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CONTRATO DE TRANSACÇÃO
JUDICIAL OU EXTRAJUDICIAL
IRS
ÓNUS DA PROVA
Sumário
I - A transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões. II - A transacção judicial constitui uma espécie desse tipo contratual, que se caracteriza pelo facto de ocorrer no âmbito de um processo pendente no tribunal, estando sujeita a homologação judicial. III – Caso no âmbito de uma acção judicial de impugnação de despedimento, trabalhador e empregador acordarem na cessação do contrato de trabalho, mediante o pagamento de uma determinada indemnização, só não será tributada ao trabalhador, em sede de IRS: (i) se o seu valor for inferior ao legalmente previsto para efeitos de tributação; (ii) se na respectiva transacção ficar acordado que o valor dessa indemnização é líquido, livre de qualquer custo adicional, incluindo em sede de IRS. IV – A prova dos factos da transacção extrajudicial, não sujeita a homologação judicial, cabe à parte que invocar o respectivo direito, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do C. Civil.
Texto Integral
Proc. n.º 3219/19.7T8AVR.P1
Origem: Comarca Aveiro -Aveiro-Juízo Trabalho-J1
Relator - Domingos Morais - Registo 900
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto: I – Relatório
1. –B… intentou acção comum na Comarca Aveiro-Aveiro-Juízo Trabalho-J1, contra C…, nos autos identificados, alegando, em resumo, que:
A Autora foi funcionária da Ré C…, de junho de 2000 a setembro de 2006.
Durante esse período a Autora exerceu as funções de administrativa, responsável de balcão e, por último, responsável do Departamento de Auditoria Interna.
Foi ilicitamente despedida pela Ré.
Despedimento este, que foi impugnado judicialmente dando dessa forma origem ao processo nº 841/05.2TTAVR que correu termos no extinto Tribunal de Trabalho de Aveiro, 1ª Secção.
O referido processo culminou num acordo celebrado entre ambas as partes devidamente homologado. (cfr. doc. N.º 1 que ora se junta e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
Conforme se poderá constatar da cláusula 3ª do documento junto no artigo anterior da presente peça processual, uma parte da referida indemnização traduziu-se no reconhecimento por parte da Ré de que o mútuo que a A. havia contraído junto da Ré para aquisição de habitação própria permanente (contrato de mútuo com o número ………….) se encontrava integralmente liquidado, “A Ré reconhece que o mútuo para efeitos de crédito de habitação com o nº …………… que celebrou com a autora e com o marido D…, se encontra integralmente liquidado, obrigando-se no prazo de 45 dias a cancelar a correspondente hipoteca e a saldar todos os demais encargos decorrentes e inerentes ao referido mútuo, designadamente seguros e encargos associados…”. (Cfr. Vide Cláusula 3.º do Doc n.º 1.)
Mais acresce que, no próprio Tribunal de Trabalho a 06/09/2006, no decurso das negociações com vista à obtenção do acordo que se viria a homologar e antes do término do mesmo, ficou também extrajudicialmente acordado, o modo como a contabilização da operação de liquidação do aludido crédito à habitação seria efetuada. (cfr. doc. n.º 2 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.)
Ora, com a antedita declaração extrajudicial pretendeu-se que a A. ficasse completamente isenta das respetivas “penalizações” fiscais em sede de IRS, salvaguardando-se e respeitando-se o valor do acordo alçado em Tribunal, de onde resulta cristalino que a A. ficava com a sua casa de habitação integralmente paga e sem quaisquer encargos inerentes ou decorrentes do acordo com a liquidação do mútuo.
Sucede que, contrariamente ao que seria previsível tendo em consideração a declaração pela Ré emitida, a mesma não procedeu do modo como se obrigou e, antes pelo contrário, resolveu proceder à liquidação do crédito à habitação através de uma conta que decidiu abrir em nome da A., sem a sua autorização e sem a sua assinatura e do seu marido, violando todas as normas legais nesta matéria, para onde transferiu o valor do mútuo, valor esse que classificou contabilisticamente como rendimentos de trabalho dependente, como se aquele valor fosse proveniente de trabalho prestado pela A. e não como fruto de uma indemnização por um despedimento ilícito que causou gravíssimos prejuízos à A., já existentes à data do acordo.
