I. No âmbito do art. 28.º do RGPTC, decisões provisórias e decisões cautelares são equiparáveis, sendo-lhes aplicável a regra da irrecorribilidade para o STJ do art. 370.º, n.º 2, do CPC, na qual apenas se excepcionam os casos em que o recurso é sempre admissível.
II. A questão da legalidade e constitucionalidade de uma decisão de regulação das responsabilidades parentais que condiciona ou limita a deslocação da criança, e do progenitor com o qual aquela reside, para o estrangeiro equaciona-se em termos diferentes se estiver em causa uma decisão provisória ou antes uma decisão definitiva, não sendo, por isso, possível considerar-se que a decisão proferida no acórdão-fundamento se encontra em contradição com a decisão proferida no acórdão recorrido.
III. Deste modo, não se verificam os pressupostos de admissibilidade do art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC (conjugado com os arts. 370.º, n.º 2, in fine e 671.º, n.º 2, al. a), do CPC).
I. Em 19 de Maio de 2021 foi proferida a seguinte decisão da relatora:
«1. AA intentou acção de regulação das responsabilidades parentais contra BB, relativamente à filha de ambos, CC, por não existir acordo entre os progenitores. Pediu, igualmente, que fossem oficiados o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e o Gabinete Nacional Sirene com vista a que não seja permitido que a requerida saia de Portugal ou de outro país na companhia da filha menor.
Em 7 de Maio de 2020 foi agendada conferência a que se refere o art. 35.º da Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro.
Em 8 de Maio de 2020 foi proferido despacho, determinando:
- Atribuir natureza urgente aos autos;
- Fixar provisoriamente a residência da criança CC com a sua mãe BB, na cidade do …., sem possibilidade de saída da criança para fora do país, com qualquer um dos progenitores, até à diligência agendada nos autos;
- Comunicar à PSP e ao SEF por forma a que a progenitora, acompanhada da criança, não possa embarcar em qualquer voo em aeroporto nacional a partir de 08-05-2020.
Teve lugar a conferência de pais, nos termos do art. 35.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, não tendo os progenitores chegado a acordo.
Em face da impossibilidade de acordo, em sede da citada conferência, foi fixado um regime provisório de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativas à criança CC nos seguintes termos:
«RESIDÊNCIA:
Fixa-se a residência da criança junto da sua progenitora, BB, na cidade do ….
EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS:
As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida da criança, serão exercidas conjuntamente por ambos os progenitores, nos termos do art.º 1906.º, n.º 1 C.C. (na redação da Lei nº 61/2008, de 31/10), cabendo ao progenitor com quem a criança reside habitualmente, as decisões relativas aos atos da vida corrente, nos termos do art.º 1906º, n.º 3 do C.C. (na redação da Lei nº 61/2008, de 31/10).
VISITAS:
1. O progenitor estará com a criança às segundas, quartas e sextas-feiras, pelo período de 2 horas entre as 15H30/17H30 horas, com início na próxima quarta-feira dia 20-1-2021, devendo as entregas e as recolhas serem à porta/ou no seu interior, caso seja possível, do Hotel …..
2. O progenitor poderá estar aos sábados e/ou domingos, alternados, com a criança no seguinte horário:
Entre as 12H30 horas do dia em questão até as 18 horas desse mesmo dia com início neste domingo, dia 24 de janeiro e assim sucessiva e alternadamente, (neste horário, por forma a salvaguardar as mamadas da criança, no peito materno, que ocorrerão, antes da entrega da criança ao pai, pelas 12.30 h e logo depois da entrega criança à mãe, pelas 18 horas).
Devendo as entregas e as recolhas serem à porta/ou no seu interior, caso seja possível, do Hotel …..
3. No dia de aniversário da criança, a mesma tomará, alternadamente, uma das principais refeições com cada um dos progenitores, sendo que no próximo aniversário a criança estará com o progenitor no horário referido em 1).
4. No dia de aniversário dos progenitores, a menor passará o dia de aniversário com o progenitor homenageado, no horário referido em 2).
ALIMENTOS:
1. O progenitor contribuirá, a título de alimentos, com a quantia mensal de € 400,00 (quatrocentos euros), que entregará à progenitora até ao dia 8 (oito) de cada mês, por meio de depósito ou transferência bancária para a conta da progenitora, cujo IBAN a progenitora se compromete a indicar aos autos no prazo de 3 dias, com início neste mês de janeiro em que o progenitor pagará até ao fim do mês.
2. A pensão de alimentos será atualizada anualmente, no mês de janeiro, por referência ao índice de inflação reportado ao ano anterior a publicar pelo INE, com início em janeiro 2022.
3. As despesas de saúde (médicas e medicamentosas) na parte não comparticipada e as despesas escolares e as despesas com atividades extracurriculares, serão suportadas na íntegra pelo progenitor, devendo a progenitora enviar ao progenitor, no próprio mês que realiza a despesa, os respetivos comprovativos e o progenitor pagar o montante devido até ao dia 8 do mês seguinte, juntamente com a pensão de alimentos.
(…)».
A progenitora, inconformada com alguns dos segmentos do regime provisório fixado, interpôs recurso para o Tribunal da Relação …., que, por acórdão de 25 de Março de 2021, manteve a decisão de regime provisório estabelecido na 1.ª instância, com voto de vencido.
2. Novamente inconformada, a progenitora interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por via normal, com fundamento nos arts. 629.º, n.º 2, alínea d), e 671.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC, e, subsidiariamente, por via excepcional, formulando as seguintes conclusões:
«1. A questão de direito que se coloca ao Supremo Tribunal de Justiça consiste em apreciar até que ponto, dentro do quadro legal e constitucional vigente, é lícito aos Tribunais intervirem na família e na liberdade de circulação e de emigração dos cidadãos, negando ao progenitor junto de quem foi fixada a residência da criança a liberdade de mudar de país, levando o filho consigo, e impondo que a criança resida, com esse mesmo progenitor, numa determinada zona geográfica, cumprindo, assim, saber in casu:
c) Se, à luz do quadro normativo vigente, é legal e constitucional fixar a residência da criança com um dos progenitores (no caso a progenitora) numa determinada zona geográfica, nomeadamente na cidade de ….;
d) Se, à luz do mesmo quadro normativo, é legal e constitucional proibir a deslocação da criança com o progenitor residente, no caso a mãe, para o estrangeiro.
2. Para além disso, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito – que se reconduz a saber até que ponto o afastamento geográfico da criança do progenitor não residente constitui fundamento para a intervenção do Estado na família, negando ao progenitor com quem a criança reside a liberdade de mudar de país e de fixar a residência da criança no local onde pretende residir, levando-a consigo -, proferiu o douto acórdão recorrido decisão que está em contradição com aquela que foi proferida no douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4 de Fevereiro de 2016 (já transitado em julgado e cuja certidão se junta), o que expressamente se invoca, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, para a hipótese de se entender que do douto acórdão proferido in casu não cabe recurso por motivo estranho à alçada do tribunal.
3. Pese embora este recurso seja de revista normal, prevenindo também a hipótese – que apenas se coloca por cautela de patrocínio – de se entender que o voto de vencido declarado no douto acórdão sub judice não abarca todas as questões de que se recorre de revista e que, por conseguinte, em relação a alguma delas ocorre uma situação de dupla conforme, interpõe a progenitora, subsidiariamente, também recurso de revista excepcional, com fundamento nas alíneas a), b) e c) do artigo 672.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e pelas seguintes razões:
a) A questão de saber até que ponto e dentro de que limites é lícito aos Tribunais estabelecer a residência de uma criança junto de um dos progenitores, por considerar ser essa a solução conforme à defesa do seu superior interesse, mas, simultaneamente, circunscrever essa residência a uma determinada área geográfica, impondo que o filho ali resida e impedindo o progenitor residente de ser ausentar com ele para outra zona do território nacional ou até para o estrangeiro sem autorização do outro progenitor, não residente, assume actualmente uma grande relevância jurídica, sendo por isso necessária a sua apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça com vista a uma melhor aplicação do direito, já que, além de estarem em causa direitos fundamentais, em casos análogos têm sido diversas e contraditórias as decisões proferidas a esse propósito quer pelos Tribunais de primeira instância, quer pelas Relações, havendo decisões que consideram que o único critério a ter em conta é o do superior interesse da criança e, em específico, o seu interesse em manter amplas oportunidades de contacto com ambos os pais (como in casu se verifica no douto acórdão recorrido), e outras que entendem que tal medida é inconstitucional ou que, pelo menos, aquele critério tem de ser ponderado em conjugação com o demais quadro legal existente, nomeadamente do ponto de vista da legitimidade do Estado para intervir no direito dos progenitores a fixarem a sua residência onde desejam e a migrarem ou emigrarem se assim o pretenderem fazer;
b) Para além disso, considerando o mundo global em que vivemos e a profusão de filhos nascidos de uniões entre pessoas de países diferentes a residir em Portugal, a mesma questão assume especial importância para um vasto número de cidadãos (gerando-lhes dúvidas e intranquilidade), quando se trata de regular o exercício das responsabilidades parentais das crianças e um dos progenitores, a quem a criança foi confiada, pretende mudar o local de residência, para migrar/emigrar ou regressar ao seu país de origem, fazendo-se acompanhar pelo filho que consigo reside, estando assim em causa interesses de particular relevância social, face à cada vez maior ocorrência de situações desse género e ao facto de se tratar de questões familiares que contendem com o exercício de direitos fundamentais de deslocação/emigração;
c) Por último, o douto acórdão sub judice está em contradição como o douto acórdão acima referido, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães em 4 de Fevereiro de 2016, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, pois, numa situação análoga à dos presentes autos - em que um dos progenitores (no caso a mãe), junto de quem havia sido estabelecida a residência da criança, pretendia alterar o local da residência desta de modo a poder acompanhá-la para a …., onde desejava residir -, decidiu-se naquele acórdão autorizar que a criança passasse a residir com a mãe num país estrangeiro com apelo ao critério, balizado pelo artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa, de que, mais do que proteger a estabilidade das condições de vida da criança e a sua relação com o progenitor não residente – que foi seguido como critério primordial no douto acórdão sub judice – era importante proteger “a relação do menor com o progenitor guardião”, “pois este é a sua figura primária de referência” e “para o desenvolvimento da criança é menos traumatizante a redução do contacto com o progenitor sem a guarda do que uma ruptura na relação com o progenitor com quem tem vivido, que será aquele com quem constituiu uma relação afectiva mais forte”, pelo que, “assim sendo, desde que a relação da criança seja uma relação que funciona em termos normais, deve reconhecer-se a esse progenitor a liberdade de mudar de cidade ou país, levando a criança consigo.”
4. A Constituição da República Portuguesa não admite a restrição do direito fundamental à livre deslocação dos cidadãos, dentro do território nacional ou para fora dele (emigração), consagrado no seu artigo 44.º e que não está sujeito à reserva de lei restritiva, só podendo, pois, ser limitado no âmbito de estados de excepção constitucional ou mediante a aplicação de uma pena, medida de segurança ou medida preventiva constitucionalmente admitida.
5. No nosso quadro legal, não existe, pois, porque a Constituição não o admite, qualquer norma que permita que esse direito fundamental, da mãe e da criança, seja restringido no âmbito de uma qualquer medida/resolução, provisória ou definitiva, tomada num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e, por conseguinte, inexistindo essa norma restritiva, não pode tal restrição operar por mero efeito de uma decisão judicial, como in casu sucedeu, pois a Constituição não confere aos Tribunais o poder de, sem lei constitucionalmente prevista que o sustente, introduzir no nosso ordenamento jurídico novas restrições aos direitos fundamentais.
6. As normas que determinam que as decisões devem ser tomadas de acordo com o superior interesse da criança – designadamente o artigo 3.º, n.º 1, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e os artigos 40.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 1906.º, n.º 7, do Código Civil, invocados no douto acórdão recorrido -, em específico a manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores, e que definem o conteúdo das responsabilidades parentais e os deveres dos pais – designadamente o artigo 1878.º do Código Civil -, de zelar pela defesa desse superior interesse do filho, não podem ser interpretadas com o sentido de permitirem ao Estado, através dos Tribunais, intervirem, como in casu sucedeu, no exercício do direito fundamental, consagrado no artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa, do progenitor com quem a criança reside à livre circulação e emigração, impondo-lhe que resida com ela numa determinada zona geográfica e impedindo-o de o fazer noutro local ou noutro país, principalmente quando decide também, como no caso sucedeu, que o interesse da criança é manter-se a residir com esse mesmo progenitor.
7. Tal interpretação das sobreditas normas, de direito interno e internacional, é, a ser feita desse modo, além de ilegal (porquanto viola os artigos 85.º e 1906.º, n.º 5, do Código Civil), também inconstitucional, na medida em que se mostra violadora do artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa, e, por conseguinte, todas essas normas serão inconstitucionais se interpretadas com aquele sentido, devendo, nesse caso, ser recusada a sua aplicação.
8. A decisão proferida em primeira instância e mantida no douto acórdão sub judice, quer quanto à obrigatoriedade de a progenitora residir com a filha no …., quer quanto à proibição de sair do território nacional com a criança e de estabelecer, como manifestou pretender, residência nos ….., viola, assim, não só o artigo 85.º, n.º 1, do Código Civil (norma que estabelece que a criança tem domicílio no lugar da residência do progenitor a cuja guarda estiver), mas também o artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa, violação essa que não é afastada pelo facto de se tratar aqui de uma decisão provisória, pois o respeito pelos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos impõe-se sempre aos Tribunais, independentemente da precariedade ou transitoriedade das decisões que proferem.
9. Ainda que se entenda, como se entendeu no douto acórdão recorrido, que o superior interesse da criança permite a restrição operada ao direito à deslocação e que a Constituição da República Portuguesa admite essa restrição - no que, todavia, não se concede -, ainda assim padece tal decisão de ilegalidade e inconstitucionalidade, pois, como se decidiu no acima referido acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 4 de Fevereiro de 2016, além de aquele critério orientador dever “ser complementado por um critério de proporcionalidade, aferindo-se se essa mudança [de residência da criança para o estrangeiro] é necessária, adequada e se se verifica na justa medida”, “tais situações têm também de ser ponderadas e analisadas numa dupla perspectiva”, a saber:
“- Do ponto de vista da legitimidade do Estado para intervir no exercício de um direito fundamental dos cidadãos (a liberdade de circulação, constitucionalmente garantida, nos termos do art. 44º, nº 1 e 2 da C.R.P.);
- E da perspectiva do interesse do menor e da protecção da sua relação afectiva com a figura primária de referência.”
10. Seguindo o entendimento perfilhado no sobredito acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, considerando que o Tribunal não pode coarctar a liberdade de circulação da progenitora e que, nessa medida, não pode impedi-la, a ela, de fixar residência onde quiser, designadamente os ….., a fixação da residência da criança no ….., acompanhada pela proibição de sair do território nacional com a progenitora, só seria lícita se ocorresse alguma circunstância de tal maneira grave que justificasse que a filha não acompanhasse a mãe e que se pudesse perspectivar que, indo esta residir para aquele país, para a criança seria menos traumatizante a ruptura da relação com ela, com quem tem vivido e por quem está a ser amamentada, do que a redução dos seus convívios com o pai, o que in casu não se verifica, pois dos factos já assentes, e da própria fundamentação do douto acórdão recorrido, resulta inequívoco que a progenitora é a principal figura de vinculação afectiva da criança.
11. A progenitora, que cumpre os seus deveres parentais para com a filha e que tem vindo a assegurar os seus cuidados em permanência, com zelo, diligência e de modo promotor do desenvolvimento integral da criança, não pode, para continuar a fazê-lo – como quis e quer o Tribunal que ela o faça -, ser obrigada a prescindir dos seus direitos e ficar impedida de, depois da separação, reorganizar a sua vida, pessoal e profissional, vendo-se assim impossibilitada de regressar ao seu pais e de viver junto da sua família, como sucede e sucederá caso não possa fazer-se acompanhar pela CC.
12. Mesmo que se entenda que as normas legais que determinam que, num processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, o julgador atenda preferencialmente ao superior interesse da criança, têm implícita uma restrição do direito constitucional do progenitor residente (e da criança que lhe foi confiada, junto de quem se encontra domiciliada) à deslocação e emigração, que essa restrição legal é admitida pela Constituição e que também a própria Constituição deixa nas mãos do julgador o poder de decidir, com arrimo num juízo de conveniência e oportunidade, quais os casos em que tal restrição é justificada e proporcional – tudo o que, de todo, se concede -, ainda assim seria inconstitucional a decisão sufragada no douto acórdão, precisamente porque, pelos motivos melhor esgrimidos na alegação de recurso, não é nem justificada, nem adequada, nem necessária e proporcional.
13. O douto acórdão recorrido, ao confirmar a decisão de estabelecer a residência da criança com a mãe na cidade do …., proibindo esta de sair do território nacional com a filha e de viajar com ela em quaisquer voos, violou o disposto nos artigos 85.º, n.º 1, e 1906.º, n.º 5, do Código Civil, bem como o artigo 44.º da Constituição da República Portuguesa.
14. Razão pela qual deverá ser o douto acórdão revogado, autorizando-se a progenitora a deslocar-se com a filha do território nacional (também por via aérea) e a residir com ela nos …., em …. (ou fixando-se aí a residência da criança), decisão essa que se requer desde já se determine que seja comunicada ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras e à A…. Aeroportos.”.
O progenitor contra-alegou, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, subsidiariamente, pela manutenção da decisão do acórdão recorrido.
3. Nos termos dos arts. 3.º, alínea c), e 12.º, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro, o procedimento de regulação das responsabilidades parentais é um processo tutelar cível qualificado como processo de jurisdição voluntária.
As decisões definitivas ou provisórias relativas à aplicação, alteração ou cessação de medidas tutelares cíveis são recorríveis, por força do disposto no art. 32.º, n.º 1, do RGPTC.
O acórdão recorrido versa sobre decisão provisória proferida nos termos do art. 38.º do RGPTC, a qual tem por fim a antecipada protecção e efectivação dos direitos da criança e é de equiparar a uma decisão cautelar, nos termos do art. 28.º do mesmo diploma legal.
Ora, de acordo com o n.º 2 do art. 370.º do Código de Processo Civil:
«Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível».
Deste modo, e independentemente de [se] estarem em causa [de] critérios de conveniência ou de oportunidade, impeditivos do recurso de revista no âmbito dos processos de jurisdição voluntária (art. 988.º, n.º 2, do CPC) ou [de] critérios de legalidade estrita para que tal recurso tenha cabimento, tratando-se de decisão provisória e cautelar de um processo de jurisdição voluntária, que não põe termo ao processo (cfr. art. 671.º n.º 1 do CPC), o recurso apenas será admissível naquelas hipóteses em que o recurso é sempre admissível (art. 671.º, n.º 2, alínea a), conjugado com o art. 629.º, n.º 2, do CPC). Cfr. neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 02-06-2020 (proc. n.º 452/19.5T8CLD-A.C2.S1), disponível em www.jurisprudencia.csm.org.pt.
Assim, e para tanto, a recorrente invoca que o acórdão recorrido se encontra em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-02-2016, proferido no processo n.º 23/13.0TCGMR-G, de que junta cópia.
Importa apreciar se se verifica a invocada contradição de julgados.
A resposta é negativa, uma vez que o acórdão-fundamento não respeita a regime provisório de regulação das responsabilidades parentais, mas sim a decisão definitiva de alteração da regulação das responsabilidades parentais, e, como tal, não pode existir oposição entre as duas decisões, por falta de identidade da questão fundamental de direito.
Conclui-se, assim, pela inadmissibilidade da revista, tanto por via normal como por via excepcional, uma vez que, de acordo com a orientação constante da jurisprudência deste Supremo Tribunal, os pressupostos da admissibilidade por via excepcional coincidem com os pressupostos da admissibilidade por via normal, salvo no que respeita à ocorrência do obstáculo da dupla conforme. Neste sentido, e reportando-se à não admissibilidade de recurso no domínio de procedimento cautelar, se pronunciou o acórdão deste Supremo Tribunal de 29-10-2020 (proc. n.º 464/19.9T8VRL.G1-A.S1), consultável em www.dgsi.pt, assim sumariado:
«I - A revista excecional está prevista para situações de dupla conforme, nos termos em que esta está delimitada pelo n.º 3 do art. 671.º do CPC, desde que se verifiquem também os pressupostos gerais do recurso de revista “normal”, constituindo factor impeditivo de qualquer recurso de revista a existência de norma que vede o acesso ao STJ.
II - Em matéria de procedimentos cautelares, existe a norma do art. 370.º, n.º 2, do CPC, que veda, em regra, o recurso de revista para o STJ do acórdão do tribunal da Relação proferido no âmbito de procedimentos cautelares, incluindo o que determine a inversão do contencioso, a não ser que se verifique qualquer uma das situações elencadas nas als. a) a d) do n.º 2 do art. 629.º, do mesmo Código, em que o recurso é sempre admissível.
III - Daí constituir entendimento unânime, quer da doutrina, quer da jurisprudência, que, de harmonia com o disposto no art. 370.º, n.º 2, do CPC, os acórdãos proferidos pela Relação em autos de procedimento cautelar, só podem ser objeto de recurso de revista “normal” nos casos excecionais previstos no citado art. 629.º, n.º 2, não sendo admissível, quanto aos mesmos, recurso de revista, a título excecional».
No mesmo sentido, cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14-01-2021 (proc. n.º 2101/19.2T8CSC.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt.
Não sendo o recurso admissível, seja por via normal seja por via excepcional, em função da aplicação conjugada dos arts. 370.º, n.º 2, 629.º, n.º 2, alínea d), e 671.º, n.º 2, alínea a), todos do CPC, fica prejudicada a apreciação da verificação do obstáculo de admissibilidade, supra enunciado, resultante do n.º 2 do art. 998.º do mesmo Código.
4. Pelo exposto, não se admite o recurso.
Custas pela recorrente»
II. Desta decisão vem a Recorrente impugnar para a conferência, ao abrigo do art. 652.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, com os seguintes fundamentos:
«1. A decisão provisória proferida ao abrigo do artigo 38.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, sobre a qual se pronunciou o douto acórdão recorrido, visa apenas regular o exercício das responsabilidades parentais de forma temporária, até existir regulação definitiva, face verificação da inexistência de acordo dos progenitores na Conferência de Pais e, por conseguinte, não se traduzindo numa decisão cautelar, destinada a fazer face a uma situação de urgência ou de periculum in mora, não lhe é aplicável o previsto no artigo 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sendo, pois, o douto acórdão recorrido passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível e 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
2. Por outro lado, o recurso de revista foi também interposto ao abrigo do artigo 629.º, n.º 2, alínea d), do Código de Processo Civil, com fundamento na existência de contradição entre o douto acórdão recorrido e o não menos douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04 de Fevereiro de 2016, o qual, ao contrário do entendido na douta decisão singular, embora tenha incidido sobre uma decisão definitiva, reporta-se à mesma questão fundamental de direito que in casu foi objecto de apreciação e que consiste em saber se, à luz do quadro normativo vigente, é legal e constitucional proibir a deslocação da criança com o progenitor junto de quem foi estabelecida a sua residência – seja a título provisório, seja definitivo - para o estrangeiro.
3. Do exposto conclui-se, pois, pelo preenchimento dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista interposto pela recorrente, o qual deverá assim ser admitido, revogando-se a douta decisão singular.»
O reclamado respondeu intempestivamente.
Cumpre decidir.
III. Pretende a reclamante não ser aplicável à decisão recorrida o regime de irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça previsto no art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil por, alegadamente, tal decisão, proferida ao abrigo do art. 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), revestir natureza provisória, mas não cautelar.
Sob a epígrafe “Decisões provisórias e cautelares”, dispõe o art. 28.º do RGPTC:
«1 - Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão.
2 - Podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo.
3 - Para efeitos do disposto no presente artigo, o tribunal procede às averiguações sumárias que tiver por convenientes.
4 - O tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
5 - Quando as partes não tiverem sido ouvidas antes do decretamento da providência, é-lhes lícito, em alternativa, na sequência da notificação da decisão que a decretou:
a) Recorrer, nos termos gerais, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida;
b) Deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinem a sua redução.»
Nada neste regime permite fazer a distinção entre decisões provisórias e decisões cautelares, pretendida pela reclamante, e, menos ainda, fazê-lo para efeito de aplicação de um regime recursório diferenciado. O único argumento em sentido contrário esgrimido pela reclamante – o de que, em razão do disposto no art. 13.º do RGPTC, os processos em que tais decisões são proferidas não têm, em regra, carácter urgente – improcede por inteiro. Com efeito, a previsão do art. 13.º («Correm durante as férias judiciais os processos tutelares cíveis cuja demora possa causar prejuízo aos interesses da criança») não respeita especificamente à prolacção de decisões provisórias e cautelares, mas sim aos processos tutelares cíveis em geral, pelo que dela não é possível retirar a pretendida conclusão. E, de qualquer forma, como resulta do relatório da decisão ora reclamada, à presente acção foi atribuído carácter urgente.
A questão da equiparação entre decisões provisórias e decisões cautelares, para efeito do regime de (ir)recorribilidade de uma decisão proferida no âmbito do art. 28.º do RGPTC, foi recentemente apreciada por este Supremo Tribunal no acórdão de 12 de Novembro de 2020 (proc. n.º 2906/17.9T8BCL-O.G1.S1), consultável em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação se afirma:
«34. A decisão cautelar e provisória proferida pelo Tribunal de 1.º instância e confirmada pelo Tribunal da Relação deverá subordinar-se ao regime das decisões proferidas em procedimentos cautelares previstas no art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
35. O caso está em que a razão justificativa da regra da irrecorribilidade do art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil encontra-se na “provisoriedade da providência cautelar […], não obstante a importância prática que ela [possa] concretamente ter para a realização do direito” [4: Cf. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 370.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 361.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 48-51 (50)]; encontrando-se a razão justificativa da regra na provisoriedade da providência cautelar, procede para as decisões cautelares e provisórias previstas no art. 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.» [negritos nossos]
Em sentido paralelo se tem pronunciado o Supremo Tribunal de Justiça a respeito da (ir)recorribilidade de decisões provisórias e cautelares proferidas no âmbito de processos de promoção e protecção de crianças e jovens em perigo, também considerados processos de jurisdição voluntária, nos termos do art. 100.º Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo. Ver, designadamente, os seguintes acórdãos:
- Acórdão de 02-06-2020 (proc. n.º 452/19.5T8CLD-A.C2.S1), in www.jurisprudencia.csm.org.pt:
«[E]stamos perante o recurso de uma decisão proferida no âmbito de um procedimento judicial urgente, previsto no art.º 92.º da LPCJP, o qual é, por natureza, cautelar e provisório (cfr. art.ºs 37.º, n.º 1 e 92.º, n.º 1, ambos da mesma lei), sendo o respectivo regime semelhante ao das providências cautelares, onde não é admissível recurso para o STJ (cfr. art.º 370.º, n.º 2, do CPC).» .» [negritos nossos]
- Acórdão de 18-02-2021 (proc. n.º 14737/18.4T8SNT-B.L1.S1), in www.dgsi.pt:
«21. Ora o art. 671.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é correntemente interpretado no sentido de que “o âmbito do recurso de revista […] não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito dos procedimentos cautelares” [1: Cf. António Santos Abrantes Geraldes / Paulo Pimenta / Luís Filipe Pires de Sousa, anotação ao art. 370.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. I — Parte geral e processo de declaração (artigos 1.º a 702.º), Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 434-436 (435).] — e, ainda que o art. 671.º, n.º 1, não fosse correntemente interpretado no sentido de que o âmbito do recurso de revista não abarca os acórdãos proferidos pela Relação no âmbito de procedimentos cautelares, sempre a admissibilidado do recurso deveria confrontar-se com o art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cujo teor é o seguinte:
“Das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível”.
22. A decisão cautelar proferida pelo Tribunal da Relação deverá subordinar-se ao regime das decisões proferidas em procedimentos cautelares previstas no art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
23. O caso está em que a razão justificativa da regra da irrecorribilidade do art. 370.º, n.º 2, do Código de Processo Civil se encontra na “provisoriedade da providência cautelar […], não obstante a importância prática que ela possa concretamente ter para a realização do direito” [2: Cf. José Lebre de Freitas / Isabel Alexandre, anotação ao art. 370.º, in: Código de Processo Civil anotado, vol. II — Artigos 361.º a 626.º, 3.ª ed., Livraria Almedina, Coimbra, 2018, págs. 48-51 (50)]; encontrando-se a razão justificativa da regra na provisoriedade da providência cautelar, procede para as decisões cautelares e provisórias previstas no art. 37.º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em perigo [3: Em termos semelhantes, para o caso das medidas cautelares e provisórias previstas no art. 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, vide o acórdão do STJ de 12 de Novembro de 2020 — processo n.º 2906/17.9T8BCL- O.G1.S1. ].» .» [negritos nossos]
Dando como assente a equiparação entre decisões provisórias e decisões cautelares proferidas ao abrigo ao art. 28.º do RGPTC, confirma-se ser aplicável ao caso dos autos a regra da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça do art. 370.º, n.º 2, do CPC, na qual apenas se excepcionam os “casos em que o recurso é sempre admissível”. O que se encontra em consonância com o teor da fundamentação da decisão ora reclamada, na qual se afirma: «(...) tratando-se de decisão provisória e cautelar de um processo de jurisdição voluntária, que não põe termo ao processo (cfr. art. 671.º n.º 1 do CPC), o recurso apenas será admissível naquelas hipóteses em que o recurso é sempre admissível (art. 671.º, n.º 2, alínea a), conjugado com o art. 629.º, n.º 2, do CPC).»
IV. Ora, como fundamento específico de recorribilidade, invocou a recorrente a previsão do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC, alegando que o acórdão recorrido se encontra em contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-02-2016, proferido no processo n.º 23/13.0TCGMR-G, a respeito de uma decisão definitiva de regulação das responsabilidades parentais.
Entendeu-se na decisão reclamada que, precisamente por o acórdão recorrido respeitar a uma decisão provisória, enquanto o acórdão-fundamento respeita a uma decisão definitiva, não se verifica o pressuposto da identidade da questão fundamental de direito.
Contra, alega a reclamante que, num e noutro acórdão, está em causa a mesma questão fundamental de direito: “saber se, à luz do quadro normativo vigente, é legal e constitucional proibir a deslocação da criança com o progenitor junto de quem foi estabelecida a sua residência (...) para o estrangeiro.”
A reclamante carece de razão.
A questão da legalidade e da constitucionalidade de uma decisão de regulação das responsabilidades parentais que condiciona ou limita a deslocação da criança, e do progenitor com o qual aquela reside, para o estrangeiro, equaciona-se em termos diferentes – porventura, até, muito diferentes – se estiver em causa uma decisão provisória ou antes uma decisão definitiva, uma vez que a índole restritiva da segunda decisão é muito superior à da primeira. Não é, por isso, possível considerar que a decisão proferida no acórdão-fundamento se encontra em contradição com a decisão proferida no acórdão recorrido.
Não se verificando os pressupostos de admissibilidade do art. 629.º, n.º 2, alínea d), do CPC (conjugado com os arts. 370.º, n.º 2, in fine e 671.º, n.º 2, alínea a), ambos do CPC), não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
V. Pelo exposto, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão de não admissão do recurso.
Custas pela reclamante.
Lisboa, 1 de Julho de 2021
Nos termos do art. 15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade das Exmas. Senhoras Conselheiras Maria Rosa Tching e Catarina Serra que compõem este colectivo.
Maria da Graça Trigo (relatora)