I - Para valer como título executivo nos termos do art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo;
II – A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art. 6º do DL n 268/94.
AA, deduziu embargos à execução ordinária contra si instaurada pelo “Condomínio do Prédio sito na ..., n.ºs ... e ...”, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 56.585,37.
Alegou, no essencial:
- Nunca ter sido convocado para as assembleias gerais de condomínio, nem notificado das decisões nelas tomadas;
- A acta dada à execução não cumpre os requisitos para valer como título, pois não contém a deliberação com aprovação dos valores vencidos e não pagos;
- Em 27 de Julho de 1987, foi alterada a propriedade horizontal do edifício e o armazém (fracção “N”) foi dividido em 20 outras fracções autónomas, correspondendo à fracção “N” uma permilagem de apenas 11,0062 do total do prédio; essas fracções, incluindo a “N” foram então vendidas a terceiros, as quais passaram a integrar um “Centro Comercial”, sujeito a uma administração condominial autónoma em relação às habitações; tendo vendido a fracção “N” antes de 2001, não é devedor de qualquer quantia à Exequente.
- A prescrição dos valores referentes aos anos de 2001 a 2013.
O Condomínio contestou, alegando, em resumo, que as notificações foram sempre enviadas para a morada constante do certificado de registo predial da fracção pois que o Embargante nunca comunicou qualquer morada para efeitos de notificação; que a acta dada à execução contém deliberação para cobrança das quotas em dívida; que o registo predial não reflecte qualquer alteração da propriedade horizontal nem alteração na titularidade da fracção “N”; que o condomínio nunca autorizou a alteração da propriedade horizontal; que a falta de registo impede a produção de efeitos na ordem jurídica; que a escritura de alteração encontra-se rasurada, demonstrando a aludida falta de autorização; que o prazo de prescrição das quotas condominiais em dívida é de 20 anos.
Foi proferida sentença que, na parcial procedência dos embargos, decidiu:
- Declarar nula a modificação do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio administrado pelo Exequente/Embargado sito na ..., ... e ..., …, operada pela escritura pública de 27 de Julho de 1987;
- Julgar prescritas as quantias peticionadas na acção executiva vencidas antes de 10 de Setembro de 2013;
- Julgar a demais oposição à execução improcedente.
Inconformado, o Executado/embargante interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora, que veio a conceder provimento ao recurso, tendo julgado procedentes os embargos e, em consequência, determinou a extinção da execução.
É a vez do Condomínio recorrer de revista para este Tribunal, visando a revogação do acórdão recorrido para ficar a subsistir a sentença de 1ª instância, finalizando a sua alegação com as seguintes conclusões:
1ª. O presente recurso visa questionar o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora na parte que entendeu que a acta n.º 62 dada como título à presente execução é inexequível, revogando a sentença recorrida e que julgou os embargos de executado procedentes por via do conjugadamente disposto nos art.ºs 729º a) e 731º do CPC, extinguindo a execução.
2ª. No que concerne à matéria de Direito, o presente recurso visa questionar a doutrina que defende a inexistência de título executivo e o sentido que no entender do Condomínio Recorrente devia ter sido interpretado o artigo 6º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 268/94, de 25/10 – Regime da Propriedade Horizontal.
3ª. O Acórdão proferido pelo Douto Tribunal da Relação, contrariando a sentença proferida pelo Tribunal da primeira instância, sustenta a tese de que a acta n.º 62, relativa à Assembleia-Geral de Condóminos de 12de Março de 2018não reúne os requisitos como fonte de obrigação exequenda porque apesar de elencar quais as quantias supostamente em dívida pelo Recorrente Embargante, omite a deliberação em que as mesmas tiveram origem, afirmando que “(…) não há rasto de qualquer deliberação sobre as contribuições dos condóminos que estiveram na base dessa dívida.”
4ª. O quadro legal decorrente do disposto no artigo 6º, nº. 1, do Decreto-Lei nº. 268/94, de 25/10, o artigo 703º, nº. 1, alínea d), do CPC e o artigo 1424.º, nº. 1, do Código Civil, atribui força executiva à acta da assembleia de condóminos, sem que o condomínio, de forma a obter o reconhecimento do seu crédito e consequente pagamento deste, tenha que lançar previamente mão da acção declarativa.
5ª. Permite-se, assim, desde logo, a instauração de acção de natureza executiva contra o proprietário da fracção, condómino devedor, relativamente à contribuição deste, na proporção do valor da sua fracção, para as despesas elencadas naquele artigo 1424º, do Código Civil, ou seja, despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum.
6ª. Tem sido do entendimento da maioritária doutrina que destas actas das assembleias gerais de condóminos devem constar 3 requisitos essenciais que desde logo se enumeram:
a) As obrigações exequendas são certas, pois daquelas decorre a devida identificação do respectivo objecto e sujeitos;
b) que tais obrigações são exigíveis, pois encontram-se devidamente vencidas;
c) e encontram-se devidamente liquidadas, porquanto se encontram devidamente determinados os respectivos quantitativos,
7ª. A acta n.º 62 do Condomínio Recorrente, dada como título à presente execução, preenche estes três requisitos essenciais, não podendo deixar de ser considerada como título executivo, pois exibe e traduz os valores em dívida pelo Executado/Embargante no que refere às contribuições ordinárias para a despesa do ora Exequente.
8ª. A acta que serve de título executivo à execução embargada define de modo claro e inequívoco o valor da comparticipação mensal do Condómino Executado Embargante, desde, pelo menos, o ano de 2010.
9ª. Com efeito, na página 7/10 da acta onde se discute o ponto quarto da ordem de trabalhos – Apresentação, discussão e aprovação do orçamento de receitas e despesas para 2018, a Assembleia-Geral deliberou a manutenção do valor das quotizações ordinárias, o que ocorria desde 2010.
10ª. Ora, diz-se na acta n.º 62, sub judice, que: “No ponto quarto da ordem de trabalhos Apresentação, discussão e aprovação do orçamento de receitas e despesas para 2018 – a administração apresentou a proposta de orçamento de receitas e despesas correntes para o exercício de 2018, enviada juntamente com a convocatória a todos os proprietários, com quotas constantes a valores de 2017 e após uma breve explicação sobre todas as rúbricas, foi colocada à votação e aprovada por todos os presentes. (…) d) aprovar o orçamento de receitas para o ano de 2018, no valor de 9.325,20 (nove mil trezentos e vinte e cinco euros e vinte cêntimos) e as 12 (doze) quotas mensais a serem liquidadas no início de cada mês são as seguintes:” – expondo a posteriori o quadro de valores mensais e anuais em razão das permilagens de cada fracção do prédio.
11ª. No caso em apreço há uma clara referência ao passado para a aprovação de quotizações ordinárias de 2018, ou seja, resulta inequívoco deste título executivo:
a) Que o valor da quota mensal do Embargante Executado é de € 296,50 (Duzentos e noventa e seis euros e cinquenta cêntimos);
b) Que o valor anual de quotas de condomínio devidas pelo proprietário da Fracção “N”, correspondente ao armazém do Condomínio Exequente e ora Recorrente, ascende a € 3.558,00 (Três mil, quinhentos e cinquenta e oito euros) por ano;
c) Que o montante da quota mensal devida pelo proprietário da fracção “N” não se altera pelo menos desde 2010.
12ª.Entendemos que é inexigível a um Condomínio que na acta que oferece à execução para recuperar o seu dinheiro, tenha que indicar com preciosismo qual a concreta data da deliberação que fixou o valor da quotização em dívida.
13ª. Resulta, assim, com clareza e evidência da acta n.º 62 a indicação do valor mensal das prestações devidas pelo condómino Embargante (296,50€/mês), que surge devidamente concretizada e especificada, com referência à permilagem correspondente à área e que o valor dessa quota foi deliberado na assembleia-geral de condóminos de 2010.
14ª.Resultando, ainda, do teor da Acta da Assembleia de Condóminos nº. 62 a justificação para o peticionado valor extraordinário de penalizações correspondente a 10% do valor da quotização anual ordinária.
15ª. Donde decorre, sem hesitações, que, independentemente da posição Doutrinária e Jurisprudencial que se perfilhe relativamente à exequibilidade da acta de assembleia-geral de condóminos, o título dado à presente execução completa os seguintes requisitos:
d) Emerge de obrigações exequendas certas, pois daquela decorre a devida identificação do respectivo objecto e sujeitos;
e) tais obrigações são exigíveis, pois encontram-se devidamente vencidas, tendo sido a execução instaurada apenas no ano de 2018;
f) E encontram-se devidamente liquidadas, porquanto se encontram devidamente determinados os respectivos quantitativos.
16ª. Acresce que a deliberação da Assembleia-Geralde Condóminos de 12 de Março de 2018 deliberou por unanimidade a apresentação de acção judicial para cobrança coerciva das quotas e quotizações de condomínio em dívida pelo Recorrido,
17ª. Requisito de exequibilidade que se encontra igualmente cumprido nos termos do disposto no artigo 6.º n.º 1 do Decreto Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro.
18ª. Como se sabe, nem toda a acta é considerada título executivo, pois que a lei só o reconhece àquela que “tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio” (Sic).
19ª. Conforme vem advogando a recente jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa no Acórdão de 24-04-2019: “(…) para que se possam considerar documentos extrajudiciais aos quais é legalmente atribuída força executiva; - emergindo do teor das Actas da Assembleia de Condóminos juntas:
§ obrigações exequendas certas, pois daquelas decorre a devida identificação do respectivo objecto e sujeitos;
§ que tais obrigações são exigíveis, pois encontram-se devidamente vencidas;
§ e encontram-se devidamente liquidadas, porquanto se encontram devidamente determinados os respectivos quantitativos, não podem as mesmas deixar de ser consideradas como títulos executivos, pois exibem e traduzem os valores em dívida pela Executada/Embargante, quer no que respeita às obras, quer no que se refere às contribuições ordinárias para a despesa do ora Exequente/Embargado Condomínio.
- efectivamente, aquelas actas identificam a quota-parte mensal a cargo da Embargante/Executada nas despesas de condomínio, por correspondência à permilagem da área da fracção, o período temporal da dívida em execução e os valores parciais e totais em equação, o que confere, decisivamente, à obrigação exequenda certeza, exigibilidade e liquidez.” (Sic).
20ª. A acta n.º 62, que é título executivo da presente execução, identifica sem margem de dúvida a quota-parte de encargo mensal do proprietário da fracção N por correspondência à permilagem da sua fracção, permitindo ainda a identificação do período temporal da dívida em execução e os valores parciais e totais em equação;
21ª. Motivo pelo qual se torna inequívoca que há certeza na obrigação exequenda, há exigibilidade na obrigação exequenda e há liquidez na obrigação exequenda.
22ª.O título à presente execução respeita todos os requisitos de certeza, exigibilidade e liquidez, resultado do título a quota-parte a pagar pelas despesas comuns a pagar pelo Condómino Devedor, tendo sido obviamente deliberado o montante total em dívida pelo Embargante Recorrido e a cobrança de tais montantes por recurso à via judicial.
23ª. Neste âmbito, deve a decisão do Douto Tribunal da Relação de Évora ser integralmente revogada, mantendo-se inalterada a sentença proferida pelo Tribunal da Primeira Instância, tudo com as demais consequências legais.
O Recorrido contra-alegou pugnando pela improcedência da revista.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
Fundamentação.
O acórdão recorrido assentou no seguinte acervo factual:
1. “Condomínio do Prédio sito na ..., n.ºs ... e ...” (Embargado) instaurou, em 27 de Agosto de 2018, acção executiva ordinária contra AA (Embargante) e outros, com vista à cobrança coerciva da quantia de € 56.585,37.
2. Fundamentou a sua pretensão na acta de assembleia de condóminos do edifício administrado, realizada a 12 de Março de 2018, com o n.º 62, anexa ao requerimento executivo e cujo teor ora se dá por reproduzido.
3. Nessa assembleia, foi imputado ao Embargante uma dívida condominial de € 55.556,43, relativos a:
- Quotas de Setembro a Dezembro de 2001, o valor de € 694,32 (seiscentos e noventa e quatro euros e trinta e dois cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2002, a quantia de € 2.082,96 (dois mil, oitenta e dois euros e noventa e seis cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2003, o montante de € 2.082,96 (dois mil, oitenta e dois euros e noventa e seis cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2004, o valor de € 2.082,96 (dois mil, oitenta e dois euros e noventa e seis cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2005, a quantia de € 2.082,96 (dois mil, oitenta e dois euros e noventa e seis cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2006, o valor de € 2.082,96 (dois mil, oitenta e dois euros e noventa e seis cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2007, o montante de € 2.082,96 (dois mil, oitenta e dois euros e noventa e seis cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2008, a quantia de € 2.082,96 (dois mil, oitenta e dois euros e noventa e seis cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2009, o montante de € 3.189,24 (três mil, cento e oitenta e nove euros e vinte e quatro cêntimos);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2010, o valor de € 3.558,00 (três mil, quinhentos e cinquenta e oitos euros);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2011, a quantia de € 3.558,00 (três mil, quinhentos e cinquenta e oitos euros);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2012, o valor de € 3.558,00 (três mil, quinhentos e cinquenta e oitos euros);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2013, o montante de € 3.558,00 (três mil, quinhentos e cinquenta e oitos euros);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2014, a quantia de € 3.558,00 (três mil, quinhentos e cinquenta e oitos euros);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2015, o valor de € 3.558,00 (três mil, quinhentos e cinquenta e oitos euros);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2016, o montante de € 3.558,00 (três mil, quinhentos e cinquenta e oitos euros);
- Quotas de Janeiro a Dezembro de 2017, o valor de € 3.558,00 (três mil, quinhentos e cinquenta e oitos euros).
- Penalidades no atraso de pagamento das quotas até 31/12/2009: € 4.526,45 (quatro mil, quinhentas e vinte seis euros e quarenta e cinco cêntimos);
- Penalidades no atraso de pagamento das quotas até 31/12/2010: € 2.312,70 (dois mil, trezentos e doze euros e setenta cêntimos);
- Penalidades no atraso de pagamento das quotas do ano de 2011: € 355,80 (trezentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
- Penalidades no atraso de pagamento das quotas do ano de 2012: € 355,80 (trezentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
- Penalidades no atraso de pagamento das quotas do ano de 2013: € 355,80 (trezentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
- Penalidades no atraso de pagamento das quotas do ano de 2014: € 355,80 (trezentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
- Penalidades no atraso de pagamento das quotas do ano de 2015: € 355,80 (trezentos e cinquenta e cinco euros e oitenta cêntimos);
4. Nessa assembleia, foi dito pelo proprietário da fracção “L”, administrador interno que “continuam a existir dúvidas sobre a titularidade da fracção “N” porque “se na conservatória do registo predial o proprietário continua a ser o Sr. AA, nas finanças a matriz do prédio foi alterada e esta fracção foi dividida em 11 fracções – “N” a “Z”, mas é muito importante o recurso à cobrança coerciva…”;
5. A seguir, consta da acta que “todos os presentes concordam que se deve recorrer à cobrança coerciva e iniciar processo judicial executivo para o condomínio receber os valores em dívida registados na conta corrente da fracção N”.
6. A fracção “N” do prédio descrito na CRP de … com o n.º …/19920917 foi penhorada à ordem deste processo em 03 de Setembro de 2019.
7. Em 27 de Julho de 1987, no …. Cartório Notarial …, foi lavrada escritura pública de alteração de propriedade horizontal, mediante a qual os outorgantes, na qualidade de condóminos, por si e em representação de outros, acordaram em alterar o título constitutivo da propriedade horizontal no que toca à fracção “N”, registada em nome do Embargante, dando origem a 20 novas fracções autónomas, distintas e independentes, correspondentes a lojas, que passaram a identificar-se de “N” a “AI”.
8. Mais se acordou que as 20 lojas destinavam-se a “Centro Comercial”, de acordo com projecto de alterações aprovado pela Câmara Municipal ….
9. No final do acto, as partes foram advertidas de que “a anulabilidade do presente acto, por falta de intervenção nele, dos demais herdeiros de BB, falecido marido e pai dos representados deles, segundo e terceiro outorgantes, D. CC e BB”.
10. Em arquivo ficaram todos os documentos apresentados perante a Sr.ª Notária que presidiu ao acto.
11. No dia 27 de Julho de 1987, foram outorgadas escrituras públicas de compra e venda de cada uma das novas fracções - “N” a “AI”, sendo adquirentes as pessoas nesses instrumentos devidamente sinalizadas.
12. A alteração da propriedade horizontal e as aquisições referidas em 11) não se encontram registadas na Conservatória do Registo Predial.
13. O registo da alteração da propriedade horizontal foi recusado “por falta de título”.
14. O Embargante nunca comunicou ao Embargado qualquer morada para efeitos de convocação para assembleias de condomínio e de notificação das actas subsequentes.
15. O Embargado convocou o Embargante para a assembleia de condomínio de 12 de Março de 2018 e remeteu-lhe cópia da acta n.º 62 para a morada apurada no registo predial da fracção “N”.
O direito.
A questão decidenda resume-se a saber se a acta nº 62 da assembleia de condóminos do Exequente constitui título executivo válido na execução movida contra o condómino titular da fracção “N”, por quotas em dívida e penalidades pelo atraso no pagamento.
A 1ª instância julgou que sim, e daí que tenha julgado improcedentes os embargos, mas prescritas as quantias peticionadas vencidas antes de 10 de Setembro de 2013.
Pelo contrário, o acórdão recorrido entendeu que a acta não reúne os requisitos previstos na lei - o nº 1 do art. 6º do D.L. nº 268/94, de 25.10 – para valer como título executivo, por dela não constar a deliberação dos condóminos relativo ao montante das contribuições devidas ao condomínio.
Dissentindo do assim decidido, argumenta o Recorrente que a acta que serve de título executivo define de forma clara e inequívoca o valor da comparticipação mensal do condómino executado desde, pelo menos o ano de 2010, e que a “fls. 7/10 da acta a assembleia geral que deliberou o orçamento para 2018, a assembleia geral deliberou a manutenção das quotizações ordinárias, o que ocorria desde 2010”.
Expostos os termos do litígio, vejamos de que lado está a razão.
Como é sabido, a acção executiva tem na sua base a existência de um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva (art. 10º, nº 5 do CPC).
O título executivo é, portanto, “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva, ou dito de outro modo, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla exsecutio sine titulo (Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 13ª edição, p. 23).
“O título executivo ganha a relevância especial que a lei lhe atribui da circunstância de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito”, como refere Lebre de Freitas, A acção executiva à luz do CPC de 2013, 7ª edição, p. 47/48.
Os títulos executivos são apenas os que a lei enuncia no art. 703º do CPC, entre os quais se incluem “os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.” (nº 1, alínea dd).
Nesta espécie incluem-se as actas das assembleias de condóminos, nos termos do nº 1 art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10:
“A acta de reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação, fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte”.
Como referido no preâmbulo do citado DL 268/94, visou-se, por um lado, tornar mais eficaz o regime da propriedade horizontal, e, por outro, facilitar o decorrer das relações com terceiros (por interesses relativos ao condomínio). Como se ponderou no Acórdão do STJ de 14.10.2014, P. 4852/08. YYLSB-A.L1, citando o Ac. Relação do Porto de 04.06.2009, “sabendo-se das relações complexas que envolve a propriedade horizontal e das dificuldades (frequentes) criadas ao seu funcionamento, nomeadamente, pela actuação relapsa e frequente de alguns condóminos, avessos a contribuir para as despesas comuns, sem que, não obstante prescindam ou deixem de aproveitar dos benefícios da contribuição dos outros, revelador de um défice de civismo, é criado um instrumento que facilite a cobrança dos valores devidos ao condomínio, legalmente previstos e regularmente aprovados.”
Face ao teor da norma, vem-se entendendo que os requisitos de exequibilidade da acta da reunião de condomínio se reconduzem a:
- Deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio;
- Fixação da quota-parte devida por cada condómino;
- Fixação do prazo de pagamento respectivo.
Assim decidiram os seguintes arestos, todos consultáveis em www.dgsi.pt:
O já citado Ac. do STJ de 14.10.2014:
“Para constituir título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem de permitir, de forma clara e por simples aritmética, a determinação do valor exacto da dívida de cada condómino, não dependendo, pois, a respectiva força executiva, da assinatura de todo os condóminos (ainda que participantes), nem de, nela ser explicitado aquele valor.”
Acórdão do STJ de 1.10.2019, P. nº 14706/3T8LSB.L1S1:
“A acta da assembleia de condóminos da qual consta uma deliberação que se limita a reconhecer a existência de uma dívida dos condóminos/executados relativa à falta de pagamento de contribuições, referida como existente pela administração, não constitui título executivo nos termos e para efeitos do disposto no n.º 1 do art. 6.º do DL n.º 268/94, de 25-10.”
Acórdão da Relação do Porto de 13.09.2012, P. 4222/10:
A acta da reunião da assembleia de condóminos constitui título executivo nos termos do art. 6º, nº1 do DL 268/94 de 25.10, desde que fixe os montantes das contribuições devidas ao condomínio, o prazo de pagamento e a quota-parte de cada condómino, não sendo exigível que faça menção expressa da dívida já vencida e ainda não paga por determinado condómino,
Acórdão da Relação de Lisboa de 22.01.2019, CJ,2019, I, pag. 87 e ss, invocado pelo Recorrente nas suas alegações:
“…para que constitua título executivo, a acta da assembleia de condóminos tem que documentar a aprovação de uma deliberação da qual resulte uma obrigação pecuniária para cada condómino e o respectivo montante, não bastando que dela resulte uma mera relação de dívidas ao condomínio.
Neste sentido, cf. os acórdãos da Relação do Porto de 04.02.2016, P. 2648/13, e da Relação de Coimbra de 23.01.2018, P. 7956/15.”
Acórdão da Relação do Porto de 13.10.2020, P. 16884/18.3PRT-A.C1:
“As actas das assembleias de condóminos constituem título executivo (art 6º/1 do DL268/94), desde que contenham a deliberação da assembleia de condóminos quanto à fixação do montante das contribuições devidas pelos condóminos, em função da quota-parte de cada um deles, bem como quanto ao respectivo prazo de pagamento.”
Esta é a interpretação que nos parece mais consentânea com a letra da lei, que refere expressamente “a acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio (…).”
Por isso subscreve-se inteiramente o decidido no acórdão deste Supremo de 01.09.2019, supra referido, quando diz que “para que a acta possa ser tida como título executivo, necessário se torna que esteja em causa uma deliberação sobre o montantes das contribuições e/ou despesas que devem ser pagas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e a fixação do prazo de pagamento respectivo.”
No caso dos autos, estamos perante a acta da assembleia de condóminos nº 62, realizada no dia 12.03.2018, convocada para “aprovação e discussão do orçamento de receitas e despesas para o ano de 2018”, na qual a assembleia imputou ao Embargante, como titular da fracção “N”, uma dívida ao condomínio no montante de €55.556,43, por quotas em dívida desde 2001 e por penalidades no atraso do pagamento.
A sentença, por decisão que nesta parte transitou em julgado, decidiu que se encontram prescritas as quantias peticionadas vencidas antes de 10 de Setembro de 2013.
A questão da exequibilidade da acta coloca-se apenas relativamente às quotas vencidas posteriormente àquela data, tendo a Relação entendido que a acta não goza de exequibilidade.
Defende o Recorrente/condomínio que sim, com base no seguinte excerto da acta:
“No ponto quarto da ordem de trabalhos Apresentação, discussão e aprovação do orçamento de receitas e despesas para 2018 – a administração apresentou a proposta de orçamento de receitas e despesas correntes para o exercício de 2018, enviada juntamente com a convocatória a todos os proprietários, com quotas constantes a valores de 2017 e após uma breve explicação sobre todas as rúbricas, foi colocada à votação e aprovada por todos os presentes. (…) d) aprovar o orçamento de receitas para o ano de 2018, no valor de 9.325,20 (nove mil trezentos e vinte e cinco euros e vinte cêntimos) e as 12 (doze) quotas mensais a serem liquidadas no início de cada mês são as seguintes:” – expondo a posteriori o quadro de valores mensais e anuais em razão das permilagens de cada fracção do prédio.
Na alínea d) do ponto 4 da ordem de trabalhos consta:
“Foi deliberado por unanimidade aprovar o orçamento de receitas para o ano de 2018, no valor total de 9.325,20€ (…) e as 12 quotas mensais a serem liquidadas no início de cada mês são as seguintes:
(…)
“N” - Armazém (…) total: €3.558,00 (€296,50 x 12)”.
Diz o Recorrente (conclusão 11ª):
“No caso em apreço há uma clara referência ao passado para a aprovação de quotizações ordinárias de 2018, ou seja, resulta inequívoco deste título executivo:
a) Que o valor da quota mensal do Embargante Executado é de € 296,50 (Duzentos e noventa e seis euros e cinquenta cêntimos);
b) Que o valor anual de quotas de condomínio devidas pelo proprietário da Fracção “N”, correspondente ao armazém do Condomínio Exequente e ora Recorrente, ascende a € 3.558,00 (Três mil, quinhentos e cinquenta e oito euros) por ano;
c) Que o montante da quota mensal devida pelo proprietário da fracção “N” não se altera pelo menos desde 2010.”
Com o devido respeito, não tem razão.
O que resulta da acta é apenas o seguinte:
Na proposta de orçamento de receitas e despesas para o ano de 2018 apresentada pela Administração do condomínio, as quotas devidas por cada fracção mantinham os valores de 2017. É a conclusão lógica a retirar do excerto em que se diz “a administração apresentou a proposta de orçamento de receitas e despesas correntes para o ano de ano de 2018 (…), com quotas constantes a valores de 2017.”
Nada mais. Da acta não resulta a deliberação que aprovou as quotizações devidas pelas várias fracções relativamente ao ano de 2017, nem as relativas aos anos anteriores 2013 a 2016.
Não tendo o exequente apresentado com a execução as actas das assembleias de condóminos que fixaram o valor das contribuições relativas à fracção “N” cujo pagamento peticiona, constando apenas da acta que “o titular daquela fracção tem uma dívida ao condomínio no montante de €55.556,43, por quotas em dívida desde 2001”, é manifesto que a acta dada não reúne os requisitos para valer como título executivo nos termos do nº 1 do art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
Sumário:
I - Para valer como título executivo nos termos do art. 6º do DL nº 268/94 de 25.10, a acta da assembleia de condomínio tem de conter a deliberação sobre o montante das contribuições ou despesas devidas ao condomínio, a fixação da quota-parte devida por cada condómino e o prazo de pagamento respectivo;
II – A acta que se limita a documentar a aprovação pela assembleia da existência de uma dívida de um condómino por não pagamento de quotas, tal como referido pela administração, não reúne os requisitos de exequibilidade que resultam do art. 6º do DL n 268/94.
O presente acórdão tem o voto de conformidade dos Ex.mºs Adjuntos, Conselheiros Manuel Capelo e Tibério Silva, que não assinam por a sessão ter decorrido em videoconferência.
Decisão.
Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 02.06.2021
Ferreira Lopes (relator)