EXECUÇÃO FISCAL
AÇÃO EXECUTIVA
PENHORA
BEM IMÓVEL
CASA DE HABITAÇÃO
CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
VENDA JUDICIAL
INTERPRETAÇÃO DA LEI
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Sumário


I. De acordo com o disposto no nº 2 do art. 244º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), não ocorrendo alguma das excepções previstas nos nºs 3 e 6 do mesmo artigo, não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim.
II. Se um imóvel, nessas condições, tiver sido objecto de penhora, primeiro numa execução fiscal e depois numa execução comum, esta não deve ser suspensa, nos termos do n.° 1 do art.° 794.° do CPC, sendo a Fazenda Pública citada para nela reclamar os seus créditos.
III. A ratio legis da norma do artigo 794º, nº 1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, vai no sentido de que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, que se verifique a possibilidade de prossecução daquela em que a penhora for mais antiga, o que não acontece com a execução fiscal, face ao impedimento decorrente do mencionado art. 244º, nº 2, do CPPT.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:




I


Caixa Económica Montepio Geral instaurou execução para pagamento de quantia certa contra AA e BB, reclamando o pagamento da quantia de €155 799,91, decorrente do incumprimento, a partir de 11-07-2017, das prestações de um empréstimo garantido por hipoteca constituída sobre o prédio sito na freguesia ..., descrito com o n.° …. 48 na Conservatória do Registo Predial  ....

O Sr. Agente de Execução procedeu à penhora de um prédio urbano sito na Conservatória do Registo Predial  ..., sob a ficha ..., sendo o respectivo registo efectuado em 26-06-2019.

Em 05.12.2019, o Sr. Agente de Execução veio aos autos apresentar requerimento, referindo que sobre o imóvel penhorado recaíra uma penhora anterior do Serviço de Finanças e que a situação do imóvel se enquadrava nas disposições da Lei 13/2016, de 23 de Maio, no que se refere à protecção da casa de morada de família, requerendo, por isso, autorização para vender o imóvel, tendo em conta que não poderia ser vendido no âmbito do processo fiscal.

Em 09-12-2019, recaiu sobre esse requerimento despacho que o indeferiu, nos seguintes termos:

«Sob a epígrafe “Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens” preceitua o artigo 794º do Código de Processo Civil o seguinte:

«1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.

2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.

3 - Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.

4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º.».

Este normativo legal não distingue quanto à natureza do processo no âmbito do qual foi realizada a primeira penhora, nem alude a quaisquer vicissitudes verificadas no âmbito daquele.

Subsistindo a penhora anterior, entende-se que é no âmbito do processo em que foi realizada a primeira penhora – no caso, no âmbito do processo de execução fiscal – que o exequente tem de reclamar o seu crédito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-10-2017, relatado por SÍLVIA PIRES, disponível em www.dgsi.pt), inexistindo fundamento legal para o prosseguimento destes autos quanto ao bem em causa.

Pelo exposto, indefere-se o requerido».


A Exequente interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, onde veio a ser proferido acórdão que revogou a decisão recorrida.

Inconformado, veio o executado AA interpor recurso de revista, para este Supremo Tribunal, concluindo as suas alegações pela seguinte forma:

«A) O presente recurso de revista vem interposto do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que revogou o despacho datado de 09.12.2019, proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca  ..., Juízo de Execução de... - Juiz …, que indeferiu o requerido pelo Sr. Agente de Execução, nos termos seguintes: “ (…) Subsistindo a penhora anterior, entende-se que é no âmbito do processo em que foi realizada a primeira penhora – no caso, no âmbito do processo de execução fiscal – que o exequente tem de reclamar o seu crédito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-10-2017, relatado por SÍLVIA PIRES, disponível em www.dgsi.pt), inexistindo fundamento legal para o prosseguimento destes autos quanto ao bem em causa.”.

B) Em particular, a ora recorrente não se conforma, com entendimento manifestado pelo tribunal recorrido, que considerou que (reprodução do sumário): “ (…) I. Por força do disposto no n.° 2 do art.° 244.° do CPPT, se o imóvel penhorado pelas Finanças, no âmbito de execução fiscal, se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, e estiver efetivamente afetado a esse fim, não haverá lugar (no processo de execução fiscal) à realização da sua venda (posto que não se verifique nenhuma das exceções previstas nos n.°s 3 e 6 do art.° 244.º do CPPT). II. Nesse caso, se o mesmo imóvel tiver sido objeto de penhora mais recente em execução comum, esta não deve ser suspensa ao abrigo do n.° 1 do art.° 794.° do CPC, mas deve prosseguir, sendo a Fazenda Pública citada para aí reclamar os seus créditos (…).”

C) Até porque, o Douto Acórdão encontra-se em contradição com o Acórdão proferido em 24/10/2017 pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra – Processo N.º 249/13.6TBSPS-A.C1, já transitado em julgado e proferidos no âmbito da mesma legislação e recaíram ambos sobre a mesma questão fundamental de direito, nomeadamente a prossecução, ou não, da execução relativamente ao imóvel penhorado nos autos principais quando sobre tal bem incida uma penhora fiscal anterior, foi doutamente decidido que: “A execução cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efetuada a penhora posterior.”

D) Ambos os Acórdãos versam, na sua génese, sobre o art.º 794.º do CPC e sobre os art.ºs 219.º e 244.º, ambos do CPPT, com decisões diferentes.

E) Com a lei 13/2016 de 23 maio, o legislador veio alterar o art.º 244.º n.º 2 do CPPT, mantendo inalterado o art.º 794.º do CPC, introduzindo um regime de exceção que limita a venda do imóvel penhorado que constitui a habitação própria do executado. Não tendo o legislador a intenção de não permitir “sine die” a venda da habitação do executado, o que é explicado pelos restantes números do art.º 244.º do CPC. Mas sim, em nosso modesto entendimento, foi a de conceder prazo ao executado, após notificação da penhora do imóvel, para poder fazer face a uma venda executiva, por vezes visando a cobrança de quantias irrisórias, que levavam a venda da habitação do executado, tais vendas eram realizadas no âmbito da execução fiscal, mas também no âmbito da execução comum, p.e. créditos pessoais e os créditos das operadoras de telecomunicações.

F) A execução judicial cível nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada atenta a sua prevalência sobre as posteriores – art.º 822º do C. Civil e o disposto no art.º 794º n.º 1, do C.P.C. que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efetuada a penhora posterior, no caso a AT, por outro lado, nos termos do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo nestes autos de execução fiscal.»

Termina, dizendo que deve ser revogado o acórdão recorrido, mantendo-se a decisão da 1ª Instância.


Contra-alegou a Recorrida, concluindo o seguinte:

«1.

O recurso, a ser admitido, tem efeito devolutivo, nos termos do art . 676º do Código de Processo Civil (CPC) (a contrario).

2.

A suspensão da execução intentada pela recorrida veda-lhe a possibilidade de vendido o bem dado em garantia, já que a execução fiscal que promoveu penhora prévia, não pode ordenar a venda do mesmo por ser casa de morada de família.

3.

Sendo que tal impossibilidade foi comunicada aos autos pela autoridade tributária.

4.

A consequência direta da suspensão da execução intentada pela recorrida seria o indeferimento do requerimento de venda na execução fiscal, pela Autoridade Tributária e o subsequente recurso à Justiça Administrativa, contrário ao espírito do ordenamento jurídico português.

5.

Ver-se-ia a Justiça Administrativa em primeira linha, a promover execuções em que as partes são particulares e, em última instância a dirimir conflitos, por via de recurso.

6.

Acresce que o art 794º CPC deverá ser interpretado, como já o foi pelos Venerandos Conselheiros, nomeadamente no Acórdão de 09/06/2005 (processo nº 05B1358) e Acórdão de 23/01/2020 (1303/17.0T8AGD-B.P1.S2 ), de forma a abranger unicamente as situações em que ambas as execuções estão em condições de prosseguir, ou seja, não suspensas ou extintas.

7.

Assim sendo já este douto Tribunal se pronunciou favoravelmente, decidindo a não suspensão das execuções quanto a execução prévia é a sustada execução fiscal, em razão da Lei 13/2016, em recurso de revista fundamentado pela contradição com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24/10/2017.

8.

Pelo que se dirá que estando o acórdão recorrido em contradição com o acórdão indicado pelo recorrente, segue a Jurisprudência deste douto Tribunal sobre a tal questão de direito.

9.

Assim sendo, deve manter-se a decisão recorrida, nos mesmos termos em que foi proferida (…)».


*


Sendo o objecto dos recursos definido pelas conclusões de quem recorre, para além do que for de conhecimento oficioso, importará saber se, estando um imóvel, que constitua a casa de morada de família do executado, penhorado, simultaneamente, numa execução comum e numa execução fiscal, não podendo tal imóvel ser vendido na execução fiscal, face às alterações introduzidas no Código de Procedimento e de Processo Tributário pela Lei nº 13/2016 de 23-05, deve, mesmo assim, suspender-se a execução comum, por nela a penhora ser posterior, nos termos do art. 794º, nº 1 do CPC.



II


No acórdão recorrido, teve-se em conta a seguinte factualidade:

1. Em 31.5.2019 Caixa Económica Montepio Geral instaurou ação de execução para pagamento de quantia certa contra AA e BB, reclamando o pagamento da quantia de €155 799,91, referente a um empréstimo garantido por hipoteca constituída sobre o prédio sito na freguesia ..., descrito com o n.° ...89 na Conservatória do Registo Predial  ….

2. O Sr. Agente de Execução penhorou o "prédio urbano sito em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob a ficha n. ° ...89 da freguesia ... e inscrito na matriz predial com os artigos …02 destinado a habitação, e … destinado a arrecadações e arrumos da referida freguesia, composto de casa de r/c para comércio e adega e 1 ° andar para habitação e logradouro (...) e casa para arrecadação e logradouro (...)".

3. A referida penhora foi registada no registo predial em 26.6.2019.

4. Em 05.12.2019 o Sr. Agente de Execução dirigiu ao Sr. Juiz de Execução o seguinte requerimento:

"CC, Agente de Execução nos presentes autos vem informar que sobre o imóvel penhorado recai uma penhora anterior do Serviço de Finanças.

Notificados nos termos do artigo 794° do C.P.C., foi o Agente de Execução informado que a situação do imóvel se enquadra nas disposições da Lei 13/2016, de 23 de Maio, no que se refere à protecção da casa de morada de família.

Face ao exposto, vem o Agente de Execução requerer autorização para vender o imóvel, tendo em conta que o mesmo não pode ser vendido no âmbito do processo fiscal."

5. Em 09.12.2019 o Sr. Juiz de Execução proferiu o seguinte despacho:

"Requerimento que antecede:

Sob a epígrafe "Pluralidade de execuções sobre os mesmos bens" preceitua o artigo 794° do Código de Processo Civil o seguinte:

«1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.

2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.

3 - Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.

4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.° 5 do artigo 850.°.».

Este normativo legal não distingue quanto à natureza do processo no âmbito do qual foi realizada a primeira penhora, nem alude a quaisquer vicissitudes verificadas no âmbito daquele.

Subsistindo a penhora anterior, entende-se que é no âmbito do processo em que foi realizada a primeira penhora - no caso, no âmbito do processo de execução fiscal - que o exequente tem de reclamar o seu crédito (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24-10-2017, relatado por SÍLVIA PIRES, disponível em www.dgsi.pt), inexistindo fundamento legal para o prosseguimento destes autos quanto ao bem em causa.

Pelo exposto, indefere-se o requerido.

Comunique."

 6 - Sobre o prédio referido em 2 mostram-se inscritas, sob a AP… de 2018/04/11 e a AP. … de 2018/04/11, penhoras a favor da Fazenda Nacional, para garantia da quantia exequenda de € 3 397,19, realizadas em processo de execução fiscal e seus apensos.

7. Em 14.10.2019 o AE enviou ao Serviço de Finanças de ... uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor:

"Assunto: GPESE/SISAAE - Diligência efectuada no processo 5729/19.…

Ex.mo(a) Senhor(a) Dr.(a)

Serve a presente comunicação para informar V. Ex.a da diligência realizada no processo 5729/19… do tribunal Tribunal Judicial da Comarca  ... no valor de 155.799,91 com a referência interna PE-142/2019.

Intervenientes do processo:

- Exequente: Caixa Económica Montepio Geral

- Executado: AA

- Executado: BB Ato: E-mail.

Com os melhores cumprimentos,

Agente de Execução - CC."

8.  Em 17.10.2019 o Serviço de Finanças ... enviou ao AE uma mensagem de correio eletrónico, com o seguinte teor:

nExmo(a) Sr(a)

Face ao pretendido no mail infra, informa-se que a AT em geral e este Serviço de Finanças em particular, cumprem com o que está estipulado na Lei, agindo em conformidade com a mesma.

Mais se informa que os processos que originaram as penhoras não se encontram extintos.

Com os melhores cumprimentos

A Chefe de Finanças

9.   Em 24.10.2019 o AE enviou ao Serviço de Finanças ……. uma mensagem de correio eletrónico com o seguinte teor:

"Exmo. (a) Senhor (a)

Chefe do Serviço de Finanças de ...

Na sequência do email de V. Exa., venho solicitar que nos termos do art0 24° do CPPT ateste que ao processo de execução fiscal mostra-se aplicável a Lei 13/2016 de 23 de Maio e que em face da previsão do 2 art. 244.° n.° 2 do CPTT não irá ser promovida a venda do imóvel, de forma a ser requerida junto do meritíssimo juiz a venda do imóvel e assim pagar o processo de execução fiscal e a presente execução.

Com os melhores cumprimentos,

P' AE CC

Celina Santos".

10.  Em 29.11.2019 o Serviço de Finanças  ... enviou ao AE uma mensagem de correio eletrónico, com o seguinte teor:

"Exmo(a) Sr(a)

Do que vem solicitado e que já foi respondido no nosso mail em histórico, não se alcança o que se pretende que se certifique já que não é aplicável a passagem duma certidão a "certificar" a Lei.

Certo é que, de momento, a AT não pode efetuar a venda, desde que efetivamente se trate de casa de morada de família (e claramente, não será da competência da AT atestar a situação de casa de morada de família), conforme determina o n° 2 do art.0 244° do CPPT, com a redação que lhe foi dada pela Lei 13/2016, de 23 de Maio, nem tão pouco levantar a penhora sem que se mostre paga toda a dívida que consta subjacente à mesma, independentemente da proveniência da dívida.

Com os melhores cumprimentos

A Chefe de Finanças

(...).

11. Em 03.01.2020 [após ter sido proferido o despacho ora recorrido, transcrito em 5] o Sr. Agente de Execução proferiu o seguinte despacho:

"Uma vez que sobre o bem melhor identificado da verba n.° 1, do auto de penhora que se anexa, já impende penhora anterior, registada no âmbito do processo de execução fiscal n° ...547 e Apensos - Serviço de Finanças de ...APS. … e .. de 11-04-2018 - Cumuladas (Comunicação de Penhora n°s ….219 e …450), registada com a AP. … de 2018/04/11, há lugar à sustação da presente execução, quanto àquele bem, nos termos do disposto no n°. 1 do artigo 794.° do CPC.

A decisão de sustação vai ser notificada ao(s) exequente para os efeitos previstos nos n.°s 2 e 3 do art°. 794.° do CPC, informado o processo a favor do qual foi realizada a primeira penhora."

12.  O executado AA foi citado para a execução, por via postal, no
seguinte endereço:

Rua …, …-…. ….

13.  A executada BB, após ter sido enviada carta para o endereço
referido em 12, que foi devolvido com a indicação "mudou-se", foi citada, por via
postal, no seguinte endereço:

R … …/… Bairro …., ...-… ....

14. O imóvel penhorado nestes autos, referido em 2, está inscrito no registo predial em nome do executado AA, na Conservatória do Registo Predial de ..., freguesia de ..., sob a AP. … de 2001/10/09, por aquisição resultante de partilha de herança, com o valor tributável de € 6 410,80.

15. Na escritura de mútuo por hipoteca que foi apresentada nos presentes autos como título executivo, datada de 11.3.2003, os executados, que aí são identificados como estando casados entre si no regime da comunhão de adquiridos e residindo em Rua ..., n.° .., ..., freguesia  ..., concelho  ..., confessaram-se devedores, perante a ora exequente, da quantia de €225 000,00, nesse ato recebidos da ora exequente, que destinaram ao pagamento de encargos e à realização de obras de beneficiação do imóvel hipotecado, que, conforme consta na escritura, "se destina a habitação própria permanente."

16. A cláusula terceira da escritura de mútuo por hipoteca referida em 15 tem a seguinte redação:

"Para garantia do integral cumprimento das obrigações assumidas no presente contrato, para a parte devedora o segundo outorgante marido constitui a favor da CEMG hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, composto de casa de rés-do-chão para comércio e adega e primeiro andar para habitação e logradouro; e casa para arrecadação e logradouro, sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o número quatro mil e oitenta e nove, da referida freguesia, onde a respectiva aquisição se acha registada a favor da parte devedora pela inscrição G-dois, inscrito na respectiva matriz, sob os artigos … e …."

17. O ora executado AA tem o seu domicílio fiscal na Rua ..., ..., …-… ....

18. Atualmente a executada BB tem o seu domicílio fiscal no seguinte endereço: R …/… Bairro ..., …-… ....

19. O executado AA foi nomeado depositário do imóvel penhorado, pelo Sr. Agente de Execução, em diligência realizada na seguinte morada: Rua ... n.° …, ..., freguesia de ..., concelho de ..., …-…, ....»



III


III.1.

Importará, previamente, referir que o Executado interpôs recurso de revista, à luz do disposto na al. d), do n.º 2, do art.º 629.º e, ainda, da al. a), do nº2, do art.º 671.º do CPC.

O Recorrente invocou a contradição entre o acórdão recorrido e o Ac. da Rel. de Coimbra de 24-10-2017, Proc. 249/13.6TBSPS-A.C1, Rel. Sílvia Pires, disponível em www.dgsi.pt), cuja certidão juntou aos autos.

Considera-se ser admissível o recurso, face à aduzida contradição de acórdãos, tendo em conta o preceituado no art. 854º, 1ª parte, e no art. 629º, nº 2, d), do CPC, tal como se entendeu nos Acs. do STJ de 11/08/2018, Proc. 1772/14.0TBVCT-S.G1.S2, Rel. Oliveira Abreu, e de 10-12-2020, Proc. 5635/17.0T8GMR-C.G1.S1, Rel. Nuno Pinto de Oliveira, publicados em www.dgsi.pt, ou, num caso em que a questão central era a mesma que se coloca nestes autos, no Ac. do STJ de 23/01/2020, Proc. 1303.17.0T8AGD.B.P1.S1, Rel. Rosa Tching, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt/ecli/ECLI:PT:STJ:2020:1303.17.0T8AGD.B.P1.S1/.

O efeito (devolutivo) fixado é o adequado (art. 676º, nº 1, do CPC), como defende a Recorrida, e não o indicado (suspensivo) pelo Recorrente no requerimento de interposição.

III.2.

Verificando-se que o imóvel identificado, afecto à habitação do Executado e objecto de penhora na execução a que este recurso se reporta, já tinha sido antes penhorado no âmbito de uma execução fiscal, foi proferido despacho, nos presentes autos, em 09-12-2019, através do qual, tendo em conta o disposto art. 794° do CPC, se entendeu que, não fazendo este artigo distinções quanto à natureza do processo em que foi realizada a primeira penhora, nem aludindo a quaisquer vicissitudes nele ocorridas, seria nesse processo (fiscal), após sustação da execução no tribunal comum, que a exequente teria de reclamar o seu crédito.

Citou-se, a propósito, o mencionado Ac. da Relação de Coimbra, de 24-10-2017 (aqui invocado como acórdão-fundamento).

O Tribunal da Relação de Lisboa revogou tal despacho, considerando que, face ao disposto no n.° 2 do art.° 244.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), se o imóvel penhorado pelas Finanças, no âmbito de execução fiscal, se destinar exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar e estiver efectivamente afecto a esse fim, não haverá lugar (no processo de execução fiscal) à realização da sua venda (não se verificando nenhuma das excepções previstas nos n.°s 3 e 6 do art.° 244.°). Assim, se o mesmo imóvel tiver sido objecto de penhora mais recente em execução comum, esta não deve ser suspensa ao abrigo do n.° 1 do art.° 794.° do CPC, devendo, sim, prosseguir, sendo a Fazenda Pública citada para aí reclamar os seus créditos.

É deste acórdão que se interpõe recurso de revista, defendendo o Recorrente que a execução comum nunca poderá prosseguir enquanto a penhora anterior se mantiver registada, atenta a sua prevalência sobre as posteriores, nos termos do art.º 822º do C. Civil e visto o disposto no art.º 794º n.º 1, do C. P. C., que não permite que o credor com penhora anterior reclame o seu crédito no processo onde foi efectuada a penhora posterior.

Vejamos:

Dispõe o art. 794º do CPC:

«1 - Pendendo mais de uma execução sobre os mesmos bens, o agente de execução susta quanto a estes a execução em que a penhora tiver sido posterior, podendo o exequente reclamar o respetivo crédito no processo em que a penhora seja mais antiga.

2 - Se o exequente ainda não tiver sido citado no processo em que a penhora seja mais antiga, pode reclamar o seu crédito no prazo de 15 dias a contar da notificação de sustação; a reclamação suspende os efeitos da graduação de créditos já fixada e, se for atendida, provoca nova sentença de graduação, na qual se inclui o crédito do reclamante.

3 - Na execução sustada, pode o exequente desistir da penhora relativa aos bens apreendidos no outro processo e indicar outros em sua substituição.

4 - A sustação integral determina a extinção da execução, sem prejuízo do disposto no n.º 5 do artigo 850.º.»

No art. 219º, nº 5, do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 13/2016, de 23 de Maio, vem previsto:

«A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no artigo 244.º.»

E no art. 244º, nºs 1 a 6, também do CPPT, igualmente na redacção introduzida pelo  Lei n.º 13/2016, estabelece-se (com destaque nosso):

«1 - A venda realiza-se após o termo do prazo de reclamação de créditos.

2 - Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.

 3 - O disposto no número anterior não é aplicável aos imóveis cujo valor tributável se enquadre, no momento da penhora, na taxa máxima prevista para a aquisição de prédio urbano ou de fração autónoma de prédio urbano destinado exclusivamente a habitação própria e permanente, em sede de imposto sobre as transmissões onerosas de imóveis.

4 - Nos casos previstos no número anterior, a venda só pode ocorrer um ano após o termo do prazo de pagamento voluntário da dívida mais antiga.

5- A penhora do bem imóvel referido no n.º 2 não releva para efeitos do disposto no artigo 217.º, enquanto se mantiver o impedimento à realização da venda previsto no número anterior, e não impede a prossecução da penhora e venda dos demais bens do executado.

6 - O impedimento legal à realização da venda de imóvel afeto a habitação própria e permanente previsto no n.º 2 pode cessar a qualquer momento, a requerimento do executado.»

Invocou o Recorrente o referido Ac. da Relação de Coimbra de 24-10-2017, no qual se concluiu que, pela redacção da Lei 13/2016 ao art. 244º do CPPT,  «foi introduzida a impossibilidade, após a entrada em vigor da referida Lei - aplicável a todos os processos de execução fiscal pendentes -, de nos processos de execução fiscal serem vendidos mediante impulso da Autoridade Tributária os imóveis destinados exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar», acrescentando-se que:

«IV - Esta impossibilidade de venda do imóvel penhorado que seja habitação própria e permanente do executado não foi estendida aos demais credores, pelo que à partida não se afigura razoável que se impeça um credor comum com uma penhora sobre aquele bem que foi reclamar o seu crédito numa execução fiscal de promover a sua venda para ver satisfeito o seu crédito.

V - A aparente desarmonia do regime em causa criada pelo n.º 2 do art.º 244º do CPPT só resulta da interpretação deste preceito, que forçosamente não pode ser literal, sendo manifesto que nada nos indica que o legislador tenha querido criar um entrave ao prosseguimento das ações executivas cíveis.

VI - Mantendo-se a penhora anterior efectuada na execução fiscal não há dúvida que é aí que o agora Exequente terá que reclamar o seu crédito e direito a vê-lo pago pelo produto da venda do bem penhorado.

VII - A solução para a questão há-de encontrar-se na interpretação que se faça do citado art.º 244º, n.º 2 que tem de ser no sentido de que a Administração Fiscal não pode promover, nessa situação – penhora de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar –, a venda desse bem, mas não impede que um credor que nesse processo tenha reclamado o seu crédito promova essa venda dado que se encontra em situação similar à prevista no art.º 850º, n.º 2, do C. P. Civil, normativo que deve ser aplicado com as adaptações necessárias.

VIII - Tal interpretação reduz, pois, o âmbito de aplicação daquele preceito – 244º, n.º 2, do CPPT – aos casos em que a Administração Fiscal seja o único credor interveniente no processo.

IX – A interpretação que entendemos ser a adequada é a única que respeita o estatuto do exequente que se apresenta como reclamante na execução prioritária por ter sido forçado, em razão de pendência de uma execução com penhora anterior sobre o mesmo bem, a exercer os seus direitos nessa outra execução.

X - Assim, entendemos, na interpretação que fazemos do art.º 244º, n.º 2, do CPPT, que o Exequente não se encontra impedido de exercer o direito a ver satisfeito o seu crédito através da penhora do bem imóvel que se encontra penhorado na execução fiscal, podendo promover a venda do mesmo.»

No acórdão recorrido, alinhando-se as teses em confronto sobre esta matéria, optou-se por aquela que é adoptada no citado Ac. do STJ de 23/01/2020 e que no respectivo sumário, vem sintetizada pela seguinte forma:

«II. A ratio legis da norma do artigo 794º, nº 1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, a possibilidade do dinamismo da execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre o mesmo bem e em que o credor deve fazer a reclamação do seu crédito.

III. Não está nessa situação de dinamismo processual a execução fiscal em que a Autoridade Tributária está impedida, nos termos do disposto no artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, de promover a venda do imóvel penhorado por este constituir a habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar.

IV. Tendo sido suspensa, nos termos do disposto no artigo 794º, nº1 do Código de Processo Civil, a execução comum em que foi penhorado imóvel do executado destinado exclusivamente a sua habitação própria e permanente e do seu agregado familiar e sobre o qual incide penhora com registo anterior realizada em execução fiscal e encontrando-se esta execução parada por a Autoridade Tributária não poder promover a venda deste imóvel, em virtude do impedimento legal constante do artigo 244º, nº 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, impõe-se determinar o levantamento da sustação da execução comum, que deve prosseguir os seus termos, com citação da Fazenda Nacional para reclamar os seus créditos na execução comum.»

À tese que defende que, não contendo o CPPT uma norma idêntica à prevista no nº 2 do art. 850º do CPC (no qual se estabelece que o credor reclamante, cujo crédito esteja vencido e haja reclamado para ser pago pelo produto de bens penhorados que não chegaram entretanto a ser vendidos nem adjudicados, pode requerer, no prazo de 10 dias contados da notificação da extinção da execução, a renovação desta para efetiva verificação, graduação e pagamento do seu crédito), deverá a lacuna ser suprida por interpretação analógica, de modo a possibilitar que o credor comum promova a venda do bem na execução fiscal,  responde-se, no citado Ac. do STJ de  23-01-2020, com outra, que se considera mais sustentada e cujos argumentos vêm resumidos no Ac. da Rel. de Lisboa de 22-10-2019, Proc. nº 2270/07.4TBVFX-B.L1-7, Rel. Luís Filipe Pires de Sousa, publicado em www.dgsi.pt, pelo seguinte modo:

«i.- A ratio legis da norma do art.º 794º, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de proteção tanto do devedor executado, como dos credores exequentes, postula que ambas as execuções se encontrem numa situação de dinâmica processual;

ii.- Atento o teor taxativo do nº2 do art. 244º do CPPT (“não há lugar à realização de venda”), o credor reclamante não pode prosseguir com a execução fiscal sustada, nomeadamente requerer o prosseguimento da execução e diligências de venda, a qual está legalmente impedida no âmbito desse processo fiscal, independentemente de ser requerida por qualquer credor comum;

iii.- O CPPT não prevê o prosseguimento da execução fiscal por impulso dos credores reclamantes, não tem norma equivalente ao art. 850º, nº 2, do Código de Processo Civil;

iv.- Estando suspensa a execução fiscal, não pode funcionar o regime previsto no art.º 794º, nº 1, que tem como pressuposto a ausência de qualquer impedimento legal ao prosseguimento normal da execução fiscal e venda do bem penhorado;

v.- O art.º 244º do CPPT encontra-se inserido na Secção VIII, sob a epígrafe “Da convocação dos credores e da verificação dos créditos”, o que constitui um elemento sistemático de interpretação que não pode ser ignorado, donde se infere que nada vale reclamar na execução fiscal o crédito se a sua satisfação só poderia ser obtida pela venda do imóvel hipotecado, venda que está expressamente interdita na execução fiscal.

vi.- A regra da preferência resultante da penhora (art. 822º do Código Civil) não pode impedir a venda do imóvel no processo onde a penhora é posterior, visto que a Autoridade Tributária pode reclamar o seu crédito nesta execução (art. 786º), sendo o seu crédito graduado no lugar que lhe competir.»

No dito Ac. do STJ de 23-01-2020, considera-se que:

 «(…) no confronto destas duas correntes, temos por certo ser na primeira das teses que se erguem maiores obstáculos no alcance de um maior equilíbrio entre a salvaguarda do direito à habitação do cidadão (devedor fiscal) e da respetiva família, consagrado no art. 65º da Constituição da República Portuguesa e a tutela dos direitos dos credores comuns deste devedor a obterem a satisfação dos seus créditos, decorrente do direito de propriedade privada constitucionalmente garantido no art. 62º, nº 1 da CRP.

E estas dificuldades surgem dadas as especificidades da reclamação de créditos no processo de execução fiscal.»

E, entre o mais que aqui se dá por reproduzido, nele se cita o Ac. da Rel. de Guimarães de 30-05-2019, proc. 2677/10.0TBGMR.G1, Rel. Alcides Rodrigues, publicado em www.dgsi.pt,  aresto no qual se observa, a dado passo, que:

 «(…) a prática vivenciada nas execuções fiscais contraria o sentido útil do entendimento que pugna pela imposição da reclamação de créditos no processo de execução fiscal (com penhora prioritária), posto que tem vindo a ser defendido que constituiria uma flagrante ilegalidade a Autoridade Tributária proceder à venda na execução-fiscal do imóvel que constitua casa de morada de família, ainda que a coberto do concurso de credores (cfr. art. 8º, n.º 2, al. e) da LGT)».

Encontra-se, ainda no referido Acórdão do STJ de 23-01-2020, a chave para a resolução da questão na interpretação a dar ao nº 1 do art. 794º do CPC, com recurso aos ensinamentos de Alberto dos Reis, que explicava, a propósito do 871º do anterior Código de Processo Civil, que «o que a lei não quer é em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar» (Processo de Execução, Vol. II, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 287). E mais se vinca, com apoio do Ac. da Rel. do Porto de 11-10-2004, Proc. 0454742, Rel. Fonseca Ramos, em www.dgsi.pt, que:

«(…) da ratio legis do preceito, a que subjazem razões de certeza jurídica e protecção, quer do devedor executado, quer do(s) credor(es) exequente(s), resulta que, para que o preceito tenha conteúdo útil, a 1ª execução deva estar, senão em movimento (poder-se-á, por exemplo, questionar se a 1ª execução, parada por inércia do exequente, admite a reclamação), pelo menos, esteja em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista.

Assim, a execução mais antiga, [onde o credor-exequente que instaurou a 2ª execução, dever ir reclamar os seus créditos em virtude da sustação] tem de estar em posição de poder prosseguir.»

Na mesma linha, no Ac. do STJ de 09-06-2005, Proc. 05B1358, Rel. Araújo de Barros, publicado em www.dgsi.pt, escreveu-se:

«Na verdade, o preceituado no art. 871º "não se inspira em razão de economia processual, visto que não se manda atender ao estado em que se encontram os processos; susta-se o processo em que a penhora se efectuou em segundo lugar, ainda que a execução respectiva tenha começado primeiro e ainda que esteja mais adiantada do que aquela em que precedeu a penhora. O que a lei não quer é que em processos diferentes se opere a adjudicação ou a venda dos mesmos bens; a liquidação tem de ser única e há-de fazer-se no processo em que os bens foram penhorados em primeiro lugar". (…)

Ora, da ratio legis do preceito, a que subjazem razões de certeza jurídica e protecção, quer do devedor executado, quer do credor exequente, resulta que, para que o preceito tenha conteúdo útil, a execução em que foi efectuada a penhora mais antiga deva estar, senão em movimento, pelo menos em fase processual de onde a sua prossecução seja possível, à luz da tramitação processual prevista.

Consequentemente, essa execução (onde o credor/exequente que instaurou a execução em que se procedeu à penhora mais recente deve ir reclamar os seus créditos em virtude da sustação) tem de estar em posição de poder prosseguir, já que a lei, ao conferir a possibilidade de reclamação do crédito, ao abrigo do artigo 871º, nº 1, do Código de Processo Civil, na execução em que primeiramente ocorreu a penhora sobre os mesmos bens, pretende que se pondere a relação dinâmica de ambas as execuções ou, quando muito, a possibilidade de dinamismo daquela em que ocorreu a penhora mais antiga. (…)

Pretendeu o legislador, em nosso entender, aproveitar o decurso de duas execuções em plena actividade na sua tramitação e onde foi penhorado o mesmo bem, remetendo o modo de pagamento coercivo da obrigação para aquele processo que maior funcionalidade e maior comodidade concede ao exequente e sem causar dano ao executado.

Por isso é que só se justificará a reclamação do crédito exigido na execução sustada, desde que a execução para onde se remete a reclamação desse crédito esteja em condições de poder efectivar, com a usual normalidade, esta assinalada prerrogativa do credor exequente.»

Não podendo proceder-se à venda na execução fiscal, dado o disposto no art. 244º, nº2, do CPPT, por estar em causa a casa de morada de família do Executado, não estando, pois, essa execução em condições de salvaguardar o direito do exequente comum a ver aí efectivado o seu crédito, considera-se que deve prosseguir a execução que havia sido sustada, na qual poderá a Fazenda Pública reclamar os seus créditos, a serem graduados no lugar que lhes competir.

Ora, no acórdão recorrido, seguindo-se a tese (maioritária), que também aqui se adopta, subscrita, por exemplo, por Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, no Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra, 2020, p. 209,  plasmada no mencionado Ac. do STJ de 23-01-2020 e noutros arestos citados pelo Tribunal a quo (como os Acs. da Relação de Coimbra de 26.9.2017, proc. 1420/16.4T8VLS-B.C1, Rel. Fonte Ramos; da Rel. de Évora de 12.7.2018, proc. 893/12.9TBPTM.El, Rel. Maria João Sousa e Faro; da Rel. de Guimarães, de 17.01.2019, proc. 956/17.4T8GMR-C.G1, Rel. Alexandra Rolim Mendes; da Rel. de Lisboa de 07.02.2019, proc.  985/15.2T8AGH-A.L1-6, Rel. Carlos Marinho; Rel. de Évora, 30.5.2019, proc 402/18.6T8MMN.El, Rel. Tomé Ramião; Rel. de Guimarães, 30.5.2019, proc. 2677/10.0TBGMR.G1, Rel. Alcides Rodrigues (acima citado); Rel. de Lisboa, 12.9.2019, proc. 1183/18.9T8SNT.L1-2, Rel. Pedro Martins; Rel. de Lisboa, 22.10.2019, proc. 2270/07.4TBVFX-B.L1-7, Rel Luís Pires de Sousa (atrás citado); Rel. de Lisboa, 21.5.2020, proc. 19356/18.2T8SNT-B.L1-8, Rel. Carla Mendes e Rel. de Lisboa, 04.6.2020, proc. 13361/19.9T8SNT-A.L1-2, Rel. Nelson Borges Carneiro, todos publicados em www.dgsi.pt, considera-se que:

«Assim, discorda-se do despacho recorrido quando nele o tribunal a quo indefere a requerida prossecução da execução comum limitando-se a invocar o regime previsto no n.° 1 do art.0 794.° do CPC e a citar, sem análise crítica, o supra mencionado acórdão da Relação de Coimbra, de 24.10.2017 e sem dar relevância ao impedimento legal invocado pelo Sr. Agente de Execução ("foi o Agente de Execução informado que a situação do imóvel se enquadra nas disposições da Lei 13/2016, de 23 de Maio, no que se refere a protecção da casa de morada de família" - n.° 4 do Relatório supra).

Conforme decorre do art.º 244.° n.° 2 do CPPT, o impedimento legal de venda do imóvel em questão pressupõe que se trate de imóvel exclusivamente destinado a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, e que o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim.

Ora, os elementos constantes nos autos demonstram que o imóvel penhorado na execução comum se destinava, na altura da celebração do contrato de empréstimo hipotecário, à residência permanente dos devedores, ora executados (vide n.°s 14, 15 e 16 da matéria de facto supra indicada). Atualmente, os elementos constantes no processo indicam que o executado AA continua a aí residir (…)»

Não se deixa de sublinhar que, nas informações/respostas das Finanças, estas «admitem que não podem efetuar a venda, embora não lhes caiba "atestar" a situação de casa de morada de família» (cf. ponto 10 dos factos provados). E conclui-se:

De tudo o supra exposto resulta que, efetivamente, não estão reunidas condições para que o imóvel que foi penhorado nesta execução comum seja vendido no âmbito da execução fiscal: o executado, proprietário do imóvel, nele tem a sua residência permanente, estando reunidos os pressupostos do impedimento legal da venda no processo de execução fiscal previsto no n.° 2 do art.° 244.° do CPPT, conforme foi asseverado pelo Sr. Agente de Execução, sem que qualquer sujeito processual o desmentisse. Daí que haverá que autorizar que a execução comum prossiga, quanto ao imóvel nela penhorado, pese embora a subsistência de penhora mais antiga numa outra execução, sob pena de violação do direito, constitucionalmente garantido, a uma justiça efetiva e célere (art.° 20.° n.°s 1 e 4 da CRP).»


Considerando-se, pelas razões expostas, que, no acórdão recorrido, se fez a adequada interpretação do art. 794º, nº 1, do CPC, em conjugação com o disposto art. 244º, nº 2 , do CPPT, é de concluir pela improcedência da revista.


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Sumário (da responsabilidade do relator)

1. De acordo com o disposto no nº 2 do art. 244º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), não ocorrendo alguma das excepções previstas nos nºs 3 e 6 do mesmo artigo, não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efectivamente afecto a esse fim.

2. Se um imóvel, nessas condições, tiver sido objecto de penhora, primeiro numa execução fiscal e depois numa execução comum, esta não deve ser suspensa, nos termos do n.° 1 do art.° 794.° do CPC, sendo a Fazenda Pública citada para nela reclamar os seus créditos.

3. A ratio legis da norma do artigo 794º, nº 1 do Código de Processo Civil, tendo subjacente razões de certeza jurídica e de protecção tanto do devedor executado como dos credores exequentes, vai no sentido de que ambas as execuções se encontrem numa relação de dinâmica processual ou, pelo menos, que se verifique a possibilidade de prossecução daquela em que a penhora for mais antiga, o que não acontece com a execução fiscal, face ao impedimento decorrente do mencionado art. 244º, nº 2, do CPPT.



IV


Pelo que se deixou dito, na improcedência da revista, mantém-se a decisão recorrida.

- Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.


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Lisboa, 02 de Junho de 2021


Tibério Nunes da Silva

Maria dos Prazeres Beleza

Olindo dos Santos Geraldes


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Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10º-A de 13.03, aditado pelo DL nº 20/20 de 01.05, o relator declara que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Juízes Conselheiros que compõem este colectivo.

Tibério Nunes da Silva (relator)