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NEGOCIAÇÕES PRELIMINARES
COMPRA E VENDA
PREÇO
PAGAMENTO ANTECIPADO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
SINAL
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
CULPA IN CONTRAHENDO
RECURSO PER SALTUM
Sumário
I - O adiantamento parcial do preço final devido pela futura realização de um contrato de compra e venda de imóvel que afinal não se celebrou, perde a sua razão de ser, face ao ruir do projecto negocial em que as partes se envolveram, carecendo de causa e justificação a retenção dessa quantia pela parte (candidata a vendedora) que a recebeu a esse título. II - Aplicar-se-á neste tocante a regra constante do art. 442.º, n.º 1, do CC: não podendo imputar-se a quantia, que constitui o adiantamento parcial do pagamento, na prestação devida, tem lugar a sua restituição por parte de quem a recebeu, com recurso ainda ao instituto do enriquecimento sem causa previsto no art. 473.º, n.º 2, parte final, do CC. III - Não será nestas circunstâncias aplicável a 1.ª parte do n.º 2 do art. 442.º do CC – incumprimento do prestador que habilitaria quem recebeu tal adiantamento a fazer dele coisa sua – na medida em que não se verifica juridicamente o incumprimento da obrigação de contratar por parte da autora e que tal obrigação de pagamento do preço previsto no contrato de compra e venda de imóvel não se chegou a constituir, sem prejuízo da responsabilidade pré-contratual em que qualquer das partes possa ter incorrido, nos termos gerais do art. 227.º, n.º 1, do CC.
Texto Integral
Revista nº 21096/19.6T8LSB.S1 (Revista per saltum).
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção).
I - RELATÓRIO.
Janela Colorida - Unipessoal, Lda., instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA e BB.
Essencialmente alegou:
Em meados de 2017, a A. tomou conhecimento que os RR. colocaram para venda determinada fracção autónoma (que identifica), através de uma agência imobiliária.
Após se inteirar melhor das condições de venda, o gerente da A. acordou com a dita agência imobiliária os termos do negócio.
Foi feito um acordo com os RR. mediante o qual estes comprometiam-se a vender à A. a fracção autónoma pelo preço global de € 950.000,00, o qual seria pago da seguinte forma: € 50.000,00 na data de celebração do contrato de promessa de compra e venda, que seria assinado em 30 de Setembro de 2017; o remanescente na data da escritura pública de compra e venda, a celebrar não antes de 1 de Março de 2018, nem depois do dia 30 de Junho de 2018, sendo a sua marcação da responsabilidade da A., mediante a disponibilização da documentação necessária para o efeito por parte dos Réus.
Contudo, nunca foi dado a assinar à Autora qualquer contrato promessa de compra e venda.
Não obstante, honrando o seu compromisso e agindo de boa fé, a Autora remeteu à dita imobiliária, para pagamento da reserva da referida fracção autónoma, um cheque titulando o montante de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), que foi creditado na conta bancária dos RR.
Apesar das várias tentativas para o efeito, os RR. não chegaram a assinar qualquer contrato promessa de compra e venda da fracção autónoma em causa, nem nunca chegaram a enviar à Autora a documentação necessária para a marcação da escritura pública de compra e venda.
Os RR. recusam-se a restituir os € 50.000,00 (cinquenta mil euros) que lhes foram entregues há dois anos, a título de sinal e princípio de pagamento da fracção autónoma.
A entrega desse montante pressupunha que os RR., assim que o recebessem, retirassem a sua propriedade do mercado e a entregassem à Autora para posterior celebração da escritura definitiva.
Ao faltarem ao acordado, os RR. colocaram-se numa situação de enriquecimento sem causa, locupletando-se, sem justificação, com a quantia entregue pela A., estando por isso obrigados à sua restituição.
Por outro lado, a falta de forma da promessa de compra e venda é cominada com a nulidade que importa, com efeito retroactivo, a restituição de tudo o que foi prestado, nos termos do artigo 289º, nº 1, do Código Civil.
Tal incumprimento dos RR. causou-se prejuízos de € 5.000,00 (cinco mil euros) relativos a despesas com os autos e honorários do mandatário.
Conclui pedindo que seja declarado nulo e de nenhum efeito o contrato verbal de promessa de compra e venda celebrado entre A. e RR. por vício de forma; que os RR. sejam condenados a pagar-lhe a quantia recebida a título de sinal de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação até pagamento; que os RR. sejam condenados a pagar-lhe € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização pelo pagamento de despesas do processo e de honorários de mandatário, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da citação até pagamento.
Os RR. contestaram e reconvieram.
Invocaram essencialmente:
A A. instaurou a presente acção de processo comum contra os RR. formulando um pedido de declaração de nulidade de um contrato promessa e um pedido de condenação no pagamento de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), sem que tivesse descrito os factos integradores da sua pretensão.
Foi a A. que deu causa a que o contrato promessa não pudesse ser celebrado.
Deduziram pedido reconvencional.
No âmbito deste alegaram:
Os RR. efectivamente acordaram em Setembro de 2017 vender à A. o imóvel descrito pelo valor de € 950.000,00 (novecentos e cinquenta mil euros), recebendo, nesse mesmo mês de Setembro de 2017, € 50.000,00 (cinquenta mil euros), por conta do preço.
Segundo o acordado, em Outubro de 2017, a A. elaboraria o contrato promessa que remeteria aos RR. e nessa data pagaria mais € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
A partir dessa data e até à realização da escritura de compra e venda, a A. pagaria aos RR. € 50.000,00 (cinquenta mil euros) mensais.
A escritura deveria realizar-se entre 1 de Março e 30 de Junho de 2018 e deveria ser marcada pela A.
Os RR. cumpriram todas as suas obrigações, nomeadamente facultando à A. os seus documentos de identificação, caderneta predial e código de acesso à certidão predial.
Presumem os RR. que a A. não tenha remetido e outorgado o contrato promessa pelo facto de estar descapitalizada ou de qualquer forma não lograr pagar os € 50.000,00 (cinquenta mil euros) devidos com a outorga da escritura e os € 50.000,00 (cinquenta mil euros) mensais até à data da escritura pública.
O tempo decorrido depois do fim do prazo acordado para realizar a escritura (dezassete meses) e o silêncio da A. permitem concluir que não se tratava de uma situação de mera mora, mas antes um incumprimento definitivo, atento o facto de o comportamento da A. exprimir, em termos categóricos, a vontade de não cumprir, do que se pode inferir, desde logo, o incumprimento definitivo do contrato.
Não obstante, pretendem os RR., como sempre pretenderam, celebrar com a A. a compra e venda projectada por ambas.
Pelo que, com a presente contestação interpelam directamente a A. para, no prazo de 15 dias, depois de notificada da presente contestação, proceder à marcação da escritura de compra e venda da fracção, nos termos e valores acordados, a qual se deverá realizar no prazo máximo de 30 dias após essa notificação.
Não procedendo a A. da forma indicada e nos prazos também indicados, os RR. declaram perder por completo o interesse no negócio, considerando não cumprida a prestação.
A A. replicou, pugnando pela improcedência da excepção de ineptidão e da reconvenção.
O pedido reconvencional não foi admitido.
Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou totalmente improcedente a presente acção, absolvendo os RR. do pedido.
Apresentou a A. recurso per saltum, ao abrigo do disposto no artigo 678º do Código de Processo Civil, para o Supremo Tribunal de Justiça, que como tal foi admitido.
Consta das respectivas conclusões das alegações:
A. Ainda que se conclua, como fez o tribunal a quo, que o contrato em causa nos autos é um “contrato de reserva” e não um “contrato promessa de compra e venda”, a questão fundamental que se coloca é a da forma do contrato e das consequências da falta de determinada formalidade.
B. O contrato de reserva é urn contrato atípico e instrumental pelo qual uma das partes emite a favor da outra uma declaração negocial que se consubstancia numa proposta contratual irrevogável refenda a urn certo contrato principal, fazendo nascer para o reservante o direito potestativo de adquirir determinado imóvel em determinadas condições.
C. Embora seja um contrato atípico, por, no caso concreto, o mesmo visar a transmissão do direito de propriedade sobre imóvel, aplicam-se-lhe, quanto à sua constituição, as exigências legais de forma estatuídas a propósito dos tipos contratuais de transmissão de propriedade de imóveis.
D. Existem também na lei exigências de forma estatuídas a propósito do conteúdo e efeitos dos contratos e que se aplicam para além dos tipos contratuais.
E. As exigências legais de forma como as do artigo 80°, n° 1, do Código do Notariado, alargadas pelo Decreto-Lei n.° 76-A/2006, de 29.03, são aplicáveis a todos os contratos, sejam eles de que tipo forem, e sejam eles típicos ou atípicos.
F. O contrato de reserva relativo à compra de bem imóvel deve revestir a forma exigida para o contrato cuja formação se trate.
G. Essa forma será a escritura pública ou o contrato autenticado por advogados, solicitadores ou equivalente.
H. No caso sub judice, ficou demonstrado nos autos que todos os acordos estipulados entre as partes foram meramente verbais.
I. Na sua ânsia por um documento escrito, os recorridos juntaram, com a sua contestação, um pretenso contrato denominado de “Acordo de Crédito de Sinal e Princípio de Pagamento” o qual, como bem se refere na douta sentença recorrida, “assumidamente não foi assinado pelo representante legal” da autora.
J. Por tal razão, foi tal documento considerado pelo tribunal a quo “em si mesmo inexpressivo para o desenlace da acção”.
K. A declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei.
L. As estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, também são cominadas com a nulidade.
M. Quando a lei exigir, como forma da declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força probatória superior.
N. A forma ad substanciam é exigida pelo direito para a própria consubstanciação do negócio em si, na sua falta, esse negócio será nulo. A forma ad probationem é exigida para demonstrar a existência do negócio.
O. A regra geral é a de que o documento escrito autêntico, autenticado ou particular, é exigido como forma ad substanciam, pelo que apenas quando se refira clara e expressamente à prova do negócio é que o documento se considera exigido como formalidade ad probationem.
P. No caso de exigência de forma ad substantiam, a prova da declaração negocial não pode ser feita por outro meio que não urn documento com força probatória superior. Assim, é inadmissível que a prova do contrato sujeito a forma ad substantiam se faça por meio de prova testemunhal.
Q. É vedado ao juiz admitir a prova de declarações negociais que a lei impõe que sejam declaradas por documento enquanto elemento constitutivo do próprio negócio, que não por meio de documento com força probatória superior.
R. Assim o impõe, de resto, o artigo 393. °, n.° 1 do CC. quando estabelece que: “Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal”.
S. Sem contrato escrito, o contrato meramente verbal de reserva de imóvel, tal como o desenhou a douta sentença recorrida, é nulo e de nenhum efeito, devendo ser restituído tudo quanto foi prestado.
T. Igual solução se obtinha se o tribunal a quo tivesse enveredado pela tese do contrato promessa, em virtude do disposto no artigo 410. °, n.° 1 e n.° 2 do CC.
U. Se a quantia entregue pela recorrente aos recorridos se tratasse, como se refere na douta sentença recorrida, de um pré-sinal, sempre teria de se aplicar o regime dos artigos 441.° e 442.° do CC.
V. No caso sub judice a existência de documento escrito é condição sine qua non para a validade do negócio.
W. Nulo o contrato por falta da forma escrita, teria forçosamente de se ordenar a restituição de tudo quanto foi prestado.
X. Declarada a nulidade, estabelece-se entre as partes, por força do carácter retroactivo dessa declaração, uma relação de liquidação, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado.
Y. Os recorridos deduziram reconvenção, onde exigiram da recorrente o pagamento de diversos prejuízos, em que alegadamente incorreram, no valor global de €93.059,38.
Z. Tal pedido não foi admitido em sede de despacho saneador e de tal despacho os recorridos não reclamaram nem recorreram, pelo que o mesmo transitou em julgado.
AA. Admitir que os recorridos pudessem locupletar-se à custa da recorrente da quantia de €50.000,00 sempre constituiria uma flagrante e chocante abuso do direito.
BB. Estando as partes ainda numa fase preliminar às negociações, revelar-se-ia abusivo que já corressem o risco de se ver desapossadas de quantias.
CC. E sempre se estaria a assistir a um enriquecimento sem causa, uma vez que os recorridos se apoderaram de urna quantia recebida por virtude de uma causa que deixou de existir e de um efeito que não se venficou.
DD. O tribunal a quo não procedeu a urna análise crítica das provas e não interpretou e aplicou as normas jurídicas correspondentes - artigo 607.°, nºs 3 e 4 do C.P.C.
EE. O valor da causa é superior à alçada da Relação, o valor da sucumbência da recorrente é superior a metade dessa alçada, não foram impugnadas pela corrente as respostas à matéria de facto e são apenas agora suscitadas questões de direito.
FF. Estão cumpridas, nos termos do disposto no artigo 678°, n° 1 do C.P.C, todas as condições para que seja admitido o recurso per saltum para o Colendo Tribunal de Justiça, o que expressamente se requer.
GG. O tribunal a quo violou e fez errada interpretação do preceituado nos artigos 219.°; 220°; 221°, n° 1; 227.°, n.° 1; 286.°; 289.°, n.° 1; 334.°; 364.°; 393.°, n.° 1; 441.°; 442.°; 473°; n° 2, e 875.° do Código Civil; 595.°, n.° 3; 607.°, n.os 3 e 4 e 628.° do Código de Processo Civil; 80.° do Código do Notanado e 1.°, n.° 1, al. f) e 20.° do Decreto-Lei n.° 76-A/2006, de 29.03.
Os recorridos contra-alegaram, apresentando as seguintes conclusões:
1. A recorrente, desde a petição inicial e até ao presente recurso, adoptou urna posição confusa e urna argumentação contraditória.
2. A recorrente pretende agora e nesta fase recursiva, alcançar o resultado que inicialmente pretendia, com a devolução dos € 50.000,00 entregues com a reserva do imóvel dos recorridos, invocando agora outros conceitos, também contraditórios com a sua posição inicial.
3. A recorrente, com o presente recurso, procura ampliar o âmbito da discussão jurídica, mas através de notória confusão de conceitos e institutos, quer com a invocação da regra da liberdade de forma, quer, simultaneamente, com a invocação de preterição de formalização.
4. A recorrente aponta assim e de forma simultânea a vários argumentos, inconciliáveis entre si, numa amálgama de conceitos, o que é manifestamente inviável.
5. Foi considerado não provado que que a recorrente tenha instado os recorridos ao envio da documentação para que se pudesse celebrar o contrato promessa de compra e venda do imóvel (tema 1 da prova).
6. Foi considerado não provado que a recorrente tenha instado os recorridos a celebrarem o contrato promessa de compra e venda do imóvel (tema 2 da prova).
7. Foi considerado não provado que recorrente e recorridos tenham acordado que a celebração do contrato promessa teria lugar em data a acordar entre ambos (tema 3 da prova).
8. A recorrente, confrontada com o total naufrágio da prova que Ihe competia, pretende agora reconduzir a sua argumentação na fase recursiva sobre alegada matéria de direito, utilizando para o efeito argumentos que antes não trouxe aos autos, tentando assim suprir as deficiências que se verificaram na sua argumentação ab initio através do presente recurso.
9. Foi a ora recorrente quem, nos autos, qualificou o acordo celebrado enquanto contrato promessa, ao mesmo tempo que defendeu a nulidade do mesmo por falta de forma.
10. Ficou plenamente demonstrado que os ora recorridos pretendiam vender um imóvel sua propriedade e que a recorrente manifestou interesse na aquisição.
11. Ficou provado que os recorridos colocaram como condição para a venda a entrega de € 50.000, 00 pela recorrente previamente à celebração do contrato promessa.
12. Ficou igualmente provado que ambos acordaram igualmente quanto ao preço do imóvel (€ 950.000,00), quanto à data da celebração da escritura de compra e venda e relativamente a quem marcaria a escritura de compra e venda.
13. A recorrente não cumpriu com qualquer uma das obrigações que assumiu nessa reserva do imóvel.
14. Recorrente e recorridos ultrapassaram assim o que normalmente se considera como uma fase pré-contratual ou de negociações preliminares.
15. As negociações verificadas e provadas revestiram a natureza de “negociações antecedentes de um contrato promessa” e celebraram assim, e de forma clara, e sem margem de dúvidas, urn contrato, que a douta sentença qualificou como um contrato de reserva, com a entrega da quantia de € 50.000,00.
16. Com esse acordo de reserva mantinha-se incólume a possibilidade de não haver lugar à contratação pretendida, pelo que ambas as partes sabiam, de antemão, o que poderiam perder e o que poderiam ganhar.
17. A recorrente tinha plena consciência e conhecimento que, se não pretendesse ou não pudesse avançar com o negócio reservado, perderia a quantia da reserva entregue.
18. Como se lê no acórdão da R.L. de 24-9-2014, a reserva tem aqui uma função semelhante à que é usualmente atribuída ao sinal penitencial, na dicotomia que no âmbito de um contrato promessa o opõe ao sinal (penal) confirmatório. É que o sinal (meramente) penitencial é “o preço da liberdade” de não contratar, sem a sujeição a outras consequências.”
19. Ficou igualmente provado que o negócio apenas não prosseguiu porque a recorrente não Ihe deu seguimento e não provou ter instado os recorridos ao envio da documentação necessária.
20. Igualmente a recorrente não provou que tenha instado os requeridos a celebrarem o contrato promessa de compra e venda.
21. E finalmente ficou provado que a recorrente estava munida da documentação necessária, atinente às pessoas dos requeridos e ao imóvel, sendo que sobre si impendia o ónus de redigir ou de fazer redigir a minuta do contrato promessa, o que não fez.
22. As partes haviam por outro lado acordado que a escritura pública de compra e venda seria marcada pela recorrente, mediante a disponibilização da documentação necessária pelos requeridos, o que ficou provado que sucedeu.
23. Em suma, confrontada com a sua própria incapacidade e impossibilidade de concretizar o negócio programado e reservado, veio a juízo, vários anos depois, invocar urna pretensa nulidade por falta de forma do acordo que celebrou verbalmente com os recorridos, ao mesmo tempo que defende que as negociações preliminares deveriam ter revestido forma mais solene, o que, nas doutas palavras da igualmente douta sentença recorrida, “(...) roça, no entender do tribunal, o abuso de direito (art.º 334.e do CC.)”.
24. A recorrente, na forma como propôs a demanda, inverteu a ordem dos factores e, ao invocar uma nulidade formal, procura encontrar urna sanção para os requeridos pela falta de finalização negocial, falta essa que, claramente, não Ihes é imputável.
25. A ora a recorrente, com o presente recurso, vem, de novo, trilhar esse caminho, defendendo urna coisa e o seu contrário, sem qualquer espécie de prurido.
26. Bem andou a douta sentença recorrida ao considerar que “O conjunto da materialidade apurada redunda, por consequência, na conclusão do incumprimento por parte da A. no âmbito das obrigações preliminares à celebração do contrato promessa. Inexiste, assim, fundamento para a restituição da quantia que entregou como modo de deixar claro e firmar o seu interesse efectivo na celebração daquele contrato. Detendo as condições necessárias para o efeito e tendo acordado com os RR. que seria ela a fazê-lo, não avançou com o negócio”.
27. A douta sentença recorrida procedeu a urna correta análise da matéria factual e procedeu a uma correta aplicação do direito.
II – FACTOS PROVADOS. Foi considerado provado em 1ª instância:
1 - Os RR. são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao 4.º andar do prédio sito na ………, em ………, descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ……85, da freguesia………, por compra (doc. de fls. 10 e 11).
2 - No decurso do ano de 2017, os RR. colocaram o imóvel à venda através de uma agência imobiliária.
3 - Os RR. colocaram como condição para a venda a entrega de € 50.000,00 (cinquenta mil euros) pelo interessado comprador, previamente à celebração do contrato promessa.
4 - A A. manifestou interesse na aquisição do imóvel.
5 - A. e R. acordaram que o preço do imóvel seria de € 950 000,00 (novecentos e cinquenta mil euros).
6 - A A. entregou aos RR. a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), através de cheque creditado em conta dos RR. do “Bankinter, S.A.”, em 31 de Outubro de 2017.
7 - A. e R. acordaram que a escritura pública de compra e venda do imóvel teria lugar entre 1 de Março de 2018 e 30 de Junho de 2018.
8 - A. e R. acordaram que a escritura pública de compra e venda do imóvel seria marcada pela A., mediante a disponibilização da documentação necessária pelos RR..
9 - A. e RR. acordaram, num primeiro momento, que a minuta de contrato promessa seria elaborada pela empresa encarregue pelos RR. de vender o imóvel e, num segundo momento, que seria elaborada pela A. ou por alguém por esta encarregue de o fazer.
10 - Os RR. facultaram à A. os seus documentos de identificação, caderneta predial e código de acesso à certidão predial do imóvel.
III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER. Natureza jurídica da entrega da quantia de € 50.000,00, pela A. aos RR., cuja restituição é peticionada nos autos. Da sua qualificação como antecipação parcial do pagamento do preço de contrato de compra e venda de imóvel, que não foi antecedido de contrato promessa. Aplicação da regra constante do artigo 442º, nº 1, do Código Civil, com recurso ao instituto do enriquecimento sem causa (artigo 473º, nº 2, 2ª parte do Código Civil).
Passemos à sua análise:
As partes encetaram negociações com o propósito final de aquisição onerosa pela A. de um imóvel pertencente aos RR., que estes haviam colocado numa agência imobiliária para esse efeito.
A A. e os RR. admitiram a futura formalização de um contrato promessa que fixasse os termos do contrato prometido, definindo assim, com clareza e completude, o regime atinente aos seus direitos e obrigações contratuais, e estabelecendo em especial a vinculação recíproca à realização do contrato prometido.
Porém, não obstante este propósito, os intervenientes apenas acordaram, informalmente, quanto ao período temporal que balizaria a celebração da futura escritura pública do contrato de compra e venda do imóvel – entre 1 de Março de 2018 e 30 de Junho de 2018 – e no que concerne ao preço global e final da aquisição do bem (€ 950.000,00).
Por outro lado, a A. correspondeu à exigência inicial dos RR., para início de negociações, e assim fez chegar à sua conta bancária, através de cheque por si emitido, o valor de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
As partes acabaram por não formalizar qualquer contrato promessa ou contrato de compra e venda do imóvel, sendo que a A., após ter tido acesso à documentação necessária para o efeito, não tomou a iniciativa de marcar a escritura pública dentro do limite temporal gizado, conforme disso ficara incumbida.
Apreciando:
O conjunto de factos dados como provados não habilita a afirmar ter sido realizado entre as partes um contrato de promessa, embora viciado por falta de forma, e nessa medida nulo, nos termos do artigo 410º, nº 2 e 3, e 220º do Código Civil, conforme pretendia a A.
Com efeito, o contrato promessa que foi pensado entre os interlocutores no negócio nunca chegou a formar-se enquanto negócio jurídico, por inércia, desinteresse ou desacordo das partes em firmá-lo.
Não obstante as aproximações havidas entre os interessados, constitui uma constatação incontornável que tal contrato não foi celebrado por ausência de encontro de vontades a tal conducentes quanto aos seus elementos essenciais (inclusive de natureza formal).
Uma coisa é as partes entenderem-se informalmente quanto à possibilidade de realização de um contrato futuro, com acerto em relação a pontos relevantes do mesmo (o preço da transmissão e uma ideia delimitadora acerca do quadro temporal a que deveria obedecer).
Outra, bem diferente, é a efectiva e decisiva convergência de vontades que geraria a convenção negocial, obtida por via do consenso vinculativo para os promitentes, e que determina juridicamente os ulteriores termos da obrigação recíproca de celebrarem entre si o contrato definitivo, com definição dos seus exactos contornos (fixação de prazos; quantias a entregar pelo promitente comprador em favor do vendedor e sua cadência; definição da obrigação da marcação da escritura; regime aplicável às eventuais responsabilidades entre os intervenientes, etc.), obedecendo ainda à forma imperativamente exigida por lei.
Note-se sintomaticamente que a própria Ré juntou aos autos o documento de fls. 38 a 39, que, esse sim, constituía uma verdadeira e completa minuta de um pré-concebido contrato promessa (intitulando-a “Acordo de Crédito de Sinal e Princípio de Pagamento”), que a A. não aceitou, não anuindo à vinculação em que se traduzia o respectivo clausulado.
O que significa essencialmente que as partes não conseguiram chegar ao acordo indispensável para a realização, entre si, do propalado contrato promessa que, por isso mesmo, nunca formalizaram.
Tal contrato, para o qual a lei estabelece a obrigatória forma escrita desde que o contrato prometido esteja sujeito a escritura pública, nos termos do artigo 410º, nº 2, do Código Civil, não foi no fim de contas consumado e não pode nessa medida ser considerado.
As vicissitudes descritas nos autos desenrolaram-se, ainda e portanto, no âmbito do processo de formação do negócio, tendendo à sua eventual e futura concretização.
(Sobre o momento em que se perfectibiliza o contrato – mormente o contrato promessa – e a sua distinção relativamente à fase de preparação da celebração do contrato, integrando o acordo pré-contratual, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2014 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo nº 934/11.7TBOAZ.S1, publicado in www.dgsi.pt).
Quanto à entrega inicial da quantia de € 50.000,00, releva o que se dispõe a este propósito no artigo 440º do Código Civil, subordinado à epígrafe “Antecipação de cumprimento”: “Se ao celebrar-se o contrato de compra ou em momento posterior, um dos contraentes entregar ao outro coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito, é a entrega havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal”.
(Referem, sobre esta matéria, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Volume I, Coimbra Editora 1987, página 417: “A distinção entre os casos de constituição de sinal e os de mera antecipação da vontade dos contraentes envolve, pois um problema de pura interpretação da vontade dos contraentes. Problema que nem sempre será de fácil solução, antes de prevendo que ele levante a cada passo as maiores dúvidas e hesitações, tanto mais que o sinal não deixa de ser tratado também como uma antecipação de cumprimento (artigo 442º, nº 1)”).
Como escreve João Calvão da Silva in “Sinal e Contrato Promessa”, Almedina, Novembro de 2007, 12ª edição, a página 95 a 96: “Na praxis contratual surge muitas vezes o que se chama de sinal, isto é, uma coisa, normalmente uma quantia pecuniária, que um dos contraentes entrega ao outro, no momento da celebração do contrato ou em momento posterior (...) Normalmente, o promitente-comprador, ao entregar, na celebração do contrato promessa, ao promitente vendedor, uma quantia pecuniária, antecipa a entrega parcial ou total do preço – dívida futura, porquanto nascerá apenas com a celebração do contrato definitivo, na qual o sinal é imputado (artigo 442º, nº 1), ao mesmo tempo que as partes qualificam a referida entrega como sinal. É mesmo frequente a fórmula “entrega como sinal e princípio de pagamento (...) Nos demais contratos, a existência de sinal não é presumida. Isto mesmo resulta do artigo 440º, segundo o qual a entrega por um dos contraentes de coisa que coincida, no todo ou em parte, com a prestação a que fica adstrito é havida como antecipação total ou parcial do cumprimento, salvo se as partes quiserem atribuir à coisa entregue o carácter de sinal. Constitui, portanto, um problema de interpretação da vontade das partes, e, na dúvida sobre a efectiva vontade dos contraentes, a entrega parcial deve ser havida como começo de cumprimento e a entrega total como antecipação do cumprimento”.
A entrega, na fase inicial dos contactos, pela A. aos Réus, para início de conversa (digamos assim), desta verba pecuniária deverá então considerar-se como adiantamento parcial do pagamento a realizar a final (aquando da celebração do contrato de compra e venda através de escritura pública), sem, todavia, existir o contrato de contrato promessa que a poderia porventura contemplar e de que faria, à partida e em princípio, parte integrante.
Por outro lado, não há factos provados nestes autos que revelem haver sido concretamente atribuída pelas partes à verba de € 50.000,00 a natureza de “sinal”, tal como esta figura é definida no artigo 442º, nº 1, do Código Civil.
Em rigor e concretamente nada consta nos autos a esse propósito, sendo certo que, se tal quantia fosse referida no hipotético contrato promessa, então sim deveria qualificar-se indiscutivelmente enquanto sinal.
(sobre este ponto, vide Pires de Lima e Antunes Varela, in obra citada supra, a página 417).
Como se disse, na situação sub judice, os contratos formais projectados (promessa ou definitivo) nunca vieram a ter lugar.
Acresce que os próprios RR. aproveitaram a sua contestação para tentarem agora realizar a interpelação da A. para a realização da escritura, nos termos e com os efeitos previstos no artigo 808º, nº 1 e 2, do Código Civil, de forma a procurar clarificar e cristalizar um regime jurídico definidor dos direitos e obrigações de cada uma das partes intervenientes que estariam em aberto, o que significa que todos os acontecimentos se sucederam numa fase de formação do negócio de compra e venda do bem.
Porém, discutindo-se a natureza jurídica e regime aplicável relativamente à dita entrega da quantia de € 50.000,00, feita em Outubro de 2017, veio o tribunal a quo a considerar que se tratava de um “acordo de reserva”, ou seja, um pré-sinal, referenciando diversa jurisprudência que aborda tal figura.
Escreveu-se na decisão recorrida: “Em suma, a A. entregou aos RR. € 50.000,00 como modo de garantir que estes não avançassem para a venda a terceiros do imóvel relativamente ao qual tinha interesse. Com a reserva, a venda do imóvel fica em suspenso, os vendedores ficam coarctados na sua liberdade de disposição, destinando-se precisamente a quantia entregue pela reserva a compensar essa indisponibilidade antecipada. Como emerge da fundamentação à matéria de facto, a A. destinava o imóvel a revenda. Gorou-se a perspectiva de que iria conseguir encontrar terceiro que financiasse as verbas necessárias à prossecução do negócio. Não conseguindo avançar com o negócio, invoca nulidade por falta de forma de acordo que foi celebrado verbalmente e que enquanto tal se quis, pois que as partes sempre tencionaram vir a celebrar um contrato promessa - pretender que as negociações preliminares deveriam ter revestido forma mais solene, como se as partes o tivessem efectivamente querido, roça, no entender do tribunal, o abuso de direito (art.º 334.º do C.C.). O conjunto da materialidade apurada redunda, por consequência, na conclusão do incumprimento por parte da A. no âmbito das obrigações preliminares à celebração do contrato promessa. Inexiste, assim, fundamento para a restituição da quantia que entregou como modo de deixar claro e firmar o seu interesse efectivo na celebração daquele contrato. Detendo as condições necessárias para o efeito e tendo acordado com os RR. que seria ela a fazê-lo, não avançou com o negócio. No seu desenho da acção, a A. inverte a ordem dos factores e, ao invocar uma nulidade formal, procura encontrar uma sanção para os RR. pela falta de finalização negocial, falta essa que, claramente, não lhes é imputável”.
Vejamos:
Contrariamente ao considerado pelo juiz a quo, nenhum facto dado como provado nos autos permite afirmar, aferir ou concluir, que houvesse sido concluído qualquer acordo deste tipo, nem que os RR., ao receberem aquele montante, se tivessem sentido, em momento algum, coarctados na sua liberdade de disposição do imóvel de que eram proprietários, caso melhor oportunidade de negócio viesse a surgir, entretanto.
Os factos dados como provados não suportam nem sufragam a tese acolhida pelo juiz a quo, independentemente das qualificações relativamente ambíguas que as partes utilizaram nos seus articulados.
Aliás, a materialidade assente não revela minimamente a intenção das partes em concluir entre si o dito “acordo de reserva de imóvel”, não sendo trazido nenhum elemento de facto que, com um mínimo de segurança, o consubstancie ou sequer indicie.
Diferentemente, os ditos € 50.000,00, exigidos inicialmente pelos RR. à A., constituíram um adiantamento de parte do preço a pagar a final, sendo sempre e em qualquer circunstância contabilizado (imputado) no total a pagar aquando da escritura de compra e venda do imóvel (antecedido ou não de contrato promessa).
É o que resulta, como se disse, da mencionada presunção legal estabelecida no artigo 440º do Código Civil, que não foi ilidida ou prejudicada na situação sub judice.
Tratava-se claramente de um montante que, não impedindo os RR. – segundo afirmaram - de negociar com terceiro (se a oportunidade imperdível ou mais vantajosa surgisse), se integraria, de forma parcelar, no preço global a pagar no negócio final, em que operaria transferência da propriedade sobre o imóvel identificado.
Em suma, houve inegavelmente entre as partes o intuito de concluir um contrato de compra e venda de um imóvel entre os RR e a A; algumas circunstâncias contratuais relevantes foram inicialmente acertadas com vista à obtenção desse desiderato comum; porém, quando se encaminharam para o momento decisivo e formal da sua vinculação jurídica sem possibilidade de livre retrocesso, tudo falhou.
É isso que explica que o contrato promessa de compra e venda do imóvel tenha sido mutuamente pensado, mas não efectivado; que o contrato de compra e venda, que operaria a transferência da propriedade, tenha sido enquadrado temporalmente e acertado, mas nunca tenha sido marcada a imprescindível escritura pública (sendo naturalmente, e por sua própria natureza, irrelevante inócua, neste sentido, a tentativa de interpelação da A. levada a efeito pelos RR. na sua contestação).
Logo, a questão da responsabilidade pelos efeitos lesivos associados a este fracasso do objectivo negocial almejado só poderia (e poderá) ter lugar à luz e no âmbito da previsão do artigo 227º, nº 1, do Código Civil, respeitante à culpa na formação dos contratos, no qual se estabelece: “Quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Perante o não prosseguimento do negócio e a ausência da vinculação formal da A. para intervir no contrato de compra e venda meramente apalavrado, não existe fundamento jurídico para que os RR. possam manter em seu poder uma verba que lhes foi entregue exclusivamente com vista à sua efectiva celebração, como adiantamento parcial do preço que seria devido se o negócio viesse a ser concluído.
Como se salientou supra, a tutela das legítimas expectativas e interesses dos RR. far-se-á apenas em sede de responsabilidade pré-contratual, nos termos gerais do artigo 227º, nº 1, do Código Civil, tal como os mesmos – e bem – entenderam, ao alegarem, em sede reconvencional, os prejuízos que sofreram “em face do incumprimento da ora A. em adquirir o imóvel mencionado” (cfr. artigo 121º).
Refira-se, a este respeito, que o seu pedido reconvencional não foi admitido, tendo transitado em julgado tal decisão de rejeição por motivos de índole meramente processual (vide artigo 266º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Releva assim que o negócio projectado ficou por consumar, não existindo documento formal, aceite mutuamente pelos intervenientes, onde esteja devidamente consignada a obrigação – enquanto prestação típica – de intervirem como celebrantes no contrato definitivo, face à não realização do contrato promessa, conjecturado mas não concretizado.
Logo, os RR. não são obrigados juridicamente a transferir para a A. a propriedade do seu imóvel, dada a circunstância, objectiva e inegável, de se ter gorado o processo conducente à concretização do respectivo negócio translativo, de natureza necessariamente formal.
No mesmo sentido, não se encontra actualmente a A. vinculada à obrigação de adquirir o imóvel, não relevando para estes efeitos o aludido “incumprimento da A. nos preliminares do contrato de compra e venda”, que mais não traduz que a sua possível e eventual responsabilidade na forma como se comportou durante o processo negocial em curso, isto é, com base numa hipotética deslealdade nesse domínio.
(Conforme refere Carlos Ferreira de Almeida, in “Contratos. Conceito. Fontes. Formação.”, Almedina Fevereiro de 2003, 2ª edição, a páginas 182 a 183: “As situações mais frequentes de violação do dever pré-contratual de lealdade respeitam a contratos que não chegaram a ser concluídos (...) a interrupção, de negociações para a formação de um contrato é, em princípio, lícita. Só não é lícita, se, criada por uma das partes durante o diálogo contratual a expectativa justificada de conclusão, (...) a outra parte frustrar essa expectativa em circunstâncias que devam ser consideradas desleais.”).
De todo o modo, essa última circunstância não releva como meio de obstar à restituição da verba recebida a título de antecipação parcial do preço final.
É irrecusável que os RR. não dispõem de título que lhes permita reter em seu poder, ou dispor a seu favor, de um montante pecuniário que lhes foi entregue apenas e só como antecipação parcial do pagamento do preço, inexistindo actualmente, por ausência de acordo vinculativo entre as partes, a obrigação de concluir o negócio a que se destinaria a dita verba de € 50.000,00 (cinquenta mil euros).
Esse adiantamento pecuniário, respeitante a um contrato que não se celebrou, perde a sua razão de ser face ao ruir do projecto negocial em que as partes estiveram envolvidas, mas que posteriormente, por desentendimentos entre elas, não foi consumado.
O mesmo sucederia, de resto, se se qualificasse tal montante como sinal, nos termos do artigo 442º, nº 1, do Código Civil, na medida em que o mesmo perderia autonomia face à não conclusão do contrato a que respeitava.
(Neste preciso sentido, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Novembro de 2015 (relator Pinto de Almeida), proferido no processo nº 784/03.4TBTM-AR.C1.S1, publicado in www.dgsi.pt, onde pode ler-se sobre este ponto: “(...) para além das reservas que nos merece a própria qualificação como sinal da entrega feita pela recorrente – para o acórdão recorrido bastou que a quantia tenha sido entregue com vista à celebração de contrato futuro, o que parece insuficiente ante o regime previsto no citado artigo 440º - o certo é que o contrato acabou por não ser concluído e formalizado, pelo que, inexistindo ou não se tendo constituído a obrigação cujo incumprimento o “sinal” visava garantir, este não pode subsistir autonomamente. Por não poder ser imputado na prestação que seria devida, tem que ser restituído – artigo 442º, nº 1, do Código Civil. A solução não será diferente se se considerar que a quantia foi entregue pela recorrente a título de antecipação parcial do cumprimento de uma obrigação futura (artigo 440º). Não tendo sido concluído o contrato e não se tendo constituído essa obrigação, a imputação do pagamento nessa obrigação deixou de ser possível. No fundo, a quantia entregue pela recorrente e recebida (...) visaria antecipar o cumprimento parcial de obrigação que não se chegou a constituir – um efeito, portanto, que não se verificou -, devendo ser restituída com base no enriquecimento sem causa, artigo 473º, nº 2, parte final, do Código Civil”).
Em síntese, na situação sub judice, aplicar-se-á a regra constante do artigo 442º, nº 1, do Código Civil: não podendo imputar-se o montante entregue a título de antecipação parcial do pagamento, tem lugar a respectiva restituição por parte de quem o recebeu, com recurso ainda ao instituto do enriquecimento sem causa previsto no artigo 473º, nº 2, parte final, do Código Civil, onde se dispõe: “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto (...) o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”.
O adiantamento parcial do preço que se destinava a integrar o valor final que seria entregue com o contrato de compra e venda projectado, no qual seria devidamente imputado, perdeu a sua causa (a realização desse contrato), não se tendo verificado o efeito – servir de parte do preço pago pela efectiva transmissão do bem – a que se encontrava funcional e indissociavelmente ligado.
Não será aplicável, na situação em apreço, o segmento da 1ª parte do nº 2 do artigo 442º do Código Civil – incumprimento do prestador que habilita quem o recebeu a fazer dele coisa sua – na medida em que não se verifica juridicamente incumprimento da obrigação de contratar por parte da A., sem prejuízo da responsabilidade pré-contratual em que possa ter incorrido, nos termos gerais do artigo 227º, nº 1, do Código Civil.
Daí a procedência do presente recurso per saltum e, consequentemente, da presente acção neste tocante (única que é abordada e delimitada nas conclusões de recurso).
IV – DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em julgar procedente o recurso per saltum, condenando os RR. AA e BB a restituir à A. Janela Colorida - Unipessoal, Lda., a quantia de € 50.000,00 (cinquenta mil euros), acrescida de juros de mora, desde a data da citação até ao efectivo e integral pagamento, à taxa legal.
Custas pela recorrida.
Lisboa, 10 de Maio de 2021.
Luís Espírito Santo (Relator).
Ana Paula Boularot.
Pinto de Almeida.
(Tem o voto de conformidade dos Exmºs Adjuntos Conselheiros Ana Paula Boularot e Fernando Pinto de Almeida, nos termos do artigo 15º A, aditado ao Decreto-lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, pelo Decreto-lei nº 20/2020, de 14 de Março).
V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil.