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CERTIFICADO DE PROTECÇÃO COMPLEMENTAR
SEGUNDO REGISTO
REQUISITOS
Sumário
1.– Corresponde a uma conclusão lógico-normativa que é suportada por todos os critérios inscritos nos três números do art.º 9º do Código Civil interpretar o disposto na alínea c) do art.º 3º do Regulamento n.º 469/2009/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, com o sentido de que, apesar de um princípio activo que consta das reivindicações de uma patente europeia em vigor beneficiar já, isoladamente, de um CCP, deve ser concedido o registo de um segundo CCP para proteger a combinação desse princípio activo com um outro igualmente reivindicado por essa mesma patente europeia (patente base).
2.– Essa interpretação não apenas consubstancia a solução ético-socialmente mais acertada no que concerne à interpretação dos normativos legais reguladores da situação conflitual sob julgamento, como também aquela da qual melhor resulta a salvaguarda da segurança e a confiança jurídicas (legal certainty) e bem assim, aquela que é mais conforme com a ética da responsabilidade que tem de ser apanágio de todos os que interagem no comércio jurídico - e que a eles tem de ser exigida porque a mesma lhes é exigível à luz dos Valores e Princípios estruturantes das Comunidades que se organizam segundo o modelo social do Estado de Direito - e com os ditames do Princípio da Proporcionalidade igualmente consagrado tanto no Ordenamento Jurídico nacional português, como no da União Europeia.
Texto Integral
Acordam na Secção de Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
1.1.– O recurso é o próprio (apelação),foi-lhe fixado o devido efeito de subida (devolutivo), e nada obsta ao conhecimento do mérito do mesmo.
1.2.– No que concerne à ulterior tramitação do processo, importa referir que é inegável, e quanto a isso não se suscitam dúvidas, que o Legislador não estabeleceu no art.º 656º do CPC 2013 um critério inflexível ou sequer inequívoco e muito menos imutável, do que será uma questão simples (ou de decisão simples) - repare-se no uso, bastante sensato, da palavra designadamente -, deixando, deste modo, livre o Julgador para, usando o seu prudente, mas rigoroso, espírito crítico, interpretar esse conceito de modo actualista e até pragmático, ainda que sempre obedecendo aos parâmetros interpretativos inscritos nos artºs 9º, 334º e 335º do Código Civil.
1.3.–E é a isso que, com um intenso, mas fortemente consciente repúdio de uma linha de pensamento neo-positivista que, se está a tornar dominante no pensamento jurídico (e infelizmente o está porque as consequências civilizacionais do primeiro positivismo foram, sem qualquer exagero, brutalmente negativas e terrivelmente destrutivas e as do neo-positivismo não serão melhores), aqui se procede.
1.4.–Por muito que muitos queiram o contrário, como resulta clara e inequivocamente do estatuído no n.º 1 do art.º 9º do Código Civil [mais exactamente a menção que aí é feita à “unidade do sistema jurídico”], o Ordenamento Jurídico é um compósito unitário, o que significa que nenhum normativo desse Ordenamento (aí considerando, em igualdade de circunstâncias para os diplomas de igual dignidade institucional, os dispositivos constantes de instrumentos legais internacionais aplicáveis em Portugal mas também as normas que regulam a tramitação dos processos que correm termos perante os Tribunais Judiciais)pode alguma vez ser interpretado isoladamente, isto é e para usar uma figura de estilo, o Ordenamento Jurídico é umcontinente, não um arquipélago (ou sequer uma soma de arquipélagos).
1.5.–Daí que, face aos elementos que constam dos autos, por aplicação dos pressupostos ontológicos antes descritos e do previsto nos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República e 2º do CPC 2013, é possível /admissível concluir que a questão a decidir é simples, pelo que se comunica às partes, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.º 3º desse agora aludido Código de Processo, que, nos termos estatuídos nos artºs 652º n.º 1 c) e 656º ainda do mesmo Código, o mérito do pleito irá ser apreciado e julgado mediante decisão liminar do relator, a proferir de imediato.
1.6.–O que se declara e decreta com a maior tranquilidade, uma vez que é certo e sabido que a parte que se sentir prejudicada tem à sua disposição a possibilidade de exercer o direito que se encontra previsto nos nºs 3 e 4 daquele mesmo art.º 652º do CPC 2013, o que significa que nenhum direito das partes está a ser violado ou sequer prejudicado com a presente decisão liminar do relator.
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2.1.–Nos autos que, sob o n.º 198/20.1YHLSB, correram termos pelo 1º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual, nos quais a agora apelante peticionou que fosse revogada a decisão do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que recusou o registo do certificado de protecção complementar (CCP) n° 629 (adiante também designado ‘CCP 629’), publicada no Boletim da Propriedade Industrial (BPI) de 22/04/2020, e que a mesma seja substituída por decisão que conceda esse certificado de protecção complementar n.º 629, foi, em 15/02/2021, proferida a sentença que tem a referência 424767 e cujo decreto judicial tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, e nos termos das disposições citadas, nega-se provimento ao recurso interposto por A ... e, em consequência, mantém-se a decisão do INPI de 17/04/2020, publicada a 22/04/2020, que recusou o certificado de protecção complementar nº 629 com fundamento no incumprimento da alínea c) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE.
Custas pela recorrente (527º, nº 1 do CPC).
Valor da causa: 30.000,01 Euros (artigo 303º, nº 1, do CPC).
Registe e notifique.
Após trânsito da sentença e com cópia da mesma devolva-se o processo em apenso ao INPI e cumpra-se o artigo 34º, nº 5, aplicável nos termos do artigo 46º, do CPI.” (sic).
2.2.–Inconformada com essa sentença, a mesma demandante deduziu contra ela, através da peça processual que tem a referência 38428245, a apelação submetida ao julgamento deste Tribunal Superior e na qual pede que seja “… revogada a sentença e o despacho impugnados e concedido o Certificado Complementar de Proteção n.º 629” (sic), formulando para tanto as seguintes 15 conclusões:
“1)-A Recorrente não defendeu perante o tribunal a quo, que o fundamento de recusa do CCP n° 629 consistiu na não verificação do requisito previsto na alínea a) do art. 3º do Regulamento (CE) n° 469/2009 de 6 de Maio, o qual foi chamado à colação, apenas com o intuito de demonstrar ao Tribunal que o produto que é composto pela associação de substância «dapaglifozina» com a substância «metformina» - é protegido pela patente de base. 2)-O artigo 1º alínea b) do Regulamento (CE) n.º 469/2009 de 6 de Maio define “produto” como o princípio ativo ou a combinação de princípios ativos do medicamento. 3)-Uma patente pode proteger diversos produtos e é possível obter diversos CCPs em relação a cada um desses produtos, desde que eles estejam reivindicados e protegidos por uma patente de base nos termos conjugados do disposto pelos artigos 1º alínea b) e 3º alíneas a) e c) do Regulamento (CE) n.º 469/2009 de 6 de Maio, de acordo com a jurisprudência europeia firmada pelos acórdãos Georgetown e Sanofi do TJUE. 4)-O artigo 3º alínea a) do Regulamento (CE) n.º 469/2009 estabelece que o produto é protegido por uma patente de base em vigor e o TJUE, no caso Gileadconfirmou-o, no caso de produtos combinados, quando os dois produtos estiverem reivindicados na patente de base. 5)-No caso deste recurso a patente base EP 1506211 inclui as reivindicações do produto «dapaglifozina» e do produto que consiste na associação/combinação da «dapagliflozina» com a «metformina», respetivamente nas reivindicações 1 - 3 e 7. 6)-A patente base não reivindica a invenção, enquanto tal, do composto «metformina». 7)-As reivindicações nas patentes de invenção assumem um papel essencial para determinar se um produto está protegido pela patente de base e o teste da "contribuição técnica" ou "cerne da atividade inventiva" não é relevante para a interpretação do artigo 3º alínea a) (neste sentido, acórdão Royalty Pharma do TJUE). 8)-Na sequência da decisão Gilead do TJUEficou esclarecido que, para uma patente de base proteger um produto combinado, a reivindicação deve exigir a presença de dois compostos e não apenas de um, como sucedia no caso Sanofi (irbersatan) em que não estavam expressamente identificados os compostos que são combinados no produto. 9)-No presente caso, a reivindicação 7 da EP 1506211131, validada em Portugal como 1506211 E, refere explicitamente a combinação de «dapagliflozina» e da «metformina», protegendo-a. 10)-O artigo 3º alínea c) do Regulamento (CE) n.º 469/2009, por sua vez, prevê que o CCP pode ser concedido se o produto não foi ainda objeto de um certificado. 11)-O produto constituído pela associação da «dapagliflozina» com a «metformina» dispõe de AIM. 12)-No caso sub judice, o produto em causa que é constituído pela associação de «dapagliflozina» e «metformina» não foi previamente objeto de um CCP e, por conseguinte, o requisito previsto no artigo 3º alínea c) do Regulamento n.º 469/2009 está preenchido. 13)-Esta abordagem da questão decidenda está totalmente de acordo com o espírito e a letra do parágrafo 16 do Explanatory Memorandum do Regulamento n° 469/2019, segundo o qual o Regulamento deve fornecer um "sistema simples e transparente que possa ser facilmente aplicado pelas partes interessadas". 14)-Assim, o CCP n.º 629 reúne todos os requisitos legais para a sua concessão previstos nos artigos 1º a) e b), 3º, 4º e 10º n.º 1 do Regulamento n.º 469/2009/CE assim como nos artigos 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial. 15)-Consequentemente, deve ser proferido douto acórdão que revogue a sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual e o despacho do INPI, substituindo-os por decisão que conceda o CCP 629 em Portugal, ao abrigo do disposto pelos artigos 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial.” (sic).
2.3.–Posteriormente e quando os autos já estavam a correr termos por este Tribunal Superior, a apelante veio apresentar um requerimento autónomo no qual invoca que cometeu um lapso ao introduzir em Juízo as alegações de recurso aludidas no ponto 2.2. desta decisão liminar do relator porque nessa peça apresentou uma primeira versão, incompleta, das conclusões, peticionando que, ao abrigo do disposto nos artºs 146º, 639º n.º 3 e 652º nº 1 a) do CPC 2013, fosse aceite a substituição das conclusões existentes no recurso interposto, por estas que ora se juntam, ficando assim correto e definitivo o recurso interposto, sendo as seguintes as novas conclusões apresentadas:
“A–A Recorrente chamou à colação o artigo 3º a) do Regulamento (CE) nº 469/2009 apenas com o intuito de demonstrar ao Tribunal que este produto composto pela associação de substância «dapaglifozina» com a substância «metformina» é protegido pela patente de base e é um produto novo na aceção do artigo 1º alínea b) desse regulamento, que define ‘produto’ como o princípio ativo ou a combinação de princípios ativos do medicamento. B–Uma patente pode proteger diversos produtos e é possível obter diversos CCPs em relação a cada um desses produtos, desde que eles estejam reivindicados e protegidos por uma patente de base nos termos conjugados do disposto pelos artigos 1º alínea b) e 3º alíneas a) e c) do Regulamento (CE) n.º 469/2009 de 6 de Maio, de acordo com a jurisprudência europeia firmada pelos acórdãos Georgetown e Sanofi do TJUE. C–Neste caso, o que a recorrente pretende proteger através do CCP 629, consiste numa dosagem fixa de um medicamento composto pela combinação/associação das duas substâncias ativas dapagliflozina e metformina. D–A dapagliflozina por si só, já foi objeto de um CCP que protege o medicamento constituído apenas por esse composto e vendido sob a marca Forxiga. E–Mas agora a recorrente pretende proteger este produto novo que consiste na combinação dos produtos dapagliflozina e metformina num dosagem fixa, definido e caraterizado na reivindicação 7 da patente base e descrito, por exemplo nas páginas um, nove, vinte e dois e vinte e quatro e comercializado sob a marca Xigduo. F–O artigo 3º alínea a) do Regulamento (CE) n.º 469/2009 estabelece que o produto é protegido por uma patente de base em vigor e o TJUE, no caso Gilead confirmou-o, no caso de produtos combinados, quando os dois produtos estiverem reivindicados na patente de base. G–Neste caso, a patente base EP 1506211 nas reivindicações 1-3 reivindica a invenção do produto «dapaglifozina» e na reivindicação 7 a invenção do produto que consiste na associação/combinação da «dapagliflozina» com a «metformina». H–A patente base não reivindica a invenção, enquanto tal, do composto «metformina», mas apenas a combinação do mesmo numa dosagem fixa com o composto dapagliflozina. I–Na sequência da decisão Gilead do TJUEficou esclarecido que para uma patente de base proteger um produto combinado, a reivindicação deve exigir a presença de dois compostos e não apenas de um, como sucedia no caso Sanofi (irbersatan) em que não estavam expressamente identificados os compostos que são combinados no produto. J–No presente caso, a reivindicação 7 da EP 1506211 B1, validada em Portugal como 1506211 E, reivindica explicitamente a combinação de «dapagliflozina» e da «metformina», protegendo-a. L–O produto constituído pela associação/combinação da «dapagliflozina» com a «metformina» numa dosagem fixa, dispõe de AIM e pode dispor da proteção concedida pelo CCP629 à luz do disposto pelo artigo 3º alínea c) do Regulamento (CE) nº 469/2009, que prevê que o CCP pode ser concedido se o produto não foi ainda objeto de um certificado, como é o caso. M–No caso sub judice, o produto que é constituído pela combinação de duas substâncias activas - «dapagliflozina» e «metformina» - numa dosagem fixa não foi previamente objeto de um CCP e, por conseguinte, o requisito previsto no artigo 3º alínea c) do Regulamento n.º 469/2009 está preenchido. N–O CCP nº 629 reúne todos os requisitos legais para a sua concessão previstos nos artigos 1º a) e b), 3º, 4º e 10º nº 1 do Regulamento nº 469/2009/CE, assim como nos artigos 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial. O–À Recorrente tem sido concedida proteção legal ao CCP 629 nos países da União Europeia como está documentado nos autos. P–Consequentemente, deve ser proferido douto acórdão que revogue a sentença do Tribunal da Propriedade Intelectual e o despacho do INPI, substituindo-os por decisão que conceda o CCP 629 em Portugal, ao abrigo do disposto pelos artigos 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial.” (sic).
2.4.– Por inexistência de uma “parte contrária”, não foram apresentadas contra-alegações, nem resposta ao requerimento referido no ponto 2.3. desta decisão liminar do relator, sendo estes os contornos da lide que a este Tribunal Superior cumpre aqui e agora dirimir.
2.5.–Por força do estatuído no n.º 2 do art.º 608º do CPC 2013, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, sendo igualmente certo que, nesse julgamento, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art.º 5º n.º 3 do CPC 2013).
2.6.–E porque assim tem de ser, considerando as alegações do apelante e o requerimento autónomo junto quando o processo estava já pendente nesta 10ª Secção (PICRS) desta Relação de Lisboa (que, mas em conformidade com o antes exposto, definem o objecto e os limites do poder de cognição do Tribunal ad quem), as questões acerca das quais, em termos lógicos e ontológicos, este Tribunal Superior tem de exercer pronúncia são as seguintes e por esta ordem: - deve ou não ser aceite a substituição das conclusões inicialmente apresentadas com as alegações de recurso por aquelas que com o foram com o requerimento autónomo a que se alude no ponto 2.3. desta decisão liminar do relator? - a sentença recorrida viola ou não o estatuído nos artºs 1º a) e b), 3º, 4º e 10º nº 1 do Regulamento nº 469/2009/CE, e 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial?
2.7.–E sendo esta a matéria que nesta instância compete julgar, a tanto se procederá de imediato, por nada obstar a esse conhecimento e por estarem cumpridas as formalidades legalmente prescritas (artºs 652º a 670º do CPC 2013), não tendo sido colhidos os Vistos dos Ex.mos Desembargadores Adjuntos pelas razões explanadas nos pontos 1.1. a 1.6. da presente decisão liminar do relator.
2.8.–Na sentença recorrida foram declarados provados os seguintes factos e não foram elencados quaisquer factos não provados: 1.-A recorrente figura como titular da patente europeia nº 1506211 (adiante também designada EP 211), validada em Portugal em 13.04.2007 e vigente até 15/05/2023, cuja epígrafe é: ‘Glicósidos de C- Arilo Como Inibidores de SGLT2 e Pprocessos Para a sua Utilização’, e cujo resumo é: ‘A presente invenção tem por objecto um composto que inibe SGLT2 com a fórmula [estrutura química] A, um processo para o tratamento da diabetes e de doenças relacionadas e a utilização de uma quantidade de inibição de SGLT2 do composto anterior isoladamente ou em combinação com outro agente antidiabético ou outro agente terapêutico’. 2.-Em 15/07/2014, a recorrente requereu junto do INPI o registo do certificado complementar de protecção (CCP) n.º 629 para uso do medicamento “Xigduo”, cujos princípios activos são ‘dapagliflozina e metformina’ e indicado na utilização por adultos de idade igual ou superior a 18 anos com diabetes mellitus tipo 2 como adjuvante da dieta e do exercício para melhorar o controlo da glicemia, com base na referida patente europeia EP 211 (ponto 1 do presente enunciado de factos), mencionando 16/01/2014 como data da primeira autorização de introdução (AIM) no mercado em Portugal e na Comunidade Europeia (C(2014)308), nos termos constantes de fls. 37 a 89 dos autos, que se dão por reproduzidos. 3.-Em 20/12/2016, a recorrente foi notificada pelo INPI para proceder à regularização de objecções à concessão do CCP, por incumprimento do disposto nas alíneas c) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE. 4.-A recorrente respondeu à dita notificação do INPI dentro do prazo para o efeito concedido, mas por entender que a argumentação apresentada não permitia ultrapassar a objecção levantada, a recorrente foi notificada novamente em 18/09/2019 nos seguintes termos: “O presente pedido diz respeito a uma combinação de dois princípios ativos "dapagliflozina e metformina”. A requerente, Astrazeneca AB, já possui um certificado complementar de proteção (CCP) concedido, o CCP nº 531, para o produto “dapagliflozina”, baseado na mesma patente de base, a patente de base EP 1506211. O Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) tem fornecido orientações para a interpretação da alínea c) do artigo 3.º do Regulamento (CE) nº 469/2009 de 6 de maio, à luz das decisões do TJUE C-443/12 (Actavis), C-484/12 (Georgetown) e C-577/13 (Actavis-Boehringer). Tal como argumentado, de acordo com as decisões C-443/12 (Actavis) e C-484/12 (Georgetown) é possível, em princípio, com base numa mesma patente que protege vários “produtos” distintos, obter vários CCPs relacionados com cada um desses produtos, desde que, nomeadamente, cada um destes esteja “protegido”, como tal, por essa “ patente de base”, na aceção do artigo 3 a) do Regulamento. Também a decisão C-577/13 volta a frisar esta mesma possibilidade (ver parágrafo 33). Contudo, é referido no parágrafo 38 desta decisão, o seguinte “(...) para que uma patente de base proteja “como tal” um princípio ativo nos termos dos artigos 1.º, alínea c), e 3.º, alínea a) do Regulamento (CE) nº 469/2009, esse princípio deve ser objeto da invenção coberta pela referida patente”. A decisão C-577/13 refere, ainda, que “(...)quando uma patente de base inclui uma reivindicação de um produto que contenha um princípio ativo que constitui o único objeto da invenção, para o qual o titular dessa patente já obteve um certificado complementar de proteção, e uma reivindicação ulterior de um produto que contenha uma associação desse princípio ativo com outra substância, essa disposição se opõe a que esse titular obtenha um segundo certificado complementar de proteção para a referida associação”. Também no parágrafo 42 da decisão do TJUE C-121/17 é referido que “Importa acrescentar que, atendendo aos interesses referidos nos considerandos 4, 5, 9 e 10 do Regulamento n.º 469/2009, não é admissível que o titular de uma patente de base em vigor possa obter um CCP de cada vez que introduzir no mercado de um Estado-Membro um medicamento que contenha, por um lado, um princípio ativo, protegido, enquanto tal, pela sua patente de base, que constitui o objeto da invenção coberta por essa patente, e, por outro lado, outra substância que não é o objeto da invenção coberta pela patente de base”. No presente caso, a requerente já possui um certificado, o CCP nº 531, para um dos princípios ativos, a “dapagliflozina” que parece constituir o verdadeiro objeto da invenção (ou seja, parece constituir o principio ativo inovador da patente, já que a metformina é uma substância conhecida que já existe desde 1922, tendo sido introduzida pela primeira vez como medicamento em França em 1957) do presente pedido baseado na mesma patente base. Para além disso, o CCP nº 531 já permite ao titular opor-se, com base na patente de base EP 1506211, a certas utilizações dadapagliflozina, tal como a comercialização de um medicamento semelhante ao Xigduo, contendo dapagliflozina e metformina. Assim, a alínea c) do artigo 3º do Regulamento (CE) nº 469/2009 de 6 de maio, interpretada à luz da decisão do TJUE C-577/13, não permite que seja concedido, ao mesmo titular, um segundo CCP para a combinação “dapagliflozina e metformina’. 5.-A recorrente respondeu novamente à dita notificação do INPI dentro do prazo para o efeito concedido, mas a mesma foi considerada improcedente por despacho proferido a 17/04/2020 e publicado no BPI de 22/04/2020, com fundamento em que o mesmo não cumpre o disposto no artigo 3º, alínea c) do Regulamento 469/2009/CE, nos termos constantes de fls. 100 a 104 dos autos, que se dão por reproduzidos. 6.-Por despacho de 04/10/2013 publicado no BPI de 09/10/2013, foi concedido o CCP nº 531 relativo a ‘Glocósidos de C-Arilo Como Inibidores de SGL T2 e Processos Para A Sua Utilização’, com base na patente europeia nº 1506211, mencionando-se como autorização de introdução no mercado na União Europeia a data de 12/11/2012 (C(2012)8378) do princípio activo ‘dapagliflozina’ para o medicamento ‘Forxiga’. 7.-Este medicamento “Forxiga” está indicado na utilização por adultos de idade igual ou superior a 18 anos com diabetes mellitus tipo 2, para o melhoramento do controlo glicémico. O Forxiga pode ser utilizado como medicamento único (monoterapia) em doentes que não consigam controlar satisfatoriamente a glicemia (açucar no sangue) só com dieta e exercício, e que não toleram a metformina (outro medicamento antidiabético). O Forxiga também pode ser usado como tratamento adicional, em combinação com outros medicamentos hipoglicemiantes, incluindo a insulina, quando estes, juntamente com o exercício e a dieta, não resultam num controlo glicémico adequado’, cfr. fls.167 e ss. 8.-O Forxiga é um produto composto por “dapaglizofina e sais farmaceuticamente aceitáveis da mesma”, cfr. fls. 167 e ss.
2.9.–DISCUSSÃO JURÍDICA DO PLEITO
2.9.1.-Deve ou não ser aceite a substituição das conclusões inicialmente apresentadas com as alegações de recurso por aquelas que com o foram com o requerimento autónomo a que se alude no ponto 2.3. desta decisão liminar do relator? 2.9.1.1.-Ao iniciar a análise crítica das várias questões jurídicas submetidas ao poder/dever de cognição deste Tribunal Superior, sendo que, por razões lógicas e ontológicas, é pelo escrutínio daquela que está enunciada em epígrafe que importa começar essa apreciação, mostra-se necessário recordar que litigar em Juízo é uma actividade não apenas de considerável intensidade ética, mas também de uma imensa responsabilidade social, motivo pelo qual a dedução de pretensões (sejam elas quais forem) ou de defesas contra estas perante os Tribunais não pode ser desenvolvida/prosseguida de ânimo leve, antes deve ser antecedida de um estudo cuidadoso da Lei aplicável e da Doutrina e da Jurisprudência conhecidas acerca da matéria em disputa (refere-se “conhecidas” porque, como é bem sabido, lamentavelmente, nem todas as decisões e deliberações judiciais proferidas pelos vários Tribunais, em todas as instâncias, são publicadas, circunstância que pode permitir a conclusão que poderão existir desconhecidas opiniões jurídicas diversas das que são consideradas maioritárias, ou, pelo menos, assim percepcionadas). 2.9.1.2.-Nesta conformidade e também porque, ao exercer o poder de julgar (ou, para usar as palavras dos nºs 1 e 2 do art.º 202º da Constituição da República, a competência para administrar a justiça em nome do Povo e assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos) que, por via dessa Lei Maior, lhe é atribuído pela Comunidade, constitui uma obrigação fundamental e indeclinável de cada um dos Juízes que exerce funções nos Tribunais portugueses, seja qual for a instância em que o faz, cumprir integral e escrupulosamente o dever de assegurar a todos os que interagem no comércio jurídico o direito a um julgamento leal, não preconceituoso, e mediante processo equitativo que está tutelado e salvaguardado, com força obrigatória directa e geral (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República), através do estabelecido nos artºs 20º n.º 4 da Constituição da República, 10º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adoptada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa, importa transcrever os normativos jurídicos que regulam o ritual processual previsto para a tramitação dos recursos como este cujo mérito agora se sindica.
2.9.1.3.- E o que nesses comandos legais está escrito é o seguinte:
- Art.º 637º(Modo de interposição de recurso) 1-Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto. 2-O requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade; quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento.
- Art.º 639º(Ónus de alegar e formular conclusões) 1-O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. 2-Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a)- As normas jurídicas violadas;
b)- O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c)- Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. 3-Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada. 4-O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias. 5-O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
- Art.º 641º(Despacho sobre o requerimento) 1-Findos os prazos concedidos às partes, o juiz aprecia os requerimentos apresentados, pronuncia-se sobre as nulidades arguidas e os pedidos de reforma, ordenando a subida do recurso, se a tal nada obstar. 2- O requerimento é indeferido quando: a)-Se entenda que a decisão não admite recurso, que este foi interposto fora de prazo ou que o requerente não tem as condições necessárias para recorrer; b)-Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões.
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- Art.º 652º(Função do relator) 1-O juiz a quem o processo for distribuído fica a ser o relator, incumbindo-lhe deferir todos os termos do recurso até final, designadamente: a)-Corrigir o efeito atribuído ao recurso e o respetivo modo de subida, ou convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respetivas alegações, nos termos do n.º 3 do artigo 639.º; b)-Verificar se alguma circunstância obsta ao conhecimento do recurso; c)-Julgar sumariamente o objeto do recurso, nos termos previstos no artigo 656.º; d)-Ordenar as diligências que considere necessárias; e)-Autorizar ou recusar a junção de documentos e pareceres; f)-Julgar os incidentes suscitados; g)-Declarar a suspensão da instância; h)-Julgar extinta a instância por causa diversa do julgamento ou julgar findo o recurso, por não haver que conhecer do seu objeto.
...
- Art.º 657º(Preparação da decisão) 1-Decididas as questões que devam ser apreciadas antes do julgamento do objeto do recurso, se não se verificar o caso previsto no artigo anterior, o relator elabora o projeto de acórdão no prazo de 30 dias. .... 2.9.1.4.-Ora, como resulta muito claramente de uma simples observação do historial do processo, é por demais evidente e notório que o relator destes autos não fez uso de uma qualquer das faculdades previstas nos normativos antes transcritos, ou seja, nem daquela que se encontra enunciada no n.º 3 daquele art.º 639º do CPC 2013, nem da que o está na alínea a) do n.º 1 do art.º 652º do mesmo Código de Processo. 2.9.1.5.-E não menos inequívoco é que a possibilidade de a parte recorrente proceder, de moto-próprio, à alteração, seja por redução e/ou ampliação, das conclusões apresentadas em sede de recurso não é algo que se encontre previsto no ritual processual legalmente estabelecido e por todos antecipadamente conhecido, reconhecido e aceite (due process of law, para usar a expressão em língua inglesa que referencia e descreve este conceito). 2.9.1.6.-E porque assim é e porque o relator entende que o que consta das 15 conclusões inicialmente apresentadas é suficiente para permitir o julgamento da causa, não se mostrando, portanto, necessário (ou sequer minimamente útil) convidar a apelante a aperfeiçoar, completar, esclarecer ou sintetizar as conclusõesjá apresentadas em Juízo a culminar as alegações de recurso apresentadas por essa sociedade, forçoso se torna concluir que não é legalmente admissível - e tal não se admite - a peticionada substituição das conclusões inicialmente apresentadas com essas alegações por aquelas que com o foram com o requerimento autónomo introduzido em Juízo quando os autos já estavam a correr termos por este Tribunal Superior. 2.9.1.7.-Insiste-se: litigar em Juízo é uma actividade não apenas de considerável intensidade ética, mas também de uma imensa responsabilidade social, motivo pelo qual a dedução de pretensões (sejam elas quais forem) ou de defesas contra estas perante os Tribunais não pode ser desenvolvida/prosseguida de ânimo leve e se algum lapso ou falha foi cometido/a, tem a pessoa ou entidade que o/a praticou que assumir todas as consequências dos seus actos ou omissões. 2.9.1.8.-E assim mesmo tem de ser à luz de uma ética da responsabilidade que é exigível a todos os que interagem no comércio jurídico. 2.9.1.9.-E tanto basta para justificar o agora deliberado, sendo dispensável a apresentação de uma mais extensa argumentação fundamentadora porque a função institucional e social dos Juízes, seja qual for a instância em eu exercem funções, é a de dirimir os conflitos que realmente existam e sejam submetidos ao seu julgamento e na exacta medida do que é necessário e indispensável à resolução desses conflitos ou litígios (art.º 608º n.º 2 do CPC 2013, que corresponde ao n.º 2 do art.º 660º do entretanto revogado CPC 1961), sendo sua obrigação não só não praticar como, ao mesmo tempo, impedir a prática nos processos de actos inúteis, impertinentes e dilatórios [artºs 6º n.º 1 e 130º do CPC 2013]. 2.9.1.10.-Ou seja e dito de outro modo, no exercício dessa sua actividade estatutária, devem os Juízes, no mínimo, ter sempre presente o Princípio da Parcimónia ou Navalha de Occam(ou de Ockham), postulado lógico atribuído ao frade franciscano inglês William de Ockham, que viveu entre 1287 e 1347 dC, que enuncia que “as entidades não devem ser multiplicadas além da necessidade”, sendo, neste caso, as “entidades” os passos lógicos do silogismo judicial através dos quais se opera a subsunção dos factos provados na previsão das normas que regulam a concreta relação material controvertida. 2.9.1.11.-O que significa que nas decisões e deliberações judiciais, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 8º do Código Civil, deve ser evitado tudo o que não seja necessário ao julgamento do real e efectivo objecto do litígio submetido ao julgamento do Tribunal em qualquer das suas instâncias, mais devendo, sobremaneira, ter-se em conta o exacto conteúdo dos textos legais reguladores aplicáveis à construção da solução jurídica do pleito. 2.9.1.12.-Deste modo, com os fundamentos agora expostos, nada mais resta a não ser declarar que as únicas conclusões das alegações a atender no julgamento que importa realizar nesta instância recursiva são as apresentadas através da peça processual que tem a referência 38428245 e que estão enunciadas no ponto 2.2. da presente decisão liminar do relator. 2.9.1.13.- O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
2.9.2.– A sentença recorrida viola ou não o estatuído nos artºs 1º a) e b), 3º, 4º e 10º nº 1 do Regulamento nº 469/2009/CE, e 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial? 2.9.2.1.-Definido que está quais as conclusões das alegações de recurso que são relevantes para a construção da solução jurídica do pleito e seguindo o percurso lógico enunciado no ponto 2.6. da presente decisão liminar do relator, cabe agora apreciar se são ou não fundamentadas as críticas esgrimidas pela apelante contra a fundamentação em matéria de Direito daquela decisão proferida em 1ª instância. 2.9.2.2.-Na prossecução desse objectivo, mostra-se útil transcrever o que, de verdadeiramente essencial, foi invocado nesse sentenciamento para justificar a prolação do decreto transcrito no ponto 2.1. desta decisão liminar. 2.9.2.3.-E esse fio de raciocínio é o seguinte (texto integral, mas cabendo sublinhar que, pese embora a aqui apelante sempre tenha referido que o fundamento da recusa pelo INPI da concessão do CCP 629 assenta no pressuposto de que não está verificado o requisito exigido pela alínea c) do art.º 3º do Regulamento 469/2009/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, e não o que o é pela alínea a) desse mesmo artigo do Regulamento 469/2009/CE - designação pela qual aquele diploma irá, a partir de agora, passar a ser referenciado -, essa mesma litigante ocupa inutilmente páginas e páginas seguidas das suas peças processuais, incluindo as alegações de recurso, esgrimindo argumentos com o objectivo de demonstrar que está preenchido esse requisito previsto na aludida alínea a) daquele art.º 3º daquele Regulamento):
“...
A questão que importa analisar é a de saber se se verificam as condições para recusa do pedido de certificado de protecção complementar nº 629, por falta dos necessários requisitos previstos artigo 3º alíneas c) do Regulamento 469/2009/CE e demais legislação aplicável, nomeadamente o produto já ter sido objecto de um certificado de protecção complementar, como entendeu o INPI, sendo que diversamente do que defende a recorrente, o fundamento de recusa do CCP 629 não se prendeu com a não verificação dos requisitos da alínea a) do artigo. 3º do Regulamento, mas sim com a mencionada alínea c).
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Nos termos do artigo 1º- Definições do Regulamento 469/2009/CE, ‘Para efeitos do presente regulamento entende-se por: a)- ‘Medicamento’: qualquer substância ou associação de substâncias com propriedades curativas ou preventivas em relação a doenças humanas ou animais, bem como qualquer substância ou associação de substâncias que possa ser administrada ao homem ou a animais com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou a restaurar, corrigir ou alterar funções orgânicas no homem ou nos animais; b)-‘Produto’: o princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento; c)-‘Patente de base’: a patente que protege um produto como tal, um processo de obtenção de um produto ou uma aplicação de um produto e que tenha sido designado pelo seu titular para efeitos do processo de obtenção de um certificado; d)-‘Certificado’: o certificado complementar de protecção;
O artigo 2º - Âmbito de aplicação, do mesmo regulamento, dispõe que: ‘Os produtos protegidos por uma patente no território de um Estado-Membro e sujeitos, enquanto medicamentos, antes da sua introdução no mercado, a um processo de autorização administrativa por força da Directiva 2001/83/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano ou da Directiva 2001/82/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de Novembro de 2001, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos veterinários, podem ser objecto de um certificado, nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento.’
Quanto ao artigo 3º - Condições de obtenção do certificado, do mesmo regulamento, dispõe que [ênfase aditado]: ‘O certificado é concedido se no Estado-Membro onde for apresentado o pedido previsto no artigo 7º e à data de tal pedido: a)- O produto estiver protegido por uma patente de base em vigor; b)- O produto tiver obtido, enquanto medicamento, uma autorização válida de introdução no mercado, nos termos do disposto na Directiva 2001/83/CE ou na Directiva 2001/82/CE, conforme o caso; c)- O produto não tiver sido já objecto de um certificado; d)-A autorização referida na alínea b) for a primeira autorização do produto no mercado, como medicamento.’
Vejamos, pois, se o CCP 629 reúne as condições acima enunciadas, em particular a mencionadas na alínea c) do citado artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE.
O ‘produto’ objecto do CCP 629 é composto pelos princípios activos ‘dapagliflozina e metformina’ e é indicado na utilização por adultos de idade igual ou superior a 18 anos com diabetes mellitus tipo 2 como adjuvante da dieta e do exercício para melhorar o controlo da glicemia.
O pedido de CCP 629 indica como patente de base a patente europeia nº 1506211 (EP211).
Resulta, assim, dos autos que, à data do pedido do CCP 629 (15/07/2014), o referido produto estava protegido pela EP 211, validada em Portugal desde 2007 e vigente até 15/05/2023.
Resulta da mesma que se refere a C-aril glicósidos (SGLT2) e a um procedimento para o tratamento da diabetes, especialmente diabetes tipo II, assim como hiperglicemia, hiperinsulinemia, etc., usando os referidos C-aril glicósidos isolados ou em combinação com um, dois ou mais agentes antidiabéticos e/ou terapêuticos.
A dapaglifozina e sais farmaceuticamente aceitáveis da mesma estão protegidos pelas reivindicações 1 e 2 da patente EP 1506211 B1, que definem:
1.-Um composto que tem a estrutura ou um sal farmaceuticamente aceitável, estereoisómero do mesmo, ou um éster prófármaco do mesmo. 2.- O composto, tal como definido na reivindicação 1, que tem a estrutura
De igual modo, uma composição farmacêutica que compreende dapaglifozina ou os seus sais está protegida pela reivindicação 3, que define: 3.- Uma composição farmacêutica que compreende um composto, tal como definido na reivindicação 1, e um veículo farmaceuticamente aceitável para o mesmo.
Por último, o uso de dapaglifozina ou de um seu sal farmaceuticamente aceitável para a preparação de um medicamento para o tratamento ou o atraso na progressão ou no estabelecimento da diabetes está protegido pela reivindicação 14, que define: 14.- O uso na preparação de um medicamento para o tratamento ou o atraso na progressão ou no estabelecimento da diabetes, retinopatia diabética, neuropatia diabética, nefropatia diabética, cicatrização retardada de feridas, resistência à insulina, hiperglicemia, hiperinsulinemia, níveis sanguíneos elevados de ácidos gordos ou glicerol, hiperlipidemia, obesidade, hipertrigliceridemia, Síndrome X, complicações diabéticas, aterosclerose ou hipertensão, ou para aumentar os níveis de lipoproteína de alta densidade, de um composto tal como definido na reivindicação 1.
De igual modo, o uso de dapaglifozina ou de um sal farmaceuticamente aceitável da mesma para a preparação de um medicamento para o tratamento da diabetes tipo II está protegido pela reivindicação 16, que define: 16.- O uso, no fabrico de um medicamento para o tratamento da diabetes tipo II, de um composto tal como definido na reivindicação 1, de forma isolada ou em combinação com outro agente antidiabético, um agente para o tratamento das complicações da diabetes, um agente antiobesidade, um agente anti-hipertensivo, um agente antiplaquetário, um agente antiaterosclerótico e um agente hipolipidémico.
Por se verificar que o princípio activo dapaglifozina e sais farmaceuticamente aceitáveis estavam protegidos pela EP 211, o INPI concedeu o CCP 531para o medicamento Forxiga.
Com efeito, nos termos do artigo 9º do CPI, aplicável por força do artigo 64(1) da Convenção sobre a Patente Europeia, ‘O âmbito da protecção conferida pela patente é determinado pelo conteúdo das reivindicações’.
Ora, reivindicando-se na patente EP 211 a utilização da dapaglifozina no tratamento de diabetes tipo II, a utilização de tal princípio activo no tratamento de diabetes mellitus de tipo 2 para melhoramento do controlo glicémico, objecto do pedido de CCP 531 e 629, cai seguramente no âmbito de protecção da patente de base em que se apoia tal pedido, pelo que se tem por verificada a condição prevista na alínea a) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE, não sendo esta a grande questão dos autos, pois, tal como o INPI referiu, a não concessão do CCP 629 não se prendeu com a falta dos requisitos previstos na mencionada alínea a) do artigo 3º do Regulamento, mas sim com a não verificação das condições mencionadas na alínea c).
Ora, resulta dos autos que o princípio activo ‘dapaglifozina’, enquanto medicamento, havia sido já objecto de um certificado de protecção complementar, designadamente o CCP 531, concedido em 04/10/2013 e relativo à utilização por adultos com diabetes mellitus de tipo 2 para o melhoramento do controlo glicémico, com base na patente europeia nº 1506211 (EP 211).
Ora, nos termos da alínea c) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE, o certificado é concedido se, no Estado-Membro onde for apresentado o pedido e à data de tal pedido, ‘o produto não tiver sido já objecto de um certificado’ [ênfase aditado].
E, para efeitos do Regulamento 469/2009/CE, entende-se por ‘produto’ ‘o princípio activo ou associação de princípios activos contidos num medicamento’ [ênfase aditado], nos termos do artigo 1º, alínea b), do dito regulamento, ou seja, in casu, unicamente a ‘dapaglifozina’, objecto do CCP 531 precedentemente concedido.
E, conforme bem refere a decisão do TJUE C-443, de 12/12/2013, que opôs a Actavis/Sanofi num processo em tudo semelhante, a titular de um CCP tinha o direito de se opor, com base na patente base, ao uso do ibersartan (produto objecto do primeiro CCP), sob a forma de um medicamento consistindo nesse produto ou contendo-o, daí que esse primeiro CCP permitia à Sanofi (sua titular) opor-se à comercialização de um medicamento que contivesse ibersartan em combinação com hidroclorotiazida e com indicação terapêutica análoga à do medicamento Aprovel.
Ou seja, não só não é necessário que a recorrente peça um segundo CCP para proteger o princípio activo ‘dapaglifozina’, pois este encontra-se já protegido pelo CCP 531 e tem indicação terapêutica análoga à do CCP 629, como a mencionada alínea c) do artigo 3º do Regulamento expressamente o proíbe.
E mais, quando o CCP 531 expirar a recorrente não poderá opor-se, em relação com a patente base que serviu de fundamento à sua emissão à comercialização, por terceiros, do principio activo que foi objecto de protecção conferida por esse CCP, o que implica que após essa data, esses terceiros devem ter a possibilidade de introduzir no mercado não apenas medicamentos que consistem nesse principio activo anteriormente protegido mas também qualquer medicamento que contenha o referido principio activo em associação com outro principio activo que não está protegido, enquanto tal, por esta patente, nem por outra patente, é o que refere o citado Acórdão do TJUE, referindo-se ao artigo 13º do regulamento nº 469/2009.
Também o Acórdão do TJUE C-577/13, de 12/03/2015, refere que o artigo 3.°, alíneas a) e c), do Regulamento n.º 469/2009 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma patente de base inclui uma reivindicação de um produto que contenha um princípio ativo que constitui o único objeto da invenção, para o qual o titular dessa patente já obteve um CCP, e uma reivindicação ulterior de um produto que contenha uma associação desse princípio ativo com outra substância, essa disposição se opõe a que esse titular obtenha um segundo CCP para a referida associação.
No caso é manifesto que a recorrente já obteve um CCP para o principio activo ‘dapaglifozina’, sendo que o outro principio activo referido no CCP 629 a ‘metformina’ não está protegido pela EP 211, razão pela qual se não pode considerar verificada a condição de obtenção do requerido CCP prevista na alínea c) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE, uma vez que o produto, tal como definido para efeitos do dito regulamento, ou seja o princípio activo protegido pela EP 211‘dapaglifozina’, tinha já sido, à data do pedido de CCP 629 (15/07/2014), objecto de um certificado de protecção complementar (CCP 531, concedido em 04/10/2013), cfr fls. 134v e 135.
A interpretar-se da forma pretendia pela recorrente, a protecção do princípio activo ‘dapaglifozina’ poderia eternizar-se, bastando que a recorrente fosse solicitando CCP’s em que o princípio activo ‘dapaglifozina’ estivesse presente com outras substâncias activas existentes no mercado para ser usado em combinação.
De resto, nos termos do artigo 4º do Regulamento 469/2009/CE, a protecção conferida pelo certificado abrange [dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base] ‘qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado’ [ênfase aditado].
Não se demonstrando a invocada falta de fundamento legal da decisão de recusa por parte do INPI do pedido de CCP 629, com referência à alínea c) do artigo 3º do Regulamento 469/2009/CE, improcede o recurso que tinha por objecto a sua revogação e substituição pela concessão do CCP recusado.
....” (sic). 2.9.2.4.–Como já referido, o trecho da sentença recorrida agora transcrito constitui a totalidade da fundamentação em matéria de Direito do decreto judicial que culmina essa decisão criticada, sendo que o que está em causa é saber se o disposto na alínea c) do Regulamento obsta ou não à concessão do registo de um segundo CCP respeitante à combinação de um princípio activo já protegido isoladamente por um anteriormente concedido CCP com um outro princípio activo que não está protegido por qualquer desses certificados, estando ambos reivindicados por uma mesma patente europeia (patente base) em vigor. 2.9.2.5.–Tudo isto sendo certo e sabido (e provado no processo e aceite na sentença recorrida) que as substâncias “dapaglifozina” e “metformina” estão efectivamente reivindicadas na mesma patente europeia n.º 1506211 (EP 211) em vigor, daí que esteja completamente preenchida a exigência estabelecida na alínea a) do art.º 3º do Regulamento. 2.9.2.6.–E, tendo também em conta que a esse propósito dúvidas não se suscitam - ou, pelo menos, não se suscitam para um/a qualquer perito/a na especialidade, ficção jurídica (mas boa ficção) comummente usada como padrão aferidor da conformidade de uma dada conduta com os comportamentos ética e legalmente considerados exigíveis a todos os que interagem nesta específica área do comércio jurídico designada por economia baseada no conhecimento. 2.9.2.7.–Lendo com atenção a argumentação desenvolvida na sentença recorrida para fundamentar o decreto judicial que a culmina, facilmente se constata que as razões que justificam essa decisão são as seguintes: a)-o princípio activo protegido pela EP 211 “dapaglifozina”, à data do pedido de CCP 629 (15/07/2014), tinha já sido objecto de um certificado de protecção complementar (CCP 531, concedido em 04/10/2013); b)-não é necessário que a recorrente peça um segundo CCP para proteger o princípio activo “dapaglifozina”, pois este encontra-se já protegido pelo CCP 531 e tem indicação terapêutica análoga à do CCP 629 (sendo certo que, quando o CCP 531 expirar a recorrente não poderá opor-se, em relação com a patente base que serviu de fundamento à sua emissão à comercialização, por terceiros, do principio activo que foi objecto de protecção conferida por esse CCP, o que implica que após essa data, esses terceiros devem ter a possibilidade de introduzir no mercado não apenas medicamentos que consistem nesse principio activo anteriormente protegido mas também qualquer medicamento que contenha o referido principio activo em associação com outro principio activo que não está protegido, enquanto tal, por esta patente, nem por outra patente); c)-a interpretar-se a alínea c) do art.º 3º do Regulamento 469/2009/CE da forma pretendia pela recorrente, a protecção do princípio activo “dapaglifozina” poderia eternizar-se, bastando que a recorrente fosse solicitando CCP’s em que o princípio activo “dapaglifozina” estivesse presente com outras substâncias activas existentes no mercado para ser usado em combinação; d)-nos termos do artigo 4º do Regulamento, a protecção conferida pelo certificado abrange [dentro dos limites da protecção assegurada pela patente de base] “qualquer utilização do produto, como medicamento, que tenha sido autorizada antes do termo da validade do certificado” - logo, implicitamente, para a Mma Juíza a quo, também a utilização de um princípio activo combinado com um outro reivindicado pela mesma patente base. 2.9.2.8.–E é a consistência desse fio de raciocínio e desta constatação/conclusão normativa que importa sindicar. 2.9.2.9.–Na prossecução desse desígnio, importa recordar que, como tem mesmo que ser sabido (ou melhor, não pode ser ignorado - art.º 6º do Código Civil), a delimitação dos contornos da compreensão/extensão lógica da previsão/estatuição de uma qualquer norma jurídica, seja qual for a sua natureza (substantiva ou adjectiva), tem forçosamente de ser feita em conformidade com as regras interpretativas definidas no art.º 9º do Código Civil, sendo, de igual modo, inquestionável que as palavras têm um peso e um valor ontológico - razão pela qual no n.º 2 desse mesmo normativo se escreve que «Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.». 2.9.2.10.–Acresce que, é igualmente incontroverso que, como se encontra inequivocamente estabelecido no n.º 3 do já citado art.º 9º do Código Civil, « … (na) fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados», sendo que, para a construção do conceito “solução mais acertada” - de facto e mais exactamente, a solução ética e socialmente mais acertada -, porquanto não podem ser esquecidas as exigências inscritas nos artºs 335º (proporcionalidade assente na posição que o valor ético que valida a norma e a torna em verdadeiro Direito ocupa na Hierarquia de Valores que enforma e dá consistência ao tecido social comunitário) e 334º do mesmo Código, destacando-se neste último e sem prejuízo de haver de atender também às finalidades económicase sociais dos direitos em causa, a atenção que é dada, em primeira linha, à boa-fé e aos bons costumes (isto é, novamente e sempre, aos valores éticos que constituem os pilares estruturantes da Comunidade, que validam as normas legais produzidas pela forma prevista na Constituição e que servem de padrão aferidor quando está em causa apreciar a adequação das condutas individuais aos padrões comportamentais reputados exigíveis à vivência em Sociedade). 2.9.2.11.–Como já antes se salientou, litigar em Juízo é uma actividade não apenas de considerável intensidade ética, mas também de imensa responsabilidade social. 2.9.2.12.–Contudo, e por argumentos lógicos demaioria de razão - como é, crê-se, por demais evidente e dispensa qualquer argumentação justificativa (art.º 412º n.º 1 do CPC aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, adiante designado apenas por CPC 2013) -, esse elevado patamar de exigência ético-social na actuação em Tribunal, impõe-se sobremaneira a todos aqueles que detêm o papel de Julgadores, sendo exigível a todos os que exercem esse tipo de funções e em todas as circunstâncias, que escalpelizem muito cuidadosamente todos os aspectos do litígio espelhado nos autos e que o faça (para usar um conceito originário da cultura jurídica francesa) sem paixão, ódio ou rancor e também (para usar uma expressão muito querida da cultura jurídica anglo-saxónica) sem preconceitos ou ideias pré-concebidas, tudo isto para que o julgamento que proferem nunca assente em outras motivações que não as jurídicas, comportamento esse sem o qual será posta em causa, de maneira grave (e sendo de difícil reparação - ou quiçá irreparáveis - os danos institucionais e sociais que desse facto resultarão), a tutela da segurança e da confiança jurídicas (legal certainty) que sãoValores estruturantes das Comunidades que se organizam segundo o modelo social do Estado de Direito. 2.9.2.13.–Mas, para além disso, aqueles que exercem essa função de julgar têm sempre de tomar em consideração a chamada natureza dascoisas(v.Pedro Pais de Vasconcelos in“Última lição: A Natureza das Coisas” - Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 16 de maio de 2016), porque, “a realidade das coisas” (ou seja, a realidade material das situações submetidas ao julgamento de qualquer Tribunal), não pode ser ignorada ou desprezada já que essa materialidade objectiva se impõe a todos, mesmo àqueles que fingem que ela não existe, e também porque, quando tal acontece, é a tutela da certeza e da segurança jurídicas que é posta em perigo e, no final, com uma tal descuidada visão dos factos, é a protecção dos direitos de todos aqueles que interagem no comércio jurídico que está a ser desconsiderada. 2.9.2.14.–E, como bem se recorda (e se enuncia) nos “Considerandos” (2), (3) e (9) do Regulamento 469/2009/CE:
(2)- A investigação no domínio farmacêutico contribui de forma decisiva para a melhoria contínua da saúde pública.
(3)- Os medicamentos, nomeadamente os resultantes de uma investigação longa e onerosa, só continuarão a ser desenvolvidos na Comunidade e na Europa se beneficiarem de uma regulamentação favorável que preveja uma protecção suficiente para incentivar tal investigação.
(9)- A duração da protecção conferida pelo certificado deverá ser determinada de forma a permitir uma protecção efectiva suficiente. 2.9.2.15.–Outrossim, a antes referida necessidade de, para aquilatar qual será, no concreto caso submetido ao seu julgamento, a solução mais acertada, torna obrigatório que o Intérprete/Juiz apele ao que se encontra estipulado no art.º 334º do Código Civil e no art.º 335º desse mesmo Código, cuja importância é vezes demais negligenciada, não se tomando em devida conta que no n.º 2 desse último dispositivo está clara e incontornavelmente consagrado o Princípio da Proporcionalidade, para o qual todos os Julgadores, seja qual for a instância em que exercem funções, são remetidos. 2.9.2.16.–Princípio esse que, apesar de não existir uma norma constitucional que, em termos expressos, a ele se refira [contudo, são várias as manifestações do mesmo que estão subjacentes a vários dos comandos jurídicos que constam dessa Lei Maior - a título de mero exemplo, mencionam-se aqui os três números do art.º 26º e o n.º 2 do art.º 18º da Constituição da República e, de certa forma, ao fazer referência ao conceito de “justa indemnização”, também o n.º 2 do art.º 62º desse mesmo Diploma Fundamental], constitui um dos incontornáveis pilares fundamentais não apenas do Estado de Direito e do normal funcionamento da Sociedade, mas sim de toda a Civilização Ocidental [embora, curiosamente, tenha sido historicamente registado pela primeira vez no várias vezes milenar Código de Hamurábi, com o reconhecimento nele feito da demasiadas vezes imerecidamente vilipendiada Lei (ou Princípio) de Talião através da(o) qual se estabelece a correlação sancionatória “olho por olho, dente por dente”]. 2.9.2.17.–O que significa que, em todas as áreas do Direito, incluindo esta, através da qual se regulam as relações jurídicas que se estabelecem neste segmento/sector de mercado designado como economia baseada no conhecimento, tudo tem de ser feito para manter a “justa medida”, ou, para usar as palavras do Legislador é ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.º 334º do Código Civil). 2.9.2.18.–Ora, aplicando estes princípios à interpretação do texto da alínea c) do art.º 3º do Regulamento 469/2009/CE, em consonância com o decretado no acórdão do TJUE proferido em 12/12/2013 no processo n.º C-484/12 (originado por um litígio que se desenvolveu entre “Georgetown University” e “Octrooicentrum Nederland”) e no acórdão do STJ de 18/03/2021, lavrado no processo n.º 281/17.0YHLSB.L1.S1 (no qual são partes as sociedades “SANDOZ, AS” e “SANDOZ, FARMACÊUTICA, LDA” (como Autoras) e “MERCK SHARP & DOHME CORP” (na qualidade de Ré), não pode este Tribunal Superior acompanhar e muito menos sufragar, a posição jurídica assumida através da sentença recorrida. 2.9.2.19.–Na verdade, o que, respectivamente, nesses dois arestos se determina é que “Em circunstâncias como as do processo principal em que, com fundamento numa patente de base e numa autorização de introdução no mercado de um medicamento que consiste numa composição de vários princípios ativos, o titular da patente já obteve um certificado complementar de proteção para esta composição de princípios ativos, protegida por esta patente na aceção do artigo 3.°, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de maio de 2009, relativo ao certificado complementar de proteção para os medicamentos, o artigo 3.°, alínea c), deste regulamento deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que esse titular obtenha igualmente um certificado complementar de proteção para um desses princípios ativos, que, considerado individualmente, está também protegido como tal pela referida patente.” [ou seja, numa situação que é quase a inversa daquela que está em causa nos presentes autos, admite-se a concessão do registo do CCP], e bem assim, num caso que pode ser considerado mais aproximado daquele que aqui se escrutina, que “O art. 3º, al. c), do Regulamento (CE) n.º 469/2009 deve interpretar-se no sentido de que, desde que uma patente de base proteja vários produtos distintos, o titular pode, em princípio, obter vários certificados complementares de protecção relacionados com cada um de tais produtos desde que nomeadamente cada um deles esteja “protegido” como tal por essa “patente base”, na acepção do art. 3º, alínea a), do Regulamento n.º 469/2009, interpretado em conjugação com o seu art. 1º, als. b) e c).”. 2.9.2.20.–E esta constatação/conclusão lógico-normativa é suportada por todos os critérios inscritos nos três números do art.º 9º do Código Civil, sendo, para além disso, para este Tribunal Superior, esta não apenas a solução ético-socialmente mais acertada no que concerne à interpretação dos normativos legais reguladores da situação conflitual aqui dirimida, como também aquela da qual melhor resulta a salvaguarda da segurança e a confiança jurídicas(legal certainty) e bem assim, aquela que é mais conforme com a já referenciada ética da responsabilidade que deveria ser apanágio de todos os que interagem no comércio jurídico - e que a eles tem de ser exigida porque a mesma lhes é exigível à luz dos Valores e Princípios estruturantes das Comunidades que se organizam segundo o modelo social do Estado de Direito - e com os ditames do Princípio da Proporcionalidade a que antes, de igual modo, se fez referência. 2.9.2.21.–Certos preconceitos não podem, de todo, ser alimentados e a protecção da criatividade é uma peça-chave para impedir a estagnação (e o retrocesso, porque, neste Mundo, nada, nomeadamente, nenhuma conquista civilizacional, é irreversível) do progresso científico, pois, como sublinha e muito bem, o “Considerando” (4) do Regulamento (CE) n.º 469/2009, “Actualmente, o período que decorre entre o depósito de um pedido de patente para um novo medicamento e a autorização de introdução no mercado do referido medicamento reduz a protecção efectiva conferida pela patente a um período insuficiente para amortizar os investimentos efectuados na investigação.”. 2.9.2.22.–E têm sido benéficos para a Comunidade os resultados alcançados com a conjugação de vários princípios activos para a criação de novos mecanismos, sendo certo que a substância “metformina” não está protegida pelo CCP 531, concedido em 04/10/2013, podendo sê-lo individualmente, mesmo à luz do entendimento perfilhado na sentença recorrida (sendo ilógico que, nessas condições, não o possa ser em conjugação com outro princípio activo igualmente reivindicado na mesma patente base, e que uma repetição de pedidos de concessão de CCP’s nos termos denunciados na alínea c) do ponto 2.9.2.7. desta decisão liminar do relator será (seria) facilmente percepcionada e um tal desígnio de “eternização” rapidamente rechaçado ao abrigo e mediante a utilização de normas tão eficientes como o art.º 334º do Código Civil. 2.9.2.23.–Finalmente e no que respeita ao argumento vertido na alínea d) do ponto 2.9.2.7. desta decisão liminar do relator, cabe referir que não está em causa a protecção da substância “dapaglifozina”, mas sim a protecção da conjugação da mesma com a “metformina”, da qual resulta um composto novo, distinto dessas duas parcelas individuais, ainda que potencialmente destinado a combater a mesma doença. 2.9.2.24.–Deste modo e em conclusão, pelas razões agora expostas, julgam-se globalmente procedentes as 15 conclusões das alegações de recurso da apelante e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, decretando em sua substituição que se concede a essa sociedade o registo em Portugal do CCP 629, nos termos previstos nos artigos 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial. 2.9.2.20.–O que, sem que se mostre necessária a apresentação de qualquer outra argumentação lógica justificativa, aqui se declara e decreta.
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2.10.1.–Pelo exposto e em conclusão, com os fundamentos enunciados nos pontos 2.9.1. e 2.9.2. da presente decisão liminar do relator, julga-se procedente a apelação e, consequentemente, revoga-se a sentença recorrida, decretando em sua substituição que se concede à sociedade recorrente o registo em Portugal do CCP 629, nos termos previstos nos artigos 116º a 118º do Código da Propriedade Industrial. 10.2.-Sem custas por a apelante ter obtido ganho de causa. 10.3.-Após trânsito, devolvam-se os autos à 1ª instância para cumprimento do estatuído nos artºs 46º e 34º n.º 5 do CPI.