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PROCESSO JUDICIAL DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CONFIANÇA DO MENOR COM VISTA À ADOPÇÃO
Sumário
I- O processo judicial de promoção e proteção da criança e do jovem em risco é um processo de jurisdição voluntária, tal como decorre do artigo 100º da LPCJP. E, enquanto tal, regem-se estes processos não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e oportunidade com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar (vide artigo 987º do CPC) – in casu o “interesse superior da criança e do jovem”, devendo a intervenção “atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses no caso concreto” [artigo 4º al. a) da LPCJP]. II- Nos termos do artigo 1978º nº 1 al. d) do C.C. e atendendo prioritariamente aos direitos e interesses da criança (vide nº 2 do mesmo artigo) pode o tribunal confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação. E quando, cumulativamente os pais por ação ou omissão ponham em perigo grave a segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento da criança. III- A inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação é requisito autónomo da verificação objetiva dos circunstancialismos descritos nas diversas alíneas do nº 1 de que há de fazer-se prova e aferida em ambos os sentidos, ou seja tanto dos progenitores para a criança, como desta para aqueles.
Texto Integral
Processo nº.401/19.0T8OBR-A.P1 3ª Secção Cível Relatora – Juíza Desembargadora M. Fátima Andrade Adjunta – Juíza Desembargadora Eugénia Cunha Adjunta – Juíza Desembargadora Fernanda Almeida
Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. de Família e Menores de Oliveira do Bairro
Acordam no Tribunal da Relação do Porto I- Relatório
A) Sob promoção do Ministério Público, foi instaurado a 05/07/2019 o presente processo de promoção e proteção a favor dos menores:
- B…, nascida a ../04/2014
- C…, nascido a ../07/2005 e - D…, nascido a ../01/2004
Como fundamento para a indicada necessidade de acompanhamento da situação dos menores através da aplicação de uma medida de proteção e consequente pedido de abertura de instrução nos termos do artigo 106º da Lei 147/99 de 01/09 [Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP)] foi pelo MºPº alegado:
- ter sido sinalizada à CPCJP competente pelo avô paterno a situação dos menores, obrigados pela progenitora a efetuar trabalhos pouco adequados à sua faixa etária e a cuidar de sua irmã. Para além de expostos ao consumo excessivo de álcool por parte da progenitora que lhe infligia agressões físicas;
- tendo sido verificadas ainda algumas fragilidades ao nível da higiene pessoal e supervisão e acompanhamento dos menores, bem como da organização e higiene da habitação, foi aplicada medida de apoio junto dos pais por forma a intervir no seio familiar e alterar a situação;
- Os efeitos pretendidos não foram logrados, mantendo-se a falta de higiene quer da habitação quer dos menores, verificada em visita domiciliária efetuada em janeiro de 2019 e comunicada em relação à menor B… pela educadora que refere algum atraso de desenvolvimento;
- relativamente aos mais velhos foi reportada falta de assiduidade e mau comportamento na escola bem como falta de articulação da mesma com os pais pelo que a CPCJ tentou ainda fazer intervir o CAFAP o que não veio a acontecer por falta de colaboração dos pais.
Face ao insucesso das medidas aplicadas e ao seu incumprimento pelos progenitores, manteve-se a situação de perigo das crianças, impondo-se a intervenção judicial para através de EMAT efetuar a avaliação da situação e ponderar da necessidade de aplicação de medida de proteção adequada e eficaz.
Termos em que terminou requerendo a abertura de instrução do processo de promoção e proteção nos termos do artigo 106º da LPCJP e em conformidade se determine a audição dos dois últimos menores e dos progenitores (artigo 107º nº 1 als. a) e b) da LPCPJ.
Mais tendo requerido a junção dos processos da CPCJ referentes a cada um dos menores.
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B) Foi proferido despacho a declarar aberta a instrução e notificados os progenitores para requererem querendo a realização das diligências instrutórias tidas por convenientes.
Foi agendada audição dos progenitores da criança e dos jovens, bem como da Técnica da SS que elaborou relatório sobre a situação da criança e jovens – cuja realização foi igualmente ordenada pelo tribunal.
O relatório elaborado mostra-se junto a fls. 95 e segs. destes autos. C) Após a audição agendada foi declarada encerrada a instrução e realizada conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção nos termos do disposto no artigo 112º da LPCPJ.
Acordo que foi obtido em relação a cada um dos menores conforme consta a fls. 145 verso e 146 para a menor B… – “Apoio junto dos Pais” e a fls. 147 verso e 147 para os jovens D… e C… – “Acolhimento Residencial”.
Acordos estes devidamente homologados por sentença de 28/08/2019 – tal como consta a fls. 150/150 verso destes autos. D) Na sequência de informação da SS de 26/03/2020 dando nota de degradação da situação familiar, estando “a B… em situação de perigo grave para a integridade e estabilidade emocional” (fls. 184 verso), foi decidido em 03/04/2020 aplicar à criança B… “uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente”.
Autorizando-se os progenitores e o avô paterno “a visitarem a criança na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito (…)” (cfr. decisão de fls. 185 verso/186). E) O problema de hábitos alcoólicos da progenitora foram reiterados no relatório de 14/04/2020, dando-se então ainda nota de a progenitora ter sido expulsa da casa onde vivia com o marido pelo seu sogro (fls. 197/198). F) Por decisão de 07/05/2020 foi mantida a medida de acolhimento residencial aplicada aos jovens D… e C… (vide fls. 207 verso/208).
E por decisão de 02/06/2020 foi decidido homologar por sentença o obtido acordo de promoção e proteção relativo à criança B… de “Acolhimento residencial”, com visitas dos progenitores e compromisso dos progenitores em continuar a intervenção do CAFAP da “E…” e seguir as orientações dadas pelos técnicos e da progenitora em “continuar as consultas de alcoologia” (vide fls. 230 v. a fls. 231 v.). G) Na informação social de 06/08/2020 é dada nota, entre o mais de que a progenitora das 3 visitas agendadas apenas compareceu a uma, alegando quanto às demais dificuldades com os transportes. Visita em que se fez acompanhar do pai e avô da menor. Apresentando a progenitora “intenso cheiro a álcool”, mas “discurso coerente e uma postura adequada ao contexto”.
Deste mesmo relatório consta ainda a menção a sentimentos de rejeição/zanga da menor em relação à progenitora e a vontade da menor em estar com o avô e pai e ligar aos irmãos (fls. 256). H) Em 12/08/2020 é prestada informação pela SS de que “os progenitores se encontram novamente juntos, nada fizeram para alterar os seus modos de vida, nomeadamente em relação ao consumo excessivo de álcool por parte da progenitora” (fls. 249). I) Tendo em 03/08/2020 a progenitora requerido autorização para os seus filhos passarem as férias e fins de semana em casa, foi decidido:
- deferir parcialmente o requerido quanto aos filhos D… e C…, com autorização apenas para “passar um fim de semana por mês com os pais em casa do avô”, atenta a situação do agregado familiar.
- e foi indeferido em relação à menor B… em 08/09/2020, constando da fundamentação da decisão proferida “a progenitora visitou uma única vez a filha na instituição, com forte odor a álcool e a menina, mostra-se, no mínimo, ressentida com o que se passou junto da mãe, ignorando-a, pedindo para sair ou não querendo falar com ela telefonicamente” (fls. 257 verso). J) Em 14/10/2020 foi junto novo relatório social relativamente à situação da menor B….
Neste consta que a menor tem beneficiado de contactos telefónicos com os seus familiares – progenitores e avô F… que se entendem “fundamentais para a regulação emocional da criança”.
Contatos cuja importância tem sido reforçada pela equipa do CAR junto dos familiares para “potenciar os laços de afetividade entre as partes sendo-lhes transmitido a agitação emocional da criança quando estes o não fazem.” K) Em relatório social de acompanhamento da execução da medida de 02/12/2020 e junto a estes autos a fls. 271 v./272 é dada nota:
- do pouco progresso da progenitora em relação às consultas de desintoxicação alcoólica e de nova expulsão da progenitora da casa do sogro em 01/11/2020. Estando de novo a residir com o padrasto;
- não ter sido logrado contacto com o progenitor quer presencialmente quer telefonicamente;
- terem sido proporcionados encontros entre os irmãos pelas casas de acolhimento que “se têm revelado gratificantes para D…, C… e B…”.
E afirmada a constatação de que “a situação dos progenitores se mantém praticamente inalterada e com parcos indícios de que ocorra de facto uma mudança a breve prazo”, é emitido parecer de que “a medida vigente de Acolhimento Residencial (…) é mais adequada à proteção de D…, C… e B…”. I) Em 12/01/2021 é decidido manter a medida de acolhimento residencial até à maioridade dos jovens D… e C…, revista semestralmente.
Quanto à menor B… é agendada diligência para audição da técnica e progenitores para “ponderar a necessidade de estabelecer um projeto de vida a longo prazo para esta menina (…)” conforme promovido pelo MºPº. (fls. 272 v./274 destes autos).
Em tal diligência realizada a 26/01/2021 foram ouvidos a Técnica da SS responsável pela execução da medida de proteção aplicada à menor B…; o progenitor e progenitora.
Não tendo sido possível obter consentimento para aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adoção por não concordância dos progenitores, foram o MºPº e progenitores notificados para alegarem por escrito nos termos do disposto no artigo 114º da LPCJP (vide fls. 277 a 278 destes autos).
Foi ainda determinado que a “instituição e a Segurança Social enviem novo relatório tendo em vista a revisão da medida (…)” M) Alegou o MºPº pugnando pela aplicação de uma medida de confiança a instituição com vista a futura adoção da menor B… (fls. 282/283).
Alegaram os progenitores (separadamente) em 05 e 08/02/2021 alegando entre o mais:
- estarem de novo a residir juntos em casa do sogro;
- terem os conflitos familiares como causa os problemas alcoólicos da progenitora;
- pretender a progenitora prosseguir os tratamentos e consultas e mesmo internamento que ainda não aconteceu devido à pandemia Covid-19.
Tendo deixado de ser acompanhada pela equipa de CC de G… por ter mudado de residência;
- terem vínculos afetivos com a filha e esta com os seus irmãos;
- reconhecerem poucos contatos presenciais com a sua filha por falta de recursos económicos.
E por não reunirem condições necessárias ao acolhimento dos menores, terminaram requerendo a manutenção da medida de acolhimento em instituição (fls. 284 a 287).
Foi agendada data para o debate judicial (artigo 114º nº 1 da LPCJP). N) Foi junta nova informação social e da CA onde se encontram os menores C… e D…, ambos se pronunciando favoravelmente à manutenção da visita dos jovens a casa da família um fim de semana por mês (tendo o último ocorrido entre 12/02 e 14/02) por se entender tal contacto “fundamental para o bem-estar emocional de D… e C…” (relatório da SS de fls. 295 datado de 19/02/2021) ou por a “saída contribuir para que em termos emocionais se mantenham mais estáveis pois, estarão com as pessoas que gostam e de que sentem saudades” (relatório da CA de 10/02/2021 a fls. 288 a 290).
E em 01/03/2021 é decidido manter a autorização de ida dos jovens C… e D… a casa um fim de semana por mês. O) Relativamente à menor B… foi junta aos autos nova informação social datada de 05/03/2021.
Desta consta que
- em visita de 04/03/2021 foi realizada visita domiciliária a fim de ser inteirada a atual situação familiar dos progenitores (em casa do avô paterno), tendo sido comunicado pelo avô paterno que a progenitora foi de novo expulsa por estar “sempre bêbeda” e nada fazer.
Quanto ao progenitor é informado que em conversa com o mesmo no local do trabalho (por o mesmo não atender nem devolver chamadas) este referiu que expulsou a progenitora de casa no dia 26/02 por estar tão bêbeda que nem se punha em pé.
E quando abordado sobre a possibilidade do projeto de vida da B… passar pela adoção referiu a existência de um casal amigo da família que diz “que fica com a menina”. Justificando só então o referir por a progenitora o não deixar fazer por orgulho.
Casal que a técnica que elaborou este mesmo relatório – H… - confirmou ter para tanto disponibilidade quando para tanto contactado, tal como consta neste relatório e que ali foi identificado – Sr. I… e Sra. J….
Hipótese bem recebida quer pelos irmão da menor quer pela cunhada do progenitor k… – esposa do irmão deste e que mais afirmou “em última instância” poder ser uma alternativa à adoção da B… ainda que o seu agregado seja numeroso.
Perante o exposto concluiu-se em tal relatório ser de considerar este casal “de facto uma alternativa à atual medida de promoção e proteção de acolhimento residencial: conhecem a família e a criança tem uma relação de proximidade com estes, bem como pelo facto de todas as pessoas com quem falarmos serem da opinião de que esta seja uma família idónea e que poderá proporcionar a B… um crescimento harmonioso e seguro. Esta possibilidade permitiria também manter e reforçar a relação fraternal, tão importante para estes três irmãos que possuem uma forte vinculação entre si (…)” (fls. 301 v./302 destes autos). P) A CA L… em 09/03/2021 informa as visitas presenciais dos progenitores à menor entre julho de 2020 e março de 2021 e contactos telefónicos. Estes diários por parte da progenitora desde dezembro de 2020 (de 2ª a 6ª) e do progenitor cerca de duas 2 vezes por mês.
Informa ainda terem as instituições reunido esforços para manter a “comunicação, afinidade e cumplicidade” entre os irmãos, para tanto promovendo contactos telefónicos com periodicidade quinzenal para além de contatos presenciais (fls. 305). Q) Em 25/03/2021 o Sr. I… e J… requereram nos autos autorização para visitar os menores e estes passarem em sua casa o fim de semana (fls. 308 verso).
Pedido parecer à EMAT, esta informa em 26/03/2021 (subscrito pela técnica H…) ser favorável a visitas na CA e ida dos jovens irmãos C… e D… a casa do casal uma vez por mês de fim de semana, tendo em conta a relação entre os mesmos estabelecidos
Quanto à B… foi emitido parecer de se iniciarem os contactos na casa de acolhimento, após o que a situação seria reavaliada, tendo em conta “o lapso de tempo desde o último contacto entre a criança, o Sr. I… e a Sra. J…” (fls. 311). R) Em 26/03/2021 é proferida decisão a deferir a pretensão de visitas aos menores C… e D…, reservando para mais tarde a apreciação da pretensão de passarem os fins de semana em casa dos requerentes.
Quanto à menor B… foi decidido indeferir o requerido com os seguintes fundamentos, acompanhando o promovido pelo MºPº: “Tendo em consideração a medida proposta para aplicação à criança B…, estando em curso o debate judicial e o parecer negativo do MºPº, indefiro o requerido e também não autorizo visitas na instituição”. S) Nesse mesmo dia 26/03 foi finalizado e encerrado o debate judicial (fls. 313 v./314).
*** Em 12/04/2021 foi proferido Acórdão decidindo
“a) aplicar à criança B… a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, prevista nos artº 35º n.º 1 aI. g) e 38.º-A da LPCJP e, em consequência, confiá-la à guarda do Centro de Acolhimento Residencial do Centro Paroquial e Social L… e nomear, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 62.º-A n.º 3 da LPCJP, como curador provisório da criança a Sra. Diretora da instituição; b) declarar cessadas as visitas à criança por parte da sua família biológica (art. ° 62.º-A n.º 6 da LPCJP); c) declarar M… e N… inibidos do exercício das responsabilidades parentais da criança (art.º 1978.º-A do Código Civil); d) determinar que o presente processo tenha a partir de agora, natureza secreta, por forma a salvaguardar a identidade da pessoa a quem a criança venha a ser confiada. A medida de promoção e proteção agora aplicada à criança dura até ser decretada a adoção e não está sujeita a revisão, ressalvada a situação prevista no n.º 2 do art.º 62.º-A da LPCJP (art.º 62.º-A n.º 1 da LPCJP).”
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Inconformados com a decisão proferida, dela interpuseram recurso os progenitores N… e M…, recurso que foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito suspensivo.
No âmbito do aludido recurso, foram oferecidas alegações e formuladas, a final, as seguintes Conclusões: “1-O Processo de promoção e proteção no seguimento das prioridades estabelecidas pela convenção Europeia dos direitos e liberdades fundamentais, visa a proteção e a manutenção da família biológica, devendo a intervenção ser orientada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança, devendo em primeira linha dar prevalência à família biológica. 2- A adoção só pode surgir depois de esgotadas as possibilidades de integração na família biológica. 3 A Convenção sobre os direitos da Criança, estabelece no nº1 do artigo 99, que a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária no superior interesse da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de os pais maltratarem ou negligenciarem a criança. 4- O diploma fundamental em sede de proteção de crianças e jovens em perigo é a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo ( LPCJP) que regula a intervenção do Estado para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, a qual tem lugar “ quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança , saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte da ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo ( artigo 3º nº1) 5- Nos termos do nº2 do citado artigo, considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente está “abandonada ou vive entregue a si própria”, sofre de maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais, não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal, está sujeita de forma direta ou indireta a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional. 6-O artigo 4º da LPCJP enuncia os princípios pelos quais se deve reger a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo, entre os quais a do superior interesse da criança e do jovem. 7-A Convenção sobre os direitos da Criança, estabelece no nº 1 do artigo 99, que a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária no superior interesse da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de os pais maltratarem ou negligenciarem a criança. 8-O art.º 38.º-A da LPCJP prevê a medida de confiança da criança ou do jovem a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, que, nos termos do artigo, será aplicável “quando se verifique alguma das situações previstas no art.º1978.ºdo Código Civil. 9-Ou seja, nos termos do disposto no corpo do artigo 1978.º n.º 1 do C.C., tal ocorrerá quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das situações previstas no seu número 2. 10-Na verificação dessas situações o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses do menor” (n.º 2 do art.º 1978.º). Quanto à constatação da ocorrência de perigo, mencionada na alínea d), o Código estatui que “considera-se que o menor se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos dos menores” (n.º 3 do art.º 1978.º). 11-Do regime legal e convencional supra referido emana a conceção de que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se processa e deve realizar-se no seio da família biológica, tida como a mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de amor, aceitação e bem-estar. 12-Constitui pressuposto da medida confiança para adoção que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação. 13-Ou seja, a ocorrência de qualquer das situações previstas no número 2 do citado preceito legal, constituirá via necessária para a demonstração da inexistência ou do sério comprometimento do vínculo afetivo entre o progenitor e a criança, para o efeito da confiança da criança para adoção. 14-Adicionalmente, porém, haverá que apreciar se essas situações traduzem, em concreto, inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação. 15-Sendo certo que, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos salienta que, sendo do interesse da criança a manutenção dos seus laços familiares, que constituem as suas raízes, só circunstâncias excecionais, em que a família se mostrou particularmente indigna”, podem conduzir à rutura do laço familiar. 16- Nos presentes autos não resulta que os progenitores, tenham de algum modo comprometido, de forma séria e irreversível os laços afetivos próprios da filiação. 17-Nem tão pouco se pode dizer que tenham tido um comportamento de tal modo indigno que possa fundamentar a rutura definitiva e irreversível dos laços familiares. 18-Não estamos perante de uns pais que maltrataram a sua filha, que a abandonaram; que a submeteram a maus tratos físicos e psicológicos, mas sim perante uma situação em que a progenitora padece de vício alcoólico, sujeito a tratamento. 19-Não se encontram esgotadas as possibilidades de integração na família biológica. 20-Os progenitores não tiveram os apoios necessários, quer a nível social, quer a nível económico. 21-A progenitora não foi sujeita a internamento, devido à Pandemia COVI 19, para num futuro próximo poder receber os seus filhos. 22-Só após esse internamento, se poderia avaliar e concluir se a mesma reúne condições necessárias para receber os seus filhos. 23-Os progenitores tem vínculos afetivos com os filhos, não podendo ser afastados de serem pais. 24-Sendo certo que atualmente os progenitores ainda não tem as condições necessárias, para a integração dos seus filhos no seu lar. 25-Também não é aceitável que a criança B… permaneça na instituição, apesar de bem integrada na mesma, até que os progenitores obtenham condições para acolher acompanhar e cuidar de forma satisfatória a sua filha. 26- O Tribunal a quo, deveria ter valorado, as declarações da Senhora Técnica da S. Social, Dra. H…, gestora do processo, em sede de debate judicial e a informação social de 5 de Março de 2021, sendo pois o referido casal uma alternativa da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial da B…, com vista à adoção. 27-Existindo nos autos pessoas tidas como idóneas pela Técnica da Segurança Social, gestora do processo, com condições habitacionais, económicas, para acolher de forma satisfatória a criança B… e que se mostraram disponíveis, que a conhecem desde que nasceu, que poderiam proporcionar à B… um crescimento harmonioso e seguro, que permitiria também reforçar a relação fraternal, tão importante para os três irmãos, não se vislumbram razões para afastar esta alternativa. 28-Assim, no superior interesse da criança, deverá a B… ser confiada ao casal I… e J…, com o devido acompanhamento psicopedagógico e social e ainda ajuda económica, caso seja necessária, nos termos do artigo 43º da LPCJP. 29-A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 4º, alíneas a) e) e h), 34º e 35º alínea c) da LPCJP. 30-Devendo assim, a medida aplicada ser substituída pela medida de promoção e proteção junta de pessoa idónea, nos termos do artigo 35º alínea c) da LPCJP. Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via dele, a medida aplicada ser substituída pela medida de Promoção e Proteção, prevista no artigo 35º, alínea c) da LPCJP e a criança ser confiada ao casal, que se disponibilizou para assegurar a guarda da menor.”
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Foram apresentadas contra-alegações pelo MºPº, pugnando pela manutenção do decidido por a medida de confiança “com vista a futura adoção permitir em breve a esta criança ter uma verdadeira família com quem possa estabelecer vínculos seguros e definitivos, e que lhe ofereça, ao longo de toda a sua vida, o acompanhamento e carinho de que precisa.”
Acrescentando que “A situação proposta, de confiança a pessoa idónea, apenas se poderia cogitar caso se perspetivasse, a curto prazo, a sua reintegração no agregado dos progenitores, o que notoriamente não sucederá, vistos os quatro anos de intervenção que não lograram qualquer mudança no funcionamento desta família e na sua capacidade para exercer uma parentalidade adequada. Quanto muito, tal situação poderia agravar a situação de perigo a que a menor estava exposta, alargando os conflitos familiares ao casal cuidador e a exposição da menor aos mesmos.”
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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Foram colhidos os vistos legais.
*** II- Âmbito do recurso.
Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC [Código de Processo Civil] – resulta das formuladas pelos apelantes ser questão a apreciar a errada aplicação do direito em função da factualidade apurada [esta não questionada].
*** III- Fundamentação Foram julgados provados na decisão recorrida os seguintes factos:
“1. B… nasceu a 2 de Abril de 2014 e é filha de M… e de N…. 2. D… e C… nasceram, respetivamente, a 18 de Janeiro de 2004 e 21 de Julho de 2005 e são filhos de M… e de N…. 3. A criança e os irmãos foram sinalizados à CPCJ de G… pelo Ministério Público na sequência de uma denúncia aí efetuada pelo avô paterno, a 5 de Setembro de 2017, segundo a qual, a progenitora ingeria bebidas alcoólicas em excesso e obrigava os filhos mais velhos a fazerem todo o trabalho doméstico e relativo à criação de animais; que numa ocasião bateu com uma vassoura nas costas do D…, partindo-a, porque não fora suficientemente rápido a executar uma ordem da mãe; os rapazes não eram supervisionados a nível escolar e os pais não compareciam no estabelecimento de ensino quando convocados; e desconfiar que o pai não altera a situação porque a mulher lhe dá, disfarçadamente, calmantes ou outros medicamentos, dado que era um homem possante e agora anda cabisbaixo e cansado o dia todo e que, mal chega a casa, é "bombardeado" com queixas da mulher sobre os filhos, esperando que lhes bata. 4. Na sequência da sinalização referida em 3. e após realização de visita domiciliária a 6 de Abril de 2018 e onde, além do mais, a progenitora afirmou só ingerir bebidas alcoólicas em festas ainda que antigamente o fizesse a todas as refeições e obtida informação escolar dos irmãos mais velhos, a CPCJ deliberou aplicar à criança e aos jovens uma medida de promoção e proteção que evitasse os maus tratos e melhorasse o ambiente familiar e assegurasse estabilidade à criança e restante agregado familiar. 5. Por acordo de promoção e proteção pela CPCJ de G… a 8 de Maio de 2018, foi aplicada à criança B… e aos irmãos uma medida de apoio junto dos pais pelo período de um ano. 6. No âmbito do acordo referido em 5., os progenitores comprometeram-se, além do mais, a: permitir o acompanhamento da CPCJ, colaborando no que fosse pedido, nomeadamente, comparecendo sempre que convocados e prestando todos os esclarecimentos que fossem solicitados e que fossem relevantes para o processo; a assegurar os cuidados básicos dos filhos, nomeadamente, no que se refere às condições habitacionais, à alimentação, higiene e saúde essenciais ao bem-estar dos mesmos; a promover no seio familiar, um ambiente assente nos valores e afetos entre os diferentes membros; estabelecer com os filhos uma relação de diálogo assente no respeito mútuo, com vista ao seu equilíbrio e desenvolvimento emocional e social; estar atentos aos comportamentos dos filhos, alertando-os para a importância de os mesmos assumirem uma postura irrepreensível e que não colocasse em causa a sua identidade pessoal; estabelecer e fazer cumprir horários, nomeadamente, no que diz respeito à hora das refeições; a que a menina frequentasse equipamento social adequado à sua faixa etária; a entregar a ficha comprovativa de inscrição; a assegurar as necessidades educacionais dos filhos, nomeadamente, acompanhando de perto o seu percurso escolar e comparecendo na escola sempre que convocados, ou pelo menos, uma vez, por período letivo, no sentido de se informar do percurso escolar dos mesmos, quer do aproveitamento, quer do comportamento; a comparecer com os filhos nas consultas para as quais viessem a ser convocados e cumprir com a eventual toma de medicação prescrita; a manter com os filhos um relacionamento assente nos valores parentais com base em regras promotoras do seu desenvolvimento pessoal, estabelecendo e fortalecendo os laços familiares e afetivos com os restantes elementos da família, sem prejuízo do seu desenvolvimento e bem-estar; a comunicar à CPCJ qualquer situação perturbante da dinâmica familiar na qual os filhos estavam inseridos e/ou qualquer comportamento digno de avaliação por parte da CPCJ; a aceitar o acompanhamento da CPCl, sempre que esta o entendesse necessário, nomeadamente, na realização de contactos com o estabelecimento de ensino que os filhos frequentassem e outras entidades que se encontrassem a acompanhar o agregado familiar, bem como na realização de visitas domiciliárias. 7. No decurso do terceiro período do ano letivo 2017/2018, o C… faltou com mais frequência ao estabelecimento de ensino injustificadamente e atingiu o limite a duas disciplinas, não obstante o mesmo e a mãe terem sido alertados para a situação pela Diretora de Turma. 8. O C… esteve mais alheado da escola e manifestou mais dificuldades comportamentais durantes os recreios no terceiro período do ano letivo 2017/2018 e teve várias participações de professores e funcionários, mentindo, várias vezes, sobre acontecimentos ocorridos nos intervalos como roubo de materiais e quis sair, várias vezes, da sala de aula, alegando consultas médicas. 9. A progenitora compareceu no estabelecimento de ensino para receber a avaliação do C… e para tomar conhecimento de participações efetuadas durante os intervalos e para contribuir monetariamente para solucioná-los. 10. O C… não realizava os trabalhos de casa e não tinha o material organizado, revelando falta de acompanhamento familiar. 11. O C… beneficiava de Regime Educativo Especial, apoio pedagógico personalizado por professor de educação especial, adequações curriculares individuais e condições especiais de avaliação e usufruía de um apoio tutorial específico por ter já duas retenções no seu percurso escolar, no 2.° e 5.° ano. 12. No último período do ano letivo 2017/2018, as competências adquiridas pelo C… foram reduzidas e de forma morosa e inconsistente, resultado da sua constante imaturidade e escassez de responsabilidade face ao seu percurso escolar, sendo que nunca realizou os trabalhos de casa, não estudou, nem cooperou com os professores da turma nem com o professor tutor, revelando-se agitado e desmotivado pelas disciplinas de estudo e nem sempre se fez acompanhar do material escolar. 13. No 1.0 e 2.° períodos, o C… obteve 5 classificações negativas e no 3.0 período, três tendo o Conselho de Turma deliberado a sua transição devido à sua idade e dupla retenção anterior. 14. A 23 de Julho de 2018, o agregado familiar beneficiava de apoio em géneros alimentares do programa O1… da Misericórdia de O…. 15. A B… começou a frequentar o jardim-de-infância em Setembro de 2018 e a integração não foi fácil, já que chorava pela mãe, não interagia com os colegas, recusava a alimentação, não falava e procurava mais a atenção dos adultos, comunicando por gestos e tinha alguma dificuldade em permanecer fechada dentro da sala de atividades e em acatar regras no geral. 16. A 12 de Novembro de 2018, já estava adaptada ao jardim-de-infância e manifestava bem-estar em tal espaço, sendo assídua e pontual. 17. A menina tinha todos os dentes com cáries, os dentes incisivos estavam partidos e, por vezes, queixava-se de dores de dentes, o que afetava a alimentação, sendo que em Outubro de 2018, a mãe levou-a a uma consulta no dentista. 18. Ao contrário do que sucedia no início do ano letivo, a B… apresentava falta de higiene pessoal diária no estabelecimento de ensino. 19. A progenitora colaborava com o estabelecimento de ensino, esteve presente na reunião de pais e avisava quando a filha faltava por estar doente. 20. A B… não apresentava um desenvolvimento esperado para a sua idade. 21. A 10 de Janeiro de 2019, a CPCJ realizou uma visita domiciliária, sem aviso prévio e constatou que a habitação necessitava de pintura, tinha muita humidade e estava muito desarrumada, com roupas, sapatos e comida tudo misturado e com falta de higiene. 22. Na ocasião, a B… tinha a cara e as mãos muito sujas e estava pouco agasalhada. 23. O C…, a 15 de Novembro de 2018, continuava a faltar às aulas e a progenitora já fora contactada, duas vezes, para comparecer no estabelecimento de ensino e não o fez. 24. O C… continuava também sem ser pontual, a perturbar o funcionamento das aulas, a não levar material escolar: manual e caderno diário, não obstante ser aluno do escalão A e estava constantemente a ser colocado fora da sala por indisciplina. 25. O D… frequentava o 1.0 ano do Curso CEF de serralharia mecânica e obtivera três classificações negativas no primeiro período do ano letivo 2018/2019 e o C… frequentava o 6.º ano de escolaridade e obtivera classificações negativas a todas as disciplinas, salvo a Educação Tecnológica, Educação Visual e Música. 26. A 12 de Fevereiro de 2019, o C… apresentava total desmotivação escolar, fazia o que lhe apetecia e não tinha acompanhamento familiar. 27. Apresentava um ar triste, falta de higiene e não levava o material escolar necessário para as aulas e mantinha comportamentos desajustados no estabelecimento de ensino. 28. A 19 de Março de 2019, a CPCJ celebrou uma adenda ao acordo de promoção e proteção referido em 5., no âmbito do qual, os progenitores se comprometerem a aceitar o acompanhamento do CAFAP (Centro de Apoio Familiar e Acompanhamento Parental) e a procurar o apoio do Projeto …, para apoio e acompanhamento escolar dos filhos e a informarem-se do decurso de tal acompanhamento e comparecerem sempre que solicitados. 29. A 26 de Março de 2019, a B… apresentava um grande atraso de desenvolvimento relativamente à faixa etária; dificuldades sociais; negligência ao nível da higiene; saúde oral com problemas graves; lacunas graves e grandes dificuldades de comunicação; evoluíra positivamente no que diz respeito à alimentação, continuava assídua e pontual no estabelecimento de ensino não obstante necessidade de acompanhamento permanente da família. 30. A 23 de Abril de 2019, o C… retirou €9,00 da carteira de um colega no estabelecimento de ensino. 31. No dia 2 de Maio de 2019, o C… furtou um telemóvel e partiu uma barra das portas de segurança. 32. Na sequência do acordado em 28., o CAF AP tentou, várias vezes, agendar sessão com a família, sem êxito e quando conseguiram contactar a mãe, esta mostrou-se resistente à marcação, apresentando variados motivos para que não acontecesse. 33. O CAFAP agendou sessão para o dia 3 de Maio de 2019, no domicílio da família. 34. O CAF AP tentou contactar a família para relembrar a sessão marcada, mas não atenderam os telefonemas e no dia e hora agendados, a equipa dirigiu-se à casa do agregado, mas não se encontrava ninguém e contactados os progenitores telefonicamente, não atenderam. 35. Não obstante o acordado em 28., os progenitores não contactaram o Projeto … e quando confrontados pela CPCJ, a 26 de Março de 2019 responderam não ter tido tempo, sendo que a 21 de Maio de 2019 ainda não haviam efetuado a inscrição. 36. Não obstante a progenitora ter sido alertada pelo jardim-de-infância da filha B…, por diversas vezes, para a questão da higiene diária da menina, até final de Junho de 2019, a situação manteve-se oscilante. 37. A B… continuava a apresentar os mesmos problemas de dores de dentes, cáries e incisivos partidos no final de Junho de 2019. 38. Pese embora o referido em 19., a progenitora, com o passar do tempo, já não avisava prontamente quando a B… faltava ao jardim-de-infância, nem via te1efonica, nem à funcionária do transporte escolar, não foi receber a avaliação do segundo período e, ao longo do terceiro período, a menina não foi tão assídua. 39. No final do ano letivo 2018/2019, a B… continuava a apresentar um desenvolvimento global inferior ao esperado para a sua faixa etária, embora tenha revelado uma evolução positiva ao nível do seu comportamento, tomando-se mais confiante, mais participativa, interagindo com pares e adultos, embora revelando-se muito caprichosa e o seu nível de implicação nas atividades/tarefas estivesse muito dependente do seu comportamento/capricho. 40. Ao nível da linguagem oral também se registaram progressos no sentido em que aumentou a sua comunicação oral, embora revelasse muitas dificuldades ao nível da articulação correta das palavras, construção frásica e apresentasse um vocabulário pouco rico, 41. A 21 de Agosto de 2019, o agregado era composto pelos progenitores e pelos três filhos e habitava numa casa arrendada, unifamiliar, de construção antiga e em precário estado de conservação, satisfatoriamente equipada/mobilada. 42. O pai era lavador de camiões no que auferia um vencimento mensal no montante de € 600,00, tendo um horário de trabalho das 8 às 17 horas e a progenitora trabalhava à jorna e nas limpezas, no que auferia cerca de €50,00 por mês. 43. O agregado beneficiava ainda da quantia mensal de €112,38 de abono de família dos filhos. 44. O agregado beneficiava, desde 2017, de apoio em géneros alimentícios, através da Misericórdia O…, no âmbito do programa O1…; fazia criação de animais para consumo próprio (porcos, frangos, patos e coelhos). 45. As despesas mensais fixas do agregado importavam na quantia mensal de €125,00 de renda de casa, cerca de €10,00 no consumo de água, cerca de €40,00 no consumo de eletricidade, cerca de €15,00 de consumo de gás. 46. Os progenitores casaram a 9 de Janeiro de 2004 e nove dias depois nasceu o filho D…. 47. Inicialmente foram viver para casa dos pais do progenitor em …, onde se mantiveram durante 2/3 anos após o que foram viver para casa dos avós paternos do progenitor em … e, posteriormente, novamente em casa dos pais deste e em 2014, foram viver para a casa arrendada sita na Rua…, n.? .., em …. 48. A 21 de Agosto de 2019, a criança e os irmãos apresentavam o plano de vacinação atualizado e comparência nas consultas de vigilância infantil. 49. A B… fora encaminhada pela médica de família a 16 de Maio de 2019 para consulta de pediatria de desenvolvimento e aguardava também consultas de terapia da fala. 50. A progenitora apresentava um histórico de consumos excessivos de bebidas alcoólicas e frequentara consultas de alcoologia no Centro de Saúde de G… entre 19 de Setembro de 2017 e 8 de Janeiro de 2018. 51. No final do ano letivo 2018/2019, o jovem D… beneficiou de transição automática para o 2.0 ano do curso que frequentava apesar do insucesso verificado ao nível do aproveitamento escolar, falta de estudo em casa e de realização de trabalhos de casa e incumprimento reiterado em matéria de assiduidade e pontualidade, material escolar e de adequação comportamental em contexto de sala de aula (distraído e falador), ainda que, na generalidade, apresentasse um perfil pacato e reservado, mantendo um relacionamento normal com os colegas, professores e funcionários. 52. Apesar das sucessivas convocatórias para que se deslocasse ao estabelecimento de ensino do filho D…, a progenitora apenas o fez já após o final do ano letivo e depois de convocada, novamente, pelo Diretor de Turma. 53. No final do ano letivo 2018/2019, o jovem C… transitou de ano porque o Conselho de Turma facultou a progressão de ano escolar, apesar do número elevado de classificações negativas e de incumprimento reiterado em matéria de assiduidade/pontualidade, material escolar e adequação comportamental (comportamentos desviantes), para que fosse trabalhado com o mesmo um projeto escolar diferenciado no sentido de tentar reduzir o absentismo. 54. No ano letivo 2018/2019, o C… regrediu até no seu aproveitamento por não apresentar hábitos de estudo regular, não se envolver nem cumprir tarefas escolares da sua responsabilidade e apresentar assiduidade muito irregular, sendo que as estratégias para a promoção do sucesso educativo não surtiram efeito por falta de envolvimento do próprio e da mãe, sua encarregada de educação. 55. O C… nunca compareceu no apoio tutorial específico e a mãe, sua encarregada de educação nunca o autorizou. 56. O jovem C… é dotado de recursos cognitivos inferiores aos expectável para a sua idade, apresentando graves dificuldades de aprendizagem, associado a quadro de dislexia, disortografia e défice de atenção. 57. O jovem C…, em Agosto de 2019, apresentava um quadro relevante de imaturidade e de irresponsabilidade, sendo facilmente influenciável pelo grupo de pares e revelava predisposição para adoção de comportamentos desviantes. 58. O jovem D…, aquando da realização de uma avaliação psicológica em Junho de 2017, apresentava um QI de Escala Completa e um QI verbal situado ao nível muito inferior e ao nível das competências prática um nível médio inferior; baixa autoestima, baixo autoconceito e baixa auto confiança e embora estabelecesse relações com os pares e adultos, tinha alguma dificuldade em lidar com os conflitos e em integrar-se em ambientes mais formais. 59. A criança B… e os irmãos C… e D…, em Agosto de 2019, apresentavam-se minimamente cuidados ainda que indiciando higiene pessoal não diária. 60. Os progenitores denotavam capacidades satisfatórias para assegurarem aos filhos a satisfação das suas necessidades de alimentação, habitação e saúde mas indiciavam fragilidades ao nível dos cuidados de higiene pessoal e de vestuário dos mesmos, oscilando entre fases em que os filhos se apresentavam melhor cuidados e outras em que denotavam inferior investimento parental. 61. A progenitora era a figura parental de maior proatividade nas questões de funcionalidade/dinâmicas de índole doméstica e o progenitor assumia maioritariamente as funções inerentes ao exercício da atividade laboral e sustento prioritário a nível económico do agregado. 62. Os progenitores evidenciavam acentuada dificuldade na imposição de regras e limites aos filhos. 63. Os jovens D… e C… eram responsáveis por arrumarem o seu quarto e, aquando da realização de visita domiciliária pela Sra. Técnica da Segurança Social a 29 de Julho de 2019, o quarto estava desarrumado, com a cama por fazer, com peças de vestuário e calçado espalhados pelo chão, contrastando com o quarto dos pais e da irmã B…. 64. Aquando da realização da visita domiciliária pela Sra. Técnica da Segurança Social, a habitação apresentava, além de desarrumação de algumas roupas e outros objetos pessoais, falta de limpeza de fundo de algumas divisões. 65. A mãe ingeria bebidas alcoólicas em excesso "mais para o final da tarde". 66. No dia 28 de Agosto de 2019, o progenitor declarou neste tribunal que a mulher "dá uma chapada ou duas" aos filhos; que a mulher não tem problemas de alcoolismo "bebe ao comer e com companhia, eu também bebo" e que aquela nunca frequentou consultas de alcoologia; questionado como andavam os filhos na escola respondeu que "o do meio, o C… é que anda mal, anda lá a mexer nas coisas, o outro não é tanto" e perguntado sobre o que faz perante tal situação "não faço nada, o que é que eu vou fazer, metemo-lo no quarto de castigo"; que da escola "quando chamam ela (referindo-se à mulher) vai lá quando arranja transporte para eu não perder tempo" e que a higiene dos filhos é boa. 67. Na mesma ocasião, a progenitora afirmou só ingerir bebidas alcoólicas às refeições, ao almoço e à noite e às vezes no café; que já frequentou consultas de alcoologia e estar disposta a voltar e questionada sobre os comportamentos dos filhos e o que faz em tais situações respondeu "eu berro e umas vezes dou uma solhazita e um puxão de orelhas e ficam de castigo sem ver televisão" e quando confrontada com os problemas de higiene dos filhos e da casa, respondeu que "o C… é complicado tomar banho" e que já foi chamada à Diretora de Turma por ele cheirar mal. 68. No mesmo dia, o D… declarou que a mãe bebe um copo ou dois à refeição e que houve uma vez em que se embebedou em casa, acha que na altura dos seus anos e o C… declarou que a mãe "bebe ao comer e à noite e quando está lá gente bebe um bocadinho de mais", esclarecendo que "a gente" a que se refere são colegas do pai, o avô ou o tio P…. 69. Por acordo de promoção e proteção havido e homologado por sentença a 28 de Agosto de 2019, foi aplicada à criança B… uma medida de apoio junto dos pais pelo período de um ano, revista semestralmente. 70. No âmbito de tal acordo os progenitores comprometeram-se a: assegurar a comparência da filha em estabelecimento de ensino com assiduidade e pontualidade; assegurar a comparência da filha nas consultas médicas de vigilância infantil e de especialidade, nomeadamente, de pediatria de desenvolvimento, de estomatologia e de terapia da fala e a manter atualizado o plano de vacinação; aceitar a intervenção do CAF AP e a seguir as orientações que lhes fossem dadas pelos técnicos; a progenitora a retomar as consultas de alcoologia no Centro de Saúde de G… e a cumprir as orientações e terapêutica que lhe fosse prescrita. 71. Na mesma ocasião, foi havido e homologado por sentença acordo de promoção e proteção relativo aos irmãos D… e C… que lhes aplicou uma medida de acolhimento residencial até à maioridade, revista semestralmente. 72. Em execução da medida referida em 71., o D… e o C… foram acolhidos no dia 29 de Agosto de 2019 no CAR "Q…" em Castelo de Paiva, onde se encontram desde então. 73. No âmbito do plano de intervenção para execução da medida referida em 69. e 70., e homologado por despacho judicial, a mãe comprometeu-se a: garantir a satisfação das necessidades básicas e específicas da criança ao nível da alimentação, vestuário/calçado, higiene pessoal, afeto, conforto e bem-estar, segurança e desenvolvimento salutar; zelar para que a criança tenha o descanso necessário, respeitando as rotinas de execução de tarefas de índole escolar, de lazer/convívio familiar e de sono; assegurar que a criança não frequente ambientes inadequados à sua idade; supervisionar as rotinas diárias da criança, evitando que permaneça sozinha na rua ou em casa e/ou que permaneça exposta a situações que possam constituir perigo ou prejuízo para a mesma; garantir a higiene e organização do espaço habitacional; a abster-se da ingestão de bebidas alcoólicas de forma a não potenciar a sua habitual predisposição para os consumos excessivos; retomar a frequência das consultas de alcoologia, no Centro de Saúde de G…, cumprindo com as orientações e terapêuticas que lhe vierem a ser prescritas e a retomar o acompanhamento pela unidade de cuidados à comunidade do Centro de Saúde de G…. 74. Mais se comprometeram os progenitores a: manter vigilância sobre o estado de saúde da criança, comparecendo nas consultas de vigilância infantil e de especialidade, nomeadamente, de pediatria do desenvolvimento, de estomatologia e de terapia da fala e outras que, eventualmente, venham a ser agendadas e cumprindo com a terapêutica prescrita; manter atualizado o plano nacional de vacinação da criança; garantir a frequência assídua e pontual da criança no estabelecimento do pré-escolar; permitir que a criança participe nas ações programadas pelo estabelecimento de ensino, nomeadamente, festas e demais atividades pedagógicas; cumprir com as solicitações e orientações que lhes forem transmitidas pela educadora de infância da criança; respeitar as normas de funcionamento interno do estabelecimento de ensino; comparecer às reuniões sempre que convocados e, voluntariamente, sempre que entendam necessário no interesse da criança, procurando inteirar-se do processo evolutivo da mesma; manter com a criança uma relação de vínculo afetivo estruturado e estruturante, securizante e estimulante e, nos momentos de lazer, interagindo com a mesma e conversando acerca das suas rotinas escolares e de outros assuntos adequados à idade e promovendo/participando em brincadeiras próprias para a idade da criança; manter um ambiente relacional e comunicacional familiar calmo, tranquilo, estável e harmonioso; estipular regras e limites claros, objetivos e firmes, adequados à idade da criança; auxiliar a criança a adquirir regras/normas de conduta socialmente convenientes e rotinas diárias estáveis, securizantes e saudáveis; aceitar a intervenção do CAP AP, comparecendo nas sessões que lhe forem agendadas e cumprindo com as orientações que lhes forem sendo transmitidas; cumprir com as orientações que lhes forem sendo transmitidas pela Coordenadora de Caso e pelas demais entidades envolvidas, de molde a favorecer o superior interesse da criança, permitindo a manutenção da mesma no contexto biológico de origem e o ulterior arquivamento dos presentes autos. 75. A 10 de Setembro de 2019, a equipa técnica da instituição que acolhe os irmãos da criança B… realizou uma visita domiciliária, sem aviso prévio, à casa dos progenitores, onde apenas se encontrava a mãe. 76. Os técnicos só conseguiram realizar a visita após insistência, uma vez que a progenitora não se mostrou muito recetiva para o efeito. 77. Na ocasião, os técnicos constataram descuido nos cuidados de higiene prestados à B… que a mãe não reconheceu. 78. Demonstrou uma postura permissiva, de falta de autoridade para educar ou conter os comportamentos dos filhos. 79. A 15 de Novembro de 2019, a instituição que acolhe os jovens D… e C… estava há alguns dias a tentar contactar a progenitora, sem sucesso e quando contactou o avô paterno dos meninos este referiu de imediato "aquilo está muito mau", mencionando que a progenitora voltara a ingerir bebidas alcoólicas em excesso. 80. A 4 de Dezembro de 2019, a equipa técnica da instituição e a Segurança Social realizaram uma reunião para discussão da situação familiar e mudanças a implementar no seio familiar: parar os consumos de álcool por parte da progenitora, alertar o pai para a necessidade de se envolver na vida da família e inserção da tia K… e do avô paterno como suporte da família nuclear. 81. A 13 de Dezembro de 2019, face ao agudizar dos consumos etílicos da progenitora e à ordem de despejo do casal, o pai saiu de casa e levou consigo a filha B… para casa do avô paterno desta, si ta na Rua…, n.º .. , …. 82. A progenitora estava a ser orientada pela Junta de Freguesia de … para uma habitação social e aguardava internamento para tratamento ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas. 83. Pouco dias após o referido em 81., a progenitora retomou a relação com o marido e mudou-se também para casa do pai deste. 84. No dia 6 de Janeiro de 2020, a progenitora apresentava progressos ao nível dos consumos abusivos de álcool, mantendo-se abstinente e quando compareceu na consulta do dia 2 de Janeiro de 2020, o médico optou por alterar a terapêutica e de regime de tratamento, abandonando o internamento. 85. No ano letivo 2019/2020, os irmãos D… e C… foram integrados no 7.º ano de escolaridade, embora resultado do diagnóstico de défice cognitivo, beneficiavam de apoio através da seleção de medidas universais e seletivas. 86. Em Janeiro de 2020, o D… necessitava de um acompanhamento sistemático no estabelecimento de ensino a nível comportamental, uma vez que nem sempre respeitava ou cumpria as regras estabelecidas e no final do primeiro período do ano letivo obteve classificação negativa a quatro disciplinas. 87. O C…, por seu turno, foi alvo de uma medida disciplinar no estabelecimento de ensino e foi suspenso por um dia, revelando dificuldade em cumprir com as orientações de alguns dos professores em ambiente de sala de aula. 88. Fruto do seu desinteresse pela escola, obteve resultado negativo a seis disciplinas no final do primeiro período do ano letivo. 89. Em Janeiro de 2020, o D… apresentava problemas de saúde oral e beneficiava de acompanhamento psicológico. 90. O C… é acompanhado em Pediatria do Desenvolvimento tendo diagnosticado Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção e encontrando-se medicado. 91. Antes do acolhimento residencial, o C… já era acompanhado em tal especialidade no Hospital Pediátrico S… mas deixou de comparecer às consultas a 20 de Junho de 2017 e de tomar a medicação. 92. O C… beneficiava também de acompanhamento psicológico. 93. Desde o acolhimento dos jovens, a família foi-se alheando, progressivamente, da vida dos mesmos. 94. Até 28 de Janeiro de 2020, a família visitou o D… e o C… por quatro vezes, a última das quais em Novembro de 2019 e muitas delas acontecem após insistência telefónica da equipa técnica, sendo pretensão da instituição que visitem os filhos com uma periodicidade, pelo menos, mensal. 95. O D… e o C… relatavam estar conscientes dos problemas familiares e preocupados com o que pudesse acontecer à irmã B…. 96. Os progenitores e o avô não contactavam os técnicos da instituição e quando estes os contactavam, muitas vezes, não atendiam as chamadas. 97. O D… era o detentor da gestão familiar do agregado e em quem os pais depositavam tal responsabilidade o que acabou por contribuir para um temperamento pautado por um pensamento pouco flexível, sobrevalorizado e detentor da razão, recorrendo facilmente à depreciação do irmão para desviar as atenções sobre si ou para se sobressair. 98. A nível institucional e relacional, o D… adaptou-se facilmente ao grupo, cumprindo com as regras e orientações dos adultos e privilegiando essa mesma interação. 99. É um jovem educado, amável e empático, com uma elevada carência afetiva e de atenção, algum egocentrismo, vitimização e dependência ao nível das relações interpessoais, sendo necessário consciencializá-lo para a rivalidade com o irmão (dizer mal, culpar, prejudicar e inferiorizar). 100. A 26 de Março de 2020, o Centro de Saúde constatou em alguns momentos, o consumo de álcool do pai e do avô paterno junto à progenitora e o incumprimento da compra de medicação prescrita à B…. 101. O CAF AP realizou uma visita domiciliária e constatou que a progenitora continuava a ingerir bebidas alcoólicas em excesso e já não possuía o apoio do sogro que, devido aos conflitos constantes, já não permitia que permanecesse mais tempo em sua casa, sendo que, nem na presença dos técnicos, os adultos de inibiram de maltratar e ofender. 102. A mãe e a filha B… ficavam sozinhas sem a supervisão de outra pessoa, ao contrário do que havia sido acordado com os técnicos. 103. A B…, devido ao encerramento dos estabelecimentos de ensino, estava em casa a assistir a toda a disfuncionalidade do agregado. 104. Por despacho proferido a 3 de Abril de 2020, foi aplicada à criança B… uma medida provisória de acolhimento residencial pelo período de seis meses, revista trimestralmente e, desde logo, os progenitores e o avô paterno autorizados a visitá-la na instituição de acordo com as regras e horários definidos por esta para o efeito. 105. A medida referida em 104., foi executada no dia 7 de Abril de 2021, tendo a criança B… sido acolhida no Lar de Infância e Juventude do Patronado - Centro Paroquial e Social L…, em … onde permanece desde então. 106. Na ocasião, o avô paterno relatou à técnica que "a noite passada foi uma desgraça, ela estava completamente bêbada. Por mais que me custe é o melhor para a menina, que era a minha companhia" e "já que a menina vai embora, ainda hoje a ponho fora de casa", referindo-se à progenitora. 