RECURSO DE REVISÃO
CADUCIDADE DA AÇÃO
DIREITOS DE PERSONALIDADE
SANÇÃO DISCIPLINAR
CASO JULGADO
Sumário


I. Não são aqui aplicáveis nem pertinentemente invocáveis as disposições dos artigos 127.º ss. do EMJ ou 449.º do CPP, mas tão somente os artigos 154.º do CPTA e 696.º do CPC. É, pois, com referência a estas disposições, e só a estas, que cumpre analisar o presente meio processual.
II. O presente Recurso Extraordinário de Revisão vem interposto dos Acórdãos da Secção de Contencioso do STJ proferidos a 21-03-2013, no proc. n.º 15/12.6YFLSB, e a 26-06-2013, no proc. n.º 149/11.4YFLSB.
III. É interposto ao abrigo do disposto no artigo 154.º n.º 1, do CPTA e na alínea f) do artigo 696.º do CPC.
IV. O artigo 697.º do Código de Processo Civil esclarece, no seu n.º 2, alínea b), que «[o] recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados [n]o caso das alíneas f) eh) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado».
V. As alterações da Lei n.º 117/2019 ao regime do recurso de revisão aplicam-se aos processos entrados (como recurso de revisão) após o início da vigência da lei, 01-01-2020, desde que verificados os demais requisitos, nomeadamente o do cumprimento do prazo de caducidade enunciado no artigo 697.º, n.º 2, al. b), do CPC».
VI. No caso presente, é inequívoco que não estamos perante direitos de personalidade, por não estarmos perante nenhum dos direitos fundamentais consagrados ou tutelados pela CRP ou pelos artigos 70.º a 81.º do Código Civil.
VII. Pelo contrário, estamos perante a aplicação de sanção disciplinar, não expulsiva, por alegada violação de deveres funcionais.
VIII. Como tal, há um prazo de caducidade expressamente estabelecido para a interposição do recurso de revisão, tendo por referência a data em que a decisão (cuja revisão se pretende obter) se tornou definitiva nos termos da al.f) ou transitou em julgado, nos termos da ala h).
IX. O recurso de revisão constitui excepção à intangibilidade do caso julgado, pelo que o legislador, sensível aos valores da certeza e segurança jurídicas, estabeleceu, um limite temporal à possibilidade de desencadear este meio de impugnação do caso julgado no artigo 697.º do CPC.
X. Conforme dispõe o art. 628.º do CPC (noção de trânsito em julgado), «a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação».
XI. No caso dos autos, à data da interposição do recurso de revisão (23-03-2021), o prazo de 5 anos previsto no n° 2 do artigo 697.º do CPC já estava consumido e consumado na íntegra e há muito havia decorrido. Na verdade, a decisão revidenda não é o Acórdão proferido a 30- 06-2020 no proc. n.º 35/19.0YFLSB, posto que não é essa a decisão cuja revisão pretende a ora recorrente (Facto provado 4.º). Ao invés, as decisões revidendas são as dos processos nos 15/12.6YFLSB e 149/11.4YFLSB (Factos provados 1.º e 1.º), ambas proferidas no ano de 2013 e notificadas à recorrente a 26-03-2013 e a 03-07-2013, respetivamente. É seguro asseverar, pois, que as decisões revidendas transitaram em julgado ainda nesse mesmo ano de 2013.
XII. Ora, tendo o recurso de revisão sido instaurado apenas a 23-03-2021, constata-se que o foi bem para lá do prazo de 5 anos previsto na lei processual.

Texto Integral




Procº nº 15/12.6YFLSB- A

Acordam na Secção do Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça

I - RELATÓRIO 

AA, Juíza de Direito a exercer funções no Juízo Central Criminal  ........., J.., vem, nos termos dos artigos 127.º ss do EMJ, 696.°, alínea f), do CPC, 449.º, n.º 1, alínea g), do CPP e 154.º do CPTA, requerer contra o Conselho Superior da Magistratura:
i) A revisão da decisão jurisdicional proferida em sede de recurso contencioso n.º 15/12......, que negou provimento à impugnação da decisão proferida  nos Autos de Procedimento Disciplinar n.º .../2010 que, por sua vez, aplicou à recorrente a pena disciplinar de vinte dias de multa; e
ii) A revisão da decisão jurisdicional proferida em sede de recurso contencioso n.° 149/11......, que negou provimento à impugnação da decisão proferida nos Autos de Procedimento Disciplinar n.º .../11 que, por sua vez, aplicou à recorrente a sanção disciplinar de 100 (cem) dias de suspensão do exercício das funções jurisdicionais.

Formula, a final, os seguintes pedidos:
Assim, face ao entendimento vertido na decisão proferida no Processo n.° 35/19......, a Recorrente requer a formulação de juízo rescidente, pugnando pela admissão da revisão das decisões judiciais que apreciaram as condenações disciplinares supra identificadas.
Se vier a ser proferido o competente juízo rescidente, por forma a dar cumprimento à decisão da Grande Chambre do TEDH, deve o STJ proceder à revisão das decisões proferidas nos Processos n° 15/12...... e Processo n.° 149/11...... revogando-as e declarando nulas as deliberações do CSM de 10 de Janeiro de 2012 e 11 de Outubro de 2011, por preterição do direito a uma audiência pública, determinando a remessa dos autos ao CSM, para o efeito de ser nomeado novo instrutor, nos termos do art. 129.º/2 do EMJ, e para que seja designada pelo Plenário do CSM data para a realização de uma audiência pública, no âmbito da qual a recorrente possa expor oralmente a sua argumentação sobre a factualidade provada, sobre o relevo disciplinar da conduta que lhe é censurada e na qual este órgão possa formar a sua própria convicção sobre a credibilidade da requerente e testemunhas por si indicadas nos termos doutamente impostos pela decisão da Grande Chambre do TEDH.
Caso se venha a concluir pelo arquivamento dos autos, no que tange ao PD .../2010. nos termos do art. 130.º/2 do EMJ, requer que seja ordenada a restituição à recorrente da quantia de 642,60 euros, que esta suportou a título de juros e custas, no âmbito do recurso contencioso n.° 15/12......, conforme certidão emitida pelo STJ.
Caso se venha a concluir pelo arquivamento dos autos, no que tange ao PD .../11, nos termos do art. 130.º/2 do E.MJ., que seja ordenada a restituição à requerente da quantia de 963,90 euros, que esta suportou a título de juros e custas, no âmbito do recurso contencioso e ainda a quantia de 16 829,40 euros, correspondente às perdas salariais que a mesma suportou em consequência da pena disciplinar aplicada nestes autos, confirmada pela decisão a rever, conforme certidões emitidas pelo STJ e Tribunal da Relação do Porto.

Em sustentação do pedido formula as seguintes CONCLUSÕES:

Quanto à revisão da decisão proferida em sede de recurso contencioso n.° 15/12......, relativa ao Procedimento Disciplinar n.° .../2010
1ª - Em 28 de Setembro de 2010, foi apresentada junto do Conselho Superior da Magistratura participação disciplinar subscrita pelo Exmo Sr. Juiz Desembargador BB, à data Inspector Judicial, participação essa na qual imputava à aqui recorrente a violação de um dever de correcção, consubstanciado na alegada verbalização pelo telefone, da expressão: «O Sr. está a ser mentiroso», no contacto entre ambos estabelecido, no pretérito dia 13 de Setembro de 2010.
2ª- Nas declarações que apresentou em fase de instrução e de defesa, bem como nas alegações que apresentou em sede de recurso contencioso, a recorrente sempre negou a verbalização da expressão que lhe era imputada pelo participante: “O Sr. está ser mentiroso”.
3ª - Por despacho do Exmo Juiz Conselheiro Vice-Presidente do CSM, datado de 12 de Janeiro de 2011, foi designado para realizar a instrução do referido processo disciplinar, ao qual foi atribuído o n.° .../1010, o Exmo. Inspetor Judicial Dr. CC.
4ª - Apesar da negação pela então arguida da expressão que lhe era imputada e da ausência total de prova que alicerçasse essa imputação, o instrutor nomeado, veio a deduzir uma segunda acusação - após a anulação de uma primeira -, na qual imputava à recorrente a prática de uma infracção disciplinar, consubstanciada na violação de um dever de correcção, censurando à recorrente, não apenas o teor da conversa telefónica ocorrida em 13 de Setembro de 2010, mas também o teor de uma exposição de 9 de Junho de 2010, propondo a aplicação à recorrente de uma pena de 20 dias de multa, pena que foi secundada pelo inspector substituto (nomeado, na sequência da recusa e escusa deduzida pelo instrutor originário), no relatório final apresentado.
5ª - Na sessão do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, realizado em 10/01/2012, foi tomada deliberação que concluiu pela punição disciplinar da aqui recorrente numa pena de 20 dias de multa, tendo aí sido dada como provada toda a matéria constante da acusação elaborada pelo instrutor recusado e escusado, quer relativa ao teor da exposição de 9 de Junho, quer relativamente ao teor da conversa de 13 de Setembro.
6ª - Tal deliberação foi tomada por maioria, registando-se 4 votos de vencido, lavrados por quatro membros laicos do CSM, do seguinte teor:
Vencido — quanto à matéria dada como provada no art. 29°, é dado como assente que a Sra Juíza arguida terá afirmado em conversa telefónica com o Sr. Inspetor (cfr. art. 24.°), que este estava a ser mentiroso. Salvo o devido respeito pela convicção contrária, estes factos, como os demais decorrentes desta conversa, ocorreram sem testemunho, pelo que - sem confissão da arguida - não os posso valorar da mesma forma, não me conformando com o circunstancialismo que convenceu o Ex.mo Sr. Relator.
Por seu turno, no que concerne à fundamentação da proposta do Exmo Sr. Relator, as expressões mais impressivas sobre “inércia”, “desleixo”, etc, não possuem o condão - sempre em minha opinião - de serem valorizadas de forma a ultrapassar o que de meramente opinativo permite a liberdade de pensamento, tal como a liberdade de expressão; sentidos estes em que fundamento o presente voto de vencido”.
7ª - Em fase administrativa, apesar da então arguida pôr em causa os factos e a suficiência probatória nesse procedimento, não lhe foi concedido o direito a uma audiência pública, tendo o Plenário do CSM formado a sua convicção sobre a credibilidade da recorrente e das testemunhas com base no processo escrito elaborado pelo instrutor recusado, até à fase da acusação e pelo instrutor substituto.
8ª - A recorrente apresentou recurso da deliberação do CSM de 10 de Janeiro de 2012, que a condenou numa pena de 20 dias de multa, tendo a secção «ad hoc» do STJ, negado provimento ao recurso, sem efectuar uma efectiva reapreciação dos factos dados como provados na decisão recorrida, sem avaliar a suficiência da prova em que estes se alicerçavam, sem fazer uma efectiva apreciação jurídica dos demais vícios invocados e sem fazer um efectivo exame dos argumentos e dos meios de prova oferecidos pela recorrente, assumindo-se expressamente como um contencioso de mera legalidade.
9ª- Em fase jurisdicional, apesar da recorrente ter posto em causa a factualidade provada, a suficiência da prova (quanto ao telefonema de 13 de Setembro), bem como a relevância disciplinar da conduta que lhe era imputada (quanto ao teor do ofício que lhe era censurado), não lhe foi concedido o direito a uma audiência pública.
10ª - No dia 6 de Novembro de 2018, a Grande Chambre do TEDH, decidiu e publicou o acórdão que decidiu definitivamente o caso que opunha a recorrente ao Estado Portugal, concluindo que nas três queixas apresentadas pela recorrente - incluindo a Queixa n.º ...../13, relativa a este procedimento disciplinar .../2010 -, ocorreu violação do artigo 6.º § 1 da Convenção, com os fundamentos que constam dos parágrafos 193.° a 215.° do acórdão.
11ª - Numa análise conjunta das três queixas objecto do processo, a Grande Câmara concluiu que, nas circunstâncias do presente processo - levando em consideração o contexto específico dos procedimentos disciplinares conduzidos contra um juiz, a seriedade das penas aplicadas, o facto das garantias processuais perante o CSM serem limitadas, e a necessidade de aceder à evidência factual para determinar a credibilidade da requerente e das testemunhas e constituindo este um aspecto decisivo do caso - o efeito combinado de dois factores, nomeadamente a insuficiência da revisão judicial desempenhada pela secção «ad hoc» do Supremo Tribunal de Justiça e a falta de audição da requerente, quer na fase administrativa dos procedimentos disciplinares, quer na fase jurisdicional, significou que o processo da requerente não foi conduzido de acordo com as exigências do artigo 6.º § 1 da Convenção, considerando desnecessário examinar os dois aspectos restantes da revisão desempenhada pela Divisão Judicial do Supremo Tribunal, nomeadamente sua revisão da violação de obrigações profissionais e a sua revisão de sanções impostas (ver parágrafos 201-02 acima).
12ª - Nesse acórdão, o Mm.° Juiz Português, Paulo Pinto de Albuquerque, na sua impressiva declaração de voto, consignou em jeito de conclusão:
“(11) A fim de colocar um fim na violação ou violações encontradas pela Grande Câmara e na medida do possível, para corrigir os seus efeitos, deve haver, pelo menos, uma reabertura dos procedimentos ao nível interno;
“ 34. A luz das considerações acima expendidas, não pude senão concluir que o facto dos procedimentos disciplinares perante o CSM e perante o Supremo Tribunal não serem públicos, a formação “ad hoc” da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal em casos disciplinares e a limitação de poderes de cognição daquela secção de contencioso são relíquias do passado que estão fora do padrão contemporâneo internacional da independência judicial. A reforma e modernização do enquadramento legal e práticas com relação à governança judicial em Portugal estão agora em andamento, e o facto do Governo ter apresentado um projeto de lei ao Parlamento para esse fim deve ser bem-vindo. Tenho a certeza de que o Parlamento ouvirá atentamente a mensagem enviada por este Tribunal e dará uma resposta completa e adequada a esta questão”.
13ª - A CEDH, que entrou em vigor em 3 de Setembro de 1953, foi ratificada em Portugal pela Lei n.° 65/78 de 13 de Outubro, daqui derivando o estabelecimento da competência do TEDH para aferir da conformidade entre o Direito Português, aferido nas vertentes da actuação administrativa e jurisdicional, e a CEDH no tocante ao conjunto de direitos aí elencados.
14ª - A fiscalização da execução das decisões do TEDH é da competência do Comité de Ministros do Conselho da Europa.
15ª - Casos há em que a reposição integral do «status quo ante» não se basta com a mera compensação financeira determinada pelo TEDH (que, no caso, nem sequer foi atribuída), reclamando ainda a adopção de medidas complementares com vista à sustação do direito violado, sendo neste particular domínio que a figura do recurso de revisão de sentenças judiciais assume particular relevo.