Ora, este comportamento originou que em vez de ser a Ré a suportar a tributação em sede de IRC, conforme sucederia se tivesse cumprido a contabilização acordada na referida declaração, foi a aqui Autora que sofreu as consequências fiscais provenientes da sobredita operação de liquidação, na medida em que tais factos deram origem a que a Autora tivesse que suportar, por via da liquidação do mútuo e sua contabilização, a quantia de 26.950,84€ (vinte e seis mil, novecentos e cinquenta euros e oitenta e quatro cêntimos), valor apurado em sede da liquidação de IRS de 2006! (crf. docs. N.º 3 e 4 que se juntam e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais).
Terminou, concluindo: “deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência: a) Ser a R. condenada no pagamento à Aurora da quantia de 26.950,84€ (vinte e seis mil, novecentos e cinquenta euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida dos juros vencidos e vincendos contados a partir da data do efetivo pagamento à Fazenda Nacional até à data do integral pagamento, conforme peticionado; b) Custas e demais encargos com o processo.”. 2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, impugnando os factos alegados na petição inicial, e concluindo pela sua absolvição. 3. - No despacho saneador, foi fixado o valor da acção em €26.950,84. 4. - Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, o Mmo Juiz proferiu a seguinte decisão:
“I. Julgar improcedente a acção, absolvendo a R. do pedido. II. Julgar improcedente o pedido de condenação como litigante de má-fé formulado pela R. contra a A. Custas pela A. (art.º 527º n.ºs 1 e 2 do Cód. de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.”. 5. – A autora apresentou recurso de apelação, concluindo: ………………………………………. ………………………………………. ………………………………………. 6. – A ré contra-alegou, concluindo: ……………………………………….. ……………………………………….. ……………………………………….. 7. - O M. Público, junto deste Tribunal, não emitiu parecer, por inaplicável o artigo 87.º. n.º 3 do CPT. 8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. - Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foi proferida a seguinte decisão sobre a matéria de facto:
“Provados estão os seguintes factos:
1. A A. foi funcionária da R. de Junho de 2000 a Setembro de 2006.
2. Durante esse período, a A. exerceu as funções de administrativa, responsável de balcão e, por último, responsável do departamento de auditoria interna.
3. A A. foi ilicitamente despedida pela R., despedimento esse que foi impugnado judicialmente, dando origem ao processo n.º 841/05.2TTAVR que correu termos no extinto Tribunal de Trabalho de Aveiro, 1ª Secção.
4. O referido processo culminou num acordo celebrado entre ambas as partes, judicialmente homologado, no qual a R. reconheceu a ilicitude do despedimento em causa, tendo ficado consignado o valor de indemnização a pagar à A..
5. Uma parte da referida indemnização traduziu-se no reconhecimento por parte da R. de que o mútuo que a A. havia contraído junto da R. para aquisição de habitação própria permanente (contrato de mútuo com o número ………..) se encontrava integralmente liquidado - «A Ré reconhece que o mútuo para efeitos de crédito de habitação com o n.º ………… que celebrou com a autora e com o marido D…, se encontra integralmente liquidado, obrigando-se no prazo de 45 dias a cancelar a correspondente hipoteca e a saldar todos os demais encargos decorrentes e inerentes ao referido mútuo, designadamente seguros e encargos associados (…)».
6. No próprio Tribunal de Trabalho, a 06/09/2006, no decurso das negociações com vista à obtenção do acordo que se viria a homologar e antes do término do mesmo, ficou também extrajudicialmente acordado o modo como a contabilização da operação de liquidação do aludido crédito à habitação seria efectuada, tendo a R. emitido declaração para o efeito, com o seguinte teor:
«A Direcção da C1…, aqui representada pelos Senhores Directores Eng. E… e Dr. F…, declara, para efeitos da consecução do clausulado quanto à liquidação do Contrato de Mútuo para aquisição de habitação própria estipulado no processo 841/05.2TTAVR, com o n.º ……….., que tal operação se processará da seguinte forma: - A C1… solicitará a Rural Informática a criação de uma nova conta associada ao sobredito empréstimo; Conta de D.O. titulada pela C…; - Criada tal conta, a liquidação do Mútuo será liquidada através dela. (…).”.
7. A aqui A. intentou, no então Tribunal de Trabalho de Aveiro, execução de sentença homologatória da transacção efectuada no processo n.º 841/05.2TTAVR, da 1ª Secção do referido Tribunal, visando que lhe fosse paga a quantia de €100.000,00.
8. Tal pretensão veio a improceder, por força da decisão final proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso.
9. Também no Juízo do Trabalho de Aveiro, a A. interpôs acção, que cursou sob o n.º 272/14.3T4AVR, da 2ª Secção, que cessou por desistência da instância por parte da A..
10. A A. instaurou contra a R., nos Juízos de Grande Instância Cível de Aveiro (Juiz 3), acção de processo ordinário, com o n.º 2544/12.2T2AVR, que terminou na audiência prévia ocorrida a 08/05/2014, mediante transacção, com o seguinte teor: «1) A A. desiste do pedido, reconhecendo a bondade dos documentos que pôs em crise nos presentes autos e que se destinaram ao cancelamento da hipoteca que incidiu sobre a fracção identificada nos autos. 2) A Ré aceita a desistência do pedido formulado e, entendendo a declaração sobre a bondade dos documentos que legitimaram o cancelamento da hipoteca como uma retractação do afirmado na douta p.i., irá desistir da queixa crime apresentada contra a autora referente ao processo que corre termos na 3ª Secção do Diap de Aveiro sob o nº 164/13.3T3AVR, bem como se compromete a diligenciar no sentido do outro queixoso/assistente identicamente desistir do referido processo criminal e igualmente formular pedido de desistência de queixa. 3) Igualmente a ré compromete-se, para efeitos exclusivamente tributários, a emitir uma declaração no sentido de que a quantia de 91.276,79€ paga à autora no âmbito do processo laboral que correu termos sob o nº 841/05.2TTAVR o Tribunal do Trabalho de Aveiro, foi liquidada a título de compensação por danos emergentes da cessação do referido contrato”. 4) Caso venha a ser exigido pela autora à ré, a ré compromete-se a proceder à rectificação do anexo J apresentado à Autoridade Tributária, onde foi declarado o montante referido na cláusula anterior. 5) Como confluência do compromisso anterior, a ré compromete-se a não deduzir qualquer oposição à pretensão manifestada pela aqui autora, também nestas vestes, no processo com o nº 272/14.3T4AVR cursa pela 2ª secção do Juízo do Trabalho de Aveiro. 6) Custas na proporção de ¾ para a autora e ¼ para a ré.».
11. A R. emitiu declaração com o seguinte teor:
«DECLARAÇÃO
C…, portadora do NIPC ………, com sede na Rua…, ….-… …, declara que a quantia de €91.276,79 (noventa e um mil, duzentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos), paga em 28 de Setembro de 2006, à Exma. Senhora B…, Contribuinte Fiscal n.º ………, com residência na Rua…, n.º ..., …, ….-… Aveiro, no âmbito do processo laboral que correu termos sob o n.º 841105.2TTAVR, pelo Tribunal do Trabalho de Aveiro, foi liquidada a título de compensação por danos emergentes da cessação do contrato de trabalho. A presente declaração é emitida única e exclusivamente para fins tributários. Vagos, 14 de Maio de 2014 (…)».
12. A R. remeteu à Autoridade Tributária e Aduaneira comunicação datada de 05/06/2014, com o seguinte teor: «Assunto: Retificação de Declaração Modelo 10/ Anexo J, do ano 2006 EX-COLABORADORA: B… NIF ……… Vagos, 05 de Junho de 2014 Exmo/a(s). Senhor(a)/(s), C…, NIF ………, com sede na Rua…, na vila de Vagos, vem, por este meio informar e expor o seguinte: a) No ano 2006, no âmbito do processo nº 841/05.2TAVR1 que correu termos no Tribunal de Trabalho de Aveiro, a C… e a sua ex-colaboradora acima identificada, lograram alcançar acordo de transação, b) No âmbito desse acordo, a C… (ré) aceitou pagar e a ex-colaboradora (autora) aceitou receber o seguinte: i - A quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), em cheque, a título de indemnização pela rescisão do contrato de trabalho. ii - A quantia de €91.276,79 (noventa e um mil duzentos e setenta e seis euros setenta e nove cêntimos) a título de compensação por danos emergentes da cessação do contrato de trabalho, importância esta, consubstanciada na liquidação integral do empréstimo para crédito a habitação, que esta havia contraído junto da Instituição C…. iii - Recebeu ainda, a autora, a importância de €13.895,23 (treze mil oitocentos e noventa e cinco euros e vinte e três cêntimos), a titulo de remunerações, pelo serviço prestado durante o ano de 2006, tudo devidamente explicitado em anexo (Doc. 1). c) Em 08.05.2014, no âmbito do processo nº 2544/12T2AVR, que correu os seus termos no Tribunal de Trabalho de Aveiro, a C… (ré) e a ex-colaboradora acima identificada (autora), lograram chegar a acordo, nos termos da acta de audiência prévia que se junta. (Doe. 2), d) Tendo nos termos do nº 3) da transação, sido emitida pela C…, a declaração que se anexa. (Doc. 3); e) Em 30.05.2014, foi a C… notificada, pela autora, a fim de ser dado cumprimento ao disposto no nº 4) da transação efectuada no processo (rectificação do anexo J, do modelo 10, apresentado com referência ao ano 2006) (Doc. 4). Assim, vem a C…, junto de V. Exas. solicitar a rectificação do anexo J, da declaração modelo 10 apresentada, relativamente ao ano 2000, a fim de dar cumprimento integral ao acordo transacionado em 08.05.2014, no Tribunal de Trabalho de Aveiro, no âmbito do processo nº 2544/12.2T2AVR. Espera deferimento, Junta 4 documentos (…)»
13. A A. e D… auferiram no ano de 2016 o rendimento global de 110.894,02, apresentando um rendimento colectável de €104.053,72, tendo pago de IRS € 26.472,18, através de cheque, com o n.º ………., sacado sobre conta da A. na G…, emitido à ordem de IGCP-IP.
14. No ano de 2016, a A. recebeu de rendimento de trabalho dependente a quantia de €98.516,59, tendo sido retido na fonte, a título de IRS, a quantia de €1.940,13.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC, aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do CPT, e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. - Questão prévia:
- Da junção de documentos com as alegações de recurso. 2.1. - No corpo das alegações de recurso, a recorrente tece várias considerações sobre a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida, concluindo nalgumas delas: “(Vide a este respeito documento n.º 1 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais, e junto às presentes alegações com base no artigo 651.º CPC.); Tal explicação, mostra-se presentemente necessária em face de, no âmbito da sentença de que ora se recorre, ter sido dado como provado, o facto n.º 14, o que legitima nos termos do preceituado no artigo 651.º do CPC., a junção às presentes alegações de recurso do documento n.º 2 cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. Ora, no que se refere à questão de saber se os €26.472,18 correspondem apenas e só a IRS relativo à operação de liquidação do empréstimo – e não já a outros rendimentos auferidos em 2006 pela A. e marido, tendo tal questão sido apenas e só suscitada no âmbito da audiência de discussão e julgamento pelo Meritíssimo Juiz não foi possível à Autora responder cabalmente à questão suscitada, pois não dispunha em sede de audiência de documentação para esse efeito, pelo que vem a mesma nos termos do preceituado no artigo 651.º do Código Processo Civil juntar para o efeito certidão das finanças. (Documento. n.º 3 que se junta e cujo conteúdo se da por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais). Como preceitua o referido artigo e segundo a interpretação da jurisprudência dominante, nomeadamente o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no Proc. 628/13.9TBGRD.C1, quando ali se diz que “ Note-se que o artigo 651º, nº 1 do CPC também admite, no seu trecho final, a junção de documentos com as alegações de recurso nos casos em que o julgamento proferido em primeira instância torne necessária a consideração desse documento. Pressupõe esta situação, todavia, a novidade da questão decisória justificativa da junção pretendida, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão, sendo que isso exclui que a decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.”.
E no final: “JUNTA: 3(Três) documentos juntos ao abrigo do preceituado no artigo 651.º do Código Processo Civil.”.
No entanto, juntamente, com as alegações de recurso, a recorrente juntou seis documentos:
- o primeiro é uma Certidão da AT (Autoridade Tributária) sobre Declaração Anual de IRS do ano de 2006 e do Modelo DMR– ano fiscal 2014, datada de 01 de julho de 2020, composta por três documentos, todos com datas até 2014.
- o segundo é uma petição inicial da autora datada de 7 de fevereiro de 2014.
- o terceiro é uma decisão judicial datada de 8 de Maio de 2014.
- o quarto é um requerimento da autora datado de 29 de Maio de 2014.
- o quinto é um despacho judicial datado de 19 de maio de 2014.
- o sexto é um despacho judicial datado de 2 de Junho de 2014. 2.2 - Notificada, a ré pronunciou-se pelo indeferimento de tal pretensão e subsequente desentranhamento com a respectiva devolução à recorrente. 2.3. – É consabido que a junção de documentos, em sede de recurso, é excepcional, só podendo ter lugar quando a sua apresentação não tenha sido possível até então – superveniência -, ou quando a sua “junção apenas se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instância”. – cf. artigos 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do Código de Processo Civil.
No caso em apreço, a recorrente juntou 6 (seis) documentos, todos datados de 2006 a 2014, incluindo os três documentos certificados pela AT.
Deste modo, os documentos não são supervenientes, quer objectiva - reportam-se a um tempo anterior à sentença recorrida -, quer subjectivamente, dado que a recorrente não alegou que só agora – aquando da apresentação – fossem os mesmos conhecidos.
Além disso, a sua junção não se veio a revelar necessária por virtude do julgamento proferido em 1ª instância, isto é, a decisão recorrida não se baseou em meio probatório inesperado, junto por iniciativa do tribunal, ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes, justificadamente, não tivessem contado.
[cf., por exemplo, acórdão do TRG de 24.04.2019 proc. n.º 3966/17.8T8GMR.G1, em www.dgsi.pt].
Em conclusão: não estando preenchidos os requisitos da excepcionalidade prevista nos artigos 651.º, n.º 1 e 425.º, ambos do CPC, não se admite a junção dos documentos em causa, que deverão ser devolvidos à recorrente.
3. – Objecto do recurso
- Da modificabilidade da decisão de facto.
- Do incumprimento da transacção extrajudicial celebrada pelas partes, sobre o pagamento do IRS.
4. - Da modificabilidade da decisão de facto.
4.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do CPC, dispõe:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a)Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: A Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”. 4.2. - Em comentário ao citado artigo, António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126, 127 e 129, escreve que “(…) O recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos (…); (…), pretendendo o recorrente a modificação da decisão da 1.ª instância e dirigindo uma tal pretensão a um tribunal que nem sequer intermediou a produção da prova, é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos regras muito precisas (…)”, acrescentado ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.
A jurisprudência do STJ, quanto ao ónus que recai sobre o recorrente que pretenda ver impugnada a matéria de facto, defende que se exige do recorrente que dê cumprimento ao ónus de alegação, devendo obrigatoriamente especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primo: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Secundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Tertio: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.
[Cf., também, sobre esta matéria, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, pág. 465 e que, nesta parte, se mantém actual].
No acórdão do STJ, de 09.07.2015, in www.dgsi.pt, foi escrito:
“Como também se teve já a ocasião de observar (cfr. “Notas sobre o novo regime dos recursos no Código de Processo Civil”, in O Novo Processo Civil, Contributos da doutrina para a compreensão do novo Código de Processo Civil, caderno I, Centro de Estudos Judiciários, Dezembro de 2013, pág. 395 e segs)., a reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis, aliás modificado significativamente pouco tempo antes, pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto; mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o actual Código de Processo Civil, disponível em www.parlamento.pt .
Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995.
Com efeito, o n.º 1 do artigo 640.º vigente:
- Manteve a indicação obrigatória“dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),
- Manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), - Exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto.”.
A interpretação desta nova alínea c), do artigo 640.º, do CPC, é-nos dada por Abrantes Geraldes, podendo ler-se a este propósito que:
“O Recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem no reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente…”. (negrito nosso)
[Cf. António Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª Edição, pág. 133].
Neste sentido, o acórdão STJ, de 07.07.2016, in www.dgsi.pt, considerou que:
“I.- Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.
II. - Não tendo o recorrente cumprido o ónus de indicar a decisão a proferir sobre os concretos pontos de facto impugnados, bem andou a Relação em não conhecer da impugnação da matéria de facto, não sendo de mandar completar as conclusões face à cominação estabelecido naquele nº 1 para quem não os cumpre.”. (negrito nosso).
E o acórdão do STJ de 27.10.2016, no qual se pode ler: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto.”…(…).”.
Também no acórdão do TRP de 15.04.2013, in www.dgsi.pt, se pode ler: “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos). E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”. (negrito nosso)
[cf. ainda o acórdão do TRP de 22.10.2018, in www.dgsi.pt].
Apreciemos. 4.3. - Em sede de impugnação da decisão sobre matéria de facto – conclusões 1.ª a 17.ª -, em particular, na 14.ª conclusão de recurso, a autora indica quais os artigos dos articulados – o artº 23 da PI e os artºs 11 e 12 da Contestação – de que discorda da resposta dada na sentença recorrida, alegando: “para a Recorrente, andou mal o Tribunal a quo, na Resposta À Matéria De Facto Controvertida ao considerar, contra toda a prova produzida documentalmente e contra os testemunhos produzidos em sede de audiência de julgamento, como não provado o Artº 23 da PI e ao dar como factos provados o teor dos Artº 11 e 12 da Contestação.”.
Nas conclusões 23.ª e 24.ª impugnou o ponto 14.º dos factos provados.
E indicou como prova para a pretendida alteração: (i) a prova documental junta aos autos; (ii) as suas declarações de parte (iii) e o depoimento da testemunha H….
No entanto, não apresentou qualquer proposta de decisão que devesse ser proferida sobre o teor de cada um dos artigos indicados, como impõe a alínea c) do n.º 1 do citado artigo 640.º do CPC, tanto mais que o teor do artigo 23.º da PI não contem factos reais e concretos, que possam ser subsumíveis ao direito, mas apenas uma “consideração” da autora: “Considera a Autora, que estamos perante uma sequência de obrigações transacionadas entre as Partes em causa, obrigações que foram pela Ré sequencialmente incumpridas com o único e claro objetivo de não ressarcir a Autora pelo prejuízo que esta sofreu em consequência desses consecutivos incumprimentos.”.
Por outro lado, importava também saber qual a concreta proposta de redacção sobre o teor dos artigos 11.º e 12.º da contestação – [“11. Sendo certo que a ali Ré e aqui contestante realizou todas as acções que acordou em tal “transação” e “12. Na verdade, emitiu a declaração e procedeu à alteração do anexo J – cfr. doc. 4 que ora se junta – e desistiu dos procedimentos criminais instaurados (como o fez, de resto, o outro queixoso, atenta a intervenção da aqui e ali Ré).”] - já que da decisão de facto consta:
“Arts. 11 e 12: Provado apenas, para além do que consta da resposta aos arts. 19, 20, 21, 22 e 21 (repetido) da petição inicial, que a R. emitiu declaração com o seguinte teor: «DECLARAÇÃO C…, portadora do NIPC ………, com sede na Rua…, ….-… Vagos, declara que a quantia de €91.276,79 (noventa e um mil, duzentos e setenta e seis euros e setenta e nove cêntimos), paga em 28 de Setembro de 2006, à Exma. Senhora B…, Contribuinte Fiscal n.º ………, com residência na Rua…, n.º.., …, ….-… Aveiro, no âmbito do processo laboral que correu termos sob o n.º 841105.2TTAVR, pelo Tribunal do Trabalho de Aveiro, foi liquidada a titulo de compensação por danos emergentes da cessação do contrato de trabalho. A presente declaração é emitida única e exclusivamente para fins tributários. Vagos, 14 de Maio de 2014 (…)».
E no que reporta ao ponto 14.º dos factos provados alegou:
“Acresce que, para a Recorrente, andou mal o Tribunal a quo, ao considerar como provado o facto n.º14 nos exatos termos enunciados, ou seja, “No ano de 2016, a A. recebeu de rendimento de trabalho dependente a quantia de €98.516,59, tendo sido retido na fonte, a título de IRS, a quantia de €1.940,13.”, quando aquilo que, resulta como provado da nota de liquidação junta aos Autos, é que foram declarados e comunicados à Autoridade Tributária (ainda que erradamente) como rendimentos de trabalho dependente a quantia de €98.516,59.”.
No entanto, também não apresentou qualquer proposta concreta de decisão.
Além disso, a autora também não individualizou o concreto meio de prova a cada facto, isto é, não particularizou as declarações de parte, o depoimento testemunhal, bem como os documentos por referência a cada um dos factos que impugnou.
E essa individualização era essencial para se perceber qual a verdadeira alteração que a autora recorrente pretende, atento o transcrito teor de cada um dos artigos dos articulados impugnados.
Assim, por incumprimento do prescrito nas alíneas c) e b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, rejeita-se a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
5. – Do incumprimento da transacção extrajudicial celebrada pelas partes, sobre o pagamento do IRS. 5.1. - Na sentença recorrida foi consignado:
“Tendo as partes, no decurso das negociações com vista à obtenção da transacção, acordado extrajudicialmente quanto ao modo como a contabilização da operação de liquidação do crédito à habitação seria efectuada, emitindo a R. uma declaração para o efeito (com o teor transcrito no n.º 6 dos factos provados), segundo a qual seria criada uma nova conta de depósitos à ordem associada ao empréstimo, conta essa que seria titulada pela R., sendo o débito respeitante ao empréstimos liquidado através dela.
Como resulta do art. 2º n.ºs 3, al. e) e 4 do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares então vigente, a indemnização devida ao trabalhador pela cessação do contrato de trabalho era sujeita a tributação em sede de IRS, na parte que excedesse o valor correspondente a uma vez e meia a média das remunerações regulares com carácter de retribuição sujeitas a imposto, auferidas nos últimos 12 meses, multiplicado pelo número de anos ou fracção de antiguidade do trabalhador.
Na tese da A. - que suporta o pedido formulado nos presentes autos - a intenção de ambas as partes ao outorgarem a transacção e definirem por acordo extrajudicial os termos em que o empréstimo seria liquidado, expressos na emissão pela R. da sobredita declaração, foi fazer com que a R. suportasse o IRS que fosse devido pela parte da indemnização pelo despedimento paga mediante a liquidação do empréstimo da A., em lugar de ser a A. a suportá-lo, como era suposto acontecer.
Nos termos do art. 1248º do Cód. Civil, “1. Transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões. 2. As concessões podem envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido”.
A transacção judicial constitui uma espécie desse tipo contratual, que se caracteriza pelo facto de ocorrer no âmbito de um processo pendente no tribunal, estando sujeita a homologação judicial.
Ficando a interpretação do seu sentido e alcance sujeita às regras gerais da interpretação das declarações negociais, consagrada no art.º 236º n.º 1 do Código Civil, segundo a qual “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento da declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele”. Sendo que, como estabelece o n.º 2 do mesmo preceito legal, “Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
À luz desses critérios interpretativos e seguindo a bitola de um normal declaratário, não nos parece que dos termos da transacção e do teor da declaração emitida pela R. resulte que a intenção das partes foi a de colocar ao encargo da R. a responsabilidade pelo pagamento do IRS que fosse devido pela A., em razão da indemnização estabelecida pela ilicitude do seu despedimento.
Sendo sobre a A. que impendia o ónus de o demonstrar, em conformidade com a regra nessa matéria estabelecida no art. 342º n.º 1 do Cód. Civil.”. 5.2. – A autora alega que “a Ré não cumpriu a transação extrajudicial onde ficou estipulado a forma como a contabilização do mútuo iria ser efetuada, tendo em consequência sido tributada a Autora como corolário directo desse incumprimento”. 5.3. - Quid iuris?
Está dado como provado:
“3. A A. foi ilicitamente despedida pela R., despedimento esse que foi impugnado judicialmente, dando origem ao processo n.º 841/05.2TTAVR que correu termos no extinto Tribunal de Trabalho de Aveiro, 1ª Secção.
4. O referido processo culminou num acordo celebrado entre ambas as partes, judicialmente homologado, no qual a R. reconheceu a ilicitude do despedimento em causa, tendo ficado consignado o valor de indemnização a pagar à A..
5. Uma parte da referida indemnização traduziu-se no reconhecimento por parte da R. de que o mútuo que a A. havia contraído junto da R. para aquisição de habitação própria permanente (contrato de mútuo com o número …………) se encontrava integralmente liquidado - «A Ré reconhece que o mútuo para efeitos de crédito de habitação com o n.º ……….. que celebrou com a autora e com o marido D…, se encontra integralmente liquidado, obrigando-se no prazo de 45 dias a cancelar a correspondente hipoteca e a saldar todos os demais encargos decorrentes e inerentes ao referido mútuo, designadamente seguros e encargos associados (…)».
6. No próprio Tribunal de Trabalho, a 06/09/2006, no decurso das negociações com vista à obtenção do acordo que se viria a homologar e antes do término do mesmo, ficou também extrajudicialmente acordado o modo como a contabilização da operação de liquidação do aludido crédito à habitação seria efectuada, tendo a R. emitido declaração para o efeito, com o seguinte teor: (…)”. (negrito e sublinhado nossos).
Nos termos do artigo 2.º - Rendimentos da categoria A -, n.º 3, alínea e), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, “3 - Consideram-se ainda rendimentos do trabalho dependente: e) Quaisquer indemnizações resultantes da constituição, extinção ou modificação de relação jurídica que origine rendimentos do trabalho dependente, incluindo as que respeitem ao incumprimento das condições contratuais ou sejam devidas pela mudança de local de trabalho, sem prejuízo do disposto no número seguinte e na alínea f) do n.º 1 do artigo seguinte;”.
Assim, se no âmbito de uma acção judicial de impugnação de despedimento, trabalhador e empregador acordarem na cessação do contrato de trabalho, mediante o pagamento de uma determinada indemnização, só não será tributada ao trabalhador, em sede de IRS: (i) se o seu valor for inferior ao legalmente previsto para efeitos de tributação; (ii) se na respectiva transacção ficar acordado o contrário, isto é, que o valor dessa indemnização é líquido, livre de qualquer custo adicional, a suportar pelo empregador, se for o caso.
Da matéria de facto provada, incluindo no ponto 12.º, não é possível concluir, com a certeza e segurança jurídicas que o direito impõe, que o valor da indemnização acordada, no âmbito do processo n.º 841/05.2TTAVR, era líquido, isto é, livre de qualquer custo adicional para a autora, incluindo em sede de IRS.
Se tal foi extrajudicialmente acordado, isto é, se a intenção das partes foi colocar a cargo da ré o pagamento do imposto que fosse devido no âmbito dessa transacção, competia à autora provar, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do C. Civil.
Ora, a autora não fez prova de que “a quantia de €91.276,79”, a pagar pela ré, “a título de compensação por danos emergentes da cessação do contrato de trabalho” - incluindo a componente que passava pela liquidação do empréstimo contraído pela autora e, então marido, junto da ré -, era líquida, isto é, livre de qualquer custo adicional, incluindo em sede de IRS.
Assim sendo, improcede o recurso da autora.
IV. – A decisão
Atento o exposto, acórdão os Juízes que compõem esta Secção Social em julgar a apelação improcedente, e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
As custas do recurso de apelação são a cargo da recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário.
Porto, 2021.06.23
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha