EXECUÇÃO
ADJUDICAÇÃO
IMPOSTO DE SISA
ISENÇÃO
Sumário

Estando demonstrado que a aquisição determinada na execução preenche os requisitos de isenção de IMT, nos termos da 1ª parte do nº 1 do art. 8º do CIMT – aquisição de imóvel por instituição de crédito em processo de execução por ela movido destinado à realização de crédito resultante de empréstimo feito – o Sr. Juiz deve reconhecer tal isenção.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
O Banco B….., S.A. instaurou execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, contra C…… .

A execução percorreu a tramitação normal até à fase da venda do bem imóvel penhorado, sobre o qual incidia hipoteca a favor do Exequente.
Frustradas as tentativas da venda judicial por meio de propostas em carta fechada, requereu o Exequente que a mesma se realizasse extrajudicialmente por meio de negociação particular pelo valor mínimo de € 70.000,00.

Dada a dificuldade que o Encarregado de venda encontrou na venda do imóvel penhorado e hipotecado a favor do ora Agravante, e a morosidade do processo, veio o Agravante requerer depois a adjudicação do imóvel em causa, tendo, para tanto, oferecido o preço de € 70.000,00.
Pediu ainda o Agravante que o imóvel lhe fosse entregue livre de pessoas e bens, que fosse dispensado do depósito do preço e ainda que fosse reconhecida a isenção do pagamento do Imposto Municipal sobre as Transacções Onerosas de Imóveis ao abrigo do disposto nos artigos 8 e 9 do Código do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT).

Conforme decisão então proferida, a referida proposta de aquisição foi apresentada ao Encarregado da venda.

Remetida ao processo a referida proposta pelo Encarregado de venda, foi proferido o seguinte despacho:
Nos termos do disposto no art. 887º nº 1 do CPC, dispenso o exequente do depósito do preço, sem prejuízo do depósito correspondente às custas prováveis (cfr. art. 455º do CPC).
O reconhecimento de isenções fiscais deverá ser feita pela autoridade pública perante a qual a venda será formalizada: o notário.
Proceda-se à entrega efectiva do imóvel ao encarregado da venda nos termos requeridos.

Discordando desta decisão, dela interpôs recurso o Exequente, de agravo, tendo apresentado as seguintes

Conclusões:
O presente recurso vem interposto do douto despacho de fls. 354 dos autos, proferido em 08 de Novembro de 2005, que entendeu que o reconhecimento da isenção fiscal de que beneficia o Agravante quanto à aquisição do imóvel penhorado nos autos cabia à autoridade pública perante a qual a venda será formalizada, tendo-se abstido, consequentemente, de conhecer e deferir tal isenção;
Conforme dispõe o número 1 do artigo 8º do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), aprovado pelo DL 287/2003 de 12 de Novembro de 2003, “são isentas de IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito (…) em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor (…) e ainda as que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas”
Sendo que, nos termos do disposto nos números 1 e 6 b) do artigo 10 do mesmo Código, conjugado com a interpretação rectificativa da circular número 4/4004 de 9 de Janeiro da Direcção-Geral dos Impostos e com a circular número 10/2004 de 6 de Abril – Direcção de Serviços dos Impostos do Selo e das Transmissões do Património (DSISTP) e ainda com o despacho de 16 de Março de 2004, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, ficou sancionado o entendimento de que, através de interpretação rectificativa, deve considerar-se que as isenções cujo reconhecimento são da competência do Ministro das Finanças são as previstas na parte final do número 1 do artigo 8º, isto é, as derivadas de actos de dação em cumprimento, sendo que as previstas na primeira parte do número 1 do mesmo artigo são reconhecidas nos processos judiciais que as titularem.
Deste modo, a referida isenção deverá ser reconhecida a requerimento dos interessados no processo de execução em que corre a aquisição em causa;
Assim, sempre que uma instituição de crédito (como é o caso do Banco Agravante) adquira um imóvel no âmbito de um processo de execução por si movido, estará isenta do pagamento de IMT, devendo essa mesma isenção ser reconhecida pelo Julgador que intervier no processo;
Resulta tal conclusão, da interpretação que se figura, com o devido respeito, a mais correcta, do pensamento do legislador (vide números 1, 2 e 3 do artigo 9º do Código Civil) esclarecido pelas rectificações elaboradas pelo competente órgão do Estado, ou seja, neste caso, o Ministério das Finanças.
Acresce que, a Jurisprudência prevalecente neste domínio, está em clara consonância com o anteriormente exposto, do qual é exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 03/05/2005, proc. 0521815 in www.dgsi.pt n.º convencional JTRP00038014;
Pelo que, preenchidos que se encontram os requisitos legais necessários, deveria o despacho recorrido ter reconhecido a isenção de imposto municipal sobre a transmissão onerosa do imóvel em causa, tal como requerido pelo Agravante em 23 de Junho de 2005;
O douto despacho agravado violou, por erro de interpretação e aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 8 número 1, 10 número 6 b) ambos do Código do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), artigos 9 números 1,2 e 3 do Código Civil e artigos 66 e 115 do Código de Processo Civil.
Nestes termos, deverá ser dado inteiro provimento ao presente recurso, revogando-se, em consequência, na parte impugnada, a decisão recorrida, sendo a mesma substituída por outra que, acolhendo as razões aqui invocadas pelo agravante, reconheça a isenção do imposto municipal sobre transmissões onerosas de imóveis quanto à aquisição pelo agravante do imóvel penhorado nos autos com as demais consequências legais.

Não foram apresentadas contra-alegações.
O Sr. Juiz sustentou tabelarmente a sua decisão.
Após os vistos legais, cumpre decidir.

II.

Questões a resolver:

Trata-se apenas de saber se, no caso sub judice, o Sr. Juiz devia declarar a isenção do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas de Imóveis.

III.

Os elementos a considerar na apreciação e decisão da questão referida são os que constam do relatório precedente, que aqui se dão por reproduzidos.

IV.

Dispõe o art. 8º nº 1 do Código de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), aprovado pelo DL 287/2003, de 12/11 que são isentas de IMT as aquisições de imóveis por instituições de crédito (…) em processo de execução movido por essas instituições ou por outro credor (…) e ainda as que derivem de actos de dação em cumprimento, desde que, em qualquer caso, se destinem à realização de créditos resultantes de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
Nos termos do art. 10º:
1. As isenções são reconhecidas a requerimento dos interessados, a apresentar antes do acto ou contrato que originou a transmissão junto dos serviços competentes para a decisão, mas sempre antes da liquidação que seria de efectuar.
(...)
6. As isenções são reconhecidas:
a) As previstas na al. a) do artigo 6º e nos arts. 7º e 9º são de reconhecimento automático, competindo a sua verificação e declaração à entidade que intervier na celebração do acto ou do contrato (...);
b) As previstas na al. b) do art. 6º e no art. 8º, por despacho do Ministério das Finanças sobre informação e parecer da Direcção-Geral dos Impostos;
(...)
Esta al. b) foi objecto de rectificação através da Declaração de Rectificação nº 4/2004, de 9/1, nestes termos: na al. b) do nº 6 do artigo 10º, onde se lê “do artigo 6º e no artigo 8º”, deve ler-se “do art. 6º e na parte final do art. 8º”.

A este respeito, afirma-se na Circular nº 10/2004 da Direcção-Geral dos Impostos que a referida inexactidão foi imperfeitamente rectificada pela declaração nº 4/2004 (...).
Assim, não obstante a literalidade da declaração de rectificação, ao referir-se “à parte final do artigo 8º”, não se ter expressado da forma mais perfeita, por despacho de 16 de Março de 2004, de Sua Excelência o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, foi sancionado o entendimento de que, através de interpretação rectificativa, deve considerar-se que as isenções cujo reconhecimento são da competência do Ministro das Finanças são as previstas na parte final do número 1 do artigo 8º, isto é, as derivadas de actos de dação em cumprimento, e que as previstas na 1ª parte do nº 1 do mesmo artigo são reconhecidas nos processos judiciais que as titularem.

Neste contexto, estando demonstrado que a aquisição determinada na execução preenche os requisitos de isenção de IMT, nos termos da 1ª parte do nº 1 do art. 8º do CIMT – aquisição de imóvel por instituição de crédito em processo de execução por ela movido destinado à realização de crédito resultante de empréstimo feito – sustenta o Recorrente que o Sr. Juiz deveria ter-lhe reconhecido tal isenção.
Vejamos.

