Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
PERDA A FAVOR DO ESTADO
Sumário
Por força do disposto no art. 23º, n.º 3 do Dec. Lei 28/84, de 20/1, não é possível fundamentar a perda a favor do Estado das máquinas empregues no cometimento do respectivo ilícito, pois ali só é cominada a possibilidade de perdimento das mercadorias contrafeitas ou falsificadas.
Texto Integral
Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto:
No processo comum singular nº…/02.7 EAPRT, que corre termos no ..ºjuízo da comarca de Paços de Ferreira, sentenciou-se:
“Condenar o arguido B……, pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art.º 23º, n.º 1, al. a) do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro, em concurso efectivo, com um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal da marca, na pena única de 385 dias de multa, à razão diária de 3,25 EUR, o que perfaz a quantia de 1.251,25 EUR.
Condenar ainda a arguida C….., Lda, pela prática de um crime de fraude sobre mercadorias, p. e p. pelo art.º 23º, n.º 1, al. a) do DL n.º 28/84, de 20 de Janeiro, em concurso efectivo, com um crime de contrafacção, imitação e uso ilegal da marca, na pena única de 225 dias de multa, à razão diária de 5 EUR, o que perfaz a quantia de 1.125 EUR.
Custas criminais a cargo dos arguidos, fixando-se em 2 (duas) UC a taxa de Justiça, acrescida de 1% nos termos do art. 13º do Dl. nº423/91 de 30 de Outubro e fixando-se no mínimo a procuradoria.
Determino a perda dos bens apreendidos nos autos, nos termos do art.º 23º, nº 3 do DL nº 28/84 e 109º, n.º 1 do Código Penal, no que interessa às máquinas apreendidas ainda e que serviram à prática do crime.
Condeno os arguidos a fazerem publicar, a expensas suas, no jornal “Tribuna Pacense”, a presente sentença (por excerto, relativo à identificação dos arguidos, aos elementos típicos das infracções e às sanções aplicadas)”.
*
Inconformados, interpuseram os arguidos o presente recurso, concluindo:
«1 – No douta sentença recorrida, a M.ma Juiz determinou a perda dos bens apreendidos, nos termos do artigo 23º, n°3 do DL 28/84 e 109, n°1 do CP, nomeadamente no que interessa às máquinas apreendidas nos autos e que serviram à prática do crime.
2- Nos termos do artigo 109º do CP, os bens apreendidos, apenas podem ser declarados perdidos a favor do estado, “quando, pela sua natureza ou pelos circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou o ordem pública ou ofereçam sério risco de se utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
3- Ora dos factos dados como provados resulta que não se encontram preenchidos os pressupostos enumerados no citado artigo.
4- Nomeadamente, não ficou provado (porque também não foi alegado na douta acusação pública) que as máquinas apreendidas ofereciam sério risco de serem utilizados no cometimento de novos ilícitos aos que os arguidos foram acusados e condenados.
5- Tanto mais que, como resulta provado, a arguida C….., L.da, da qual o arguido B…… era sócio e gerente, encerrou a laboração.
6- A acusação fixa o objecto do processo (princípio do acusatório – artigo 32, n°5 da CRP).
7- A decisão final há-de incidir apenas e só sobre os factos da acusação.
8- Da douta acusação pública resulta que a mesma é omissa quanto ao destino a dar às máquinas que foram apreendidas nos autos.
9- E assim, a M.ma Juiz não podia condenar os arguidos em factos que não constam da acusação.
10- Verifica-se uma nulidade da sentença, nos termos do artigo 379º, alínea c) do CPP, nulidade essa que ora se invoca.
11- Assim sendo, a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 32º, n°5 da CRP, artigos 109, nº1, 379, n°1, alínea c), 358º e 359º, todos do CPP”.
*
Respondendo, o Ministério Público conclui pela confirmação do decidido.
*
Subindo os autos, aqui o Senhor Procurador Geral Adjunto emitiu parecer de provimento do recurso.
*
Não houve resposta.
*
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir, atenta a pertinente fundamentação da decisão sob censura, que seguidamente se transcreve:
“Factos provados:
1. A arguida “C……, Ld.ª” dedica-se à confecção de artigos de vestuário e é proprietária de uma fábrica situada na Rua……, n.º …., …., Paços de Ferreira, sendo o arguido B….. o seu sócio-gerente, responsável pela sua laboração e quem obtém os lucros provenientes da actividade daquela unidade industrial.
2. No dia 22 de Fevereiro de 2002, cerca das 17 horas e 30 minutos, no interior das instalações da firma “C….., Ld.ª”, sitas na Rua ….., n.º …., ….., Paços de Ferreira, encontravam-se, em fase de confecção, 450 camisas com a marca “Polo by Ralph Lauren” e 153 frentes e escapulários com a marca “Lacoste”, encontrando-se já prontas e na zona de embalamento 14 camisas com a marca “Sacoor”, 79 camisas com a marca “Polo by Ralph Lauren”, 10 camisas com a marca “Lacoste”, 42 camisas com a marca “Gant” e, espalhados por diversos locais de tal fábrica, 150 etiquetas com a marca “Lacoste”, 2000 etiquetas com a marca “Sacoor”, 2000 etiquetas com a marca “Ralph Lauren”, 50 sacos plásticos com a marca “Gant”, 500 sacos plásticos com a marca “Sacoor”, 500 sacos plásticos com a marca “Ralph Lauren”, 1 kg de botões com a marca “Ralph Lauren”, 0,5 kg de botões com a marca “Gant”, 1 kg de botões com a marca “Sacoor”, 1 kg de botões com a marca “Lacoste” e 0,5 kg de botões com a marca “Hugo Boss”, no valor global aproximado de 10.100 € (dez mil e cem euros).
3. Tais camisas que se encontravam a ser confeccionadas, bem como as que já se encontravam prontas e em fase de serem embaladas, bem como ainda as etiquetas e os botões, que se destinavam a ser utilizados na confecção das mesmas, e os sacos em que tais camisas seriam embaladas, destinavam-se a venda ao público, sendo que o arguido executava aquelas peças “a feitio”, recebendo, por cada peça confeccionada, a quantia de 1,50 EUR.
4. Aquelas camisas, aquelas etiquetas, aqueles sacos plásticos e aqueles botões mais não são do que simples reproduções das marcas internacionais com o mesmo nome, o que origina que o público confunda com muita facilidade essas marcas – originais e contrafeitas -, não tendo qualquer possibilidade de as distinguir.
5. A marca “Ralph Lauren” encontra-se registada em Portugal no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob o n.º 256 514, desde 24 de Novembro de 1992, dela sendo titular exclusiva a sociedade “The Polo/Lauren Company L.P.”, representada em Portugal por D…. .
A marca “Lacoste” encontra-se registada em Portugal no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob o n.º 217 801, desde 28 de Fevereiro de 1979, dela sendo titular exclusiva a sociedade “La Chemise Lacoste, S.A.”, representada em Portugal pela sociedade “E….., Ld.ª”.
A marca “Gant” encontra-se registada em Portugal no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob o n.º 263 791, desde 24 de Abril de 1990, dela sendo titular exclusiva a sociedade “Palm Beach Company”, representada em Portugal pela sociedade “F……, Ld.ª”.
A marca “Sacoor” encontra-se registada em Portugal no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob o n.º 325 889, desde 22 de Junho de 1998, dela sendo titular exclusiva a sociedade “Sacoor Brothers”, representada em Portugal pela sociedade “G….., Ld.ª”.
A marca “Hugo Boss” encontra-se registada em Portugal no Instituto Nacional da Propriedade Industrial sob os n.ºs 604 811, 606 620, 619 709, 682 850, 720 624, 683 079, 710 144 e 710 709, desde 20 de Julho de 1993, dela sendo titular exclusiva a sociedade “Hugo Boss AG.”, representada em Portugal pela sociedade “H….., Ld.ª”.
6. Os arguidos não possuíam quaisquer documentos ou autorizações, emitidos pelas sociedades ou pessoas referidas, que os autorizasse, fosse de que forma fosse, ao fabrico de tais marcas, o que o arguido B….. bem sabia.
7. O arguido B…… sabia que não era permitida aos arguidos a confecção das referidas peças de vestuário e que, ao fazê-lo, prejudicavam patrimonialmente não só o público consumidor como também as sociedades detentoras das marcas referidas.
8. Ao fabricar e pretender, assim, comercializar os produtos que detinha, queria o arguido B...... sugerir ao público em geral e aos potenciais clientes em particular que os mesmos haviam sido produzidos pelas prestigiadas empresas titulares das respectivas marcas, colhendo os benefícios, materiais e imateriais, que adviriam dessa representação e prestígio.
Efectivamente, apesar de saber que as peças de vestuário não eram autênticas, o arguido B...... pretendia vendê-las, criando nos seus potenciais compradores a convicção de que se tratavam de originais da marca, dessa forma ludibriando os consumidores, com vista à obtenção de lucros que sabia ilícitos.
9. O arguido B...... agiu de forma livre, voluntária e consciente, com a intenção de fabricar, de posteriormente comercializar aqueles artigos de vestuário e de obter proventos económicos com a venda de produtos que ostentavam marcas registadas não originais, bem sabendo que, com isso, prejudicava os interesses comerciais e patrimoniais dos titulares dos registos das marcas.
Agiu, ainda da mesma forma e com o mesmo propósito, bem sabendo que, ao colocar à disposição dos consumidores em geral os artigos em causa interferia na sua liberdade de escolha, confundindo-os com aqueles outros que ostentam as marcas registadas.
Bem sabia o arguido B...... que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
10. O arguido B...... confessou os factos integralmente e sem reservas.
11. A empresa co-arguida atravessava, à data da prática dos factos, algumas dificuldades económicas, mormente concretizadas no número reduzido de encomendas.
A firma co-arguida acha-se encerrada, tendo, na prática, terminado a sua actividade.
12. O arguido B….. não exerce actividade profissional regular desde o encerramento da firma e presta auxílio ao seu pai e a um irmão nas actividades por eles desenvolvidas, no que aufere rendimento mensal incerto e variável entre os 250 EUR e os 350 EUR mensais. É casado, sendo a esposa empregada de uma empresa de confecções, com o salário mensal aproximado de 500 EUR. A seu cargo têm uma filha, de três anos de idade. Vivem em casa do pai do arguido e não pagam renda. Para além das despesas correntes da vida doméstica não têm outras despesas mensais fixas.
13. Ao arguido não são conhecidos antecedentes criminais”.
*
Apreciando e decidindo:
Este Tribunal conhece de facto e de direito, nos termos dos artºs.364º e 428º do C.P.P., sendo determinado o âmbito do recurso pelas questões suscitadas, pelo recorrente, nas respectivas conclusões.
A única questão suscitada pelos recorrentes reporta-se à declaração da perda dos bens apreendidos, que emoldura a decisão condenatória, por absoluta omissão de fundamentação, o que no entender dos recorrentes constitui nulidade, nos termos do artº379º nº1, alínea c) do C.P.P.
Como tal, almejam os recorrentes a declaração da nulidade da sentença e não apenas da referida declaração, mas sem que lhes assista razão.
Na verdade, dispõe o artº23º nº3 do DL. nº 28/84, de 20/01, que «o tribunal poderá ordenar a perda das mercadorias».
Por sua vez, dispõe o artº109º nº1 do Código Penal, que «são declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou correrem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos».
Da simples conjugação dos normativos resulta que a perda de objectos a favor do Estado não é uma pena, nem um efeito da pena, mas uma medida autónoma, de carácter preventivo, que não depende sequer de efectiva condenação dos arguidos, como resulta do disposto no nº2 do artº109º do Código Penal e observados os demais pressupostos ali taxados, como seja o sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Por isso que não sendo tal perda de aplicação automática, a decidir-se, haverá a mesma que ser devidamente fundamentada e estribada em factos donde se extraia tal «sério risco», não se bastando com meras presunções em sede de prognose póstuma.
Mas, não pode fazer-se tábua rasa do dispositivo do nº3 do artº 23º do DL. nº28/84, de 20/01, pois que preenchendo o tipo, além do mais, o fabrico e o transporte de mercadorias, com intenção de enganar outrem nas relações negociais, contrafeitas, pirata, falsificadas ou depreciadas, fazendo-as passar por autênticas, não alteradas ou intactas, etc., este apenas se reporta à perda das ditas mercadorias, que não às máquinas ou quaisquer instrumentos utilizados no seu fabrico ou transporte (das mercadorias).
Tal norma é especial, como tal prejudicando a aplicação, in casu, da norma geral do artº109º do Código Penal, só subsidiariamente aplicável, na ausência daquela, como se extrai do artº1º do aplicável e aplicado Decreto-Lei.
Mas sendo certo que deva considera-se tal decisão como autónoma em relação objecto do processo, nem por isso a mesma está isenta da necessária fundamentação nos termos do artº97º nº4 do Cód. Proc. Penal, mesmo manifestamente imprescindível no que tange ao referido normativo do Cód. Penal.
Porém, a falta de fundamentação de tal acto decisório, não acarreta a nulidade da sentença e nem sequer a da própria decisão, uma vez que não tem tratamento específico na lei, constituindo mera irregularidade, a ser submetida ao regime do artº123º do CPP.
O que acontece é que por força do disposto no artº23º nº3 do Dec. Lei nº 28/84 de 20/01, não é possível fundamentar-se a perda das máquinas empregues no cometimento do respectivo ilícito, pois que ali só cominada a possibilidade de perdimento das mercadorias, enquanto que o artº109º do Código Penal tem por escopo, além destas, os próprios instrumentos.
Decisão:
Acordam os juízes desta Relação em dar provimento ao recurso, se bem que por razões não coincidentes com as dos recorrentes, e em revogar a decisão que decretou a perda das máquinas apreendidas.
Sem tributação.
Porto, 05 de Abril de 2006
Ângelo Augusto Brandão Morais
José Carlos Borges Martins
João Inácio Monteiro
José Manuel baião Papão