16ª - O artigo 155.°, n.° 1, do CPTA, mediante remissão para o disposto no artigo, 696.° f) do CPC, e o artigo 449.º/1 g) do CPP preveem como fundamento do recurso de revisão a incompatibilidade da decisão nacional transitada em julgado com a decisão de uma instância internacional que seja vinculativa para o Estado Português, reconhecendo, assim, ao recurso de revisão a qualidade de meio idóneo à execução das decisões do TEDH, enquanto entidade internacional vinculativa para o Estado Português.
17ª - Na situação em apreço, impõe-se considerar que a decisão proferida em 6 de Novembro de 2018, pela Grande Chambre do TEDH, no caso que opunha a recorrente ao Estado Português é de molde a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da decisão nacional a rever, transitada em julgado na ordem jurídica interna que, no âmbito do recurso contencioso n.° 15/12...... que confirmou a condenação da recorrente numa pena disciplinar de 20 dias de multa, pela alegada violação e um dever de correcção, no procedimento disciplinar n° .../2010.
18ª - No caso em apreço, entendeu a Grande Chambre do TEDH, além do mais que, no contexto específico dos procedimentos disciplinares contra juízes, atendendo à seriedade das penas e aos efeitos das mesmas na carreira do juiz visado, o facto das garantias processuais perante o CSM serem limitadas, a concessão à recorrente do direito a uma audiência pública, quer perante entidade administrativa, quer pela entidade jurisdicional, bem como a existência de um contencioso de plena jurisdição, que permitisse à Secção «ad hoc» do Supremo Tribunal de Justiça reexaminar os factos fixados pela entidade administrativa, constituía um aspecto decisivo do caso.
19ª - Tanto mais que, tendo a recorrente posto em causa a factualidade dada como provada pela entidade administrativa (CSM), bem como a suficiência probatória em que a mesma se alicerçou - factualidade que, aliás, neste procedimento, foi objecto de discordância por parte dos membros do CSM, como avulta do teor dos votos de vencido lavrados na deliberação punitiva - era essencial para o resultado deste procedimento disciplinar, o efeito combinado daqueles dois factores (audiência pública e extensão dos poderes de cognição do órgão jurisdicional), pois que as garantias procedimentais que foram preteridas eram essenciais ao desfecho do caso, na medida em que teriam permitido à entidade administrativa e jurisdicional formar a sua própria convicção sobre a credibilidade da recorrente e das testemunhas por si arroladas.
20ª - Ademais, para além da essencialidade e gravidade das garantias procedimentais preteridas, que a Grande Chambre do TEDH identificou, não se pode olvidar que a recorrente (parte lesada) continua a sofrer consequências particularmente graves, decorrentes dessa injusta condenação, na sequência da decisão nacional a rever, seja ao nível das perdas salariais que sofreu - que não foram compensadas pelo TEDH, porquanto não lhe foi arbitrada qualquer reparação razoável -, seja ao nível da correspondente perda na sua antiguidade, seja porque essa condenação injusta mantém-se inscrita no seu registo disciplinar, com todo o estigma que essa condenação envolve, ainda para mais, dada a publicidade que lhe foi dada, por via das declarações prestadas em vários órgãos da comunicação social, pelo então instrutor do processo, CC.
21ª - Nessa medida, é apodítico que a reabertura deste procedimento disciplinar afigura-se constituir o único meio interno, adequado a permitir que a parte lesada recupere, na medida do possível, a situação em que se encontrava antes da violação da Convenção («restitutio in integrum»);
22ª - Sendo de repudiar determinado entendimento, maxime jurisprudencial, que se vem consolidando no sentido de se considerar que este fundamento de recurso deve ser objecto de interpretação restritiva, interpretação reveladora de falta de consideração devida pela vinculatividade das decisões do TEDH, que foi aceite livremente pelo Estado Português ao ratificar a CEDH, nos termos do seu art. 46.°, n.° 1, que nos afigura existir na adopção de tal técnica interpretativa.
23ª - Não se diga que esta vinculatividade coloca uma questão de eventual «ofensa de soberania nacional». A nosso ver, tal questão, verdadeiramente, nem se coloca, uma vez que nos situamos antes no domínio da «cedência consentida de soberania» como decorrência da integração de Portugal, a par dos restantes Estados-Membros, na «governação» das instituições internacionais em que se integra, como é precisamente o caso do TEDH.
24ª - As «cedências» de soberania constituem naturalmente o reverso da inserção de Portugal em espaços políticos e institucionais que ultrapassam as fronteiras, e, mais do que «cedências», são partilhas de soberania, uma vez que Portugal integra de pleno direito, a par dos restantes Estados-Membros, a «governação» das instituições internacionais em que se integra, como é precisamente o caso do TEDH.
25ª - Ora, no caso dos autos, dúvidas não subsistem que a decisão proferida pela «Grande Chambre» do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), sobre o caso ora em apreço, é vinculativa para o Estado português e esse Tribunal considerou violado o art. 6.º, n.° 1, da Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, por não ter sido concedida à recorrente uma audiência pública, em fase administrativa e jurisdicional e dada a deficiente extensão e poderes de cognição da Secção de contencioso do STJ, na medida em que este órgão jurisdicional não reapreciou os factos fixados na fase administrativa, nem a suficiência da prova, factos esses que a recorrente sempre pôs em causa, garantias procedimentais cuja preterição influiu decisivamente no desfecho da causa.
26ª - Não se trata de especular sobre o resultado a que o Plenário do CSM e/ou a Secção de Contencioso teriam chegado se tivessem ouvido a recorrente em audiência pública ou se a Secção de Contencioso tivesse reapreciado os factos e a suficiência probatória em que assentou a condenação da recorrente.
27ª - Trata-se de reconhecer que essas garantias processuais que foram preteridas eram essenciais, na medida em que se revelam adequadas a permitir à recorrente - que sempre questionou a factualidade com base na qual foi condenada - levar a entidade administrativa e jurisdicional a formar uma diferente convicção sobre a factualidade e suficiência probatória em que assentou essa factualidade, que sempre questionou e que conduziu à sua condenação.
28ª - Entendeu o STJ, no âmbito do Processo n.° 35/19......, que visando a demandante a «restitutio in integrum», a decisão do TEDH só pode pôr em causa a deliberação punitiva do CSM, pondo também em causa a decisão do STJ que «a convalidou».
29ª - A revisão do acórdão revidendo pode e deve ser autorizada, face à lei nacional, com o fundamento invocado pela recorrente, pois que a decisão vinculativa do TEDH suscita graves dúvidas sobre a justiça da decisão condenatória a rever, para o efeito do art. 127.º/1 e ss. do EMJ, 696.° f) do CPC, 449.º/1 g) do CPP, 154.° do CPTA, pelo que se verifica o fundamento indicado pela ora recorrente, devendo ser formulado o competente juízo rescidente.
30ª - Deve igualmente ser formulado o correspondente juízo rescisório, devendo ser proferida nova decisão que acate, acolha e execute a decisão proferida em 6 de Novembro de 2018, pela Grande Chambre do TEDH, revogando a decisão proferida no Processo n.º 15/12...... e declarando nula a deliberação do CSM aí impugnada, após o que, deverá ser ordenada a remessa dos autos ao CSM, para aí ser nomeado para o efeito novo instrutor, nos termos do art. 129.º/2 do EMJ, e para que aí seja designada pelo Plenário do CSM, data para a realização de uma audiência pública perante o referido órgão, no âmbito da qual a recorrente possa expor oralmente a sua argumentação sobre a factualidade provada, sobre o relevo disciplinar da conduta que lhe é censurada e na qual este órgão possa formar a sua própria convicção sobre a credibilidade da requerente e testemunhas por si indicadas nos termos doutamente impostos pela decisão da Grande Chambre do TEDH.
31ª - Caso se venha a concluir pelo arquivamento dos autos, nos termos do art. 130.º/2 do EMJ, que seja restituído à recorrente a quantia de 642,60 euros, que esta suportou a título de juros e custas, no âmbito do Recurso Contencioso n.° 15/12......, conforme certidão emitida pelo STJ.

Quanto ao Recurso de Revisão da decisão jurisdicional proferida no âmbito do Recurso Contencioso n.° 149/11……, relativa ao Procedimento Disciplinar n.° .../11

1ª - Por deliberação do Conselho Permanente de 29/03/2011, foi deliberado instaurar Processo Disciplinar à aqui recorrente e ao Exmo. Juiz de Direito, Dr. DD, ao qual foi atribuído o n.° .../11, que teve na sua origem a queixa concretizada pelo Dr. CC, que teve por objecto o teor das declarações prestadas pela testemunha Dr. DD, no processo disciplinar nº .../2010, confessadamente desconformes quanto à sua razão de ciência.
2ª - Por ofício de 26/05/2011, foi deduzida acusação contra a queixosa, imputando-lhe a violação de um dever de lealdade p. e p. pelo art. 82.° do EMJ e art. 37.º g) e n.° 9 do EDTEFP, acusação na qual foram dados como indiciariamente provados os factos cujo teor se dão aqui por inteiramente reproduzidos.
3ª - Com data de 15/07/2011, foram os aí arguidos notificados do teor do Relatório Final, que julgando improcedentes as causas de exclusão da ilicitude e da culpa suscitadas pela defesa, acabaria por enquadrar a conduta da recorrente na figura da co-autoria e julgar verificada, também quanto a ela, a violação do dever de lealdade, propondo a aplicação de uma pena de 60 dias de suspensão.
4ª - Por deliberação do Plenário do CSM de 11/10/2011, foi decidido condenar a recorrente numa sanção de 100 dias de suspensão para o exercício de funções, sendo que tal acórdão, para além de agravar a pena concreta relativamente à proposta do Exmo Instrutor, também alterou a qualificação jurídica da conduta da recorrente, subsumindo-a à violação do «dever de honestidade» e não já à «violação do dever de lealdade» e, também alterou o título de comparticipação da conduta da queixosa, que passou de co-autoria a autoria paralela.
5ª - Da deliberação punitiva do CSM, a recorrente interpôs recurso contencioso, que veio a dar origem ao Recurso Contencioso nº 149/11…… no qual invocou os seguintes fundamentos: a nulidade insuprível por falta de audiência da arguida, erro nos pressupostos de facto da decisão punitiva (omissão da circunstância da arguida ter actuado fora do exercício das suas funções, omissão da circunstância da testemunha Márcia ter confirmado que a arguida não proferiu a expressão que lhe foi imputada no P.D. n.° .../2010), erro nos pressupostos de direito da decisão punitiva (a irrelevância disciplinar da conduta da queixosa, a impossibilidade de punir a queixosa por falso testemunho, a ausência de pressupostos de que depende a punição da co-autoria, a incomunicabilidade à arguida, da relação especial que fundamenta o ilícito praticado pela testemunha); o estado de necessidade justificante, a hostilidade do inspector judicial (preventivamente suspenso) para com a arguida, a falta de pronúncia quanto à suspensão da pena, a manifesta desproporcionalidade da pena, as circunstâncias que rodearam os factos; a personalidade da arguida.
6ª - Com data de 3 de Julho, foi a recorrente notificada do teor do acórdão proferido pela Secção «ad hoc» do STJ, já transitado em julgado, que negou provimento ao recurso e condenou a recorrente a pagar as custas do processo, cuja taxa de justiça foi fixada em 6 UCS.
7ª - Nesse acórdão da Secção ad hoc do STJ, quanto ao invocado vício consubstanciado na exclusão da ilicitude ou da culpa, sustenta-se: «(...) não sendo já passível de discussão ter a recorrente AA, no tal telefonema de 13/09/2010, proferido a expressão: “O Sr. Inspetor está a ser mentiroso”, resultam prejudicados todos os efeitos que pudessem ser extraídos de se provar que ela não a proferiu, ou pelo menos, de não se provar que ela a tivesse proferido».
8ª - Ou seja, a recorrente não pôde ver reapreciado por um órgão jurisdicional o vício da manifesta falta de prova em que se fundamentava a deliberação punitiva no âmbito do P.D. n.° .../2010, no segmento em que deu como provado o facto essencial relativo ao conteúdo do telefonema de 13/09 e, para cúmulo, o mesmo órgão jurisdicional, partindo do facto cuja prova se demitiu de reapreciar, considera agora prejudicada a apreciação dos vícios apontados pela recorrente, tendentes a afastar a ilicitude ou culpa da sua actuação, nestoutro procedimento, fundados na não ocorrência daquele facto, no plano ontológico e processual.
9ª - Também no segmento em que aprecia o vício do erro nos pressupostos de direito em que assenta a decisão punitiva, atinente à relevância disciplinar da conduta da recorrente, o acórdão do STJ limita-se a reproduzir os argumentos do Relatório Final e da entidade recorrida, concluindo pela inexistência do vício e demitindo-se de realizar um verdadeiro exame da causa, furtando-se a uma verdadeira e própria fundamentação da sua decisão, a pretexto de que é um contencioso de mera legalidade.
10ª - No dia 6 de Novembro de 2018, a Grande Chambre do TEDH, decidiu e publicou o acórdão que decidiu definitivamente o caso que opunha a recorrente ao Estado Portugal, concluindo que nas três queixas apresentadas pela recorrente - incluindo a Queixa n.° ...../13, relativa a este procedimento disciplinar .../11 -, ocorreu violação do Artigo 6.º § 1 da Convenção, com os fundamentos que constam dos parágrafos 193.° a 215.° do acórdão.
11ª - Numa análise conjunta das três queixas objecto do processo, a Grande Câmara concluiu que, nas circunstâncias do presente processo - levando em consideração o contexto específico dos procedimentos disciplinares conduzidos contra um juiz, a seriedade das penas aplicadas, o facto das garantias processuais perante o CSM serem limitadas, e a necessidade de aceder à evidência factual para determinar a credibilidade da requerente e das testemunhas e constituindo este um aspecto decisivo do caso - o efeito combinado de dois factores, nomeadamente a insuficiência da revisão judicial desempenhada pela Secção «ad hoc» do Supremo Tribunal de Justiça e a falta de audição da requerente, quer na fase administrativa dos procedimentos disciplinares, quer na fase jurisdicional, significou que o processo da requerente não foi conduzido de acordo com as exigências do artigo 6.º § 1 da Convenção, considerando desnecessário examinar os dois aspectos restantes da revisão desempenhada pela Divisão Judicial do Supremo Tribunal, nomeadamente sua revisão da violação de obrigações profissionais e a sua revisão de sanções impostas (ver parágrafos 201-02 acima).
12ª - Nesse acórdão, o Mm.º Juiz Português, Paulo Pinto de Albuquerque, na sua impressiva declaração de voto, consignou em jeito de conclusão:
«(11) Afim de colocar um fim na violação ou violações encontradas pela Grande Câmara e na medida do possível, para corrigir os seus efeitos, deve haver, pelo menos, uma reabertura dos procedimentos ao nível interno;
» 34. A luz das considerações acima expendidas, não pude senão concluir que o facto dos procedimentos disciplinares perante o CSM e perante o Supremo Tribunal não serem públicos, a formação “ad hoc” da Secção de contencioso do Supremo Tribunal em casos disciplinares e a limitação de poderes de cognição daquela Secção de contencioso são relíquias do passado que estão fora do padrão contemporâneo internacional da independência judicial. A reforma e modernização do enquadramento legal e práticas com relação à governança judicial em Portugal estão agora em andamento, e o facto do Governo ter apresentado um projecto de lei ao Parlamento para esse fim deve ser bem-vindo. Tenho a certeza de que o Parlamento ouvirá atentamente a mensagem enviada por este Tribunal e dará uma resposta completa e adequada a esta questão».
13° A CEDH, que entrou em vigor em 3 de setembro de 1953, foi ratificada em Portugal pela Lei n.° 65/78 de 13 de Outubro, daqui derivando o estabelecimento da competência do TEDH para aferir da conformidade entre o Direito Português, aferido nas vertentes da atuação administrativa e jurisdicional, e a CEDH no tocante ao conjunto de direitos aí elencados.
14ª - Casos há em que, tal como no caso em apreço, a reposição integral do «status quo ante» não se basta com a mera compensação financeira determinada pelo TEDH (que, no caso, nem sequer foi atribuída), reclamando ainda a adopção de medidas complementares com vista à sustação do direito violado, sendo neste particular domínio que a figura do recurso de revisão de sentenças judiciais admitido expressamente no artigo 155.°, n.° 1, do CPTA, mediante remissão para o disposto no artigo, 696.° f) do CPC, e no artigo 449.º/1 g) do CPP, assume particular relevo.
15ª - Na situação em apreço, deve-se considerar que a decisão proferida por esta instância internacional é de molde a suscitar graves dúvidas sobre a justiça da decisão produzida na ordem jurídica interna, que condenou a recorrente numa pena disciplinar de 100 dias de suspensão para o exercício das funções, pela alegada violação de um dever de honestidade, no âmbito do procedimento disciplinar .../11;
16ª - No caso em apreço, entendeu a Grande Chambre do TEDH, além do mais que, no contexto específico dos procedimentos disciplinares contra juízes, atendendo à seriedade das penas e aos efeitos das mesmas na carreira do Juiz, o facto das garantias processuais perante o CSM serem limitadas, constituía um aspecto decisivo do caso, a concessão à recorrente do direito a uma audiência pública, quer perante entidade administrativa, quer pela entidade jurisdicional, bem como a existência de um contencioso de plena jurisdição, que permitisse à secção ad hoc do Supremo Tribunal de Justiça reexaminar os factos fixados pela entidade administrativa e o relevo disciplinar atribuído por esta última.
17ª - Tanto mais que, tendo a recorrente posto em causa a factualidade dada como provada pela entidade administrativa (CSM), no procedimento n.° .../2010, bem como a suficiência probatória em que a mesma se alicerçou - factualidade que, aliás, nesse procedimento, foi objecto de discordância por parte dos membros do CSM, como avulta do teor dos votos de vencido lavrados na deliberação punitiva -, o efeito combinado daqueles dois factores (preterição do direito a uma audiência pública e deficiente extensão dos poderes de cognição do órgão jurisdicional), assumiu um relevo decisivo no desfecho destes autos, pois que, dada a ligação umbilical entre os dois procedimentos disciplinares, uma diferente convicção sobre aquela factualidade seria de molde a permitir à entidade administrativa e jurisdicional formar uma diferente convicção sobre a relevância disciplinar da conduta da recorrente e sobre a eventual concorrência de uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa.
18ª - Impõe-se recordar que, quanto ao invocado vício consubstanciado na exclusão da ilicitude ou da culpa, o acórdão da seção «ad hoc» do STJ, sustenta-se: «(...) não sendo já passível de discussão ter a recorrente AA, no tal telefonema de 13/09/2010, proferido a expressão: “O Sr. Inspector está a ser mentiroso”, resultam prejudicados todos os efeitos que pudessem ser extraídos de se provar que ela não a proferiu, ou pelo menos, de não se provar que ela a tivesse proferido».
18ª- A - Ademais, a recorrente havia sustentado que esta, enquanto arguida no processo disciplinar n.° .../2010 não tinha o dever de colaborar com o órgão de tutela na descoberta da verdade, pela simples razão de que o arguido é livre de produzir as declarações que entender sem estar sujeito à obrigação de falar verdade, circunstância que o acórdão do CSM e da secção «ad hoc» do STJ não ponderaram minimamente, na apreciação disciplinar da conduta da recorrente.
19ª - E que a sua punição pela violação, em «autoria paralela», do dever de honestidade, consubstanciada no facto de arrolar uma testemunha, aceitando que esta preste um depoimento desconforme com a realidade no que concerne à sua razão de ciência, não se afigura juridicamente sustentável, por não estar em causa a eventual lesão de um bem da personalidade, mas a violação de um dever funcional.
20ª - Considerar que os factos praticados pela recorrente, consubstanciados no acto de arrolar uma testemunha, aceitando que esta preste depoimento desconforme quanto à sua razão de ciência, são suficientes para fundar a sua punição como autora equivale ao completamento franquear das fronteiras entre a deontologia e o âmbito mais restrito do direito disciplinar, a menos que se entenda que o direito disciplinar pretende regular não a conformidade do comportamento com os deveres, mas sim a pura e simples «subordinação» íntima aos «objectivos do órgão de tutela», o que abriria a porta para os sonhos mais desvairados de um «direito disciplinar da consciência», destinado a vigiar e punir as íntimas infidelidades dos magistrados judiciais para com os ideais pretensamente encarnados no órgão de tutela.
21ª - Também não poderia a decisão impugnada considerar que a ora recorrente foi coautora desse ilícito, por não ter ocorrido, por parte daquela, a prática de qualquer ato que exprima o domínio do facto na sua fase de execução, pois que o ato de arrolar uma testemunha, ainda que mediante prévio acordo para a prestação de depoimento falso, não é um contributo prestado em fase de execução do ilícito consubstanciado na prestação de depoimento falso, nem se traduz, por si só e à luz do art.° 22.°, n.° 2, do Código Penal, na prática de um ato de execução daquele facto ilícito, sendo antes um mero ato preparatório sendo que, qualquer entendimento contrário, equivaleria a fazer recuar as fronteiras do ilícito para estádios do «iter» que, por tão perfunctórios, não representam ainda qualquer potencialidade de lesão do bem jurídico tutelado.
22ª - E que o ilícito consubstanciado na prestação de depoimento falso depende da verificação de uma qualidade especial do agente: a qualidade de testemunha, não podendo as decisões do CSM e da secção «ad hoc», ao arrepio da ratio normativa inerente ao estatuto processual de arguido, ter concluído pela prática pela recorrente de uma infracção disciplinar consubstanciada no depoimento prestado pelo recorrente DD, razão pela qual o Inquérito Criminal que resultou de certidão mandada extrair pelo CSM para apreciar da relevância da conduta criminal da recorrente, que correu termos pelos Serviços do M.P. da Relação......... sob o n.° .../11, foi arquivado, sem que a mesma fosse sequer constituída arguida nesses autos.
23ª - Diga-se que, mesmo relativamente à testemunha, Dr. DD, o mesmo veio a ser acusado no âmbito desse inquérito criminal, mas o processo viria a ser arquivado, em sede de instrução, face ao carácter reconhecidamente voluntário da retratação, decisão que foi objecto de recurso interposto pelo M.P., mas julgado totalmente improcedente pela Secção Criminal do STJ.
24ª - Em suma, a decisão do CSM e da secção «ad hoc» do STJ redundaram na desconsideração da sua condição de arguida da recorrente, desconsideração que, na perspectiva do acórdão prolatado pela Grande Chambre do TEDH, poderia ter sido evitada, com a realização de uma audiência pública e com um recurso jurisdicional de plena jurisdição.
25ª - Ademais, para além da essencialidade e gravidade das garantias procedimentais preteridas, que a Grande Chambre do TEDH identificou, não se pode olvidar que a recorrente (parte lesada) continua a sofrer consequências particularmente graves, decorrentes dessa injusta condenação, na sequência da decisão nacional a rever, seja ao nível das perdas salariais que sofreu (no valor de 16 829,40 Euros ), juros e custas pagas no âmbito do recurso contencioso (no valor de 963,90 euros ) que não foram compensadas pelo TEDH, porquanto não lhe foi arbitrada qualquer reparação razoável -, seja ao nível da correspondente perda na sua antiguidade, seja porque essa condenação injusta mantém-se inscrita no seu registo disciplinar, com todo o estigma que essa condenação envolve, ainda para mais, dada a qualificação dada ao dever violado (dever de honestidade) - que já permitiu e continua a permitir ao participante, Dr. CC, enxovalhar a recorrente em vários órgãos da comunicação social, nas redes sociais e perante a comunidade judiciária.
26ª - Nessa medida, é apodítico que a reabertura deste procedimento disciplinar se afigura constituir o único meio interno, adequado a permitir que a parte lesada recupere, na medida do possível, a situação em que se encontrava antes da violação da Convenção («restitutio in integrum»);
27ª - Sendo de repudiar determinado entendimento, maxime jurisprudencial, que se vem consolidando no sentido de considerar que este fundamento de recurso deve ser objecto de interpretação restritiva, interpretação que evidencia uma aparente falta de consideração devida pela vinculatividade das decisões do TEDH, que foi aceite livremente pelo Estado Português ao ratificar a CEDH, nos termos do seu art. 46.°, n.° 1.
28ª - Nem se diga que esta vinculatividade coloca uma questão de eventual «ofensa de soberania nacional», pois que se está antes no domínio da «cedência consentida de soberania», que constitui o reverso da inserção de Portugal em espaços políticos e institucionais que ultrapassam as fronteiras, e, mais do que «cedências», são partilhas de soberania, uma vez que Portugal integra de pleno direito, a par dos restantes Estados-Membros, a «governação» das instituições internacionais de que faz parte, como é precisamente o caso do TEDH.
29ª - Não se trata de especular sobre o resultado a que o Plenário do CSM e/ou a Secção de Contencioso teriam chegado se tivessem ouvido a recorrente em audiência pública ou se a Secção de Contencioso tivesse reapreciado os factos e a suficiência probatória em que assentou a condenação.
30ª -Trata-se de reconhecer que essas garantias processuais, que foram preteridas, eram essenciais para a recorrente, que sempre questionou a factualidade com base na qual foi condenada no processo originário, na medida em que se revelam adequadas a levar a entidade administrativa e jurisdicional a formar uma diferente convicção sobre o relevo disciplinar da sua conduta, bem como dos fundamentos de facto e de direito, que conduziram à sua condenação.
31ª - Entendeu o STJ, no âmbito do Processo n.° 35/19......, que visando a demandante a «restitutio in integrum», a decisão do TEDH só pode pôr em causa a deliberação punitiva do CSM, pondo também em causa a decisão do STJ que «a convalidou».
32ª - Impõe-se ao STJ apurar, em fase rescidente, se a decisão internacional vinculativa para o Estado Português suscita graves dúvidas sobre a justiça da decisão interna a rever - sendo que, em caso positivo, em fase rescisória, deverão aqueles proferir uma nova decisão que deverá concretizar a execução da decisão do TEDH, revogando a decisão jurisdicional, declarando nula a decisão administrativa, ordenando a remessa dos autos ao CSM, para aí ser nomeado para o efeito novo instrutor, nos termos do art 129.º/2 do E.MJ. e para que seja designada, pelo Plenário do CSM, data para a realização de uma audiência pública, no âmbito da qual a recorrente possa expor oralmente a sua argumentação sobre a factualidade provada, sobre o relevo disciplinar da conduta que lhe é censurada e na qual este órgão possa formar a sua própria convicção sobre a credibilidade da requerente e testemunhas por si indicadas, bem como sobre o relevo disciplinar e enquadramento legal da sua conduta e da pena adequada, nos termos doutamente impostos pela decisão da Grande Chambre do TEDH.
33ª - Caso se venha a concluir pelo arquivamento dos autos, que seja restituído à requerente a quantia 963,90 euros, que esta suportou a título de juros e custas e ainda a quantia de 16 829,40 euros, correspondentes às perdas salariais que a mesma suportou relativas a estes autos, conforme certidões emitidas pelo STJ e Tribunal da Relação do Porto.

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O recurso de revisão foi liminarmente admitido.

O recorrido CSM veio responder, alegando, em síntese, que a decisão definitiva, vinculativa para o Estado Português, é a decisão da Grande Chambre do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), de 06.11.2018.
A recorrente foi arguida em três processos disciplinares distintos, a saber: PD n.º .../2010, em que foi aplicada pena disciplinar de 20 dias de multa; PD n.º .../11, em que foi aplicada pena disciplinar de 100 dias de suspensão de exercício de funções; e PD n.º ....../11, em que foi aplicada pena disciplinar de 180 dias de suspensão de exercício de funções.
Nesta sequência, a recorrente apresentou três queixas distintas, junto do TEDH, em que era visado o Estado Português.
Tendo sido apreciadas as referidas queixas, a 4.ª Secção do TEDH proferiu decisão em 21.06.2016.
Não se conformando com a decisão proferida, o Estado Português interpôs recurso da mesma para a Grande Chambre do TEDH.
Com fundamento na decisão final da Grande Chambre do TEDH, de 06.11.2018, veio a recorrente apresentar, junto deste CSM, três pedidos de revisão das anteriores deliberações do CSM, nos processos disciplinares acima melhor identificados.
Assim, na sessão do Conselho Plenário, realizada em 23.04.2019, foi aprovada deliberação atinente à apreciação da totalidade dos pedidos de revisão administrativa das deliberações punitivas tomadas nos processos PD n.º .../2010, PD n.º .../11 e PD n.º ....../11.
Do teor da aludida deliberação, tomada em 23.04.2019, resultou a decisão de deferimento do pedido de revisão em relação ao Processo 2011-....../PD-D e de indeferimento dos pedidos de revisão formulados quanto aos Processos 2010-...-PD-C e 2011-...-PD-A.
Na mesma data, isto é, em 23.04.2019, foi designado novo Inspector instrutor para o processo 2011-....../PD-D e o procedimento de revisão seguiu os seus trâmites.
À luz da vigência da anterior versão do EMJ, as decisões do STJ foram irrepreensíveis e balizadas pelos limites da legislação nacional, bem como pela sua própria jurisprudência.
De salientar, em acréscimo, que em consequência e como efeito da decisão da Grande Chambre do TEDH se desencadeou adequado processo legislativo com vista à alteração do EMJ e à previsão expressa de uma fase procedimental de audição pública nos processos disciplinares, bem como a aplicação em bloco do regime processual do CPTA, de jurisdição plena, no que diz respeito à tramitação dos processos judiciais relativos à impugnação de deliberações do CSM, designadamente em matéria disciplinar.

Assim, nesse sentido, através da Lei n.º 67/2019, de 27 de Agosto, que alterou o EMJ, foi introduzido um novo artigo 120.º-A sob a epígrafe (Audiência pública).

Em face do exposto, no que respeita ao pedido de revisão das decisões proferidas por esse Supremo Tribunal de Justiça, nos processos n.ºs 15/12...... e 149/11......, com fundamento da decisão da Grande Chambre do TEDH, à luz do disposto no artigo 696.º, alínea f) do CPC, nada tem o ora recorrido a acrescentar, aguardando a decisão que venha a ser proferida.

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Por despacho de 17.05.2021 ordenou-se a notificação da recorrente e do recorrido para se pronunciarem quanto à eventual interposição do recurso de revisão fora do prazo previsto no artigo 697º do Código de Processo Civil.

A requerente alegou, pugnando pela tempestividade do recurso de revisão interposto, dada a inaplicabilidade da norma convocada pelo relator – o artigo 697º do CPC.

O CSM veio afirmar que os Acórdãos do STJ foram notificados, no processo n.º 15/12......, por ofício de 25.03.2013, e no processo n.º 149/11……, por ofício de 28.06.2013, não existindo nota de interposição de qualquer recurso de tais decisões para o Tribunal Constitucional.

O trânsito em julgado das decisões cujo recurso de revisão se suscita, ocorreu em Abril e em Julho de 2013, contando-se a partir desse momento os 5 anos, previstos no artigo 697.º do CPC, para interposição de recurso de revisão.

Também no que respeita ao requisito para a interposição de recurso de revisão, no prazo de 60 dias, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado, tal prazo afigura-se igualmente transcorrido.

A decisão que fundamenta o pedido de revisão dos acórdãos do STJ é a decisão proferida pela Grand Chambre do TEDH, de 06.11.2018.

Ora, as decisões proferidas pela Grand Chambre são, por natureza, definitivas. – Cfr. artigo 44.º, n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Em face do exposto, afigura-se que o pedido de revisão dos acórdãos do STJ sub judice, com fundamento na decisão do TEDH, de 06.11.2018, ultrapassou, em muito, o referido prazo de 60 dias para interposição.

Sendo certo que, a interposição de pedido de revisão das deliberações do Plenário do CSM, relativas às decisões proferidas nos processos disciplinares, nos termos do disposto no EMJ e com fundamento na referida decisão do TEDH, conforme decidido pelo Acórdão proferido no processo n.º 35/19......, não constituía meio processual adequado.

E, nos termos legalmente previstos, também não consubstancia causa de suspensão, nem de interrupção dos prazos para a interposição de recurso de revisão.

Atentos os fundamentos acima expendidos e demonstrados, é entendimento do ora Recorrido que o presente recurso de revisão foi interposto fora de prazo.

Termina, pedindo que o presente recurso de revisão seja considerado extemporâneo, com todas as devidas consequências legais.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO 

A) Fundamentação de facto

A fim de conhecer a questão prévia sobre a tempestividade da interposição do presente recurso de revisão, deixam-se desde já fixados os seguintes factos processualmente relevantes:

- A 26-03-2013 a autora foi notificada do Acórdão da Secção de Contencioso do STJ proferido a 21-03-2013 no proc. n.º 15/12......, que julgou improcedente a acção de impugnação da deliberação do ora recorrido CSM de 10-01-2012, que a condenou numa pena de 20 dias de multa, no âmbito do processo disciplinar n.º .../2010.

-A 03-07-2013 a autora foi notificada do Acórdão da Secção de Contencioso do STJ proferido a 26-06-2013 no proc. n.º 149/11......, que julgou improcedente a acção de impugnação da deliberação do ora recorrido CSM de 11-10-2011, que aplicou à ora recorrente uma sanção de 100 dias de suspensão para o exercício de funções, no âmbito do processo disciplinar n.º .../11.

- A 06-11-2018 foi publicado o Acórdão da Grande Chambre do TEDH, proferido no âmbito dos processos (queixas) que aí corriam termos sob os n.os ........./13, ...../13 e .............../13, no qual se julgou verificada, com referência aos procedimentos disciplinares e subsequentes processos contenciosos referidos em 1º e 2º, não só a insuficiência dos poderes de cognição da Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça, como também a ilicitude por preterição do direito a uma audiência pública, quer em fase administrativa, quer em fase jurisdicional.

- A 30-06-2020 foi proferido Acórdão pela Secção de Contencioso do STJ no processo n.º 35/19......, que julgou improcedente a pretensão da ora recorrente de impugnação da deliberação do recorrido CSM de 23-04-2019 — que, por sua vez, apesar de deferir o pedido de revisão formulado pela requerente em relação ao Procedimento Disciplinar n.º ....../11, indeferira os pedidos de revisão formulados nos procedimentos n.os .../2010 e .../11, referidos em 1º e 2º —, aí se deixando consignado, além do mais, o seguinte:
No caso concreto a demandante visa precisamente a «restitutio in integrum».
Assim, e tal como se defendeu no voto de vencido da deliberação do Plenário do CSM ora impugnada, a decisão do TEDH só pode pôr em causa a deliberação punitiva do CSM, pondo também em causa a decisão do Supremo Tribunal de Justiça que a convalidou (cfr. ponto 5 da factualidade relevante). Na verdade, apenas por se terem esgotado os meios internos de impugnação pôde o TEDH reconhecer que através da prática de um ato administrativo ocorreu a violação de um direito.
Assim, analisado o regime jurídico tendente à revisão da deliberação sancionatória, entende-se que não poderia o órgão administrativo (o CSM) admitir ou proceder à revisão do ato sem que primeiro fosse revista a decisão judicial que, no âmbito da ordem interna, proferiu a decisão judicial final com força de caso julgado.
Face ao exposto, considera-se que a demandante deveria ter lançado mão do recurso de revisão da sentença, nos termos do artigo 696.º, alínea f), do CPC e não da revisão das decisões em matéria disciplinar, prevista no referido artigo 127.º do EMJ.
Deste modo, conclui-se que a pretensão da demandante não pode proceder, pois que, apesar de ter visto deferido o pedido de revisão em relação ao processo disciplinar nº 2011-......-PD-D, o mecanismo legalmente adequado para a realização da «restitutio in integrum» consiste exclusivamente no recurso de revisão de sentença.
3. Concluindo-se pela inviabilidade de, através da revisão dos processos de natureza administrativa, se alcançar a «restitutio in integrum» e, assim, dar cumprimento à decisão do TEDH, não cabe apreciar as demais questões suscitadas pela demandante nem os demais pedidos por ela formulados, sendo inaplicável ao caso a previsão do n.º 3 do artigo 95.º do CPTA.
4. Pelo exposto, julga-se improcedente a presente ação de impugnação.

- A 29-10-2020 a Secção de Contencioso do STJ proferiu Acórdão pelo qual julgou improcedente a arguição de nulidade do acórdão referido em 4º.

- A 23-03-2021 foram instaurados os presentes autos, em que o ora requerente peticiona a revisão das decisões proferidas nos acórdãos referidos em 1º e 2º.

B) Fundamentação de direito 

A recorrente alega que interpõe o presente Recurso Extraordinário de Revisão de decisões proferidas por esta Secção de Contencioso do Supremo Tribunal de Justiça e já transitadas em julgado, ao abrigo do disposto nos artigos 127.º, n.º 1, e ss do EMJ, 696.°, alínea f), do CPC, 449.º, n.º 1, alínea g), do CPP e 154.º, n.º 1, do CPTA.

Todavia, em bom rigor, nem todas as bases legais invocadas a habilitam a recorrer ao presente meio processual.

Assim, e desde logo, não é aqui aplicável o disposto no artigo 127.º do EMJ, que se reporta ao pedido de revisão das sanções sancionatórias (administrativas) aplicadas pelo CSM. Trata-se, portanto, de um pedido que não é dirigido a um tribunal para rever uma dada decisão jurisdicional transitada em julgado, mas sim ao próprio órgão recorrido para que ele próprio possa rever o acto administrativo punitivo praticado in illo tempore.

Assim como também não é aqui aplicável o disposto no CPP: este diploma, apesar de ser aplicável subsidiariamente quanto ao regime substantivo do direito disciplinar regulado no EMJ (cf. art. 83.º-E do EMJ), já não é aplicável ao regime das impugnações contenciosas dos actos praticados pelo CSM.

Quanto a estes, não se oferece quaisquer dúvidas que o regime aplicável é o do CPTA (ex vi artigos 166.º, n.º 2, 169.º, 172.º, n.º 2, e 173.º, todos do EMJ) e, por remissão deste último, o CPC (cf. artigos 1.º, 140.º, n.º 3, e 154.º, n.º 1).

Por conseguinte, não são aqui aplicáveis nem pertinentemente invocáveis as disposições dos artigos 127.º ss. do EMJ ou 449.º do CPP, mas tão somente os artigos 154.º do CPTA e 696.º do CPC. É, pois, com referência a estas disposições, e só a estas, que cumpre analisar o presente meio processual.

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O presente Recurso Extraordinário de Revisão vem interposto dos Acórdãos da Secção de Contencioso do STJ proferidos a 21-03-2013, no proc. n.º 15/12......, e a 26-06-2013, no proc. n.º 149/11.......

É interposto ao abrigo do disposto no artigo 154.º, n.º 1, do CPTA e na alínea f) do art. 696.º do CPC.

Nos termos do artigo 154.º, n.º 1, do CPTA, «[a] revisão de sentença transitada em julgado pode ser pedida ao tribunal que a tenha proferido, sendo subsidiariamente aplicável o disposto no Código de Processo Civil, no que não colida com o que se estabelece nos artigos seguintes».

Dispõe, por seu turno, o artigo 696.º, alínea f), do CPC, aplicável ex vi artigo 154.º do CPTA, que a decisão transitada em julgado pode ser objecto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

Em anotação ao artigo 154.º do CPTA, esclarecem os tratadistas Mário Aroso de Almeida / Carlos Alberto Fernandes Cadilha (Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, Coimbra, 4.ª edição revista, 2017, pp. 1184 e seg.) o seguinte:
Cumpre, na verdade, notar que, embora a alínea f) do artigo 696.º do CPC preveja que a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando «seja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português», o recurso de revisão só pode ter lugar quando a natureza da violação da CEDH permitir uma «restitutio in integrum», isto é, quando seja possível reconstituir o estado de coisas anterior à ocorrência da violação, através de medidas individuais a implementar pelo Estado recorrido.
Como explica Nuno Piçarra, se a reconstituição da situação jurídica anterior se confrontar com uma decisão nacional transitada em julgado, implicando uma contradição entre o julgamento definitivo efetuado pela ordem jurisdicional portuguesa e pela instância internacional, cabe ao Estado Português assegurar a possibilidade de recurso a um mecanismo interno de revisão de sentença, com vista a superar a autoridade do caso julgado, tendo sido esse o mecanismo que se pretendeu instituir através da redação dada à referida alínea f) do artigo 696.º do CPC. […]
O artigo 696.º, alínea f), do CPC carece, pois, de ser interpretado restritivamente, em conformidade com os artigos 41.º a 46.º, n.º 1, do CEDH, no sentido de se entender que só pode haver lugar a revisão de decisão de um tribunal nacional transitada em julgado quando a decisão da instância internacional de recurso impuser uma «restitutio in integrum», e não uma mera indemnização compensatória.

Na certeza, porém, de que essa possibilidade de obter a revisão extraordinária de decisões jurisdicionais nacionais transitadas em julgado, mesmo que na decorrência de uma decisão internacional vinculativa para o Estado Português, se há de submeter aos concretos requisitos de procedibilidade de que a lei de processo faz depender tal recurso.

*

Pois bem, como vimos, a alínea f) do art. 696.º do CPC, introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, tem o seguinte teor: «A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando: f) [s]eja inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português».

Por seu turno, o art. 697.º, sob a epígrafe «prazo para a interposição», esclarece, no seu n.º 2, alínea b), que «[o] recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados [n]o caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado».

Não o negamos: a redacção desta alínea foi alterada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, posto que esta lei criou um novo fundamento para o recurso de revisão, nomeadamente o da alínea h) do art. 696.º (responsabilidade civil do Estado por danos emergentes da função jurisdicional). No entanto, não se podem oferecer quaisquer dúvidas acerca da aplicação deste prazo ao fundamento da alínea f), que ora nos ocupa, por duas ordens de razão distintas.

Primeira, e mais decisivamente, os prazos de caducidade ora em apreço já estavam previstos para esta alínea f) do art. 696.º na redacção originária do art. 697.º do CPC, aplicável tout court  ao caso dos autos.

Segunda, sempre seriam aplicáveis tais prazos mesmo face à superveniência deste regime.

Com efeito, sobre a aplicação da lei no tempo, refere o art. 11.º da citada Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, que «[o] disposto na presente lei aplica-se apenas aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor [1 de janeiro de 2020]».

É discutida na doutrina e jurisprudência se, no caso do recurso extraordinário de revisão, se trata de processo novo ou, se trata de um recurso em processo pendente (havendo uma terceira corrente que diz tratar-se de situação mista).

Seguimos o entendimento expresso nos Acs. do STJ de 14-01-2014 (proc. n.º 5078-H/1993.L2.S1) e de 14-07-2020 (proc. n.º 1090/07.0TVLSB.L1.S1-B), ambos acessíveis online in http://www.dgsi.pt/jstj, que, debruçando-se sobre esta questão, concluem: «É certo que [o recurso de revisão] tem uma componente mista (peculiar, sobretudo, se a ação passar à fase rescidente), com uma tramitação própria, mas essa singular tramitação não o descaracteriza como acção autónoma. Com ele, inicia-se um processo novo cujo fim último é a excepcional destruição do caso julgado, formado na acção em que foi proferida a decisão revidenda».

Assim e como concluíam os citados acórdãos, ponderando que «o regime jurídico decorrente do DL 303/2007, de 24 de Agosto, no que aos recursos respeita, é aplicável ao recurso extraordinário de revisão se este é instaurado após 1.1.2008 e a decisão revidenda foi proferida em data anterior, não podendo esse processo ser considerado processo pendente», temos que «as alterações da Lei n.º 117/2019 ao regime do recurso de revisão se aplicam aos processos entrados (como recurso de revisão) após o início da vigência da lei, 01-01-2020, desde que verificados os demais requisitos, nomeadamente o do cumprimento do prazo de caducidade enunciado no art. 697.º, n.º 2, al. b), do CPC». Isso mesmo se deixa desde já estabelecido.

Assim, é por esta questão da tempestividade do recurso que começaremos. Trata-se de questão prévia que cumpre analisar, relacionada com a tempestividade do presente processo, apenso de recurso de revisão.

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Como vimos, o art. 697.º tinha a epigrafe «prazo para a interposição», que a referida Lei n.º 117/2019 mudou para «regime do recurso».

Estatui o n.º 2, alínea b), do preceito que «[o] recurso não pode ser interposto se tiverem decorrido mais de cinco anos sobre o trânsito em julgado da decisão, salvo se respeitar a direitos de personalidade, e o prazo para a interposição é de 60 dias, contados [n]o caso das alíneas f) e h) do artigo 696.º, desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado».

No caso presente, é inequívoco que não estamos perante direitos de personalidade, por não estarmos perante nenhum dos direitos fundamentais consagrados ou tutelados pela CRP ou pelos artigos 70.º a 81.º do Código Civil.

Pelo contrário, estamos perante a aplicação de sanção disciplinar, não expulsiva, por alegada violação de deveres funcionais. A própria recorrente o reconhece, quando afirma na sua petição de recurso que «[não está em causa a eventual lesão de um bem da personalidade, mas a violação de um dever funcional […]».

Como tal, há um prazo de caducidade expressamente estabelecido para a interposição do recurso de revisão, tendo por referência a data em que a decisão (cuja revisão se pretende obter) se tornou definitiva [nomenclatura das decisões das instâncias internacionais, nos termos da al. f)] ou transitou em julgado [nomenclatura das decisões das instâncias nacionais, nos termos da al. h)].

E porquê esse estabelecimento de um prazo de caducidade? Porque, como se lhe referia o Prof. Alberto dos Reis (in Código de Processo Civil Anotado, vol. vi, reimpressão, Coimbra editora 1981, pág. 335), «o recurso de revisão apresenta, à primeira vista, o aspecto duma aberração judicial: o aspecto de atentado contra a autoridade do caso julgado. Há uma sentença transitada em julgado, cercada, portanto, de força, de prestígio e de respeito que merecem as decisões que atingiram tal grau de segurança». Porém, o mesmo insigne Mestre logo acrescenta: «o julgado tem todos os requisitos de sentença real. O que sucede é que há razões excepcionalmente graves para o fazer cair.  Bem consideradas as coisas, estamos perante uma das revelações do conflito entre as exigências da justiça e a necessidade da segurança ou da certeza» e, verificando-se essas razões, pode ser de aconselhar «fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança».

O recurso de revisão constitui, pois, excepção à intangibilidade do caso julgado, pelo que o legislador, sensível aos valores da certeza e segurança jurídicas, estabeleceu, um limite temporal à possibilidade de desencadear este meio de impugnação do caso julgado no art. 697.º do CPC (cf. Ac. STJ de 18-09-2012, in Col. Jurisp. Acs. do STJ, tomo III, pág. 61).

Os prazos de interposição de recurso de revisão são contados segundo as regras do CPC. Como se lhes refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, 2018, Almedina, pág. 503), «há que ponderar, em primeiro lugar, que não podem exceder 5 anos depois do trânsito em julgado da decisão revidenda, a não ser que o pedido de revisão respeite a direitos de personalidade. Dentro desse prazo, funciona um outro, bem mais curto, de 60 dias, cujo início depende do fundamento da revisão».

In casu, esse fundamento reporta-se ao momento em que a decisão revidenda transitou em julgado, tornando-se definitiva (a terminologia «tornar definitiva» tem aplicação ao caso da al. f), sendo o trânsito em julgado adequado à al. h), tendo em conta o teor das alíneas f) e h) do art. 696.º e 697.º, alínea b), ambos do CPC).

Conforme dispõe o art. 628.º do CPC (noção de trânsito em julgado), «[a] decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação».

No caso dos autos não há qualquer dúvida do trânsito em julgado das decisões jurisdicionais recorridas, ambas proferidas em 2013. Aliás, a própria recorrente reconhece o trânsito em julgado, pois que o recurso de revisão o pressupõe (art. 696.º do CPC).

Voltando ao tema do prazo de interposição do recurso de revisão a contar do trânsito em julgado da decisão revidenda, é necessário que a recorrente tivesse tido conhecimento, lhe tivesse sido facultado o acesso ao teor integral da sentença, não bastando saber que foi proferida sentença (Ac. do STJ de 15-12-2011 in Col. Jurisp. Acs. do STJ, tomo III, pág. 162).

E, no caso, à recorrente foram facultadas as decisões revidendas, posto que foi a própria recorrente que reconheceu na sua petição de recurso que os Acórdãos lhe foram notificados nas datas referidas em 1º e 2º dos factos processualmente relevantes.

A lei processual (artigo 697.º do CPC) consagra, como vimos, dois prazos para a interposição do recurso de revisão: um prazo maior de 5 anos, e um prazo menor de 60 dias, prazos esses que correm em paralelo tendo, no entanto, início diverso (Ac. do TRL de 06-12-2012, no Proc. n.º 1588/05.5TBTVD-B.L1-8, in http://www.dgsi.pt/jtrl).

O decurso de qualquer destes prazos, por inação dos interessados, provoca a extinção, por caducidade, do direito de interpor recurso de revisão.

O prazo de cinco anos conta-se a partir do trânsito em julgado da decisão a rever (e não do fundamento do recurso), deixando de ser possível interpor o recurso (se este prazo decorreu), ainda que a não interposição se deva a desconhecimento não culposo do fundamento da revisão. Trata-se de um prazo de caducidade máximo (conta-se nos termos em que se conta qualquer prazo em processo civil), que não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei o determine, só impedindo a caducidade a prática, dentro do prazo legal, do ato a que a lei atribua efeito impeditivo (artigos 328.º e 331.º do Cód. Civil).

Pois bem, in casu, à data da interposição do recurso de revisão, esse prazo de 5 anos já estava consumido e consumado na íntegra e há muito havia decorrido. Na verdade, a decisão revidenda não é o Acórdão proferido a 30-06-2020 no proc. n.º 35/19......, posto que não é essa a decisão cuja revisão pretende a ora recorrente. Ao invés, as decisões revidendas, recorde-se, são as dos processos n.os 15/12...... e 149/11......, ambas proferidas no ano de 2013 e notificadas à recorrente a 26-03-2013 e a 03-07-2013, respectivamente. É seguro asseverar, pois, que as decisões revidendas transitaram em julgado ainda nesse mesmo ano de 2013.

Ora, tendo o recurso de revisão sido instaurado apenas a 23-03-2021, constata-se que o foi bem para lá do prazo de 5 anos previsto na lei processual.

Por conseguinte, sendo os acórdãos revidendos proferidos em 2013, há muito que transitaram em julgado, sendo que a recorrente nessa altura teve conhecimento que esses acórdãos transitaram em julgado. Já, há muito, pois, se tinha extinguido a possibilidade de propositura do recurso de revisão, por decorrido o prazo de caducidade (no pressuposto de que já existia).

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Sempre se refira, adicionalmente e a latere, que, ainda que o prazo de 5 anos estivesse em curso, a revisão apenas poderia ser requerida no prazo de 60 dias, contados a partir do momento em que a parte teve conhecimento do facto fundamento da revisão.

Ora, o fundamento da revisão nos casos da alínea h) do art. 696.º do CPC é o trânsito em julgado (hoc sensu, vide o já citado Acórdão do STJ de 14-07-2020, proferido no proc. n.º 1090/07.0TVLSB.L1.S1-B, cuja exposição, aliás, aqui se tem seguido de perto), sendo que, no caso, se toma conhecimento com a notificação do acórdão, competindo ao mandatário (na qualidade de orientador técnico/jurídico da parte) contar esse prazo e saber quando a decisão transita em julgado.

Mas mesmo que se entenda que o fundamento foi, ou o Acórdão da Grande Chambre  do TEDH de 06-11-2018 (que constituiu a tal « decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português» inconciliável com as decisões revidendas), ou o já citado Acórdão deste STJ de  30-06-2020 no proc. n.º 35/19...... (no qual se aludiu pela primeira vez à necessidade de interposição de recurso extraordinário de revisão, sem o qual não se poderia obter a subsequente revisão dos procedimentos disciplinares), que apenas transitou em julgado no final de Novembro de 2020, temos que esse prazo de 60 dias também já transcorrera integralmente à data da interposição do recurso de revisão, que, recorde-se, foi a 23-03-2021.

No caso, nenhum acto com efeito impeditivo da caducidade foi praticado nesse prazo de 60 dias.

Não se alegue, nomeadamente, ser aqui aplicável o regime de suspensão de prazos e de actos processuais nos tribunais judiciais que vigorou entre 22-01-2021 e 05-04-2021 (cf. respectivamente artigos 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e 6.º e 7.º da Lei n.º 13-B/2021, de 5 de Abril): é que, como é consabido, tal regime não abrangeu a tramitação processual nos tribunais superiores (cf. artigo 6.º-B, n.º 5, alínea a), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção entretanto atribuída pela Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro).

III - DECISÃO

Assim, tudo visto e sopesado e não se mostrando que o recurso extraordinário de revisão foi interposto em tempo, há que indeferir o pedido de revisão por extemporâneo ou intempestivamente interposto.

Face ao exposto, não se admite o pedido de revisão de acórdãos, por extemporâneo, não se tomando conhecimento do objecto desse mesmo recurso.

Custas pela demandante, (artigo 527º nº 1 do CPC).

Valor da acção: € 30.000.01 (artigo 34º nº 2 do CPTA), fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UCs de acordo com o nº 1 do artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais e respectiva Tabela I-A, anexa a este último diploma.

Lisboa, 14 de Julho de 2021

Ilídio Sacarrão Martins (Relator) – (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, as Senhoras Juízas Conselheiras Adjuntas e o Senhor Juiz Conselheiro Adjunto deram o correspondente voto de conformidade).

Fernando Samões

Catarina Serra

Conceição Gomes

Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues

Margarida Blasco

Olinda Garcia

Maria dos Prazeres Beleza (Presidente da Secção)


Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).