Deve começar por referir-se que a circular atrás referida, bem como o despacho ministerial que lhe está subjacente, dirigida aos serviços tutelados pelo respectivo Ministério, não é vinculativa fora desse âmbito [Cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, I Vol., 118; Rodrigues Queiró, Lições de Direito Administrativo, Vol. I, 552].
Nas palavras de Nuno de Sá Gomes [Manual de Direito fiscal, Vol. II, 355 e 356], integra instruções que se caracterizam por fazerem interpretação regulamentar interna que são obrigatórias apenas numa determinada estrutura hierárquica.

Porém, como facilmente se constata pela redacção rectificada do citado art. 10º nº 6 b), na medida em que apenas passou a abranger a situação prevista no art. 8º nº 1, parte final, ficou por regular a hipótese prevista na primeira parte desta disposição legal, que será justamente a que ocorre no caso destes autos.
Na verdade, limitada a aplicação daquele art. 10º nº 6 b), no que concerne à previsão do art. 8º nº 1, aos casos de dação em cumprimento, nem aí nem nas demais alíneas desse nº 6 se estatui sobre as aquisições de imóveis referidas na primeira parte do nº 1 do art. 8º.

Trata-se de lacuna da lei, que cabe preencher segundo os métodos de integração previstos no art. 10º do CC [Cfr. Nuno de Sá Gomes, Ob. Cit., 386], com recurso, em primeira linha, à norma aplicável aos casos análogos (sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação prevista na lei); na falta de caso análogo, a situação é resolvida segundo a norma que o intérprete criaria se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema.

Ora, o caso sub judice apresenta especificidades em relação aos demais casos previstos no citado art. 10º nº 6; mesmo em relação aos da sua al. a), que parece ter sido considerado na decisão recorrida.
Com efeito, os pressupostos da isenção do imposto prevista no art. 8º nº 1, primeira parte, estão, em princípio, demonstrados nos processos aí mencionados: a aquisição do imóvel deve ocorrer no âmbito da execução (do processo de falência ou de insolvência) e esta deve ser destinada à realização de crédito resultante de empréstimos feitos ou de fianças prestadas.
Daí que se nos afigure adequado e conveniente que o reconhecimento da aludida isenção se verifique no próprio processo. Adequado, por se encontrarem no processo os elementos que permitirão esse reconhecimento; conveniente, pela vantagem que daí advirá para o beneficiário, em termos de comodidade e celeridade (bastará o simples requerimento), sem excessivo ónus para a entidade que houver de proferir a declaração (cujo sentido dependerá apenas de consulta do processo).

Assim, parece-nos de acolher a solução indicada na aludida circular da Direcção-Geral dos Impostos, por corresponder a norma que, dentro do espírito do sistema, melhor se adequa à resolução dos casos em questão.
Por conseguinte, as isenções previstas no art. 8º nº 1, primeira parte, são de reconhecimento automático (como no caso da al. a) do nº 6 do art. 10º), devendo ser verificadas e declaradas nos processos em que ocorram as respectivas aquisições.

Esta solução parece-nos isenta de dúvidas no caso de se tratar de venda judicial. Mas com ela não colide o facto de a venda ser efectuada por negociação particular, extrajudicialmente portanto, não existindo fundamento relevante para esta ser tratada de forma diferente. Com efeito, a venda é, do mesmo modo, ordenada no âmbito da execução, o encarregado da venda é designado pela autoridade judicial e nela intervém como mandatário e auxiliar da justiça [Cfr. Ac. do STJ de 2.7.81, BMJ309-270; Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. II, 136; Anselmo de Castro, Acção Executiva, 206] (art. 905º nºs 1 e 2 do CPC), e nesse processo constam os elementos que permitem conferir os pressupostos da pretendida isenção.
Deve, pois, ser concedido provimento ao agravo, no sentido da revogação da decisão recorrida, não se decidindo, desde já, do reconhecimento da isenção por não constarem destes autos de recurso elementos que o permitam.

V.

Em face do exposto, no provimento ao agravo, revoga-se a decisão recorrida, que deve ser substituída por outra que, tendo em conta os elementos do processo de execução, decida o requerido reconhecimento de isenção do IMT.
Sem custas.

Porto, 06 de Abril de 2006
Fernando Manuel Pinto de Almeida
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes