CRIME DE AMEAÇA
ELEMENTOS TÍPICOS
EXPRESSÕES INTIMIDATÓRIAS
CONDENAÇÃO DO ARGUIDO/RECORRENTE
Sumário


I - O bem jurídico protegido pela incriminação do crime de ameaça é a liberdade de decisão e ação de outra pessoa, visando obstar ao seu embotamento ou supressão.
II - São elementos objetivos do tipo legal de crime em apreço que o agente dirija a outrem uma ameaça contra a sua vida, integridade física ou outro dos bens previstos no tipo, e que o faça em termos adequados a, em abstrato, causar-lhe medo ou inquietação quanto à possibilidade de concretização desse anúncio de um mal futuro.
III - In casu, provou-se que nas circunstâncias de tempo descritas na douta sentença «[…] na sequência das aludidas más relações [de vizinhança], o arguido saltou o muro que divide ambas as habitações, dirigindo-se à assistente e enquanto pontapeava uma porta que também dá acesso à residência daquela, disse-lhe, para além do mais: “hei de te matar com dois tiros nos cornos”.
IV - Contrariamente ao alegado pelo recorrente, a expressão utilizada não corresponde ao “presente do indicativo” do verbo matar (“eu mato” ou “mato-te”), com a decorrente iminência ou atualidade que lhe pretende conferir, mas, indubitavelmente, consubstancia o anúncio da prática futura da ação de matar, idóneo ao preenchimento do respetivo elemento típico objetivo do crime de ameaça; no fundo, a expressão utilizada, se limitada ao uso do verbo no tempo futuro, corresponde a “matarei” (ou “matar-te-ei”). Ademais, a expressão foi proferida desacompanhada da prática de qualquer ato de execução da ação anunciada, de qualquer comportamento que inculque a ideia de que o arguido pretendia levar a cabo o homicídio naquele preciso momento ou nos momentos subsequentes. Não se trata de uma tentativa criminosa.
V - O juízo afirmativo sobre a adequação emitido pelo Tribunal recorrido é fundado, atento o circunstancialismo antecedente e contemporâneo aos factos, onde impera a má convivência vicinal existente entre arguido e assistente e a atitude agressiva adotada por aquele ao saltar o muro que separa as habitações de ambos e ao pontapear uma porta de acesso à residência da queixosa. Destarte, qualquer destinatário medianamente formado (o denominado “homem médio”), perante este quadro e a expressão objetivamente intimidatória proferida pelo arguido, tomaria esta como séria e poder-se-ia sentir ameaçado.
VI – É pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência que a adequação legalmente exigida pressupõe que a expressão intimidatória dirigida pelo agente do crime ao destinatário seja, de acordo com a experiência comum, suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, independentemente de este ficar ou não intimidado.

Texto Integral


Acordam, em conferência, os Juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – RELATÓRIO:

No âmbito do Processo Comum (Tribunal Singular) nº 159/19.3T9FAF, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga – Juízo Local Criminal de Fafe, por sentença proferida a 10.03.2020 e depositada no mesmo dia (fls. 99 a 108 e fls. 110, respetivamente/referências 1676538896 e 167659239, respetivamente), foi decidido:

“1) Condenar o arguido H. V., como autor material, e na forma consumada, de um crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 155º, nº1 al. a), por referência ao art. 153, nº1 e 131.º do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 900,00 (novecentos euros).
2) Condenar o arguido H. V., como autor material, e na forma consumada, de dois crimes de injúrias, p. e p. pelo art. 181º, nº1 do Código Penal, na pena, cada um, de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), num total de € 480,00 (quatrocentos e oitenta euros);
3) Ao abrigo do disposto no art. 77.º, n.º 1 e 2, do Cód. Penal, condeno o arguido H. V., pelos crimes referidos em 1) e 2), na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz a quantia total de € 1200,00 (mil e duzentos euros).
4) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC’s, nos termos do art. 8º do R.C.P.
5) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido e, consequentemente, condeno H. V. a pagar à demandante civil M. A., a quantia global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa supletiva civil, contados desde a sentença até efectivo e integral pagamento e improcedente na restante quantia peticionada.”



▪ Inconformado com tal decisão, dela veio o arguido H. V. interpor o presente recurso, que, após dedução da motivação, culmina com as seguintes conclusões e petitório (fls. 112 a 129/referência 10003822) - transcrição:

“1. O arguido/recorrente não pode conformar-se com a douta Sentença proferida pelo Tribunal "a quo", porquanto, no seu modesto entender, foi feita uma incorrecta aplicação da Lei;
2. Assim, salvo o devido respeito, que é muito, que a Mm. Juiz que compõe o tribunal aqui recorrido, merece, o recorrente não se pode conformar com a condenação decidida na sentença recorrida, seja na parte criminal seja na parte civil;
Dos crimes:
3. Quanto ao crime de ameaça agravada, considerou, erradamente, o tribunal a quo como provado – OS PONTOS 2, 3, 4, 5 e 10 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS – em que sumariamente “o arguido dirigindo-se à assistente e enquanto pontapeava uma porta que também dá acesso à residência daquela, disse-lhe, para além do mais: «hei-de te matar com dois tiros nos cornos»”.
4. Quanto ao crime de injuria, considerou, erradamente, o tribunal a quo como provado – OS PONTOS 6, 7, 8, 9 e 10 DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS – em que sumariamente o arguido proferiu as palavras a saber: no dia 7/09/2018, “bruxa, puta, galinha” e “vai para a puta que te pariu, sua puta, filha da puta”, bem como no dia 16/12/2018, “ela que matou a sua mãe, para ir ao macho, que foi pena não ter morrido ela em vez da mãe”.
5. Desde logo, os factos provados não têm suporte probatório e que é contrariado pela prova gravada, nos pontos concretos, por referência à ata, que impunha a decisão de não provado.
6. O depoimento da assistente visa apenas incriminar o arguido com atos que este não praticou, uma vez que há uma má relação de vizinhança por ela não concordar com as obras licenciadas que o arguido realiza na sua casa. Sucede assim que, como não conseguiu os seus intentos com as queixas camarárias, engendrou este processo contra o aqui arguido.
7. O depoimento das testemunhas de acusação é parcial, combinado e concertado, num discurso totalmente idêntico, conseguindo estranhamente estar todos nos dias e em todos os momentos constantes da acusação.
8. Desde logo e relativamente aos factos imputados ao arguido do dia 7 de Setembro -crime de ameaça agravada e injurias- o arguido nega os factos e refere que naquele dia, que foi uma sexta-feira à noite, se encontrava a trabalhar, pois trabalha todas as sextas feiras até cerca das 23 horas, o que é corroborado pelas testemunhas por si arroladas, nomeadamente a sua esposa que com ele vive. Havendo assim primeiramente impossibilidade física de estar em dois sítios ao mesmo tempo. Dos factos provados consta que foi em hora concretamente não apurada, no entanto as testemunhas de acusação e a assistente referem que foi por volta das 21 horas
9. O ora recorrente se mostrou cooperante, com um depoimento credível e sólido, evidenciando que efetivamente há uma relação de má-vizinhança, mas que não é por isso que alguma vez praticou atos criminosos, nem nunca pensou em tal, evidenciando que os comportamentos errados são da assistente que não concorda com as suas obras e o que prejudicar.
10. Relativamente aos demais dias constantes da acusação continua o arguido a negar os factos.
11. As testemunhas arroladas pelo arguido confirmam que não é postura deste atuar da forma descrita nos autos, achando que é impossível aquilo acontecer. É certo que não estavam presentes e não estavam porque aliás nunca aconteceu. No dia 7, o arguido até estava a trabalhar. Referem essas testemunhas que quem pratica atos criminosos contra o arguido é a aqui assistente…
12. Estes autos são, assim, uma verdadeira cabala contra o arguido.
13. E as testemunhas H. C. e R. F., vizinhas do arguido, bem como a esposa do arguido não ouviram nada.
14. Assim pergunta-se o arguido como se poderá o Tribunal a quo crer nesses depoimentos das testemunhas de acusação e valorizá-los.
15. Aliás, também se denota, e é regra da experiencia comum que se alguém vir uma pessoa a ter um comportamento impróprio reage, não fica apenas parado a ver o que acontece, como aconteceu com todas as testemunhas arroladas pela acusação que dizem ter presenciado os factos.
16. Ainda, aquelas testemunhas referem ter estado no local a testemunha H. C., mas esta refere não ter visto nada. E, pasmando-nos, o Tribunal a quo não dá credibilidade àquela testemunha. Sendo certo que essa testemunha depôs de forma credível, imparcial, relatando apenas o que sabia, dando-se mais uma vez credibilidade à versão trazida aos autos pelo arguido.
17. Assim, analisando-se o depoimento das testemunhas, o facto de nessa data e hora, o arguido estar a trabalhar, existindo depoimentos nos autos que demonstram sustentabilidade à versão deste e descredibilizam o depoimento das testemunhas da acusação e, consequentemente, a versão trazida aos autos pela assistente, há que afastar a condenação nestes crimes por subsistir no espírito do julgador dúvida séria sobre as expressões realmente proferidas, ao abrigo do princípio in dúbio pro reo.
18. Ora, nunca o Tribunal poderia dar o benefício da dúvida em desfavor do arguido, em violação do princípio “in dubio pro reo”. Aliás, baseando-se principalmente em depoimentos parciais, perfeitamente combinados, planeados e concertados.
19. E, em todo o caso, ao valorizar o depoimento das testemunhas da acusação e desvalorizar toda a prova arrolada pelo arguido, como se os dizeres daqueles sejam todos inatacáveis, o tribunal violou o princípio do “in dubio pro reo” e o art.º 32.º da CRP.
20. Destarte, analisando-se a prova como um todo o Tribunal teria que não dar o crédito que deu à assistente e testemunhas de acusação, por forma a ficar na dúvida da autoria dos factos pelo arguido, devendo antes beneficiá-lo, por força da presunção de inocência,
21. Assim, analisando-se a prova testemunhal como um todo, bem como o depoimento do arguido, dir-se-á que não podia o arguido ser condenado como foi pelo crime de ameaça agravada e injúrias, como erradamente o foi.

Sem prescindir, sempre se dirá:
22. Apesar do arguido negar que alguma vez proferiu à assistente a expressão “hei- de te matar”, podem os Venerandos Desembargadores assim não considerar, o que se admite por mera hipótese académica. Mas para além disso, as testemunhas de acusação que alegadamente assistiram ao conflito apenas referem que o arguido terá dito a expressão “Vou-te matar com um tiro nos cornos”. Por isso, certo é que outras considerações temos de relevar quanto ao crime de ameaça agravado.
23. O crime de ameaça é um crime contra a liberdade pessoal (liberdade de decisão e de ação), que vê na paz jurídica individual uma condição da sua realização.
24. O conceito de ameaça requer a verificação de três características essenciais: anúncio de um mal, futuro, cuja ocorrência dependa da vontade do agente.
25. O mal ameaçado, que tanto pode ser de natureza pessoal como patrimonial, tem de configurar, em si mesmo, um facto ilícito típico contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor. E tem de ser futuro; não pode, pela sua iminência, confundir-se com uma tentativa de execução do respetivo ato violento. Por último, a concretização futura do mal depende, ou aparece como dependente, da vontade do agente.
26. O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação é objetivo-individual: objetivo, no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é suscetível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa (critério do homem comum); individual, no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada (relevância das sub-capacidades do ameaçado).
27. O tipo subjetivo requer o dolo que exige (mas basta-se) com a consciência (representação e conformação) da adequação da ameaça a provocar medo ou intranquilidade no ameaçado.
28. Começando pelas expressões que respeitam à prática de crimes contra a vida ou integridade física “vou te matar”, não há dúvida de que, da literalidade das expressões, não se tira, automaticamente, o anúncio de mal futuro.
29. O verbo haver, na expressão “vou te” (e até “hei-de”), está expresso no presente do indicativo, o que indica a iminência na adoção de conduta ilícita e não a vontade de a praticar no futuro. Significa que a ação se esgota naquele concreto momento.
30. Mas, mesmo que assim não se entenda, o sentido com que são proferidas, vai para além dos tempos verbais usados, até porque quem ameaça, seguramente, não está à procura de ser gramaticalmente irrepreensível. A conclusão sobre se as expressões em causa se esgotam no momento em que são proferidas, ou se são adequadas a prolongar no tempo a sensação de insegurança, medo, intranquilidade, que lhe está inerente, há-de resultar de todo o contexto em que são proferidas.
31. Analisando os depoimentos de quem alegadamente assistiu ao conflito resulta indiciado que, apenas ficaram a ver a situação e que o arguido foi logo para casa voluntariamente, sem sequer alguém falar para ele. E as alegadas expressões em apreço foram proferidas sem qualquer intenção de concretização naquele momento ou em qualquer outro. São palavras que o vento leva. Tanto mais que foi embora e não mais houve conflitos.
32. Neste contexto, as expressões alegadamente ditas sem qualquer seriedade não projetavam uma intenção para o futuro e, nessa medida, não tinham a potencialidade de, claramente, dar a entender que o conflito não iria acabar ali e daquele modo...
33. Assim, a conclusão acerca da característica temporal da ameaça há-de resultar da ponderação de um conjunto diversificado de factores referentes à conformação global do facto, em que relevam quer elementos objectivos, quer elementos subjectivos referentes ao propósito ou fim visado pelo agente, impondo-se por isso saber tão seguro quanto possível se ele agiu naquela forma já com conhecimento e vontade de, por exemplo, atingir o património, a integridade física ou mesmo a vida da vítima.
34. Ainda, as regras da experiência comum permitem também concluir com segurança, que os atos praticados pelo arguido nunca causaram receio na assistente, nunca condicionaram a sua liberdade de determinação e de ação.
35. Tanto mais que estava em casa e, logo, depois vem para a rua conversar com os vizinhos.
36. Pelo exposto, atendendo-se e valorando-se todos os factos supra descritos, entende o arguido/recorrente que deveria ter sido absolvido dos crimes de que veio acusado.

Da medida da pena e sua escolha:
37. Entende o arguido como manifestamente excessiva a pena de multa que lhe foi fixada, por desrespeitadora dos critérios legais.
38. Diz-nos logo o artigo 71º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, circunstâncias essas de que aí se faz uma enumeração exemplificativa e podem relevar pela via da culpa ou da prevenção.
39. À questão de saber de que modo e em que termos atuam a culpa e a prevenção responde o já referido artigo 40º, ao estabelecer, no nº 1, que "a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade" e, no nº 2, que "em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa".
Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe um papel limitador, constituindo a sua medida um teto que não pode ser ultrapassado.
40. Na determinação concreta da pena, importa ter em conta que as exigências de prevenção neste tipo de situações é escassa e, por isso não demanda uma severa punição.
41. São também de levar em conta os considerandos que nunca o arguido teve comportamentos conflituosos, aliás não tem antecedentes criminais, estando social e economicamente bem inserido na comunidade.
42. Ora, admitindo o binómio prevenção e culpa, sendo aquela de grau diminuto e esta leve, a atenuar, a ausência de antecedentes criminais, a situação pessoal do arguido e o Tribunal entender ser suficiente para a necessidade de punição e prevenção, a aplicação de pena não privativa da liberdade, ano 70° do C. Penal, considera-se adequada a pena.
43. No entanto, definida a moldura da pena concreta aplicável ao arguido, haverá que fixar o quantitativo diário da mesma.
44. Atenta a norma inscrita no artº 47°, n° 2 do Código Penal, deve-se dizer que, se é certo que a pena de multa terá de representar uma censura do facto cometido, e uma garantia para a comunidade da validade e vigência da norma violada, igualmente é exacto que deverá ser sempre assegurado ao condenado o nível existencial mínimo adequado às suas condições sócio-económicas. Pois, na realidade, inexiste na pena de multa um "confisco" do Estado em relação à pessoa do arguido, em que, caso contrário, estaríamos diante de uma utilização da Pessoa Humana em função dos fins do Estado, situação não permitida por um Estado Social de Direito regido pelo limite intransponível da Soberana Dignidade da Pessoa Humana (cfr. artºs 1° e 18°, n° 1 da Constituição da República Portuguesa).
45. Ponto de partida da determinação da pena de multa é o rendimento líquido do arguido que agora está de baixa médica, com empréstimo e educação da filha menor a seu cargo.
46. Optando-se, como se optou, pela aplicação de pena não privativa da liberdade, o que se mostra correcto, face à natureza da infracção e suas consequências e, atendendo à moldura penal abstracta dos crimes, desajustada se mostra a pena aplicada pelo tribunal “a quo”.
47. Relativamente à taxa diária da multa, verifica-se que o arguido apenas aufere €700,00 por mês, com empréstimo e filha menor a seu cargo.
E tendo em conta o disposto no art. 47 nº 2 do Código Penal, que a multa diária deve ser fixada em função da situação económica e financeira do condenado (afectação do património) e dos seus encargos pessoais.
48. Nos autos, a taxa aplicada absorvia toda a quantia auferida pelo arguido durante os dias de multa aplicada, o que é manifestamente exagerado.
49. Pelo que, entende-se por adequada a taxa diária de multa de 5,00€.
50. Certo é que a pena de multa aplicada deveria ter encontrado o seu ponto de adequação entre os dias de multa próximos do mínimo (50 dias), à razão de uma taxa diária de €5,00, ou seja, €250,00 de pena de multa.

Do pedido de indemnização civil:
51. Foi ainda o recorrente condenado no pagamento da quantia de € 1500,00 a título de compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pela demandada.
52. Da análise da prova constante dos autos, para efeitos do art. 412º, nº 3, al. b), do CPP, mais precisamente na fixação do montante do pedido de indemnização civil.
53. Diga-se que a fixação de tal valor se mostra desde logo desproporcional em exagerada, pois não pode o tribunal fixar já uma quantia tão elevada.
54. Ora, não foi tida em conta a situação económica do arguido.
55. Tal como é referido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Outubro de 1996, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º 460, “no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois «visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada», não lhe sendo, porém estranha a «ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente».
56. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser fixado segundo critérios de equidade, atendendo à situação económica do responsável e a do lesado e às demais circunstâncias do caso que o justifiquem (cfr. os artigos 496.º, n.º 3 e 494.º, ambos do C.C).
57. Pelo exposto, entendemos, salvo o devido respeito por opinião diversa, caso seja considerado que o arguido praticou os factos de que foi acusado, que para permitir compensar a parcela de qualidade de vida equivalente àquela que foi afectada, e atendendo aos danos a ressarcir, à sua natureza e às possibilidades económicas do lesado e do lesante, que é adequado o montante de € 250,00 (€50,00 pelas duas injúrias e €200,00 pelo crime de ameaças agravadas), para reparação dos danos não patrimoniais.
58. A douta decisão ora posta em crise enferma, entre outros, dos vícios a que aludem o artigo 410º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código Processo Penal, arts. 47° n.º 1 e n.º 2, 71º, 153º, n.º1, 155º, n.º1, al. a), 181º, n.º 1, todos do Código Penal, arts. 125º, 126º e 127º todos do Código Processo Penal e art. 18º, n.º 2, 32º, 205 da Constituição da Republica Portuguesa e arts. 494º e 496º do Código Civil.
59. Pelo exposto, deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere o supra explanado.

Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e consequentemente, ser proferida douta sentença que absolva o arguido/recorrente, ou caso assim não se entenda, ser alterada a medida da pena aplicada ao arguido/recorrente.”

▪ Na primeira instância, o Digno Magistrado do MP, notificado do despacho de admissão do recurso apresentado pelo arguido, nos termos e para os efeitos do artigo 413.º, n.º 1 do CPP, apresentou douta resposta (fls. 131 a 139/ref. 10547648), pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da decisão contestada.

Invoca, a título de conclusões:
“▫ O Tribunal da Relação só pode modificar a decisão recorrida em termos de facto quando a prova imponha decisão diversa daquela que foi tomada pelo tribunal recorrido.
▫ Se a prova indicada no recurso permitiria, eventualmente, uma decisão diversa da recorrida mas não a impõe, o recurso não pode merecer provimento, por não poder o Tribunal de recurso, em casos destes, bulir na decisão recorrida.
▫ A perspectiva que o recorrente traz da prova, admitindo-se como defensável, não é única; e não o sendo, não impõe decisão diversa da recorrida.
▫ A sentença nenhuma censura merece no que à apreciação da prova feita em audiência de discussão e julgamento e no que aos factos de tal prova retirados respeita.
▫ Encontram-se preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de ameaça agravada imputado ao arguido.
▫ Não decorre da decisão a quo qualquer violação do princípio in dubio pro reo porquanto da factualidade dada como provada e da fundamentação de facto aí explanada não se alcança que se haja instalado na convicção do julgador qualquer dúvida quanto à forma como os factos ocorreram.
▫ Considerando os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal, não merece qualquer reparo a medida das penas parcelares e da pena única aplicadas ao arguido, ora recorrente, atendendo ao grau de culpa por si revelado, à intensidade do dolo e grau de ilicitude, bem como às exigências de prevenção geral e especial que ao caso se fazem sentir.
▫ A decisão recorrida não violou qualquer normativo legal, nomeadamente os invocados pela recorrente.
▫ Nada há, por isso, a censurar à decisão recorrida.”

▪ Neste Tribunal da Relação o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer fls. 143/referência 7170331 - em que, expressando a sua concordância com a resposta apresentada pelo MP, defende igualmente a improcedência do recurso.

▪ Cumprido o disposto no Artº 417º, nº 2, do C. P. Penal, não houve resposta ao sobredito parecer.

Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.



II - Questão prévia:

Na douta sentença recorrida foi decidido, quanto à parte cível:
«Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido contra o arguido e, consequentemente, condeno H. V. a pagar à demandante civil M. A., a quantia global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros legais, à taxa supletiva civil, contados desde a sentença até efectivo e integral pagamento e improcedente na restante quantia peticionada.»
No douto recurso, o arguido/demandado discorda do montante fixado pelo tribunal a quo a título de indemnização a pagar à demandante civil, considerando-o desproporcional e exagerado e defende que o quantum indemnizatório não deve exceder € 250 [conclusões 51ª e 57ª].

Preceitua o artº 400º, nº 2:
“Sem prejuízo do disposto nos artigos 427º e 432º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada”.

Ou seja, face a tal preceito legal, a admissibilidade do recurso – na parte da decisão respeitante à matéria cível – está dependente da verificação cumulativa de dois requisitos:
- Que a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre; e
- Que a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão de que se recorre.
No caso em apreço, o valor do pedido de indemnização civil formulado pela assistente M. A. contra o arguido H. V., ascendendo na globalidade a € 2.000,00 (fls. 41/2; referência 8672355), é inferior à alçada do tribunal de primeira instância (ou seja, €5.000,00, como resulta do disposto no art. 44º, nº1 da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013, de 26 de agosto), o que, por si só, torna irrecorrível a decisão tomada no enxerto cível.
Ademais, o quantum indemnizatur fixado cifrou-se em € 1.500,00.
Consequentemente, no caso sub judice, a decisão impugnada não é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido (€ 2.500,00).
Por conseguinte, atento o disposto no citado Artº 400º, nº 2, é inadmissível o recurso dessa parte da decisão.
E, em consonância com as disposições conjugadas dos arts. 420º, nº 1, al. b) e 414º, nº 2, a irrecorribilidade da decisão em matéria cível sempre será motivo de rejeição do recurso.
Sendo certo que, atento o disposto no Artº 414º, nº 3, este tribunal superior não se encontra vinculado ao despacho proferido na primeira instância que admitiu o recurso.
Impõe-se, pois, a rejeição do recurso, no que tange à impugnação da sentença quanto à parte cível.

*
III – ÂMBITO OBJETIVO DO RECURSO (QUESTÕES A DECIDIR):

É hoje pacífico o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí inventariadas (elencadas/sumariadas) as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente dos vícios indicados no Artº 410º, nº 2, do Código de Processo Penal (ulteriormente designado, abreviadamente, C.P.P.) (1).

Assim sendo, no caso vertente, as questões que importa decidir são as seguintes:
A – Em conformidade com a impugnação ampla da matéria de facto apresentada pelo recorrente, aquilatar do alegado incorreto julgamento no que tange aos pontos 2 a 10 da matéria de facto dada por provada. Violação do princípio in dubio pro reo e do art. 32º da CRP.
B – Do alegado não preenchimento da tipicidade objetiva e subjetiva do crime de ameaça agravada.
C – Excessividade da pena de multa aplicada.
*
IV – APRECIAÇÃO:

IV.1 – Dada a sua relevância para o enquadramento e decisão das questões suscitadas pelo ajuizado recurso, importa verter aqui a factualidade que o Tribunal a quo deu como provada e, bem assim, a sua fundamentação para tal decisão da matéria de facto.

O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos (transcrição):
“1) O arguido é vizinho da assistente M. A., residentes na Avenida …, em Fafe, entre os quais existem más relações de vizinhança.
2) No dia 07 de Setembro de 2018, em hora não concretamente apurada e na sequência das aludidas más relações, o arguido saltou o muro que divide ambas as habitações, dirigindo-se à assistente e enquanto pontapeava uma porta que também dá acesso à residência daquela, disse-lhe, para além do mais: “hei-de te matar com dois tiros nos cornos”.
3) A expressão dirigida pelo arguido à assistente é idónea a provocar medo e inquietação em qualquer pessoa e provocaram-no, de facto, na assistente, que teme pela sua integridade física e, mesmo, pela vida, o que a obrigou a refugiar-se dentro de casa aquando da prática dos aludidos factos.
4) O arguido agiu de forma voluntária, livre e consciente, querendo provocar medo e inquietação na assistente e limitá-la na sua liberdade de determinação, o que logrou, bem sabendo que a expressão que lhe dirigia era para tanto adequada.
5) Mais sabia ser proibida e punida por lei penal a sua conduta.

Mais se provou:
6) No dia supra referido, cerca das 21h40, quando a ofendida se dirigia para colocar o lixo doméstico na Av. … Fafe, logo que abriu a porta deparou com o arguido que, de imediato, a invetivou por “entre dentes”, com os seguintes epítetos: “bruxa, puta, galinha”.
7) Passado alguns minutos, o arguido saltou o muro que divide a casa dele e da assistente, nos termos acima mencionados, voltando-desta feita alto e bom som- a dizer, referindo-se à ofendida: “vai para a puta que te pariu, sua puta, filha da puta”.
8) No dia 16-12-2018 faleceu a mãe da ofendida e passados oito dias o arguido disse à ofendida que foi “ela que matou a sua mãe, para ir ao macho, que foi pena não ter morrido ela em vez da mãe”.
9) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, querendo ofender a assistente na sua honra e consideração, o que logrou, bem sabendo a sua conduta proibida e punida por lei.
10) Com os factos acima referidos a ofendida temeu pela sua integridade física e pela sua vida, refugiando-se em casa aquando da prática dos mesmos e sentiu-se humilhada perante os vizinhos que ouviram as palavras que contra si foram dirigidas pelo arguido.
11) O arguido:
- é casado;
- é motorista, auferindo em média €1080,00 da sua actividade, encontrando-se contudo de baixa desde Janeiro de 2020, devido a um acidente de trabalho, auferindo a este título cerca de €700,00 mensais;
- a sua esposa é operária têxtil e aufere o salário mínimo nacional;
- tem uma filha menor;
- habita em casa própria, adquirida com recurso a crédito bancário, pagando de prestação bancária mensal 195,00 mensais;
- como habilitações literárias possui a 4ª classe;
- do seu crc junto a fls.95 nada consta averbado.”

→ E motivou essa decisão de facto nos seguintes termos (transcrição):
“A convicção do tribunal, no que concerne aos factos dados como provados e como não provados baseou-se, fundamentalmente, na apreciação crítica e conjugada da totalidade da prova produzida em sede de julgamento, à luz das regras da experiência comum e no confronto crítico das versões aqui apresentadas nos autos e respectiva consistência, designadamente:
Prova Documental:
- Participação Criminal de fls. 2 e 3;
- CRC de fls. 95.
Em conjugação com as declarações do arguido, da assistente e das testemunhas arroladas, a saber.
O arguido negou os factos, dizendo serem mentira, referindo que à sexta-feira chega sempre muito tarde a casa.
Reconheceu que se encontra desavindo com a aqui ofendida, sua vizinha, desde que em 2012 iniciou umas obras em sua casa cuja legalidade aquela contesta, nunca tendo colocado essa questão no Tribunal, dizendo ser ele o injuriado e provocado por aquela a esse propósito.
Ouvida a ofendida assistente M. A., a mesma em síntese, confirmou a factualidade acima dada como provada, e que viria a ser corroborada pela prova testemunhal na medida infra referida, confirmado que efectivamente não se encontra de boas relações com o aqui arguido, o que foi motivado pela obra pelo mesmo iniciada na sua casa, cujos trabalhos segundo a mesma geravam muito barulho e que não respeitará os seus direitos, motivo pelo qual apresentou queixa na Câmara, o que terá desencadeado a partir desse momento uma atitude hostil por parte deste, o qual com relativa frequência a injuria de “bruxa”, “puta” e “galinha”, o que sucedeu também na noite em casa, inicialmente quando a mesma foi deitar o lixo fora, tendo passado uns minutos sido novamente proferidas injúrias nessa noite, desta feita, alto e bom som e acompanhadas de ameaças de morte e pontapés na porta, com invasão da sua propriedade, tendo saltado o muro que divide as casas, o que alertou a vizinhança que se aproximou, levando o arguido a retirar-se para a sua casa, tendo ficado vexada e atemorizada pois mora sozinha.
Esclareceu ainda que, quando está sozinha, o arguido leva a mão aos genitais e a injuria, tendo apenas concretizado um desses episódios em Agosto de 2018.
Confirmou ainda a situação de Dezembro onde o arguido a injuriou fazendo alusão à recente morte da sua mãe, o que a magoou.
Mostrou-se claramente desgastada com esta má relação de vizinhança, dizendo que “isto tem sido um inferno”, “tenho vergonha”, “nem sei o que me apetece fazer”, reconhecendo honestamente que em resposta à abordagem injuriosa do arguido por vezes o chama de “indecente” e “porco”.
Ora, ouvidas as testemunhas I. A. e J. T., vizinha contígua da ofendida, sua prima e respectivo marido, os mesmos em síntese, confirmaram que na noite em causa ouviram um barulho nas proximidades, dizendo a testemunha mulher que logo foi tentar se inteirar do que se estava a passar, tendo ainda ouvido o arguido insultar a ofendida (“puta”, “vaca” e “galinha”), a qual ameaçou de a matar “dando- lhe um tiro nos cornos”, enquanto dava pontapés numa porta lateral, pelo que chamou pelo seu marido e que o arguido acabou por regressar a sua casa, saltando o muro de volta para o efeito.
Disse já ter assistido por diversas vezes o aqui arguido a injuriar a ofendida, pois o mesmo “não se inibe de falar frente às pessoas”, sendo que a ofendida, sentindo-se perturbada com estas abordagens ao atravessar a estrada até tenta não passar à porta do arguido para evitar mais confusões, mostrando-se a ofendida triste e isolando-se como resposta ao sucedido.
Também o seu marido confirmou na generalidade estes acontecimentos, dizendo que o arguido “pega-se constantemente” com a ofendida, o que fez na noite em causa, ficando esta “metida em casa”, pois “ele quer fazer tudo à vontade dele”, tendo a aqui ofendida “vergonha de vir à rua”.
Por sua vez ouvida M. J., vizinha da ofendida e do arguido, a mesma avançou que aqui o arguido praticamente injuria a ofendida todos os dias, tendo na noite em causa também se apercebido de barulho nas proximidades, tendo ainda visto o arguido a saltar o muro para a casa da ofendida, insultando-a e ameaçando-a de morte, enquanto desferia pontapés num portão.
Disse ainda que também presenciou a injuria de Dezembro, onde o arguido acusou a ofendida de ter morto a sua própria mãe, recentemente falecida.
Quanto às testemunhas de defesa ouvidas, a saber P. L., esposa do arguido, A. B., trolha que efectou parte do trabalho da obra da casa do arguido, R. F. e H. C., vizinhas, nenhum delas soube atestar nada sobre o objecto do presente processo pois nenhuma destas pessoas afirmou ter presenciado ou ter estado com o arguido nos episódios em causa, limitando-se placidamente a afirmar os seus “achismos” , dizendo entender que o arguido não poderia ter cometido os factos, pese embora todos eles tenham afinal avançado com motivação para a sua prática, dizendo que é a aqui assistente quem insistentemente injuria e provoca o arguido e sua família-o que poderá ser objecto de outro processo mas não do presente.
Salienta-se até que a testemunha H. C. até reconheceu que o arguido “é um pouco nervoso” e que “um dia me queria bater mas não bateu”, dizendo ainda assim estar convicta da inocência do arguido, pese embora não tenha assistido aos factos.
Prestou ainda o arguido declarações quanto à sua actual situação económico-financeira e familiar.
Tudo sopesado, não obstante o arguido tenha negado a totalidade dos factos de que vem acusado, face à prova em sentido contrário apresentada pela ofendida e pelas testemunhas arroladas na acusação e no pedido de indemnização civil, a qual se afigurou genuína e não orquestrada, credível, isenta (a aqui ofendida reconheceu que como resposta já chamou o aqui arguido de “indecente” e “porco”), congruente e sobreponível entre si, o Tribunal ficou convicto que os factos dados como provados efectivamente sucederam da forma acima descrita, não tendo sido “forjados” pois é patente a descrição emocionada que deles fez a aqui ofendida e como por eles ficou afectada, bem como foi secundada pela prova testemunhal acima indicada, o que é também sopesado e lido não só mas também à luz das regras da experiência comum, pois até em Tribunal ficou bem patente as emoções fortes de desagrado destes dois vizinhos desde que o arguido iniciou obras em sua casa, cuja legalidade em parte é posta em causa pela ofendida e que ainda não foram concluídas, mantendo-se assim acesso e enraizado o motivo da discórdia, ao ponto de o aqui arguido dizer equacionar vender a sua casa, o que também bem demonstra o quão desagradado se mostra com a situação de difícil vizinhança e as emoções fortes que tal lhe despoleta e a que ponto.”
*
IV.2 – Quanto à análise das sobreditas questões suscitadas pelo arguido neste recurso:

A - Impugnação da matéria de facto (art. 412º, nº3 do CPP) - do apontado erro no julgamento dos pontos 2 a 10 da factualidade dada por provada [por violação do princípio da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo]:

O recorrente H. V. veicula por via do douto recurso interposto a sua discordância quanto à forma como o tribunal a quo valorou a prova produzida em audiência de julgamento, o que conduziu a que fossem considerados como provados os factos constantes dos pontos em epígrafe, que, no entendimento do arguido, deveriam ter sido dados como não provados, em virtude de não ter sido produzida prova suficiente para serem considerados como provados.

Preceitua o art. 412º do CPP, na parte que ora releva:
“1 – A motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

3 – Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas.
4 – Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no nº3 do artigo 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

6 – No caso previsto no nº4, o tribunal procede à audição ou visualização das passagens indicadas e de outras que considere relevantes para a descoberta da verdade e a boa decisão da causa.”
Consideramos que pelo modo como articulou o recurso, o recorrente satisfaz o ónus de especificação que lhe cabia por força do disposto no art. 412º, nº3.
Como tem entendido, sem discrepância, o Supremo Tribunal de Justiça, o recurso em matéria de facto («quando o recorrente impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto») não pressupõe uma reapreciação pelo tribunal de recurso do complexo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas apenas uma reapreciação sobre a razoabilidade da convicção formada pelo tribunal a quo relativamente à decisão sobre os «pontos de facto» que o recorrente considere incorretamente julgados, na base da avaliação das provas que, na indicação do recorrente, imponham «decisão diversa» da recorrida (provas, em suporte técnico ou transcritas quando as provas tiverem sido gravadas) - art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP -, ou da renovação das provas nos pontos em que entenda que esta deve ocorrer.
Ademais, nessa tarefa de reapreciação da prova pelo tribunal de recurso intrometem-se necessariamente fatores como a ausência de imediação e da oralidade – sendo que, como é sobejamente sabido, a imediação e a oralidade constituem princípios estruturantes do direito processual penal português.
Em conformidade, a ausência de imediação e oralidade - dado que o “contacto” com as provas se circunscreve ao que consta das gravações - determina que o tribunal de 2ª instância, no recurso da matéria de facto, só possa alterar o decidido pela 1ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida e não apenas se a permitirem [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] (2).
Com efeito, quando está em causa a questão da apreciação da prova cumpre dar a devida relevância à perceção que a oralidade e a imediação conferem aos julgadores do Tribunal a quo. Deste modo, quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se baseia na opção assente na imediação e na oralidade, o Tribunal de recurso só pode censurá-la se demonstrado ficar que tal opção é de todo em todo inadmissível face às regras de experiência comum.

Como loquazmente se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, acessível em www.dgsi.pt:
«São os Juízes de 1.ª instância quem de forma direta e «imediata» podem observar as intransferíveis sensações que derivam das declarações e que se obtêm a partir do que os arguidos e das testemunhas disseram, do que calaram, dos seus gestos, da palidez ou do suor do seu rosto, das suas hesitações. É uma verdade empírica que frente a um mesmo facto diversos testemunhos presenciais, de boa-fé, incorrem em observações distintas.
A congruência dos testemunhos entre si, o grau de coerência com outras provas que existam e com outros factos objetivamente comprováveis, quer dizer, a apreciação conjunta das provas, são elementos fundamentais para dar maior credibilidade a um testemunho que a outro.
Para tal, a convicção do Tribunal tem de ser formada na ponderação de toda a prova produzida, não podendo censurar-se aquele por nesse juízo ter optado por uma versão em detrimento de outra. Não existindo prova legal ou tarifada que se impusesse ao Tribunal, o Tribunal julga a prova segundo as regras de experiência comum e a livre convicção que sobre ela forma (art. 127.º do Código de Processo Penal).»
Ou seja, é comumente aceite que a (re)apreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso não implica a realização de um “segundo julgamento”, agora baseado na prova gravada, em que o tribunal ad quem aprecia toda a prova produzida e documentada em primeira instância, como se o julgamento ali realizado não existisse. Como se refere, de modo impressivo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19/05/2015, processo 441/10.5TABJA.E2, acessível em www.dgsi.pt, «O poder de cognição do Tribunal da Relação, em matéria de facto, não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento e faça tábua rasa da livre apreciação da prova, da oralidade e da imediação, apenas constitui remédio para os vícios do julgamento em 1ª instância. Os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.»

Relevantes ainda as seguintes palavras de Paulo Saragoça da Matta (3):
«Ao Tribunal de recurso não cabe repetir a produção de prova havida, nem a prova anteriormente produzida na instância recorrida perde seja o que for de vivacidade. Pelo contrário, o Tribunal de recurso limitar-se-á a aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar. Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração. Com o que em nada se viola a imediação da prova, que fica acessível, imediatamente, ao juiz de recurso tal e qual como foi produzida em primeira instância.»
Concluindo: o artigo 412º, nº3, al. b) do CPP, ao exigir que o recorrente que impugne a decisão proferida sobre matéria de facto especifique as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida, implica que o tribunal de recurso só pode (e deve) alterar aquela decisão se da análise que faz das provas documentadas indicadas pelo recorrente, em concatenação com as regras da experiência comum e da lógica, concluir que o juízo probatório levado a cabo pelo tribunal a quo é, à luz daqueles elementos, insustentável, indefensável (porque decidiu claramente sem prova ou em indiscutível contradição com as preditas regras), revelando-se por isso “obrigatório” decidir de forma distinta.
Diferentemente, «se o tribunal de recurso se convencer que os concretos elementos de prova indicados pelo recorrente permitem ou consentem uma decisão diferente, mas que não a «tornam necessária» ou racionalmente «obrigatória», então deve manter a decisão da primeira instância tal como está» - cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1, acessível em www.dgsi.pt.

Volvendo ao caso sub judice:
O Tribunal procedeu à audição integral das gravações atinentes às declarações do arguido e da assistente e aos depoimentos das testemunhas (arroladas pela acusação e pela defesa) prestados em audiência de julgamento (cf. art. 412º, nº6, do CPP).
Compulsados, em concatenação, o teor dos sobreditos meios probatórios – sendo que, como ressuma das gravações, as passagens concretamente invocadas pelo recorrente correspondem efetivamente ao que foi dito por cada um dos indicados declarantes em audiência de julgamento –, a motivação sobre a decisão da matéria de facto aduzida na sentença recorrida e, outrossim, as provas documentadas invocadas pelo recorrente para fundamentar a sua discordância acerca da prova da factualidade constante dos nºs 2 a 10 dos factos provados, entendemos não merecer censura a decisão de facto tomada pelo tribunal a quo.
Salvo melhor opinião, o recorrente pretende impor a apreciação que ele próprio fez da prova produzida (compreensível e necessariamente parcial) e limita-se a insinuar hipotéticas inverdades nos depoimentos prestados pela assistente e testemunhas de acusação, sem que, todavia, alegue provas concretas que impusessem decisão da matéria de facto distinta, oposta da que foi tomada pela Mma. Julgadora, i.e., que tornassem, face às regras da experiência comum e da lógica, insustentável a apreciação operada pelo Tribunal a quo.
Assim, o arguido/recorrente, que negou a prática dos factos em audiência de julgamento, pretende por em causa a credibilidade das declarações prestadas pela assistente e pelas testemunhas arroladas pela acusação [pública e particular], defendendo que os autos são uma verdadeira cabala contra si urdida pela queixosa, com quem mantêm relações de má vizinhança, a qual, não logrando os seus intentos por via das queixas contra ele apresentadas na câmara municipal, pretendeu, como retaliação, incriminá-lo, tanto mais que, como afirmou e foi corroborado pela sua esposa, a testemunha P. L. [e não também pelas restantes testemunhas arroladas pela defesa, como alega o recorrente – cfr. as próprias passagens dos respetivos depoimentos transcritas pelo recorrente], no dia 07.09.2018, não se encontrava em casa mas sim a trabalhar.
Nessa decorrência, o arguido adjetiva de parciais, combinados e concertados os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela acusação, demonstrando a sua estranheza por estas terem estado presentes em todos os momentos em que segundo os libelos acusatórios decorreram os factos.
Mas, salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Conforme é jurisprudência constante, vigorando no nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova [art. 127º do CPP], nada impede que o tribunal assente a sua convicção sobre a factualidade apurada em declarações prestadas em audiência de julgamento por assistente e, eventualmente, unicamente nelas, como sucede em muitos casos judiciais em que os crimes foram perpetrados na ausência de testemunhas e inexistam outros meios de prova; isto, claro está, desde que sejam devidamente ponderadas pelo julgador a idoneidade, credibilidade e veracidade [no grau possível de certeza exigível para o efeito, que, como é sabido, não corresponde ao científico, absoluto, antes se cingindo à medida suscetível de afastar qualquer dúvida razoável] dessas declarações, para o que conta igualmente a sua apreciação à luz das regras da experiência e da lógica.
No caso, para além de dar crédito ao teor das declarações prestadas pela assistente M. A., o tribunal a quo buscou arrimo em outros meios de prova produzidos nos autos, como sucedeu com a prova testemunhal consubstanciada nos depoimentos prestados pelas testemunhas I. A., J. T. e M. J.. Fundamentando a sua convicção, e recorrendo às regras da experiência comum, até pelo clima de desavença que imperava entre os sujeitos processuais, explicitou que apreendeu a prova daí resultante como genuína e não orquestrada, credível e isenta (a aqui ofendida reconheceu que como resposta já chamou o aqui arguido de “indecente” e “porco”), congruente e sobreponível entre si.
Na verdade, ressuma da fundamentação constante da douta sentença recorrida, de modo claro, objetivo e conciso, as razões pelas quais a Mma. Julgadora considerou que as declarações prestadas pela assistente, conjugadas com os outros elementos de prova testemunhal acima referenciados, infirmavam a versão carreada para os autos pela defesa do arguido, através das suas declarações e do depoimento da testemunha P. L. [no sentido de que ele nem sequer podia ter estado fisicamente no local, por se encontrar a trabalhar noutro lugar naquele dia e hora], e sustentavam suficientemente, com o necessário e possível grau de certeza, a prova da factualidade constante dos libelos acusatórios.
Perante o sobredito enquadramento e as próprias declarações concretas transcritas pelo recorrente, é notória a irrelevância dos depoimentos das demais testemunhas arroladas pela defesa, as quais nada sabiam sobre o concreto objeto processual, por, alegadamente, não terem assistido aos respetivos factos, e expressaram meras suposições e convicções pessoais.
Cumprindo cabalmente os requisitos e finalidades da motivação decisória, explica-se na sentença, de modo que torna percetível para os seus destinatários o raciocínio seguido, como adveio para o tribunal o convencimento de que os factos ocorreram no circunstancialismo de tempo, modo e local que foi dado por provado.
Assim, a fundamentação da decisão de facto lavrada na sentença recorrida apresenta-se como incensurável, merecedora da nossa concordância, tendo a prova produzida sido devidamente apreciada criticamente, em concatenação e à luz das regras da experiência comum e da lógica.
Não se vê, pois, por que razão o tribunal a quo haveria de atribuir igual ou superior crédito à versão da defesa, tendente a desresponsabilizá-lo, somente sustentada pelo arguido e pela sua esposa, do que aquela que foi veiculada pela assistente e pelas testemunhas de acusação em audiência de julgamento. Funcionou, acertadamente, a livre convicção do julgador.

Resumindo:
O entendimento lavrado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida é perfeitamente defensável face às regras da experiência comum e da lógica. É certo que o recorrente discorda do sentido que o tribunal recorrido conferiu à prova produzida, defendendo que a factualidade dada por provada nos pontos 2 a 10 deve ser considerada como não provada, uma vez que não concede – pelo menos, sem dúvida razoável – credibilidade/veracidade às declarações prestadas pela assistente e testemunhas arroladas pela acusação; porém, essa (legítima) discordância não basta para que este Tribunal de recurso altere aquela decisão, já que para tal era forçoso concluir que o juízo probatório assumido pelo tribunal a quo afrontava de modo crasso, evidente, inequívoco, as regras da experiência comum e da lógica, impondo-se por isso a sua revogação, o que, frisa-se, não sucede (4).
O recorrente limita-se a divergir do modo como o tribunal recorrido analisou e valorou a prova produzida na audiência de julgamento, pretendendo impor a sua própria convicção e atacar a decisão da matéria de facto, fazendo a sua própria análise crítica da prova, para concluir que aquela matéria de facto dada como provada deveria ter sido considerada não provada, levando, deste modo, à sua absolvição.
Porém, é ao julgador que compete apreciar da credibilidade dos depoimentos e demais prova produzida, em obediência ao disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, sendo que contra a livre convicção do julgador, desde que não colida com provas proibidas ou com as regras da experiência, como é o caso, não prevalece a convicção do recorrente.

▪ A presunção de inocência constitucionalmente consagrada no art. 32º, nº1 e 2, da Constituição da República Portuguesa e o princípio in dubio pro reo:
A Constituição da República Portuguesa, no seu art. 32º, nº1, estabelece o comando que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa”. Nestas garantias inclui-se e emerge de modo assaz relevante o princípio da presunção de inocência, consagrado no art. 32º, nº2 do Texto Fundamental, nos seguintes moldes: “Todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação”.
Pelo que acima deixamos dito, facilmente se constata que a decisão da matéria de facto operada pelo tribunal recorrido não encerra qualquer violação da presunção de inocência do arguido. Antes é suportada em prova produzida nos autos, suficiente e idónea para o efeito, que foi valorada pelo tribunal em conformidade com ditames legais. Não é uma decisão arbitrária, meramente discricionária, persecutória, eivada de pré-juízos contrários à posição do arguido.
Por seu turno, o princípio in dubio pro reo é complementar do princípio da presunção da inocência e o seu campo de aplicação encontra-se após a conclusão da tarefa judicial da valoração da prova produzida e quando o resultado desta não é conclusivo; neste caso, por via desta regra atinente à decisão, a dúvida insanável, inultrapassável sobre os factos deve favorecer o arguido.
O princípio in dubio pro reo encerra uma imposição dirigida ao juiz no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao arguido quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa pelo que a sua violação exige que o juiz tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, nesse estado de dúvida, tenha decidido contra o arguido.
À semelhança do que sucede com os vícios consagrados no n.º 2 do artigo 410.º, em sede de recurso a violação do princípio in dubio pro reo apenas ocorre quando tal vício resulte da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, pois o recurso não constitui um novo julgamento, antes sendo um remédio jurídico - cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.04.2008, processo 08P3456, do Tribunal da Relação de Coimbra de 14.01.2015, processo 72/11.2GDSTR.C1, de 03.06.2015, processo 12/14.7GBSTR.C1, e de 12.09.2018, processo 28/16.9PTCTB.C1, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 18.07.2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

No caso vertente, salvo o devido respeito por opinião contrária, não resulta do texto da decisão recorrida, designadamente da motivação da decisão de facto, que o tribunal tenha sido assolado por uma dúvida razoável, muito menos insanável, que forçasse o julgador a recorrer ao princípio in dubio pro reo para dar por não provada a factualidade cujo julgamento o recorrente discorda.
Pelo contrário, o tribunal recorrido não se posicionou numa situação de dúvida quanto ao sentido da prova produzida sobre os factos em questão, sendo que o respetivo entendimento lavrado na decisão recorrida, atenta a prova produzida, é defensável face às regras da experiência comum e da lógica, que o não contrariam impreterivelmente.
Conclui-se, destarte, que inexistiu violação da presunção de inocência e do princípio in dubio pro reo.


Por conseguinte, improcede o douto recurso quanto à pretendida impugnação da matéria de facto e, como tal, toma-se por estabilizada a matéria de facto dada por provada e não provada.



B - Do alegado não preenchimento da tipicidade objetiva e subjetiva do crime de ameaça agravada:

De acordo com o estipulado no art. 153º, nº1 do Código Penal, “quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.
A forma agravada do dito crime ocorre, por força do disposto no art. 155º, nº1, al. a), do CP, quando os factos descritos naqueloutro preceito legal forem realizados “por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos” [redação conferida pela Lei nº 59/2007, de 04.09] (5)
O bem jurídico protegido pela incriminação é a liberdade de decisão e ação de outra pessoa, visando obstar ao seu embotamento ou supressão.
São elementos objetivos do tipo legal de crime em apreço que o agente dirija a outrem uma ameaça contra a sua vida ou integridade física, e que o faça em termos adequados a, em abstrato, causar-lhe medo ou inquietação quanto à possibilidade de concretização desse anúncio de um mal futuro.
Destarte, é, desde logo, elemento objetivo do crime de ameaça, o anúncio, por qualquer meio, de que o agente pretende infringir a outrem um mal futuro, dependente da vontade do autor.
O crime, objeto da ameaça, tem de consubstanciar uma conduta contra os bens especificamente previstos no tipo (“contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor”), sendo que no tipo agravado em apreço nos autos o mal anunciado há de traduzir-se na prática de ilícito criminal punível com pena superior a três anos.
Para o preenchimento do tipo é obviamente necessário que a ameaça chegue ao conhecimento do visado/destinatário, pois que de outro modo nunca o bem jurídico protegido pela incriminação poderia ser afetado.
O elemento subjetivo preenche-se por uma conduta dolosa do agente, em qualquer das modalidades do dolo previstas no art. 14º do C.P., relativamente a todos os elementos do tipo.
Alega o arguido/recorrente que não se verifica o crime agravado de ameaça pelo qual foi condenado, porquanto: “Começando pelas expressões que respeitam à prática de crimes contra a vida ou integridade física “vou te matar”, não há dúvida de que, da literalidade das expressões, não se tira, automaticamente, o anúncio de mal futuro.” [conclusão 28] e “O verbo haver, na expressão “vou te” (e até “hei-de”), está expresso no presente do indicativo, o que indica a iminência na adoção de conduta ilícita e não a vontade de a praticar no futuro. Significa que a ação se esgota naquele concreto momento.” [conclusão 29].
In casu, como vimos, está provado [facto nº 2] que “No dia 07 de Setembro de 2018, em hora não concretamente apurada e na sequência das aludidas más relações, o arguido saltou o muro que divide ambas as habitações, dirigindo-se à assistente e enquanto pontapeava uma porta que também dá acesso à residência daquela, disse-lhe, para além do mais: “hei-de te matar com dois tiros nos cornos”.
Contrariamente ao alegado pelo recorrente, a expressão utilizada não corresponde ao “presente do indicativo” do verbo matar (“eu mato” ou “mato-te”), com a decorrente iminência ou atualidade que lhe pretende conferir, mas, indubitavelmente, consubstancia o anúncio da prática futura da ação de matar; no fundo, a expressão utilizada, se limitada ao uso do verbo no tempo futuro, corresponde a “matarei” (ou “matar-te-ei”).
Ademais, a expressão foi proferida desacompanhada da prática de qualquer ato de execução da ação anunciada, de qualquer comportamento que inculque a ideia de que o arguido pretendia levar a cabo o homicídio naquele preciso momento ou nos momentos subsequentes. Não se trata de uma tentativa criminosa. (6)
Por conseguinte, a expressão proferida pelo arguido e dirigida à assistente “hei-de te matar com dois tiros nos cornos” é uma ameaça de lesão futura e, como tal, idónea ao preenchimento do respetivo elemento típico objetivo do crime em questão.
Invoca igualmente o arguido/recorrente que a expressão por si utilizada não foi proferida com seriedade, não projetava uma intenção de concretização futura e não é adequada a provocar receio na assistente ou a condicionar a liberdade de determinação e de ação desta, e assim foi interpretada pela visada, que não se sentiu amedrontada, inquieta condicionada nos seus movimentos [conclusões 30ª a 35ª].
Tais argumentos estão irremediavelmente votados ao insucesso, desde logo porque em virtude da improcedência da impugnação da matéria de facto, a factualidade dada por provada na douta sentença recorrida é inalterável [até porque não se vislumbra erro notório na apreciação da prova, face ao texto da decisão recorrida] e dela constam provados factos que, inelutavelmente, consubstanciam a típica adequação da ação para a criação do perigo de causação de medo ou inquietação ou prejuízo para a liberdade de determinação do sujeito passivo do crime – cf. factos provados no ponto 3).
Ademais, ainda que assim não fosse – como é - o juízo afirmativo sobre a predita adequação emitido pelo Tribunal recorrido é fundado, atento o circunstancialismo antecedente e contemporâneo aos factos, onde impera a má convivência vicinal existente entre arguido e assistente e a atitude agressiva adotada por aquele ao saltar o muro que separa as habitações de ambos e ao pontapear uma porta de acesso à residência da queixosa. Destarte, qualquer destinatário medianamente formado (o denominado “homem médio”), perante este quadro e a expressão objetivamente intimidatória proferida pelo arguido, tomaria esta como séria e poder-se-ia sentir ameaçado.
Por outro lado, como é pacificamente entendido pela doutrina e jurisprudência, a adequação legalmente exigida pressupõe que a expressão intimidatória dirigida pelo agente do crime ao destinatário seja, de acordo com a experiência comum, suscetível de ser tomada a sério pelo ameaçado, independentemente de este ficar ou não intimidado.
Após a Revisão do Código Penal de 1995, o crime de ameaça é legalmente configurado como um crime de mera atividade e de perigo, já não, como sucedia no regime penal anterior [art. 155º do CP de 1982], um crime de resultado e de dano.
Como nota Paulo Pinto de Albuquerque [“Comentário do Código Penal”, anotação 8 ao art. 153º, p. 413], não é necessário que o destinatário tenha efetivamente ficado com medo ou inquieto ou inibido na sua liberdade de determinação. Basta que as palavras tivessem essa potencialidade, aferida esta de acordo com as características do destinatário. Por outro lado, a potencialidade da ameaça não depende da intenção do agente de concretizar a ameaça.
No mesmo sentido, na doutrina, Américo Taipa de Carvalho, in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, Tomo I, anot. ao art. 153º, § 19, p. 348; Leal-Henriques/Simas Santos, in “Código Penal”, 2º Volume, 2ª Edição, p. 185; Victor de Sá Pereira e Alexandre Lafayette, in “Código Penal, Anotado e Comentado”, 2ª Edição, anot. 13 ao art. 153º; na jurisprudência, a título exemplificativo, vide os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12.09.2012, processo nº 1221/11.6JAPRT.S1; do Tribunal da Relação de Guimarães de 21.06.2010, processo nº 380/06.4GEGMR.G2, de 23.04.2012, processo nº 326/11.8PBVCT.G1, e de 11.07.2013, processo nº 1400/10.3GAFLG.G1; do Tribunal da Relação do Porto, de 09.07.2014, processo nº 150/10.5PBCBR.P2, e de 25.02.2015, processo nº 1193/12.0GAMAI.P1, do Tribunal da Relação de Lisboa de 19.05.2015, processo nº 361/12.9GAMTA.L1-5; e do Tribunal da Relação de Coimbra de 07/03/2012, processo nº 110/09.9TATCS.C1.
Acresce que, no caso sub judice, até ficou provado que a assistente M. A. sentiu medo, inquietação e viu a sua liberdade de movimentação toldada pela conduta do arguido, bem como teme pela sua vida [facto provado 3)].
Igualmente se provou factualidade idónea a integrar o elemento subjetivo do crime de ameaça, designadamente o dolo do agente, na modalidade de dolo direto ou de primeiro grau (cf. art. 14º, nº1, do CP) – facto provado 4).
Conclui-se, pois, perante a factualidade dada por provada nos pontos 1) a 4), que se mostram preenchidos os elementos objetivos e subjetivo do crime de ameaça agravado, na sua forma consumada, relativamente à ofendida M. A., pelo que, não ocorrendo qualquer causa de justificação da ilicitude ou de exculpação, acertada se mostra a condenação do arguido, como autor material, de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos arts. 153º, nº1 e 155º, nº1, al. a) - por referência ao art. 131º -, todos do CP.
Falece, assim, este fundamento recursório.


C - Da dosimetria penal:

Nas conclusões 37 a 50 da motivação, sem nunca especificar se se reporta às penas parcelares ou à pena única, o recorrente alega que é manifestamente excessiva a pena de multa que lhe foi fixada, por desrespeitadora dos critérios legais vertidos nos arts. 40º e 71º do Código Penal.
Assim, refere que as exigências de prevenção neste tipo de situações é escassa e, por isso não demanda uma severa punição; deve ser considerado que nunca o arguido teve comportamentos conflituosos, aliás não tem antecedentes criminais, estando social e economicamente bem inserido na comunidade, e atuou com culpa leve.
Por outro lado, no que concerne ao quantitativo diário da multa, nos termos do art. 47º, nº2, do CP, pugna o arguido pela aplicação do montante mínimo legal de € 5,00, uma vez que se encontra de baixa médica, auferindo o rendimento mensal de € 700,00, e suporta encargos com um empréstimo e a educação da filha menor a seu cargo.
Conclui que a pena de multa aplicada deveria ter encontrado o seu ponto de adequação entre os dias de multa próximos do mínimo (50 dias), à razão de uma taxa diária de €5,00, ou seja, €250,00 de pena de multa.

Apreciando:
Apesar de não ser unívoca a alegação recursória do arguido neste aspeto, considerando que as normas cuja violação invoca são atinentes à determinação da medida da pena parcelar, e não da pena única, apreciar-se-á da justeza da medida e quantitativo diário de cada uma das penas de multa aplicadas aos distintos crimes perpetrados, sem prejuízo de nessa decorrência se reformular, se for caso disso, a pena única resultante do cúmulo jurídico operado pelo Tribunal recorrido.
Conforme decorre do art. 40º, nº 1, do Código Penal, a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (nº2 do art. 40º do C.P.).
Segundo Figueiredo Dias (7), quanto aos fins das penas, predomina «a ideia de que só as finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reações específicas. Num contexto em que a prevenção geral assume o primeiro lugar, como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação, do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de integração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida, em suma, na expressão de Jackobs, como estabilização contrafática das expectativas comunitárias na validade e vigência da norma infringida».

O mesmo insigne autor, após expor a teoria penal por si defendida no que tange ao problema dos fins das penas, conclui do seguinte modo (8):

«…(1) Toda a pena serve as finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial; (2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; (3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; (4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais».

O mesmo ensinamento é veiculado por Maria João Antunes, in “Penas e Medidas de Segurança”, Almedina, 2020 (reimpressão), p. 45, nos seguintes termos:

«A medida da pena tem de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos, em face do caso concreto, num sentido prospetivo de tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da vigência da norma infringida. Um critério de necessidade da pena que não fornece, contudo, um quantum exato de pena. Fornece somente a medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expetativas comunitárias e o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função de tutela do ordenamento jurídico. Ponto que não tem de coincidir com o limite mínimo da moldura legal, podendo situar-se acima dele. Neste sentido, é a prevenção geral positiva (e não a culpa) que fornece uma moldura dentro da qual vão atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que, em última instância, vão determinar a medida da pena. Constituindo a culpa o limite inultrapassável de quaisquer considerações preventivas – em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nº2, do CP) -, a culpa fornece somente o limite máximo da pena

Assim:
Na proteção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afetem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).
As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objetivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.
No caso concreto, a finalidade de tutela e proteção de bens jurídicos há de constituir o motivo fundamento da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afetados.
Por seu turno, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há de ser casuisticamente prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.
Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização deverá ser encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, como vimos, nos termos do art. 40º, nº 2, do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena.

A operação de fixação da pena, dentro dos sobreditos limites, faz-se, segundo o art. 71º, nº 1, do Código Penal, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Atendendo-se, conforme prescreve o nº 2 do mesmo preceito legal, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, nomeadamente:

- Ao grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente – al. a);
- À intensidade do dolo ou da negligência – al. b);
- Aos sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram- al. c);
- Às condições pessoais do agente e a sua situação económica – al. d);
- À conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime – al. e); e
- À falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena – al. f).

No caso sub judice, no que tange à determinação da medida concreta das penas a aplicar ao arguido, atendeu o tribunal a quo ao seguinte circunstancialismo e fatores:

«O crime de Ameaça agravada, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias, no caso do art. 153º do Cód. Penal, nos termos do art. 155º, nº 1, al. a) do Código Penal.
De acordo com o art.181º, nº1 do Cód. Penal, o crime de injúrias é punido com pena de prisão até três meses ou com pena de multa até 120 dias.
Uma vez que tais normativos não nos dão os limites mínimos da pena de prisão e da pena de multa, temos que socorrer-nos do art. 41º e do art. 47º do Código Penal, sendo que os mínimos são de 1 mês de pena de prisão e 10 dias de pena de multa.
O art. 70º do Código Penal estabelece que “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Segundo o art. 71º nº 1 do Código Penal a determinação da pena far-se-á em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
A culpa reflecte a vertente pessoal do crime, assegurando que a pena não irá violar a dignidade da pessoa do arguido.

As exigências de prevenção na determinação da pena reflectem-se em dois domínios:
- no domínio da sociedade, visando restabelecer nela a confiança na norma violada e a sua vigência (prevenção geral positiva);
- no domínio pessoal do agente, tentando a sua reintegração e o respeito pelas normas jurídicas (prevenção especial positiva).
Estabelece o art. 40º do Código Penal que “a aplicação de penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade”. O nº 2 do mesmo artigo estabelece que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.
Estes vectores da medida da pena são concretizados pelos factores de determinação da medida concreta da pena que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Alguns desses factores são elencados no art. 71º nº 2 do Código Penal, a título exemplificativo.
Sendo assim, na determinação da medida concreta da pena valorar-se-ão o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste, a gravidade das suas consequências, a intensidade dolosa do agente, as suas condições pessoais, a sua conduta anterior e posterior ao facto, as exigências de prevenção e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em conta as exigências de futuros crimes.

No caso sub judice pondera-se que:
No que concerne ao crime de injúrias, o grau de ilicitude é elevado, já que as expressões proferidas pelo arguido são, por si só, altamente desprestigiantes e vexatórias, além de ofensivos da honra e consideração pessoal da ofendida, sua vizinha.
Acresce que, as mesmas foram proferidas junto ao local de residência da mesma, mais a expondo.
Por outro lado, as citadas expressões foram proferidas com o intuito bem claro de a ofender na sua consideração e honra pessoal-dolo directo.
Por outro lado, o arguido não tem antecedentes criminais e encontra-se inserido laboral, familiar e socialmente.
Apesar de tudo o que foi exposto, opta-se por aplicar ao arguido, pelo referido crime, uma pena de multa, já que se entende ser esta a que irá realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
Nos termos do art.47º, nº2 do Código Penal, “cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500,00, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais”.
Assim, e pelo exposto, e atenta a condição económica do arguido (remetendo-se aqui para os factos dados como provados), julga-se proporcional e adequado, condenar o mesmo, pela prática, de cada um dos crimes de injúrias, na pena de 80 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, num total de € 480,00 por cada crime de injúria.
No que concerne aos crimes de ameaça agravada verifica-se que o arguido agiu com dolo directo e com plena consciência da ilicitude, agindo com o claro intuito de, com as expressões proferidas, atemorizar e ameaçar a ofendida, sendo o grau de ilicitude do facto praticado elevado, atento o conteúdo intimidatório e ameaçador das expressões usadas, atendendo-se ainda ao facto de estarmos perante um arguido que fez uso no seu modus operandi não só de ameaças verbais de morte, como as fez acompanhar de invasão da propriedade da vizinha e de pontapés numa das portas daquela, a aumentando assim sua temeridade aos olhos da ofendida, o que exacerba a sua culpa, apenas tendo abandonado o local face à aproximação de terceiros.
A seu favor sopesa-se o facto de o arguido não ter antecedentes criminais, se encontrar a inserido laboral, familiar e socialmente.
Assim sendo, opta-se, mais uma vez e no que concerne a este ilícito, por aplicar ao arguido uma pena de multa, já que se entende ser esta a que, em concreto, irá realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.

Ponderada a situação económica e pessoal do arguido, e atento tudo o exposto, julga-se adequado condenar o arguido:
- na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 6,00, num total de € 900,00, pela prática do crime de ameaça agravada por si cometido;
- como acima dito, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de € 6,00, num total de €480,00, pela prática de cada um dos crimes de injúria por si cometidos;»

As circunstâncias agravantes e atenuantes gerais valoradas pelo Tribunal recorrido merecem a nossa concordância, sendo certo que a favor do arguido foram valoradas a sua inserção laboral, familiar e social e ausência de antecedentes criminais, circunstâncias igualmente invocadas pelo arguido no seu douto recurso.
Divergindo do ali exposto, alega ainda o recorrente que as exigências de prevenção neste tipo de situações é escassa, não demandando severa punição, e que a sua culpa é leve.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Não se apresentam como diminutas as exigências de prevenção geral (positiva) concernentes a estes tipos de crimes, porquanto são de indesejável frequência, nomeadamente nesta parte do país, particularmente em situações como a dos autos motivadas por relações de má vizinhança, que muitas vezes acarretam uma escalada de violência com nefastos resultados para os intervenientes.
Ademais, como bem decidiu o Tribunal a quo, a culpa do arguido é elevada, quer porque atuou com o grau de dolo mais intenso quer porque demonstrou uma censurável e injustificada reiteração e persistência criminosa.
Dito isto, cumpre mencionar que, no nosso entendimento, considerando o concreto circunstancialismo fático verificado in casu, a medida de cada uma das penas de multa cominadas ao arguido mostra-se proporcional, adequada e suficiente a acautelar os fins de jaez preventivo, geral e especial, positivo, que subjazem à aplicação da sanção criminal (e dentro do limite imposto pela culpa manifestada pelo arguido).
Ponderados todos os enunciados factos e considerações, em especial as atinentes à ilicitude dos factos, à intensidade da culpa e, sobretudo, à necessidade da pena, ressuma, pois, que as penas parcelares aplicadas pelo tribunal de primeira instância adequam-se e revelam-se idóneas à satisfação das necessidades de afirmação dos bens jurídicos violados, bem como à finalidade de procurar que o arguido não volte a delinquir.
A medida das penas concretamente aplicadas coincide com o exigido pela tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias, pelo que a redução das mesmas, nos termos preconizados pelo arguido/recorrente [próximas do respetivo mínimo legal], não é sustentável, sob pena de se colocar em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais, bem como a finalidade de não desintegração social do condenado.
Aliás, como ensina o Professor Figueiredo Dias [“Direito Penal Português II, As Consequências Jurídicas do Crime”, 3ª Reimpressão, Coimbra Editora, 2011, p. 197] a propósito da controlabilidade da pena em sede de recurso, na determinação do seu quantum, a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que tiveram sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada, o que não ocorre in casu.
Acrescenta-se que não se vislumbra ainda qualquer distorção na determinação da pena única determinada em cúmulo jurídico pelo Tribunal recorrido.
Improcede, nesta parte, o douto recurso.

Quanto ao quantitativo diário da multa:
Nos termos do art. 47º, nº2, do Código Penal, cada dia de multa corresponde a uma quantia entre € 5 e € 500, que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
No presente caso, o Tribunal a quo fixou para cada uma das penas de multa tal quantia diária em € 6,00, atendendo à situação económica e financeira do condenado e aos seus encargos pessoais.
Pugna o recorrente pela aplicação do quantitativo diário mínimo, ou seja, € 5,00, alegando que se encontra de baixa médica, auferindo o rendimento mensal de € 700,00, e suporta encargos com um empréstimo e a educação da filha menor a seu cargo.
Como vem sendo entendido pela jurisprudência dos tribunais superiores (9) e se apresenta como lógico face à ampla moldura legal atinente ao quantitativo diário da pena de multa, o mínimo legal (€ 5,00), reclamado como justo pelo recorrente, deve ser reservado para o condenado que não disponha de quaisquer rendimentos ou património nem perspetiva de os obter a curto prazo, os denominados indigentes, o que, manifestamente, não sucede consigo. Na verdade, o arguido exerce profissionalmente as funções de motorista auferindo mensalmente, em média, a retribuição de € 1080,00, sucedendo que atualmente, por se encontrar de baixa médica, recebe € 700,00, o seu cônjuge trabalha, auferindo o salário mínimo nacional, e os seus encargos traduzem-se na liquidação de empréstimo contraído para aquisição de casa própria, no montante mensal de € 195,00, e no sustento da sua filha menor, em montante não concretizado.
Por conseguinte, não colhe igualmente este fundamento recursório.

Concluindo: improcede in totum o douto recurso interposto pelo arguido H. V. e, em conformidade, cumpre manter a douta sentença recorrida.
*
V - DISPOSITIVO:

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Guimarães em:

a) Por irrecorribilidade legal da decisão em matéria cível, rejeitar nessa parte o recurso interposto pelo arguido H. V. (cf. disposições conjugadas dos arts. 420º, nº 1, al. b) e 414º, nº 2);

b) Quanto à parte criminal, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido H. V. e, consequentemente, manter a douta sentença recorrida.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça (arts. 513º e 514º, ambos do Código de Processo Penal, arts. 1º, 2º, 3º, 8º, nº 9, do Regulamento das Custas Processuais, e Tabela III anexa a este diploma legal).
*
Guimarães, 05 de julho de 2021,

Paulo Correia Serafim (relator)
[assinatura digital]
Nazaré Saraiva (adjunta)
[assinatura digital]

(Acórdão elaborado pelo relator, e por ele integralmente revisto, com recurso a meios informáticos – cfr. art. 94º, nº 2, do CPP)



1. Cfr., neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, 2ª Edição, UCE, 2008, anot. 3 ao art. 402º, págs. 1030 e 1031; M. Simas Santos/M. Leal Henriques, in “Código de Processo Penal Anotado”, II Volume, 2ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2004, p. 696; Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal Português - Do Procedimento (Marcha do Processo)”, Vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 334 e seguintes; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do S.T.J. nº 7/95 de 19/10/1995, publicado no DR, Série I-A, de 28/12/1995, em interpretação que ainda hoje mantém atualidade.
2. Neste sentido, a título exemplificativo, vejam-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2015, processo 159/11.5PAPTL.G1; do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/03/2011, processo 288/09.1GBMTJ.L1-5, de 18/07/2013, processo 1/05.2JFLSB.L1-3, de 21/05/2015, processo 3793/09.6TDLSB.L1-9, e de 08/10/2015, processo 220/15.3PBAMD.L1-9; e do Tribunal da Relação de Évora de 19.05.2015, processo 441/10.5TABJA.E2, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
3. “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, in “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, Almedina, pp. 253-254.
4. Como pertinente observado no já citado Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 19-05-2015, se, perante determinada situação, as provas produzidas permitirem duas (ou mais) soluções possíveis, e o Juiz, fundamentadamente, optar por uma delas, a decisão (sobre matéria de facto) é inatacável: o recorrente, ainda que haja feito da prova produzida uma leitura diversa da efetuada pelo julgador, não pode opor-lhe a sua convicção e reclamar, do tribunal de recurso, que opte por ela.
5. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência nº 7/2013, de 20.03, publicado no DR, I Série, de 20.03.2013: «A ameaça de prática de qualquer um dos crimes previstos no n.º 1 do artigo 153º do Código Penal, quando punível com pena de prisão superior a três anos, integra o crime de ameaça agravado da alínea a) do n.º 1 do artigo 155º do mesmo diploma legal.»
6. Cfr., v.g., o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 02.06.2014, processo nº 380/06.4GEGMR.G2, disponível em www.dgsi.pt: «I – Sendo requisito do crime de ameaça que o mal anunciado seja futuro, tal característica temporal há-de resultar da ponderação de um conjunto diversificado de fatores referentes à conformação global do facto, em que relevam quer elementos objetivos, quer elementos subjetivos referentes ao propósito ou fim visado pelo agente. II – O mal anunciado será de considerar como futuro quando não se tratar duma tentativa criminosa, nos termos em que o art. 22 do Cod. Penal a descreve, ou seja, enquanto o agente não praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer. III – A circunstância dos arguidos terem agarrado e empurrado o ofendido enquanto pronunciavam frases como “agora vais pagar por aquilo que fizeste, vamos-te matar” não significa necessariamente que o pretendiam fazer naquele preciso momento, ou no presente imediato. Tal comportamento não contém atos de execução de um crime de homicídio.»; e do mesmo Tribunal, de 21.05.2018, processo nº 375/15.0GAVLP.G1, disponível em www.dgsi.pt: «I) Ainda que a doutrina e a jurisprudência estejam de acordo em que uma das características essenciais do crime de ameaça reside em vaticinar-se um mal futuro, sobre a interpretação desta expressão é de aderir ao entendimento de que haverá ameaça de mal futuro sempre que se não esteja perante uma execução iminente, pelo que o mal anunciado terá a característica de mal futuro desde que não se trate já duma tentativa criminosa. II) Sempre que alguém dirija a outrem uma expressão, verbal ou de outra natureza, de anúncio de causação de um mal, não acompanhando essa ação com os atos de execução correspondentes, permanecendo inativo em relação à execução do mal anunciado, todo o tempo que durar essa inação e se mantiver a possibilidade de o mal anunciado se concretizar é futuro, em termos de interpretação da expressão em causa. III) Assim, integra o anúncio de um mal futuro a frase tenho aqui a arma para lhe dar um tiro nos cornos, proferida pelo arguido, dirigindo-se à mulher do ofendido e referindo-se a este, na medida em que não foi acompanhada de qualquer ato de execução nem esta poderia ser levada a cabo de imediato, por o visado não se encontrar presente, mas sim nas proximidades, não estando o mal anunciado na iminência de acontecer.»
7. “Direito Penal Português II, As Consequência Jurídicas do Crime”, 1993, pp. 72-73.
8. “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2007, pp.78-85.
9. Cfr., neste sentido, por todos, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 18/10/2010, processo nº 22/09.6TABCL.G1, relatado pelo Exmo. Desembargador Fernando Monterroso, e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/01/2015, processo nº 72/11.2GDSTR.C1, relatado pelo Exmo. Desembargador Fernando Chaves.