107. A progenitora, por seu turno, reconheceu o seu problema de adição e afirmou estar à espera que a chamassem de Coimbra e declarou que "eles vão pôr-me fora de casa", tendo-lhe sido facultado pela Sra. Técnica da Segurança Social o número de emergência social para o qual deveria ligar caso ficasse numa situação de sem abrigo. 108. No mesmo dia, a progenitora deu conhecimento à Sra. Técnica da Segurança Social que fora expulsa de casa e que estava em casa de uma prima, em Águeda. 109. O progenitor, quando contactado pela Sra. Técnica da Segurança Social, nada disse. 110. Por acordo de promoção e proteção havido e homologado por sentença a 2 de Junho de 2020, foi aplicada à criança B… uma medida de acolhimento residencial pelo período de um ano, revista semestralmente. 111. No âmbito do acordo referido em 110., os progenitores comprometeram-se a aceitar a intervenção do CAF AP e a seguir as orientações que lhe fossem dadas pelos técnicos e a mãe a continuar as consultas de alcoologia no Centro de Saúde G… e a cumprir a terapêutica prescrita. 112. No dia 9 de Junho de 2020, a mãe visitou os filhos D… e C… na instituição acompanhada de um senhor a quem chamou de "avô dos meninos" e que se constatou ser o padrasto da progenitora, sendo evidente que a relação entre ambos era de carácter amoroso. 113. Foi visível grande agitação motora na mãe e consciência da necessidade de tratamento face aos consumos abusivos. 114. Aquando do acolhimento da B…, esta apresentava sujidade no corpo, cabelo e unhas e revelava ausência de cuidados de higiene oral, sendo que tinha a maioria da dentição estragada, causando-lhe dores. 115. A menina necessitava da presença e orientação do adulto para fazer a sua higiene pessoal e conseguia executar as tarefas definidas, como fazer a cama, por a mesa, arrumas os brinquedos também com a orientação do adulto. 116. Revelava dificuldades na linguagem o que dificultava, muitas vezes, a forma como expressava as suas preocupações, necessidades, pensamentos e emoções. 117. A menina, aquando do acolhimento, era capaz de brincar, mas revelava grande dificuldade na interação acabando por se refugiar junto dos mais velhos e ter de ser incentivada a estar com as meninas da sua idade. 118. A B… tinha tendência para bater nos pares, havendo necessidade de intervenção do adulto no sentido de arranjar estratégias para lhe ensinar outras formas de lidar com os problemas. 119. Quando chamada à atenção, geralmente acata as orientações e reconhece o erro. 120. Apesar dos contactos mais frequentes da progenitora, a menina ia verbalizando/demonstrando uma maior afinidade com a figura paterna prologando os contactos telefónicos com o pai, ao contrário do que se verificava com a mãe, com quem numa fase inicial do acolhimento se recusava falar. 121. Nas videochamadas realizadas com a progenitora, o interesse da B… focava-se em visualizar os animais e pouco na comunicação direta com a mãe. 122. A 4 de Junho de 2020, a B… frequentava o pré-escolar e continuava a apresentar dificuldades na aquisição de algumas aprendizagens. 123. Apresentava um nível de desenvolvimento global inferior à média para a sua idade, com défices mais marcados no domínio da linguagem expressiva e do raciocínio prático. 124. A menina não tem dificuldade na motricidade final, tem facilidade no manuseamento de materiais, por exemplo, o uso da tesoura, lápis e cola, tem boa perceção espacial, quando quer consegue respeitar os limites do desenho e aparenta ter um bom raciocínio lógico e algumas competências matemáticas. 125. Sempre que terminava os trabalhos, riscava de forma exagerada e/ou rasgava o fundo da folha. 126. A menina integrou-se bem na instituição, sem humor distímico ou ansioso e socializava com as restantes meninas, embora, por vezes, adotasse estratégias disfuncionais na resolução de problemas. 127. A B… é acompanhada em consulta de desenvolvimento, terapia psicológica e terapia da fala. 128. Em Agosto de 2020, os progenitores já estavam reconciliados e a viver em casa do avô paterno dos meninos, mantendo-se, no entanto, os consumos de bebidas alcoólicas. 129. Até ao dia 6 de Agosto de 2020, apenas os progenitores e o avô paterno tinham visitado a B… na instituição uma única vez, no dia 2 de Julho de 2020. 130. Nessa visita, a B… direcionou a sua atenção para o pai e para o avô e manteve-se em silêncio perante as tentativas de diálogo da mãe, tendo chegado a pedir para que esta se retirasse para falar abertamente com aqueles. 131. A mãe retirou-se, voluntariamente, da visita, por breves minutos e, de imediato, a menina questionou o pai se sabia que a mãe continuava a beber. 132. Nessa visita, a progenitora exalava um intenso cheiro a álcool, apesar do uso de máscara e a visita ocorrer no exterior, mas apresentou um discurso aparentemente coerente e uma postura adequada ao contexto. 133. A progenitora contactava com maior frequência a filha telefonicamente, mas a menina apresentava alguma resistência em falar com ela, recusando, por vezes, fazê-lo, o que não sucedia com os telefonemas do pai e do avô, falando a criança com eles com agrado e pedindo, inclusivamente, para os contactar. 134. A B… verbalizou na terapia psicológica sentimentos de rejeição/zanga para com a mãe, referindo que esta lhe "batia muito na cabeça, pum, pum, pum" e que "caía no chão da cozinha, com o vinho". 135. Verbalizava vontade de telefonar aos irmãos muitas vezes. 136. A 7 de Outubro de 2020, os jovens D… e C… encontravam-se completamente adaptados à rotina e à dinâmica residencial, cumprindo as regras estabelecidas e as tarefas instituídas e quando chamados à atenção, executavam o pedido. 137. Embora ainda manifestem, por vezes, dificuldades ao nível da gestão emocional e de conflitos, demonstram uma conduta muito ajustada, tanto na interação com os pares, como com os adultos. 138. O D… apresenta um discurso e comportamento dentro dos parâmetros expectáveis para a idade, mais extrovertido, influenciável, comunicativo e cria amizades com facilidade. 139. O C… adota uma postura pautada pela carência afetiva, sendo mais introspetivo, pouco comunicativo e com clara dificuldade ao nível da expressão emocional. 140. Participa em atividades no corpo de Bombeiros Voluntários de …, funções que tem desempenhado com afinco e com grande motivação. 141. Os jovens frequentam, no presente ano letivo, o 8.0 ano de escolaridade, beneficiando de medidas universais e seletivas na sequência do diagnóstico de défice de atenção. 142. O D… ainda necessita de melhorar a sua conduta em sala de aula, assumir uma postura empenhada, concentrada e de maior participação, continuando a necessitar de acompanhamento sistemático no sentido de o manter motivado para a aprendizagem e para a realização das tarefas escolares. 143. Os jovens continuam a beneficiar de acompanhamento psicológico e o C… também na especialidade de Pediatria de Desenvolvimento, estando medicado apenas em período letivo. 144. Os contactos entre os jovens e a irmã B… são pautados por preocupação, cumplicidade e afeto, sendo evidente a satisfação quando percecionam que está feliz e o reconhecimento de que a B… está melhor acolhida, sendo que o D… assume para o seu futuro, a responsabilidade de cuidar da irmã, descartando os progenitores dessa função. 145. A 7 de Outubro de 2020, a progenitora não mantinha o cumprimento da terapêutica novamente prescrita, nem estabelecido qualquer contacto com as entidades envolvidas no seu problema de adição, não obstante continuar a verbalizar disponibilidade para o tratamento. 146. O marido e o avô paterno dos meninos continuavam a consumir bebidas alcoólicas na presença da progenitora, sendo o álcool de fácil acesso. 147. A instabilidade familiar e relacional estendia-se ao avô paterno, tendo o mesmo adotado uma postura mais desligada da vida dos netos e no apoio ao casal. 148. Os problemas do casal sobrepõem-se às funções parentais quando falam com os técnicos da instituição que acolhe os filhos mais velhos. 149. Os progenitores mantêm os mesmos rendimentos e atividades laborais. 150. A B… apesar de já entender quais as tarefas da rotina diária, continua a necessitar da presença e orientação do adulto para realizar as tarefas relacionadas com a higiene e apresentação pessoal. 151. Apresenta alguma capacidade para executar as tarefas de fazer a cama, ajudar o adulto a arrumar o seu armário de roupa e dos livros e a colocar a mesa, pese embora resista um pouco. 152. Continua a revelar muitas lacunas ao nível da comunicação e, ao longo do tempo, apesar de não conseguir expressar-se da forma mais adequada, foi percetível uma maior necessidade de atenção e afeto, recorrendo, para tal, mais à birra, à recusa em comer tudo às refeições, à procura dos adultos em detrimento do grupo para brincar. 153. Tem dificuldades em dormir passando grande parte da noite acordada. 154. Tem adotado comportamentos mais agressivos com as colegas e numa discussão, bate. 155. Tem capacidade para se ajustar aos contextos, tendo já adquirido a noção da importância das regras nos diferentes espaços e sempre que há necessidade de ser corrigida ou chamada à atenção, normalmente acata as orientações dos adultos. 156. Já é capaz de brincar mais com as meninas da sua idade, apesar de gostar da atenção dada pelas jovens mais velhas. 157. Os progenitores e o avô paterno têm contactado telefónica e presencialmente a menina, embora haja necessidade da instituição reforçar junto deles a importância de o fazerem com maior regularidade e sendo aquela a promotora dos mesmos. 158. A B… frequenta o 1. o ano de escolaridade e evidencia algumas dificuldades. 159. É acompanhada na especialidade de pediatria do desenvolvimento, em estomatologia, terapia psicológica e terapia da fala. 160. A 21 de Outubro de 2020, aquando da realização de uma visita domiciliária por parte da Sra. Técnica da Segurança Social, a progenitora estava alcoolizada. 161. A progenitora faltou à consulta de psiquiatria para desabituação alcoólica agendada para o dia 10 de Novembro de 2020 e a Unidade de Cuidados à Comunidade de G… estava a acompanhá-la, mas sem sucesso, por falta de adesão da mesma. 162. A 1 de Novembro de 2020, a mãe foi, novamente, expulsa da casa do sogro e foi, novamente, viver com o seu padrasto. 163. O progenitor não respondeu às tentativas de contacto presencial e telefónico da Sra. Técnica da Segurança Social. 164. A 26 de Janeiro de 2021, a progenitora continuava a viver em casa do seu padrasto e a equipa de Unidade de Cuidados à Comunidade de G… já não estava a efetuar acompanhamento ao alcoolismo da mãe, devido à alteração de morada. 165. Nem o pai, nem o avô paterno respondiam às tentativas de contacto da Sra. Técnica da Segurança Social. 166. No dia 26 de Janeiro de 2021, o pai declarou neste tribunal que quando chegava a casa, a mulher "estava sempre com o vinho e enrolada com outro"; "quem lhe dava o vinho a ela era o padrasto", que ele e o seu pai só bebem "ao comer, é sempre" e que "nos dias de festa é que abusamos mais"; que a última vez que foi visitar a B… na instituição foi em Dezembro de 2020 e quando questionado sobre o motivo pelo qual não mais o fez, respondeu "não sei se voltarei lá outra vez com um primo meu", "às vezes também não calha", "vou lá perder tempo", "se fosse ao fim de semana". 167. Na mesma ocasião, a mãe declarou que "no dia 1 de Novembro de 2020, o meu homem e o sogro puseram-me na rua por causa do álcool, de um erro meu"; "agora não bebo, o meu único vício é só o cafezito"; "tenho estado com o meu homem todas as semanas e fins de semana", "temos saído", "queremos voltar, o único problema agora é que tenho de ir falar com o meu sogro para ver se ele me aceita de volta"; questionada sobre quando foi a última vez que foi visitar a filha respondeu "este ano ainda não fui lá porque não houve possibilidades financeiras", "estou a pensar lá ir no fim do mês, ou vou com o meu padrasto ou com o meu cunhado", "não tenho carro nem carta", "dependo de boleia", "só lá posso ir de vez em quando" e confrontada com a existência de transportes públicos respondeu "mas eu nunca andei de comboio e tenho medo de me perder". 168. Entretanto, o casal reconciliou-se mas no dia 4 de Março de 2021, já estavam novamente separados, sendo que o avô paterno declarou à Sra. Técnica da Segurança Social que "já não está cá. O meu filho mandou-a embora. Ela está sempre bêbeda e não faz nada, era ele que vinha do trabalho e tinha que fazer o comer. Quando nos apanhava distraídos, ia às pipas de vinho encher as garrafas e escondia-as. No outro dia descobri duas garrafas de vinho dentro da máquina de lavar roupa". 169. O progenitor continua sem atender os telefonemas dos técnicos ou devolver as chamadas. 170. No dia 4 de Março de 2021, a Sra. Técnica deslocou-se ao local de trabalho do pai e este declarou-lhe que "foi embora na sexta-feira passada. Cheguei a casa e ela estava tão bêbada que não se segurava de pé. Pus-lhe a roupa à porta e mandei-a embora. Ela ligou para o padrasto e ele veio buscá-la" e a propósito da relação da mulher com o padrasto afirmou "ele mandou-me mensagem onde diz que dorme com ela". 171. Desde o acolhimento residencial da B… a mesma recebeu as seguintes visitas: 2 de Julho de 2020 - dos pais; 29 de Setembro de 2020 - visita dos irmãos; 16 de Outubro de 2020 - do pai; 28 de Outubro de 2020 - visita da B… aos irmãos; 4 de Novembro de 2020 - da mãe; 6 de Novembro de 2020 - do pai; 3 de Dezembro de 2020 - da mãe; 18 de Dezembro de 2020 - da mãe; 12 de Fevereiro de 2021 - dos pais e 1 de Março de 2021 - da mãe. 172. Numa fase inicial do acolhimento, os contactos dos pais com a filha B… eram reduzidos, tendo sido necessário que a instituição reforçasse junto deles a importância de contactarem a menina com maior regularidade no sentido de potenciar os laços de afetividade. 173. A progenitora aumentou significativamente os contactos telefónicos a partir da segunda semana do mês de Dezembro de 2020, contactando diariamente a instituição para falar com a filha, sendo que o pai contacta telefonicamente a filha duas vezes por mês. 174. O pai continua a viver com o seu pai em casa deste, sendo que o mesmo é reformado e trabalha à jorna na agricultura. 175. O pai mantém a mesma atividade profissional de lavador de camiões. 176. O progenitor afirma desconhecer o motivo do acolhimento residencial da filha e questionado sobre o que pretende fazer relativamente ao relacionamento com a mulher respondeu "tenho de me divorciar, chego à noite de vir do trabalho e ainda tenho de fazer o comer". 177. A progenitora está, novamente, a viver em casa do seu padrasto e questionada em sede de debate judicial sobre o que pretende fazer relativamente ao relacionamento com o marido respondeu "quando ele quer estar comigo, vai buscar-me", "é neste ginga¬joga". 178. A menina muito pontualmente questiona sobre a visita dos pais e não fica triste no final das mesmas. 179. A progenitora mantém a dependência alcoólica e rejeita as tentativas de ajuda de amigos e familiares que são unânimes em afirmar que o ambiente familiar não é adequado aos filhos do casal. 180. Inexiste alguém na família alargada para acolher a B…. 181. Nada consta dos certificados de registo criminal dos progenitores.
* O tribunal a quo julgou ainda não existirem “factos que tenham de ser dados como não provados.
*** Conhecendo. Do alegado erro na aplicação do direito.
Para apreciação do objeto do recurso, cumpre em primeiro lugar recordar que o processo judicial de promoção e proteção da criança e do jovem em risco é um processo de jurisdição voluntária, tal como decorre do artigo 100º da LPCJP.
E, enquanto tal regem-se estes processos não por critérios de estrita legalidade, mas antes por juízos de equidade e oportunidade com vista à tutela dos interesses que visam salvaguardar (vide artigo 987º do CPC) – in casu o interesse a tutelar é como logo o indica a al. a) do artigo 4º da LPCJP o “interesse superior da criança e do jovem”, devendo a intervenção “atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses no caso concreto”. Artigo 4º da LPCJP que na identificação dos princípios orientadores da intervenção elenca para além do superior interesse da criança ainda, entre outros: o princípio da intervenção mínima, indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e jovem em perigo [al. d)]; o princípio da proporcionalidade e atualidade – balizando a intervenção ao estritamente necessário e adequado à situação de perigo em que se encontra a criança ou jovem no momento em que a decisão é tomada [al. e)]; responsabilidade parental – devendo a intervenção “ser efetuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem” [al. f)]; primado da continuidade das relações – “a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante” [al. g)] e prevalência da família – para tanto devendo “na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem (…) ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável” [al. h)].
Ao juiz incumbindo para tanto (artigo 986º nº 2) “investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes”.
*
Nos presentes autos decidiu o tribunal a quo aplicar à menor B… “a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção.” por ser a única medida “que satisfaz o superior interesse desta criança.”
*
O que justificou entre o mais nas seguintes afirmações:
i- “É (…) evidente que esta menina esteve em perigo grave para a sua saúde, formação, educação e desenvolvimento enquanto esteve aos cuidados dos pais e do avô paterno e, tendo em consideração que o ambiente conflituoso e de consumo abusivo de álcool se mantém e agora também de sucessivas separações e reconciliações dos pais, é possível efetuar um juízo de prognose de que voltaria a estar caso lhes fosse, novamente, entregue. Esta menina não esteve só em perigo, ela reflete já os graves danos sofridos durante os primeiros anos de vida em que esteve com a família, sendo certo que ninguém a protegeu, nem a família alargada.”;
ii- “Necessita assim de muito acompanhamento técnico especializado para tentar ultrapassar os danos que lhe foram infligidos por tudo o que passou e necessita sobretudo, de uma família funcional, segura, afetiva, capaz de lhe proporcionar tudo o que necessita e merece ter como qualquer outra criança e não manter-se indefinidamente numa instituição à espera de uns pais que em três anos e meio nada mudaram e até impediram a intervenção de que tanto precisam.”
iii- “O tempo desta menina esgotou-se e inexiste alguém na família alargada que possa/queira/reúna condições para dela cuidar adequadamente, sendo certo que os irmãos também não são uma alternativa, sequer a médio prazo, uma vez que, eles próprios, têm muitas lacunas, défices cognitivos e um futuro incógnito pela frente.”
iv- “De referir que atendendo ao historial conhecido de vida da B… e à idade desta é evidente que não existem vínculos afetivos próprios da filiação com os pais.”
v- “Ora, não só pelas características pessoais da B…, como pelo historial de vida com os pais e o que com eles passou e até o desinteresse manifestado por estes após o seu acolhimento, evidenciam a inexistência de uma vinculação segura.”
vi- “Entendemos, pois, que o superior interesse desta criança passa pela adoção, sendo certo que, no caso concreto, é evidente, perante a factualidade dada como provada que se mostra perfectibilizada a previsão do art.º 1978.º n.º 1 aI. d) do Código Civil relativamente a ambos os progenitores.”
vii- para efeitos do princípio da prevalência da família plasmado no artigo 4º al. h) da LPCJP abrange este “não só a família biológica, mas também a adotiva ou outra e colocando-a no mesmo patamar. Assim sendo, no meu entender, deixou de se verificar a primazia da família biológica em absoluto e passou-se sim a dar um maior significado a relações de vinculação segura existentes ou a quem as possa realmente dar (…)”
Os recorrentes manifestam o seu desacordo quanto ao decidido, convocando em suma os seguintes argumentos:
a) “Nos presentes autos não resulta que os progenitores, tenham de algum modo comprometido, de forma séria e irreversível os laços afetivos próprios da filiação.” “Nem tão pouco se pode dizer que tenham tido um comportamento de tal modo indigno que possa fundamentar a rutura definitiva e irreversível dos laços familiares.” “Não se encontram esgotadas as possibilidades de integração na família biológica.”
b) “Também não é aceitável que a criança B… permaneça na instituição, apesar de bem integrada na mesma, até que os progenitores obtenham condições para acolher acompanhar e cuidar de forma satisfatória a sua filha.” “O Tribunal a quo, deveria ter valorado, as declarações da Senhora Técnica da S. Social, Dra. H…, gestora do processo, em sede de debate judicial e a informação social de 5 de Março de 2021, sendo pois o referido casal uma alternativa da medida de promoção e proteção de acolhimento residencial da B…, com vista à adoção.” “Existindo nos autos pessoas tidas como idóneas pela Técnica da Segurança Social, gestora do processo, com condições habitacionais, económicas, para acolher de forma satisfatória a criança B… e que se mostraram disponíveis, que a conhecem desde que nasceu, que poderiam proporcionar à B… um crescimento harmonioso e seguro, que permitiria também reforçar a relação fraternal, tão importante para os três irmãos, não se vislumbram razões para afastar esta alternativa.”;
c) “a medida aplicada ser substituída pela medida de promoção e proteção junta de pessoa idónea, nos termos do artigo 35º alínea c) da LPCJP.”
*
Delimitado o objeto do recurso em função das conclusões apresentadas, sem perder de vista a já mencionada jurisdição voluntária do processo e assim o juízo de equidade e oportunidade com vista à tutela dos interesses que visa salvaguardar - in casu o superior interesse da criança que norteia a intervenção do tribunal - cumpre apreciar os argumentos aduzidos pelos recorrentes.
E logo em primeiro lugar, como crítica à decidida aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção, alegaram os recorrentes não se verificar o pressuposto e pelo tribunal a quo afirmado preenchimento do circunstancialismo previsto na al. d) do nº 1 do artigo 1978º do CC.
Mais alegando não ter sido respeitado o primado da família biológica, convocando para tanto a “Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais” entende-se a CEDH, a Convenção Sobre os Direitos da Criança e a LPCJP.
Analisaremos à luz quer dos instrumentos internacionais quer dos nacionais o princípio da prevalência da família biológica e os moldes em que este é consagrado.
Começando pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem, temos consagrado no seu artigo 8º o “Direito ao respeito pela vida privada e familiar” nos seguintes termos:
“1. Qualquer pessoa tem direito ao respeito da sua vida privada e familiar, do seu domicílio e da sua correspondência. 2. Não pode haver ingerência da autoridade pública no exercício deste direito senão quando esta ingerência estiver prevista na lei e constituir uma providência que, numa sociedade democrática, seja necessária para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem - estar económico do país, a defesa da ordem e a prevenção das infrações penais, a proteção da saúde ou da moral, ou a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros.”
Acrescentamos que nesta mesma Convenção, Protocolo nº 7, artigo 5º, foi consagrado o direito de igualdade entre os cônjuges nos seguintes termos: “Os cônjuges gozam de igualdade de direitos e de responsabilidades de carácter civil, entre si e nas relações com os seus filhos, em relação ao casamento, na constância do matrimónio e aquando da sua dissolução. O presente artigo não impede os Estados de tomarem as medidas necessárias no interesse dos filhos”.
De ambas estas disposições se extrai a previsão de uma ingerência pública em caso de necessidade de salvaguarda/proteção da saúde ou da moral ou dos direitos e liberdades de terceiros (artigo 8º) ou da necessidade de tomar medidas no interesse dos filhos (artigo 5º - Protocolo nº 7).
Em consonância com a intervenção assim prevista, estipula-se na convocada “Convenção Sobre os Direitos das Crianças” no seu artigo 3º “1. Todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança. 2. Os Estados Partes comprometem-se a garantir à criança a proteção e os cuidados necessários ao seu bem-estar, tendo em conta os direitos e deveres dos pais, representantes legais ou outras pessoas que a tenham legalmente a seu cargo e, para este efeito, tomam todas as medidas legislativas e administrativas adequadas. 3. Os Estados Partes garantem que o funcionamento de instituições, serviços e estabelecimentos que têm crianças a seu cargo e asseguram que a sua proteção seja conforme às normas fixadas pelas autoridades competentes, nomeadamente nos domínios da segurança e saúde, relativamente ao número e qualificação do seu pessoal, bem como quanto à existência de uma adequada fiscalização.”
E no seu artigo 9º ficou acordado que “1. Os Estados Partes garantem que a criança não é separada de seus pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sem prejuízo de revisão judicial e de harmonia com a legislação e o processo aplicáveis, que essa separação é necessária no interesse superior da criança. Tal decisão pode mostrar-se necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e uma decisão sobre o lugar da residência da criança tiver de ser tomada. 2. Em todos os casos previstos no n.º 1 todas as partes interessadas devem ter a possibilidade de participar nas deliberações e de dar a conhecer os seus pontos de vista. 3. Os Estados Partes respeitam o direito da criança separada de um ou de ambos os seus pais de manter regularmente relações pessoais e contactos diretos com ambos, salvo se tal se mostrar contrário ao interesse superior da criança.”
Uma vez mais e no interesse superior da criança, funcionando como exceção à regra geral de não separação da criança dos seus pais, é prevista essa separação quando necessária no interesse superior da criança.
Nesses casos em que no interesse superior da criança não pode a mesma ser deixada no seu ambiente familiar, consta ainda da Convenção em menção que a criança – artigo 20º“ 1(…) tem direito à proteção e assistência especiais do Estado.
2. Os Estados Partes asseguram a tais crianças uma proteção alternativa, nos termos da sua legislação nacional.
3. A proteção alternativa pode incluir, entre outras, a forma de colocação familiar, a kafala do direito islâmico, a adoção ou, no caso de tal se mostrar necessário, a colocação em estabelecimentos adequados de assistência às crianças. Ao considerar tais soluções, importa atender devidamente à necessidade de assegurar continuidade à educação da criança, bem como à sua origem étnica, religiosa, cultural e linguística.”
Adoção que os Estados Partes que a reconhecem asseguram – artigo 20º al. a) “ que o interesse superior da criança será a consideração primordial neste domínio e: a) Garantem que a adoção de uma criança é autorizada unicamente pelas autoridades competentes, que, nos termos da lei e do processo aplicáveis e baseando-se em todas as informações credíveis relativas ao caso concreto, verificam que a adoção pode ter lugar face à situação da criança relativamente a seus pais, parentes e representantes legais e que, se necessário, as pessoas interessadas deram em consciência o seu consentimento à adoção, após se terem socorrido de todos os pareceres julgados necessários;”
Ainda do artigo 29 nº 1 resulta serem objetivos da educação da criança, para além do mais; a promoção “do desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicas, na medida das suas potencialidades”; inculcar na mesma o respeito pelos direitos do homem e liberdades fundamentais; pelos pais, pela sua identidade, pela sua identidade cultural, língua e valores; preparar a criança para assumir responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos culturais, bem como pelas culturas e valores diferentes dos seus.
Extrai-se portanto das disposições vindas de citar a previsão da intervenção, nomeadamente dos tribunais, na medida em que tal se mostre necessário no interesse superior da criança.
O mesmo se extraindo da Convenção Europeia em Matéria de Adoção de Crianças, onde se estipula que “1 - A autoridade competente não decreta uma adoção sem adquirir a convicção de que a adoção assegura os interesses do menor.”
De todos estes instrumentos internacionais se extrai a preponderância do interesse do menor como critério de aferição e justificação da intervenção do tribunal, nomeadamente no que concerne ao afastamento do menor da sua família biológica.
No Direito Interno, a Constituição da República Portuguesa, bem como a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo – LPCJP aprovada pela Lei 147/99[1], são consentâneas com os instrumentos internacionais vindos de referir.
Assim dispõe o artigo 36º da CRP em matéria de Direitos Liberdades e Garantias (Título II Capítulo I):
“1. Todos têm o direito de constituir família e de contrair casamento em condições de plena igualdade.
(…)
5. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.
6. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial.
7. A adoção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respetiva tramitação.”
Deste normativo se realça o direito e dever de educação e manutenção dos filhos (nº 5); bem como a não separação dos filhos dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais (nº 6).
A que acresce, em matéria de direitos e deveres sociais (Capítulo II) a proteção da paternidade e maternidade (artigo 68º) [1. Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país.
2. A maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes] bem como da Infância (artigo 69º) fazendo recair sobre a sociedade e Estado a proteção da criança “1(…) com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições.
2. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.”
Finalmente o também pelo recorrente convocado artigo 1978º do CC, dispõe: “1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos; b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção; c) Se os pais tiverem abandonado a criança; d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança. 2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança. 3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.”
Devendo em função do assim previsto, o tribunal atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança (vide nº 2 do mesmo artigo), neste pressuposto e medida podendo [nos termos da al. d) do nº 1] confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva e de forma cumulativa de situação em que “os pais por ação ou omissão ponham em perigo grave a segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento da criança.”.
A inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação é requisito autónomo da verificação objetiva dos circunstancialismos descritos nas diversas alíneas do nº 1 de que há de fazer-se prova[2] e aferida em ambos os sentidos, ou seja tanto dos progenitores para a criança, como desta para aqueles.
E com o assim previsto neste artigo se conjuga o disposto no artigo 4º da LPJCP acima já citado que identifica os critérios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e jovem em perigo.
Perigo aferido nos termos previstos no artigo 3º que assim dispõe:
“1 - A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo. 2 - Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e) É obrigada a atividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação. h) Tem nacionalidade estrangeira e está acolhida em instituição pública, cooperativa, social ou privada com acordo de cooperação com o Estado, sem autorização de residência em território nacional.”
Concluindo, de todos os instrumentos legais citados decorre sempre a afirmação e reconhecimento do superior interesse da criança, critério norteador de toda e qualquer intervenção, na qual se deve atender como afirmado na al. a) do citado artigo 4º da LPCJP “prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas”, sem prejuízo “da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;”.
De entre esses direitos, está o direito da criança a crescer num ambiente seguro, que lhe proporcione condições de saúde, acesso a formação, educação e um são desenvolvimento.
Prevalentemente em meio familiar e no seio da sua família biológica, junto dos seus progenitores por em princípio ser com quem manterá relações de afeto de qualidade e significativas, cuja continuidade deverá ser promovida, assim preservando tais relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento.
Assim o aconselham - vide artigo 4º da LPCJP [ para além do referido interesse superior da criança al. a)]: o princípio da intervenção mínima (al. d); o princípio da proporcionalidade e atualidade (al. e); o princípio da responsabilidade parental (al. f); o princípio do primado da continuidade das relações psicológicas profundas – devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante (al. g); e o princípio da prevalência da família – devendo na promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável (al. h).
A não prevalência da família biológica só não ocorrerá assim quando e no que ora releva os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança, demonstrando-se ainda que inexistem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação [vide artigo 1978º nº 1 al. d) do CC]
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Foi este o fundamento acolhido pelo tribunal a quo para fundamentar a medida adotada e contra a qual se insurgem os recorrentes.
Assim e só na medida em que estes pressupostos se não encontrem cabalmente demonstrados, merecerá censura a decisão recorrida.
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Alegam os recorrentes que mantêm vínculos afetivos com a menor e esta com seus irmãos e que é viável a adoção de outra medida, nomeadamente confiança da menor a pessoa idónea que identificam.
Declaram não terem tido os apoios necessários quer a nível social quer económico e só após internamento da progenitora para tratamento dos problemas de alcoolismo ser possível avaliar se a mesma reúne as condições necessárias para receber os filhos. Reconhecendo, assim, não terem atualmente as condições necessárias para integrar os filhos no seu lar.
As medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e jovens visam: “a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.” [artigo 34º da LPCJP] e estão elencadas no artigo 35º da mesma Lei: “1 - As medidas de promoção e proteção são as seguintes: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento residencial; g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção. 2 - As medidas de promoção e de proteção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar, com exceção da medida prevista na alínea g) do número anterior. 3 - Consideram-se medidas a executar no meio natural de vida as previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 e medidas de colocação as previstas nas alíneas e) e f); a medida prevista na alínea g) é considerada a executar no meio natural de vida no primeiro caso e de colocação, no segundo e terceiro casos. 4 - O regime de execução das medidas consta de legislação própria.”
De tais medidas, a execução das previstas nas als. a) a d) – classificadas como medidas executadas em meio natural [por contraponto às medidas “em regime de colocação” previstas nas als. e) a g)] - veio a ser regulamentada pelo DL 12/2008 de cujo preâmbulo se extrai que a “intervenção social do Estado e da comunidade nas situações em que as crianças e jovens se encontrem em perigo, tem por pressuposto essencial uma intervenção que permita assegurar às famílias condições para garantirem um desenvolvimento pleno das crianças e dos jovens no âmbito do exercício de uma parentalidade responsável. Estando como tal a intervenção concebida por forma a potenciar o papel da família mediante o reforço e aquisição de competências dos pais (…) por forma a permitir a manutenção ou regresso desta à sua família natural e, por outro, a só admitir a separação da criança ou jovem dos pais contra a vontade destes, quando o tribunal a entender como necessária à salvaguarda e prossecução do superior interesse da criança. Neste entendimento, as medidas de promoção e proteção previstas no artigo 35.º do anexo à Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, são elencadas e classificadas como «medidas em meio natural de vida» e «medidas em regime de colocação», estabelecendo-se uma ordem de preferência. (…) A execução destas medidas, por terem por pressuposto essencial o direito da criança e do jovem a serem educados numa família, de preferência a sua, implica que sejam considerados os apoios a conceder àquela, bem como o suporte a proporcionar à família para que desempenhe o papel que lhe incumbe. Neste quadro, a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo consagra a tipologia dos apoios a prestar definindo apoios de natureza psicopedagógica, de natureza social e económica. Dentro destas coordenadas a execução da medida de apoio junto dos pais é orientada no sentido da aquisição ou reforço, por parte destes, das competências necessárias ao exercício de uma parentalidade responsável e à adequada satisfação das necessidades de proteção da criança ou do jovem.”[3],[4].
Tendo presente o enquadramento legal acima enunciado, bem como os pressupostos que justificam a intervenção para promoção dos direitos da criança e jovem em perigo (artigo 3º); os princípios orientadores de tal intervenção (artº 4º); a finalidade das medidas de proteção e a sua tipificação (artigos 34º e 35º) [estes todos da LCPJP] importa analisar a factualidade apurada e da mesma aferir se as críticas apontadas pelos recorrentes merecem acolhimento.
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Não questionando a declarada verificação de situação objetiva que representa perigo grave para a segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento da menor B… e reconhecendo não ter atuais condições para integrar a filha no lar, clamam os recorrentes a capacidade de alterar comportamentos que os venham a habilitar a uma parentalidade responsável.
Mais argumentam que da factualidade apurada não resulta demonstrada a inexistência ou o sério comprometimento dos vínculos afetivos da filiação. Para tanto é essencial apurar os termos em que os progenitores e a menor se relacionam, como entendem as necessidades desta e se mostram capazes de adaptar e prover às mesmas, transmitindo à menor confiança quanto à construção e manutenção de uma relação estável, duradoura e securizante, direcionada para o são e global desenvolvimento da mesma. E nessa medida como a menor vê os seus progenitores e como esta perspetiva a relação que com os mesmos mantém no presente e para o futuro.
Neste conspecto o tribunal a quo de forma singela afirmou que pelo “historial conhecido de vida da B… e a idade desta é evidente que não existem vínculos afetivos próprios da filiação com os pais”.
Salvo o devido respeito não entendemos que o tribunal a quo possa extrair tal conclusão de forma segura apenas com os elementos constantes dos autos.
Tal como aliás não tem elementos para afirmar, de forma singela que todas as limitações e dificuldades que a menor enfrenta e apresenta são consequências do comportamento dos progenitores – já que inexiste nos autos qualquer relatório médico[5].
Não se escamoteia nem desvaloriza as demonstradas incapacidades dos progenitores em cumprir com o seu dever de educação dos filhos num ambiente são e seguro que a estes deve ser garantido, pois que o relacionamento daqueles tem sido pautado por conflitos motivo de separações diversas e o comportamento aditivo da progenitora ocorria mesmo na presença da menor, cujos cuidados ficavam negligenciados. Também é certo que até ao momento os progenitores não se mostraram capazes de adaptar/alterar a sua conduta de uma forma consistente e compatível com o que minimamente lhes é exigido para o exercício da parentalidade responsável e capaz de prover às necessidades da menor. E não obstante os compromissos assumidos perante as técnicas desde que em 2017 se iniciou a intervenção junto destes menores inicialmente sinalizados à CPCJ de G…, não lograram estes cumprir as obrigações assumidas.
Não podendo os menores e concretamente a menor B… ficar indefinidamente à espera que os progenitores alterem de forma significativa o seu comportamento.
Ainda assim é de referir que em 2019 (agosto) os progenitores denotavam capacidades satisfatórias para assegurarem aos filhos as necessidades de alimentação, habitação e saúde, apresar de indiciarem fragilidades ao nível dos cuidados de higiene pessoal e de vestuário dos mesmos, oscilando entre fases em que os filhos se apresentavam melhor cuidados e outras em que denotavam inferior investimento parental – vide fp 60.
E era a progenitora a figura parental de maior proatividade nas questões de funcionalidade/dinâmicas de índole doméstica, assumindo o progenitor maioritariamente as funções inerentes ao exercício da atividade laboral e sustento prioritário a nível económico do agregado – 61 fp. Evidenciando ambos os progenitores acentuada dificuldade na imposição de regras e limites aos filhos –vide fp 62.
Situação que motivou em agosto de 2019 a institucionalização dos dois menores rapazes, mas ainda a permanência da menor B… junto dos pais mas com apoio. Comprometendo-se os progenitores a diversas obrigações que não observaram – vide fp´s 69 e segs.
Em dezembro de 2019 os progenitores são despejados e o pai sai para casa de seu pai levando consigo a filha.
Tendo a progenitora – que inicialmente estava a ser orientada para uma habitação social - retomado a relação com o progenitor e se mudado para casa do sogro (fp´s 81 e 82).
Em janeiro de 2020 a progenitora evidenciava progressos ao nível do consumo do álcool mantendo-se abstinente.
E é já em março de 2020 – quando a OMS declarou o COVID-19 uma pandemia e em Portugal foi oficialmente diagnosticado o primeiro caso – que é verificado que a progenitora retomou a ingestão excessiva das bebidas alcoólicas, estando a menor em casa – pelo encerramento das escolas também nesse mês – a assistir à disfuncionalidade do agregado.
Neste contexto foi em abril aplicada à menor a medida provisória de acolhimento residencial, onde se manteve até ao presente, entretanto já ao abrigo de acordo de promoção e proteção homologado por sentença de 02/06/2020.
Desde então e não obstante as diversas diligências e contactos efetuados a progenitora não logrou vencer este problema.
As várias oportunidades que lhe foram concedidas e que esta desperdiçou são evidenciadas nos factos provados.
Este problema aditivo está também na origem dos problemas de relacionamento mantidos com o progenitor e que de forma repetida provocaram separação, seguidas de reconciliações por curtos espaços de tempo.
Clarifica-se e realça-se a este propósito que o problema não está no rompimento deste relacionamento que não é pressuposto nem é causa do decidido nos autos.
Com efeito se qualquer dos progenitores se apresentar/apresentasse em tempo útil como capaz de prover as necessidades dos menores e no que ora releva da menor B… por si só, apresentando um projeto de vida credível em que esta esteja incluída e assegurada a satisfação das suas necessidades a um são e pleno desenvolvimento num ambiente de afetividade, estabilidade e segurança, não teria/terá o processo o desfecho que ora se aprecia.
Situação de exercício das responsabilidades parentais por apenas um dos progenitores que na verdade nunca foi nesta perspetiva apresentada por qualquer um dos progenitores.
De qualquer modo, retomando agora a pelo tribunal a quo afirmada inexistência de vínculos afetivos próprios da filiação entre a menor e os pais, bem como o afirmado nexo causal entre o comportamento destes e as diversas dificuldades de desenvolvimento e relacionamento que motivam os diversos acompanhamentos da menor em consulta de desenvolvimento, terapia psicológica e terapia da fala (fp 127); na especialidade de pediatria do desenvolvimento, para além de ser também acompanhada em estomatologia (vide fp 159), ressalta não constar dos autos um único relatório médico. Não foi realizada – ou do processo não consta - qualquer perícia médico-legal à menor no âmbito da pedopsiquiatria.
Só com este relatório e perante factualidade que cabalmente o demonstre, se poderá com segurança afirmar quer o eventual nexo causal entre os comportamentos dos progenitores e as eventuais limitações e dificuldades que a menor apresenta no seu desenvolvimento tal qual o tribunal a quo o afirmou, quer o tipo de laços afetivos que ainda possam existir ou não entre a menor e seus pais.
Acrescenta-se deverá ainda nesta perícia ser analisada a ligação / laços afetivos existentes entre a menor e seus irmãos e benefícios que aportam à menor – não por que tal pese em concreto na apreciação da medida adotada e que foi objeto de recurso - mas por que tal poderá relevar nomeadamente para os efeitos previstos nos artigos 62ºA nº 7 da LPCJP e 1986º nº 3 do CC se a medida adotada vier posteriormente a ser confirmada ou, não o sendo, para a adequação de outras medidas que venham a ser estabelecidas.
Será assim útil obter previamente uma avaliação de tais problemas, avaliando as competências e limitações da menor e causas possíveis destas. Igualmente avaliando os vínculos afetivos com os progenitores e irmãos e benefícios e prejuízos que estes têm aportado ou poderão aportar à menor se mantidos ou excluídos. De igual modo também aos pais deverá ser efetuada uma perícia médico-legal no campo da psicologia com vista a clarificar as características de personalidade de cada um, eventuais patologias e competências para o exercício de uma parentalidade responsável incluindo as suas capacidades para alterar comportamentos e adequar os mesmos às necessidades da menor, conferindo prioridade no seu dia-a-dia ao bem-estar e são desenvolvimento da filha[6].
Num contexto apurado de contactos mais frequentes da progenitora, diários (telefonicamente) a partir de dezembro de 2020 e na sequência de um trabalho válido e desejável das técnicas que acompanham o caso de promover estes mesmos contactos – já que a medida então aplicada visava ainda promover condições para a reunificação familiar na sequência de mudanças de comportamentos que necessariamente os progenitores tinham de prosseguir – sendo os presenciais mais escassos (vide fp 171 e 172 e 173) – os quais não podem ser descontextualizados das eventuais dificuldades económicas e de deslocação (vide fp 167) e mesmo do contexto da pandemia Covid 19; e dos contactos mais escassos do progenitor tanto telefónicos (dois por mês) como presenciais (vide fps 157, 166, 171 a 173) não obstante a menor promova também estes (vide fp 157), não se nos afigura suficiente o apurado em 178 para concluir pela já mencionada desvinculação afetiva da menor para com os pais e destes para com aquela.
Tanto mais quando a mesma apresenta diversos problemas ao nível do desenvolvimento e relacionamento cujas causas do ponto de vista médico-legal se desconhecem e que têm justificado o já referido acompanhamento em várias valências, incluindo terapia psicológica.
Em suma reitera-se a necessidade de ser elaboradas perícias médico legais com os fins acima assinalados, único meio de com segurança apurar o tipo de vínculos afetivos que ainda permanecem entre progenitores e menor e desta com os irmãos, bem como as capacidades parentais dos progenitores.
Em função do que vier a resultar de tais perícias deverá ser aditada factualidade em conformidade com o que se apurar, concretizadora quer do tipo de vínculos afetivos que existem, quer das caraterísticas de personalidade de cada um dos progenitores, eventuais patologias e competências para o exercício de uma parentalidade responsável incluindo as suas capacidades para em tempo útil alterar comportamentos e adequar os mesmos às necessidades da menor, conferindo prioridade no seu dia-a-dia o bem-estar e são desenvolvimento da filha.
Por último suscitaram ainda os recorrentes a existência de uma alternativa à decidida medida que aliás pugnam seja adotada - de confiança da menor a um casal – I… e esposa J….
Casal que nos autos chegou a pedir autorização para visitar a menor e que foi recusado, atenta a medida já então proposta de aplicação à menor.
Neste ponto invocam os recorrentes, ainda que de forma indireta, a omissão de factos resultantes da prova produzida.
É certo que os recorrentes nas suas alegações aduzidas ao abrigo do artigo 114º da LPCJP nada alegaram a este propósito.
E como tal o debate judicial não tinha como objeto indicado pelas partes tal situação.
Contudo, na medida em que tal resultasse da prova produzida e assumisse relevo para a decisão da questão atenta a já referida natureza do processo de jurisdição voluntária[7], deveria o tribunal a quo ao abrigo dos seus poderes e na prossecução do superior interesse do menor ter aos autos conduzido os factos que entendesse por relevantes.
Em sede de fundamentação de facto foi justificado porque a menção a tal circunstancialismo não foi considerado – afirmando-se que tal casal surgiu como tentativa de impedir a aplicação da medida proposta não tendo “qualquer relação de vinculação com a menina conforme resulta das declarações prestadas em sede de debate judicial pela mãe, nem sequer foi falado nesta sede pelo pai e nunca demonstrou qualquer interesse até à realização do debate judicial em sequer visitar a criança, sendo assim irrelevante para a decisão da causa”.
Ou seja, o tribunal a quo analisou a questão e sem omitir o seu debate em sede de audiência, declarou a sua irrelevância com base num juízo de valor sobre a prova produzida.
Querendo, deveriam os recorrentes ter atacado a decisão de facto, impugnando a mesma e imputando erro de julgamento, atento o declarado em sede de fundamentação, o que não fizeram.
De qualquer modo, acrescenta-se ser uma realidade que a identificação do casal apenas foi aportada aos autos quando estava já agendado o debate judicial – vide als. L) a N) do relatório inicial que isto mesmo o demonstram.
Em momento anterior não tendo sido mencionada a existência do mesmo, sequer como possível apoio para a dinâmica familiar.
Mais e nos termos do artigo 43º da LPCJP a medida de confiança que os recorrentes invocam pressupõe a demonstração de relação de afetividade recíproca entre a criança e o casal.
Relação que dos autos não se evidencia, desde a altura em que em 2017 foram os menores sinalizados.
Acresce que a relevância do casal se e na medida em que se confirme a verificação dos pressupostos do artigo 1978º al. d) que conduziram à decisão tomada fica também prejudicada.
Nesta medida fica prejudicada a questão suscitada.
Sem prejuízo do assim decidido, caso das perícias a realizar venham a resultar factos que permitam concluir pela não verificação dos pressupostos do artigo 1978º do CC, então o tribunal a quo apreciará em função dos elementos que lhe forem presentes qual a melhor medida a tomar na defesa do superior interesse da menor.
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Concluindo, ao abrigo do disposto no artigo 662º nº 2 al. c) e nº 3 al. c) é de anular a decisão proferida para que o tribunal a quo determine com caráter de urgência a realização de perícias médico forenses:
- à menor no âmbito da pedopsiquiatria com vista à avaliação das competências e limitações da menor e causas possíveis destas.
Igualmente avaliando os vínculos afetivos com os progenitores e irmãos e benefícios e prejuízos que estes têm aportado ou poderão aportar à menor se mantidos ou excluídos.
- aos progenitores, recorrentes, perícia médico-legal no campo da psicologia com vista a clarificar as características de personalidade de cada um, eventuais patologias e competências para o exercício de uma parentalidade responsável incluindo as suas capacidades para alterar comportamentos e adequar os mesmos às necessidades da menor, conferindo prioridade no seu dia-a-dia o bem-estar e são desenvolvimento da filha.
Após a realização de tais perícias que têm nos termos legais caráter urgente, deverá o tribunal a quo oportunamente reabrir a audiência para querendo as partes em função dos novos elementos probatórios aportados aos autos alegar. Após proferindo nova decisão em conformidade, suprindo as lacunas anotadas por via da ampliação da decisão de facto.
IV. Decisão.
Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto e anular a decisão recorrida, com vista a serem realizados os exames médico-legais determinados, oportunamente proferindo nova decisão nos termos supra determinados.
Sem custas, por não serem devidas [artigo 4º nº 2 al. f) do RCP].
Porto, 2021-06-07
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
________________ [1] Lei que tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (vide artigo 1º). [2] Vide neste sentido Ac. TRL de 12/03/2019, nº de processo 1/16.7T1VFC.L1-7 in www.dgsi.pt; LPCJP anotada de Paulo Guerra, 3ª edição revista e aumentada de 2017, Almedina, em nota ao artigo 38ºA – nota 6, p. 116/117; LPCJP anotada de Tomé Ramião, 9ª edição em anotação ao artigo 38º A nota 3.1 [3] Mais recentemente o DL 139/2019 veio estabelecer o regime de execução do acolhimento familiar a que respeita a al. e) do nº 1 do artigo 35º e artigo 46º da LPCJP. Do respetivo preâmbulo se extraindo consistir esta medida na “atribuição da confiança da criança ou do jovem a uma pessoa singular ou a uma família habilitadas para o efeito, proporcionando a sua integração em meio familiar e a prestação de cuidados adequados às suas necessidades e bem-estar e a educação necessária ao seu desenvolvimento integral, tendo como pressupostos de aplicação e de execução a previsibilidade da reintegração da criança ou do jovem na família de origem ou em meio natural de vida, a sua confiança a pessoa idónea ou a familiar acolhedor ou não sendo possível qualquer das situações referidas, a preparação da criança ou do jovem para a confiança com vista à sua adoção ou para a autonomia de vida.” [4] E o DL 164/2019 veio estabelecer o regime de execução do acolhimento residencial, medida de promoção dos direitos e de proteção das crianças e jovens em perigo, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 35.º e nos artigos 49.º a 51.º da LPCJP De cujo preâmbulo resulta a afirmação de que “Enquanto medida de colocação, o acolhimento residencial assenta no pressuposto do regresso da criança ou do jovem à sua família de origem ou ao seu meio natural de vida ou, atendendo à idade e grau de maturidade, à sua preparação para a autonomia de vida ou, sempre no seu superior interesse, a uma confiança com vista à adoção ou apadrinhamento civil.” [5] Foram consultados os autos principais para confirmação da inexistência de qualquer relatório médico referente à menor B…. [6] A necessidade de constatação de limitações do exercício da parentalidade e do potencial de alterações no exercício da parentalidade como pressuposto da reunificação unifamiliar são questões abordadas de forma clara quer na apresentação de Maria do Rosário Ataíde in e-book CEJ, Formação Contínua in cej.mj.pt “ A Criança em Perigo e a Promoção e Proteção do Seus Direitos – Multiplicidade na sua intervenção” – Julho de 2020 - “Medidas de proteção e projeto de vida da criança – do meio natural de vida ao regime de colocação” quer por Helena Lamas in “A CRIANÇA EM PERIGO E A PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DOS SEUS DIREITOS – MULTIPLICIDADE NA INTERVENÇÃO” no mesmo e-book do CEJ. Aqui mais se realçando: - perfilando-se a “hipótese da aplicação da medida de proteção prevista na alínea g) do artigo 35.º da LPCJP, encontrando-se a criança acolhida por força de uma decisão cautelar: aquando da conferência, celebrando-se acordo de promoção e proteção, com aplicação da medida de acolhimento residencial, é imprescindível que os pais saibam quais as ações concretas que devem levar a cabo para recuperar a custódia dos filhos.” - sendo útil neste tipo de situações introduzir “nos acordos de promoção e proteção a sujeição dos progenitores a avaliação psicológica das suas competências parentais, elemento importantíssimo para, conjuntamente com outros factos que resultem provados em sede de debate judicial, integrar a previsão do artigo 1978.º, n.º 1, do C.C., nomeadamente a sua alínea d).” [7] Tal como sumariado no Ac. do STJ de 1203/12.0TMPRT-B.P1.S1 in www.dgsi.pt nos processos de jurisdição voluntária é conferido a juiz o poder: “II- (…) para investigar livremente os factos necessários à decisão e de recolher as provas que entendam pertinentes, rejeitando as demais (art. 986.º, n.º 2, do CPC), o poder de decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade (art. 987.º do CPC) e, na generalidade dos casos, o poder de adaptar a solução definida à eventual evolução da situação de facto (art. 988.º, n.º 1, do CPC) – afastando, quando conveniente, certos princípios, conformadores do processo civil em geral, que disciplinam a sua intervenção enquanto órgãos incumbidos de resolver litígios que se desenrolam entre partes iguais, perante os quais têm de adotar uma posição de rigorosa imparcialidade. III - Dotado destes meios, o tribunal deve assumir (nesse sentido, parcialmente) a defesa do interesse que a lei lhe confia – no caso dos processos de promoção e proteção, o “interesse superior da criança e do jovem”, como expressamente afirma a al. a) do art. 4.º da LPCJP – ainda que essa defesa implique fazê-lo prevalecer sobre outros interesses que eventualmente estejam envolvidos ou mesmo em oposição”.