I - Tendo o arguido prestado TIR, nele indicando morada da qual se ausentou, indo viver para o estrangeiro, sem comunicar ao tribunal a nova residência ou o lugar onde podia ser encontrado, a afirmação de que a não notificação do acórdão lhe não é imputável carece de qualquer razoabilidade: o arguido tinha a seu cargo a obrigação de comunicação da nova residência; não o tendo feito, a demora na notificação do acórdão é-lhe naturalmente imputável.
II - Atenta a natureza facultativa do relatório social, a omissão da sua realização poderá, quando muito, constituir uma irregularidade prevista no art. 123.º do CPP (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª ed., 950, Acs. STJ de 8/11/2018, Proc. 2760/14.2T3SNT.L1.S1, de 18/4/2018, Proc. 29/18.2YRPRT.S1 ou de 15/6/2011, Proc. 721/08.0GBSLV.E2.S1); e a ser assim, só determinará a invalidade do acto “quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado”.
III - Estando o defensor do arguido presente na sessão da audiência onde foi determinada a não realização do relatório social relativo a um arguido, atenta a sua ausência no estrangeiro, tendo tal defensor sido notificado da decisão e contra ela não reagido, sanada está a eventual irregularidade decorrente da omissão de realização do relatório social.
Acordam nesta 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça:
I. O arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi julgado na então 2ª Vara Mista … e aí condenado,
- pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210°, n°s 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204°, n° 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de quatro anos e cinco meses de prisão;
- pela prática de um crime de dano do artigo 212° do Código Penal, na pena de um ano e nove meses de prisão;
- em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de cinco anos e três meses de prisão.
Na procedência parcial dos pedidos cíveis formulados, foi o arguido AA condenado, com os demais arguidos, a pagar à demandante Brochado e Companhia, Lda. a quantia de 4.000 EUR, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação da dedução do pedido e até integral pagamento e, bem assim, a pagar ao demandante BB a quantia de 4.200 EUR, acrescida de juros à taxa legal, desde a notificação da dedução do pedido e até integral pagamento.
Inconformado, recorreu o arguido directamente para este Supremo Tribunal de Justiça, pedindo que seja declarada a prescrição do procedimento criminal relativamente ao crime de dano, que seja ordenado o reenvio do processo para novo julgamento e, por fim, que sejam reduzidas as penas parcelares e única e determinada a suspensão da execução desta última, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas):
«1. O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido recorrente, AA e requereu o julgamento, em processo comum e com a intervenção do tribunal coletivo, imputando-lhe, em co-autoria, em concurso efectivo e na forma consumada, um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, nº. 1 e 2 alínea b) por referência ao artº. 204º nº. 1 alínea a) e nº. 2 alínea f) e um crime de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213º. Nº. 1 alínea a) todos do código penal.
2. O arguido apresentou contestação a fls. 408 e ss. quanto à parte criminal, oferecendo o merecimento dos autos, aduzindo para sua defesa os factos que dela constam e que se dão por reproduzidos.
3. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, balizada pelos factos da acusação pública, e foi proferida decisão, a fls. 657 a 680 donde constam os factos provados e não provados.
4. Foi proferida decisão final, e o tribunal a quo decidiu, além do mais, condenar o arguido/recorrente, pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo p. e p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b) com referência ao artº 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de quatro anos e cinco meses de prisão e pela prática de um crime de dano do artº 212º do Código Penal, ainda em co-autoria material, na pena de um ano e nove meses de prisão; assim condenado na pena única de cinco anos e três meses de prisão.
5. O tribunal a quo, baseou a sua convicção na prova documental e pericial, no teor dos Certificados do Registo Criminal dos arguidos; nas declarações dos arguidos EE e FF e teor dos relatórios sociais juntos aos autos, no que interessa às condições pessoais, profissionais e familiares dos arguidos. Bem assim naqueles relatórios sociais, no que importa à reputação e conceito sociais dos arguidos, porquanto também se lhes referindo.
Ainda nas declarações do ofendido, no depoimento da testemunha CC, ao exame e reconhecimento em audiência pelo ofendido da arma apreendida, ao teor do auto de apreensão constante dos autos, ao depoimento da testemunha DD.
6. Ao invés do que sucedeu com os co-arguidos EE e FF, o tribunal a quo não ordenou, quanto ao recorrente, a realização do Relatório Social a que alude o artigo 370º do CPP, não porque lhe tenha conferido dispensabilidade ou desnecessidade para a ponderação da medida concreta da pena a aplicar, mas, porque entendeu que a sua realização seria impossível dado que, o recorrente estaria no estrangeiro, algures em Espanha. Mas não curou de confirmar essa impossibilidade.
7. Resultou provado que os factos ocorreram no dia ... de Outubro de 2007 e que o veículo matricula ...-...-LX, à data dos factos, tinha um valor de pelo menos € 4.000,00, não pertencia a nenhum dos arguidos e que estes atuavam contra a vontade do legítimo proprietário.
8. Assim considerou a douta decisão, a prática pelo arguido em co-autoria do ilícito criminal ínsito ao artigo 212º nº. 1 do C.P. na sua forma menos gravosa, por não qualificado, sendo a moldura penal abstrata prevista para este ilícito criminal de prisão até três anos ou multa.
9. O tribunal a quo optou pela aplicação ao arguido de uma pena de prisão, afastando a pena de multa.
10. Determinou a aplicação ao arguido do regime previsto no DL 401/82, a atenuação especial da pena, reduzindo o limite máximo da pena aplicável em um terço, e o limite mínimo, ao mínimo legal, porque inferior a 3 anos, fixando a moldura da pena de prisão aplicável que é de 1 mês a 2 anos no crime de dano e decidiu aplicar ao arguido a pena de prisão de 1 ano e 9 meses.
11. Atenta a data dos factos, a moldura penal do ilícito e o disposto no artigo 118º a 121º do Código Penal, o procedimento criminal do referido mostra-se extinto por prescrição.
12. O acórdão, foi proferido em 28.10.2008, e foi notificado ao arguido no dia 06.02.2021, na ..., passados mais de 12 anos e 3 meses;
13. Atento o disposto no artigo 120º nº. 1 d) do C.P., o prazo de prescrição se encontra suspenso durante todo o tempo em que a sentença não puder ser notificada ao arguido, julgado na ausência, que é o caso;
14. Como se disse, o arguido apresentou contestação a fls. 408 e ss, referência citius … em 23.07.2008.
15. E, já em 10.12.2010, com a referência citius …., constava dos autos a sua então morada na ..., e não obstante esta informação, referência citius …., em 13.12.2010, o tribunal continuou a promover o pedido de informação do paradeiro do arguido recorrente.
16. Donde não pode o arguido ver-se impedido de invocar um facto que o beneficia, extintivo do procedimento criminal, por facto que não lhe é imputável.
17. Pelo que, deverá o procedimento criminal por este ilícito ser declarado extinto por prescrição, aplicando in casu, o disposto na alínea d) do artigo 120º do C.P.
18. Porque, a não se entender assim, afastando a aplicação do disposto na alínea d) do artigo 120º do CP, considerando suspensos os autos durante mais de 12 anos, não considerando prescrito o procedimento criminal quanto a este ilícito, tem-se tal norma por inconstitucional por violação do artigo 2º da C.R.P.
19. Assente que está nos autos, que pelo menos desde 10.12.2010, a morada do arguido na ... (naquela data), e não tendo o arguido sido notificado, durante mais de 12 anos, da decisão que afecta a sua liberdade, é forçoso concluir que tal suspensão não lhe é imputável.
20. Pelo que se impõe determinar que o procedimento criminal pelo crime de dano, se mostra extinto por prescrição sob pena de se terem por violadas as normas contidas nos artigos 118ºnº. 1 alínea c), artº. 120º nº. 1 alínea d), artigo 121º. nº. 3 todos do C.P.
21. De outro modo é inconstitucional a norma artº. 120º nº. 1 alínea d) do CP quando interpretada no sentido de que tal suspensão ocorre mesmo quando a falta de notificação ali prescrita, não é imputável ao arguido por violação do artigo 2º da CRP
22. O recorrente tinha à data dos factos 18 anos de idade, pelo que foi determinada a aplicação do regime especial para jovens, previsto no DL nº 401/82, de 23.09 e, consequentemente, uma especial atenuação da pena.
23. Face à factualidade em discussão nos autos, a pouca idade do arguido à data da prática dos factos, e a inexistência de quaisquer antecedentes criminais, afigurava-se essencial, para a determinação da pena concretamente aplicável ao arguido, que se realizasse um estudo de caracterização sócio-familiar, através da D.G.R.S. com vista à recolha de dados relevantes do seu processo de socialização, das suas condições sociais e pessoais e bem assim averiguar o impacto da situação jurídico-penal na sua vida, qual a sua percepção do desvalor da sua conduta e como perspectivava romper com o seu passado e regressar à comunidade.
24. Entendeu o Tribunal a quo quando, no final da primeira sessão de Julgamento, em 14.10.2008, requisitar relatórios sociais dos arguidos EE e FF, mas quanto ao arguido AA, não o determinou, uma vez que consta nos autos que o mesmo se encontra no estrangeiro e não será possível a realização do relatório social do mesmo.
25. O arguido foi notificado por PD da acusação proferida em Abril desse mesmo ano, para morada constante do TIR e deduziu contestação em 23.07.2008.
26. Verifica-se assim que não foi ordenada a notificação da D.G.R.S. no sentido de notificar, para a morada constante do TIR, o arguido AA para comparecer naqueles serviços com vista à realização de relatório social, operando-se, relativamente a esse arguido, um tratamento diverso do demais, e menos favorável porque desigual.
27. É verdade que a realização de relatório social é facultativa, todavia, entendeu-se que a sua realização se afigurava, in casu, essencial, determinando a sua realização apenas para dois dos três arguidos;
28. O Relatório social destina-se a dar testemunho de factos que interessam para a caracterização da personalidade do arguido e a fixação da pena;
29. Daí que, o Tribunal a quo, ao condenar o arguido AA, nas penas em que o condenou, determinando a execução da pena de prisão, não valorou critérios legais a que estava vinculado nesta matéria, desconsiderando factores relevantes para determinar a natureza da pena a aplicar, designadamente a personalidade, as condições de vida do agente e, principalmente, as circunstâncias que determinaram o seu envolvimento na prática dos factos, que lograria alcançar com a realização de um relatório social, conforme entendeu e ordenou aos demais arguidos.
30. O elenco dos factos provados é, salvo melhor opinião omisso quanto, pelo menos, aos fins ou motivos que determinaram o arguido, às suas condições pessoais e à sua situação económica.
31. E um dos factores a que a lei manda atender “na determinação concreta da pena”, é consubstanciado por diligência cuja realização, o Tribunal a quo não logrou ordenar, apenas ao arguido AA, pelo que se mostram violadas as disposições legais contidas nos artº 340º, nº 1 e 2 e 370º, nº 1 do CPP.
32. De outro modo o artigo 13º da Constituição da República Portuguesa, consagra o Princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, que se traduz numa ideia geral de proibição do arbítrio e de desigualdades de tratamento materialmente não fundadas ou sem qualquer fundamentação razoável, objectiva e racional.
33. Operou-se, pois, relativamente ao arguido AA, um tratamento diverso dos demais arguidos, que determinou que o Tribunal a quo não estivesse na posse de todos os elementos necessários à determinação de uma pena adequada às concretas condições desse arguido, “colando-o” ao teor do relatório social do arguido EE, que tinha a mesma idade e não tinha, tal como ele, antecedentes criminais, porquanto lhe aplicou as mesmas penas parcelares e conjunta.
34. Sendo certo que o percurso do recorrente após os factos, é bem diferente daquele, constituiu família, casou, é pai de três filhos e trabalha para o mesmo empregador há mais de oito anos;
35. No caso dos autos, verifica-se que o arguido AA tinha apenas 18 anos de idade, não tinha antecedentes criminais, e, não tendo sido ordenada a elaboração de relatório social, resultam escassos os elementos colocados à disposição do Tribunal para tomar, tão pesada decisão, privativa de liberdade e claramente incompatível com as preconizadas vantagens para a sua reinserção.
36. A decisão proferida violou o disposto nos artigos 13º e 20º da Constituição da República Portuguesa, por determinar tratamento diverso a um dos arguidos, ordenando a realização desses relatórios apenas dois dos três arguidos, vedando dessa forma ao recorrente, o direito a um processo equitativo.
37. Daí e face à inexistência destes elementos quanto ao recorrente, tem-se por insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito,- art. 410º, nº 2, al. a) do CPP,- que constitui vício de conhecimento oficioso, resultante do texto da decisão sob recurso, determinante do reenvio do processo para novo julgamento, de facto, relativamente à matéria sobre as condições pessoais do arguido AA e da sua situação económica, com novo julgamento de direito, quanto ao reflexo desses elementos na determinação na medida concreta das penas parcelares e conjunta a aplicar.
38. O tribunal devia ter ordenado a realização do inquérito social ao recorrente e não o tendo feito e não tendo em consideração tais elementos para a determinação concreta da pena, viola os artigos 340º e 370º/1 do CPP e os artigos 13º e 20º da C.R.P., acometendo o acórdão ao vicio a que alude art. 410°, n° 2, al. a) do CPP determinante da nulidade da decisão.
39. Outrossim e ordenando a realização do relatório social, deveria a pena aplicada ao arguido em função da verificação dos pressupostos de que depende, ser reduzida e suspensa na sua execução.
40. Noutro conspecto, o da dosimetria da pena a aplicar ao arguido, e sem prescindir de tudo quanto se alegou, por cautela de patrocínio ter-se-á em conta a ponderação dos dois crimes.
41. Considerou o tribunal à quo que, no que ao crime de dano interessa, a lei prevê as penas de prisão ou multa, em alternativa e decidiu que a pena de multa não realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e optar pela pena de prisão (artº 70º do Código Penal).
42. Assim, quanto ao crime de dano, pela pena de prisão, cuja moldura varia entre um mês e três anos de prisão e quanto ao crime de roubo agravado corresponde a moldura penal de prisão de três a quinze anos (artº 210º, nº 2, do C.P.).
43. Atenta a idade do arguido à data dos factos, 18 anos de idade, optou o tribunal pela aplicação do Regime Penal Especial para Jovens, regulado no D.L. 401/82, de 23/09 e artigo 4º do diploma, mais considerando haver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para reinserção social do jovem condenado, determinando essa atenuação.
44. Assim, atento o disposto no artº 73º, nº 1, als, a) e b) do C.P., o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço, sendo no caso o limite mínimo reduzido ao mínimo legal, porque inferior a três anos.
45. Pelo que o tribunal a quo, determinou que a moldura da pena de prisão aplicável é de um mês a cinco anos e quatro meses (cfr. artº 41º, nº 1 do C.P.), no que ao crime de roubo importa e de um mês a 2 anos, quando ao crime de dano.
46. E para a pena concreta a aplicar foram tidas em conta as circunstâncias a que apela o artigo 71º nº 2 do C. P.
47. E, mais uma vez, se é verdade e resulta do texto da decisão recorrida que o tribunal a quo, teve presentes as condições pessoais e familiares dos outros co-arguidos, o mesmo infelizmente não sucedeu com o recorrente, já que, quanto a ele, o relatório social não foi sequer determinado.
48. E condenou o recorrente pela prática, em co-autoria material, de um crime de roubo p. e p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b) com referência ao artº 204º, nº 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de quatro anos e cinco meses de prisão e pela prática de um crime de dano do artº 212º do Código Penal, ainda em co-autoria material, na pena de um ano e nove meses de prisão; e condenado na pena única de cinco anos e três meses de prisão.
49. O arguido não tem antecedentes criminais. Está, e já estava aquando do julgamento, inserido social, profissional e familiarmente (facto que o relatório social, se determinado, teria trazido aos autos), pelo que a pena aplicada não encarna o espírito que presidiu ao instituto primário, Regime Penal Especial para Jovens, mostra-se excessiva, devendo ser reduzida ao mínimo legal.
50. O Julgador atenderá a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente as elencadas no nº. 2 do artigo 71º do Código Penal, ponderando as exigências de prevenção geral, especial, culpa e todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra ou a seu favor.
51. A pena de prisão aplicada ao recorrente de 5 (cinco) anos e 3 (meses) meses de prisão, ou mesmo a pena de 4 anos e 5 meses no caso do roubo, afastado que seja o dano pela procedência, nessa parte, do recurso, revela-se em face deles, manifestamente excessiva, pugnando o recorrente por outra, mais benévola e suspensa na sua execução.
52. O Tribunal a quo, não apresentou nenhuma fundamentação no texto da decisão recorrida, nesta parte, quanto ao arguido, fruto da omissão de relatório social, pelo que, salvo o devido respeito, o princípio da igualdade e da equidade, in casu, bastou-se por aplicar a ambos os arguido que beneficiaram do regime especial para jovens, a mesma pena, sem cuidar de diligenciar aos autos equidade na aquisição dos elementos que determinam o quantum da atenuação especial da pena que a quele regime prevê.
53. Assim, consideramos que a pena aplicada ao arguido é manifestamente excessiva, desproporcional, além de violar o princípio constitucional da proporcionalidade ou da proibição do excesso, previsto no artigo 18º nº. 2 da CRP, que prevê que as restrições aos direitos, liberdades e garantias, sejam limitados ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente garantidos.
54. Entendemos que o Tribunal a quo, na determinação da medida da pena de prisão que aplicou ao recorrente, de 5 anos e 3 meses de prisão, violou as normas legais, previstas nos artigos 40º, 71º, 72º e 73 do CP e artigo 18º da Constituição da Républica Portuguesa.
55. Sempre sem prescindir de pugnar pela prescrição alegada, e ainda que se entenda ser de manter a condenação do recorrente também pelo crime de dano, deve o Tribunal ad quem, determinar a alteração da(s) pena(s) para uma mais benévola por ajustada, a fixar perto do limite mínimo da moldura penal concretamente apurada para o arguido.
56. E, uma vez verificado o pressuposto formal, com as razões atrás expostas para a redução da pena de prisão ao seu limite mínimo, entendemos dever aplicar-se a suspensão a que alude o o artigo 50º, nº 1, do Código Penal.
57. A aplicação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, em medida não superior a cinco anos, não constitui uma mera faculdade do juiz, configurando-se antes como um poder-dever vinculado que o julgador tem de usar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.
58. Deve para tanto, atender-se aos mesmos elementos que são tomados em consideração para a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do delinquente – personalidade do agente, condições de vida, conduta anterior e posterior ao crime e circunstâncias deste. Daí o extremo interesse da prova resultante do relatório social.
59. Perante todo o circunstancialismo descrito, mesmo considerando a danosidade social deste tipo de crime, concluímos que a mera censura e a ameaça da pena, satisfazem os sentimentos de reprovação social e as exigências de prevenção gerais, justificando-se in casu, a suspensão da execução da pena de prisão do recorrente, sendo de manter o recorrente em liberdade, o que só por mera hipótese se admitirá e sempre sem se prescindir do atrás exposto e que depõe a favor do recorrente.
60. Nestes termos, deverá a decisão revidenda ser revogada e substituída por outra que opere uma redução da pena de prisão aplicada ao arguido de 4 anos de 5 meses pelo crime de roubo e suspensa na sua execução, e ainda que se entenda não ser de proceder a invocada prescrição do crime de dano também a medida da pena a este aplicada deverá ser reduzida ao mínimo legal, tudo para que ao arguido seja aplicada pena inferior a 5 anos de prisão e seja determinada a suspensão da sua execução, assim se aplicando e interpretando as normas dos Artº. 40º, 50º,71º, 72º e 73º, 204º, nº 2, al. f), 210º, nºs 1 e 2, al. b), 212º, do Código Penal, artº 340º e 370º do Código de Processo Penal, artigos 13º, 18º e 20º da Constituição da Républica Portuguesa, e ainda artigo 4º do D.L 401/82, de 23/09 e que o Tribunal a quo ao não aplicar, violou».
Respondeu o Exmº magistrado do MºPº, pugnando pelo não provimento do recurso e extraindo da sua resposta as seguintes conclusões (igualmente transcritas):
«1- Por acórdão proferido nos presentes autos em 28 de outubro de 2008, o ora recorrente, AA foi condenado na pena única de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão resultante das penas parcelares aplicadas:
- pela prática em co-autoria de um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) com referência ao artigo 204.º, n.º 2, alínea f) do Código Penal, de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão;
- pela prática em co-autoria de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1 do Código Penal, de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
2 - Inconformado com tal condenação, veio recorrer visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, considerando:
- que o tribunal a quo, “ao invés do que sucedeu com os co-arguidos EE e FF, ao não ter ordenado quanto ao recorrente a realização do Relatório Social a que alude o artigo 370º do CPP (…) operou quanto ao mesmo “um tratamento diverso dos demais arguidos (…) vedando dessa forma ao recorrente, o direito a um processo equitativo” e que face à inexistência destes elementos quanto ao recorrente para a determinação concreta da pena, tem-se por insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito “acometendo o acórdão ao vicio a que alude art. 410º, nº 2, al. a) do CPP determinante da nulidade da decisão”;
- que considerando “a data dos factos, a moldura penal do ilícito e o disposto no artigo 118º a 121º do Código Penal, o procedimento criminal” relativo ao crime de dano “mostra-se extinto por prescrição”, pois que o acórdão, “proferido em 28.10.2008, foi notificado ao arguido no dia 06.02.2021, na ..., passados mais de 12 anos e 3 meses”; E que muito embora o disposto no artigo 120º nº. 1 d) do CP, já em 10.12.2010 constava dos autos a sua então morada na ... a falta de notificação ali prescrita, não é imputável ao arguido;
- que na determinada a aplicação do regime especial para jovens face à factualidade em discussão nos autos, a pouca idade do arguido à data da prática dos factos, e a inexistência de quaisquer antecedentes criminais, “a pena aplicada ao arguido é manifestamente excessiva, desproporcional além de violar o princípio constitucional da proporcionalidade ou da proibição do excesso, previsto no artigo 18º nº. 2 da CRP”, devendo ser reduzida ao mínimo legal, onde “a pena de prisão aplicada ao recorrente de 5 (cinco) anos e 3 (meses) meses de prisão, ou mesmo a pena de 4 anos e 5 meses no caso do roubo, afastado que seja o dano pela procedência, nessa parte, do recurso, revela-se em face deles, manifestamente excessiva, pugnando o recorrente por outra, mais benévola” e “uma vez verificado o pressuposto formal (… )aplicar-se a suspensão a que alude o o artigo 50º, nº 1, do Código Penal”, pois que “perante todo o circunstancialismo descrito, mesmo considerando a danosidade social deste tipo de crime, concluímos que a mera censura e a ameaça da pena, satisfazem os sentimentos de reprovação social e as exigências de prevenção gerais, justificando-se in casu, a suspensão da execução da pena de prisão do recorrente, sendo de manter o recorrente em liberdade”;
3 - Relativamente à invocada prescrição do procedimento criminal relativamente aos factos atinentes ao crime de dano e naquilo que os autos evidenciam, resulta que aquele prazo se iniciou no dia 16 de outubro de 2007, foi interrompido com a constituição de arguido ocorrida em 16 de outubro de 2007 e com a notificação da acusação ocorrida em 13 de abril de 2008, data a partir da qual esteve suspenso, suspensão essa que nos termos do disposto no artigo 120.º, n.º 1, alínea d) do Código Penal perdurou até 6 de fevereiro de 2021 data em que o ora recorrente foi notificado de tal acórdão;
4 - Aceitando o recorrente que “atento o disposto no artigo 120º nº. 1 d) do CP., o prazo de prescrição se encontra suspenso durante todo o tempo em que a sentença não puder ser notificada ao arguido, julgado na ausência e que, neste quadro, o processo possa manter-se indefinidamente suspenso até que cesse o facto suspensivo”, mas sustentando que foi por facto não imputável que não foi notificado em data muito anterior, pelo menos desde 2010 “já constava dos autos a sua então morada na ..., conforme resulta dos dados colhidos nessa data por acesso aos dados do seu bilhete de identidade que tratou em 16.04.2009”, olvida o recorrente que já antes de 2010 tinham sido emitidos MDE e mandados de detenção nacionais para detenção do arguido para efeito de aplicação da decretada medida de coação de prisão preventiva, sendo que até essa data a despeito das diversas diligências não fora localizado em território nacional e a informação é que estaria primeiro em Espanha e depois na Suíça;
5 - E a despeito do conhecimento daquela primeira morada na ... o certo é que as autoridades policiais estrangeiras foram transmitindo ao processo no sucessivo reiterar de pedido de localização de paradeiro e informação sobre o cumprimento dos MDE que o mesmo não fora encontrado no espaço Shengen e só nas repetidas diligências para apurar do seu paradeiro em 2019 foi recolhida nos autos a informação de uma nova morada e que a despeito das diversas diligências só em 2021 veio a resultar no sucesso da sua notificação, no que não será estranho o período que se vive há mais de um ano a propósito da epidemia do Covid-19;
6 - O que os autos ilustram à saciedade e o próprio recorrente admite é que para além do incumprimento do TIR prestado e da medida de coação aplicada, sem qualquer notícia do próprio, o tribunal ao longo de mais de 12 anos persistiu na realização do conjunto de diligências que estava à sua disposição realizar seja em território nacional seja no espaço europeu com a emissão de MDE onde num primeiro momento se alvitrava como paradeiro e depois mais tarde nos elementos transpostos para as bases de dados sobre o domicilio da ... e que só com novos elementos trazidos em 2019 foi possível realizar a notificação do recorrente do acórdão proferido nos autos.
7 - Nestes termos, o lapso de tempo que decorreu entre o momento da leitura do acórdão e da sua notificação, diversamente do entendimento o recorrente, apenas se ficou a dever a facto imputável ao próprio, que incumprindo o TIR e medida de coação aplicada nos autos, se ausentou para o estrangeiro sem transmitir aos autos (ou até à família) o seu paradeiro e até contactos, determinando que o tribunal ao longo desses anos mantivesse um conjunto de diligências para verificar quer do seu eventual regresso a território nacional quer ainda na insistência junto das entidades e autoridades judiciais europeias para que localizassem o arguido e o notificassem do acórdão.
8 - Assim visto, naquilo que intercede com a suspensão do prazo de prescrição do procedimento criminal que decorreu entre a data da notificação da acusação e a data em que ocorreu a notificação do acórdão condenatório, não se verifica a invocada prescrição.
9 - Relativamente ao invocado vício do artigo 410.º, nº2, alínea c) do Código de Processo Penal referente à falta de relatório social, como surge espelhado no que acima fizemos referência com relação ao que os autos evidenciam, para além do próprio reconhecer que saiu de território nacional “em Fevereiro de 2008, o arguido ausentou-se para o estrangeiro, para a ... para onde foi trabalhar, tendo ai contraído casamento e constituindo família”, resulta evidente que, para além de não ter informado os autos da nova morada ou contactos, desde janeiro de 2008 não foi possível a sua notificação pessoal no seguimento da violação da medida de coação aplicada nos autos de tal forma que mesmo depois de ter sido aplicada medida de coação de prisão preventiva resultaram infrutíferas as diligências de o localizar pelo menos primeiro em território nacional e depois no estrangeiro.
10 - Por isso se pode afirmar que a diligência ora peticionada pelo recorrente, pessoa relativamente à qual era desconhecido paradeiro e contactos e até modo de vida, mais não se traduziria que um ato inútil (vedado por lei) resultando que foi por facto imputável ao próprio e numa impossibilidade de realização por outros meios que relativamente ao ora recorrente não foi determinado e elaborado relatório social.
11 - Aliás diga-se que mesmo perante a falta de tal relatório tal não foi óbice para que o tribunal aplicasse, como aplicou, a atenuação especial do regime para jovens delinquentes e fê-lo beneficiar de todas as circunstâncias que o outro co-arguido EE beneficiou e até na aplicação de uma mesma pena, quando é certo que o comportamento processual do ora recorrente foi bem diverso daquele outro.
12 - O desconhecimento do tribunal sobre a pessoa do condenado à data da realização do julgamento é totalmente imputável ao recorrente, pois tendo-lhe sido assegurada a oportunidade de ser ouvido e comparecer em julgamento, optou por faltar injustificadamente e também o seu defensor nada mais requereu quando o tribunal decidiu não determinar à DGRSP a elaboração do relatório social que diz estar agora em falta.
13 - Se a prova de julgamento se afigurava insuficiente, na visão da defesa, se se via como premente a elaboração de relatório social, cumpria tê-lo dito ou requerido ou insurgido contra aquela decisão, naquilo que a defesa do arguido deve empenhar-se ativamente no processo de determinação da sanção, contribuindo, em caso de condenação, para a prolação de uma pena mais justa.
14 - Independentemente das obrigações oficiosas decorrentes do princípio da investigação, a defesa podia ter trazido a julgamento as circunstâncias que estimava omissas, empenhando-se na disponibilização judicial dos factos relativos à pessoa do arguido e envolvendo-se abertamente na problemática da determinação da pena e onde “A utilidade de solicitar tal relatório só teria um efeito: impedir a conclusão do julgamento, assim frustrando a acção da justiça” - cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/3/2019 (processo n.º 45/11.GAVVD.G1 in www.dgsi.pt).
15 - Nestes termos e face ao todo exposto deverá também nesta parte ser julgada improcedente a invocada nulidade.
16 - Relativamente à escolha e medida de pena, tendo aqui presente a posição por nós sustentada a propósito das anteriores questões, é nosso entendimento que, nesta parte, também não deve merecer procedência o invocado pelo recorrente até naquilo que poderia vir a revelar-se e a constituir uma injustiça relativa, designadamente, com o co-arguido EE.
17 - Com efeito, considerando que o único fator trazido pelo recorrente e que considera não ter sido devidamente apreciado pelo tribunal na dosimetria da pena é a sua inserção social, profissional e familiar (pois que relativamente à falta de antecedentes criminais tal foi dado como provado) perante o percurso que acima demos conta que os autos ilustram a propósito do comportamento processual do aqui recorrente, sempre teríamos que afirmar que apenas e unicamente por culpa sua, pelo seu comportamento furtivo e omisso se deve o facto do tribunal não ter disposto no momento do julgamento de elementos sobre a sua inserção e até porque os não possuiria a crer pela data dos elementos documentais juntos com a motivação referentes a factos bem posteriores à data da realização do julgamento e prolação do acórdão condenatório (5 de novembro de 2010, 9 de março de 2013 e 22 de dezembro de 2017).
18 - Por outro lado, importa aqui trazer à colação o já anteriormente decidido nos autos com relação ao recurso interposto pelos outros arguidos, e na coerência intraprocessual, mal se compreenderia que para quem se furtou à ação da justiça, como se furtou o ora recorrente ao longo de mais de 12 anos, incumprindo as obrigações decorrentes do TIR, incumprindo a medida de coação aplicada, se ausentou para o estrangeiro e se furtou ao contacto com as autoridades policiais nacionais e estrangeiras para a sua localização e cumprimento dos mandados de detenção pendentes contra si, e onde só após aturadas e persistentes diligências veio a ser localizado, viesse a ser condenado em pena mais leve ou de menor intensidade que aquela aplicada ao co-arguido EE, relativamente ao qual foram considerados a seu favor tudo o que era transponível e que a despeito do recurso interposto, foi mantida a condenação nos seus exatos termos;
19 - A despeito do lapso de tempo que entretanto decorreu, para além dos factos dados como provados permitirem afirmar o preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos dos crimes pelos quais o mesmo foi condenado, o afastamento de qualquer pena de substituição resulta manifesto naquilo que são as elevadíssimas razões de prevenção geral no que envolve particularmente a prática dos crimes em causa atentas as circunstâncias em que os factos foram sendo praticados e naquilo que é o conjunto de factos em apreciação e a personalidade manifestada pelo arguido no seu cometimento, pelo que não poderíamos estar em mais desacordo com o peticionado pelo recorrente.
20 - Nesta perspetiva, na indiferença e desvalor pelos bens jurídicos tutelados manifestado pelo arguido recorrente no cometimento dos factos dados como provados, o modo como se comportou ao longo destes anos furtando-se à ação da justiça, nenhuma outra decisão que não o cumprimento efetivo de pena de prisão faz jus às necessidades de punição que o caso requer, não sendo possível formular um tal juízo que a simples censura do facto e ameaça da pena são suficientes para afastar o arguido da criminalidade ou de que a mera suspensão da execução da pena de prisão, mesmo que ligada ao cumprimento de regras de conduta realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição não suscitando o recorrente o invocado e necessário juízo de prognose favorável pelo que se impõe de forma linear a necessidade do cumprimento efetivo da pena de prisão, para corresponder a exigências mínimas de tutela dos bens jurídicos e de confiança da comunidade na validade e vigência das normas jurídicas atingidas».
II. Neste Tribunal, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do provimento parcial do recurso:
«Como bem sintetiza o Magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido, o recorrente alega:
i) encontrar-se prescrito o procedimento criminal alusivo ao crime de dano pp pelo art. 212º nº 1 do CP;
ii) padecer o acórdão do vício da insuficiência para a decisão a que alude o artigo 410.º, n.º 2, alínea a) do CPP por falta de relatório social;
iii) ter o tribunal violado os arts 76.º, 40.º e 71.º do Código Penal ao fixar aquelas penas parcelares e única ao recorrente, pugnando por diminuição da medida de tais penas; e estarem reunidos os pressupostos para a suspensão da pena de prisão prevista no artigo 50.º do Código Penal.
Relativamente às duas primeiras questões suscitadas, acompanham-se integralmente os fundamentos aduzidos na citada resposta do Magistrado do MºPº.
No que tange à medida e natureza da pena aplicada, afigura-se ser de ponderar o seguinte:
Não obstante a gravidade dos ilícitos cometidos, desde logo com enfoque para o crime de roubo, os factos ilícitos ocorreram em 16.10.2007, ou seja, há quase 14 anos, tendo então o arguido/recorrente 18 anos de idade, circunstância aliás que mereceu do tribunal de 1ª instância a aplicação do regime penal para jovens previsto no DL 401/82 de 23.09, não averbando antecedentes criminais.
Com o requerimento de recurso, o recorrente junta três certidões dos seus filhos menores - II, com 11 anos de idade, GG com 8 anos e HH com pouco mais de 3 anos de idade, relativamente a quem terá que assegurar assistência parental, tendo os filhos nascido na ..., país onde o recorrente se encontrará a viver desde 2010.
Em face do longo período de tempo decorrido desde a prática dos factos, quase 14 anos, e à circunstância de o recorrente, agora com 32 anos de idade, ter constituído família cujo sustento terá de assegurar, relativamente à medida da pena pela prática do crime de dano, com moldura de prisão de 1 mês a 2 anos (arts. 212º nº 1 e 73º, do CP e atr. 4º do DL 402/82 de 23.09), afigura-se justificar-se, nos termos do art. 71º-d) do CP, a diminuição da mesma para 1 anos e 5 meses de prisão.
Afigurando-se que a atual circunstância vivencial, familiar e social do recorrente permitirá formular juízo de prognose de que a censura do facto e ameaça da prisão poderão realizar ainda, de forma suficiente, as finalidades da punição, nos termos dos arts. 71º, 77º e 50º, do CP, não repugnaria que a medida da pena única fosse fixada em 5 anos de prisão, suspensa na respetiva execução».
Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, respondeu o recorrente, naturalmente concordando com o citado parecer no que à diminuição da pena da pena única e respectiva suspensão da execução diz respeito, mas reiterando o seu entendimento de que se mostra prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de dano.
III. Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP.
E em causa neste recurso estão as seguintes questões:
A) A alegada prescrição do procedimento criminal, relativamente ao crime de dano por cuja autoria o recorrente foi condenado;
B) A omissão de requisição do relatório social e as consequências daí resultantes;
C) A medida das penas parcelares e única e a possibilidade da suspensão da execução desta última.
O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos:
1) No dia 16 de Outubro de 2007, cerca das 15 h, os arguidos, na execução de um plano previamente delineado por todos em comunhão de esforços, de se apropriarem dos bens que conseguissem encontrar, contrataram o serviço de uma viatura automóvel ligeira de passageiros (táxi), com a matrícula ...-...-LX, conduzida por BB, para efectuar o seu transporte.
2) Quando se encontravam todos no interior do veículo, enquanto este circulava na Estrada Municipal em ..., ..., ..., o arguido EE, que circulava no lugar atrás do passageiro ao lado do condutor, no banco de trás, (após o arguido FF ter saído do veículo, estando este parado, sendo que o FF saíra do banco da frente do passageiro, onde se fazia transportar), encostou ao pescoço deste ofendido BB, um objecto corto-perfurante, com cabo em plástico de cor preta, com 9 centímetros de lâmina e 2 centímetros de largura.
3) Acto contínuo, o arguido AA saiu do lugar que ocupava na parte traseira do veículo, sendo que o arguido FF, que já se encontrava apeado do veículo, abriu a porta do condutor, agarrando violentamente o ofendido e atirando-o ao chão.
4) De seguida, todos os arguidos desferiram vários pontapés na cara e nas costas do ofendido, deixando-o abandonado no local.
5) Em consequência directa e necessária desta conduta resultou para o ofendido dores e hematomas nas zonas atingidas.
6) Após, o arguido FF colocou-se ao volante da viatura e puseram-se (todos os arguidos) em fuga na direcção ..., levando cerca de € 900,00 que se encontravam no interior desta.
7) Pelo caminho, pararam num posto de abastecimento, onde o arguido AA adquiriu gasolina, que posteriormente serviu para que o arguido AA regasse o veículo automóvel, na presença e com a anuência dos restantes arguidos, tendo-lhe posto o arguido FF posteriormente fogo.
8) O veículo tinha, à data, um valor de pelo menos 4.000 EUR.
9) Os arguidos agiram deliberadamente, com a intenção de fazerem seu e de integrarem no respectivo património. os bens do condutor do táxi e aqueles que no veículo se encontrassem e dos quais se apoderaram, mormente da quantia monetária já referenciada, apontando um objecto corto-perfurante ao pescoço do ofendido e agredindo-o, de forma a conseguirem melhor assegurar o êxito das suas intenções, não obstante saberem que tais valores não lhes pertenciam e que actuavam contra a vontade do dono.
10) Sabiam que com a sua conduta causavam medo ao ofendido, fazendo este recear pela sua vida.
11) Os arguidos actuaram, ainda, com o propósito conseguido de destruírem o veículo automóvel, não obstante saberem que este não lhes pertencia e que actuavam contra a vontade e em prejuízo do seu dono.
12) Agiram todos os arguidos de forma livre, deliberada e consciente, em comunhão de esforços, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
13) Logo após o roubo, o Ofendido/Assistente foi abandonado no local, tendo ficado prostrado no chão com ferimentos.
14) O local onde o ofendido foi abandonado é isolado. Nesse local muito dificilmente circulam veículos, pessoas e não existem habitações nas imediações. O Ofendido/Assistente teve de "deambular" cerca de 1 km, percorrido em cerca de 20 minutos, devido aos ferimentos.
15) O ofendido temeu pela sua vida.
16) Foi socorrido e conduzido ao Centro de Saúde ..., na avenida …, em .... Apresentava o ofendido o seguintes lesões: hematoma na pálpebra inferior esquerda e ferida supraciliar esquerda.
17) Em virtude do roubo sub judice o Ofendido/Assistente sofreu vários e dolorosos tratamentos. Tais tratamentos, realizados numa zona sensível e delicada como são as zonas ocular, bocal, facial e lombar, causaram, por um lado, sofrimento e, por outro, durante algum tempo, uma incómoda limitação na visão, mastigação, deslocação e na fala.
18) As dores reconduziram-no aos serviços de urgência, pelo menos uma vez no mesmo dia em que os factos sucederam. Foram-lhe prescritas injecções diárias para combater as dores. Dores essas que impossibilitaram o Ofendido/Assistente de trabalhar, dormir e realizar as suas tarefas diárias, durante pelo menos alguns dias. Passou ainda a ter insónias, ansiedade e perda de apetite. Viu o seu humor alterado e as actividades que anteriormente efectuava com prazer passaram a desinteressá-lo. Ainda hoje esse é um episódio vivido recorrentemente pelo Ofendido/Assistente.
19) O pavor que o Ofendido/Assistente sentiu não foi indiferente à decisão de abandonar a profissão. O Ofendido/Assistente continua a necessitar de acompanhamento psicológico. Sente medo sempre que sai à rua e quando o faz vai sempre acompanhado. Sentiu profundo desgosto ao ver destruído o seu instrumento de trabalho.
20) O Ofendido/Assistente sofreu a perda dos seguintes bens, que arderam juntamente com a viatura:
- Uma mala de ferramentas;
- Um livro de cheques da Caixa Geral de Depósitos;
- Um telemóvel marca Motorola;
- Uns óculos de sol no valor de € 400,00 (Quatrocentos euros).
21) O Ofendido/Assistente exercia as funções de motorista de táxi na freguesia……. em …..., auferindo, nessa actividade, pelo menos, o salário mínimo nacional.
22) À data dos factos o assistente tinha 63 anos.
23) A Requerente lesada Brochado & Companhia Lda. era a proprietária do veículo automóvel ligeiro de passageiros matrícula ...-...-LX, o qual ficou totalmente destruído por via do fogo lançado pelos arguidos; resultando, por via de tal facto, a perda total do veículo, tendo sido enviado para "abate" em 30.10.2007.
24) Do Certificado do Registo Criminal dos arguidos EE e AA nada consta.
O arguido FF foi já condenado pela autoria de um crime de ofensa à integridade física simples, tendo-o sido na pena de 14 meses de prisão.
25) O arguido EE é o mais velho de dois filhos de um casal com uma situação económica modesta. Até aos 6 anos de idade foi criado pelos avós maternos, que apesar de terem uma situação económica modesta, apresentavam um ambiente familiar estável e equilibrado. Os progenitores visitavam-no com frequência.
Quando ingressou na escola fixou residência em casa dos pais. O pai apresentava fortes hábitos alcoólicos, agredindo a mãe com frequência e mesmo o arguido. Registou os primeiros problemas de comportamento e aproveitamento escolar, sendo frequente faltar às aulas, o que impedia o seu sucesso escolar.
Abandonou a escola prematuramente, por desmotivação para as actividades lectivas, num período em que os pais se tinham separado e o arguido foi ajudar a mãe na exploração ………. Posteriormente trabalhou esporadicamente como……, ……. e na………, sempre de forma descontínua e pouco consistente.
Aos 15 anos os pais divorciaram-se, passando o arguido a alternar a sua residência junto da mãe ou do pai conforme a sua conveniência, manipulando com facilidade as relações parentais, esquivando-se ao controle parental. Apresentava um quotidiano desocupado e desorganizado, sem exercer qualquer actividade profissional consistente e iniciando os seus primeiros contactos com o consumo de estupefacientes.
No período que antecedeu a data dos factos, EE residia com o progenitor. O arguido geria a sua vida com total autonomia, sem respeitar quaisquer normas ou regras. Não exercia nenhuma actividade profissional regular, integrando um grupo de pares conotados com o consumo de estupefacientes e associados a percursos delinquenciais. O arguido consumia estupefacientes, em qualidade e quantidades não apuradas.
O arguido beneficia de apoio de ambos os progenitores, os quais estão dispostos a apoiá-lo num futuro processo de reinserção social. Manifesta intenção de emigrar, consciente de que a comunidade conhece bem o seu percurso de toxicodependência e o seu envolvimento em grupos de pares mal referenciados, pretendendo evitar a estigmatização.
O arguido apresenta um discurso de reflexão sobre o seu passado, identificando o ambiente familiar e o consumo de estupefacientes como os dois factores que mais contribuíram para a sua implicação em factos ilícitos típicos. Afirma-se consciente da necessidade de reverter o seu percurso de vida e determinado em iniciar uma nova fase que lhe permita adequar o seu comportamento ao ordenamento jurídico. Esta reflexão é ainda superficial.
26) O arguido FF é oriundo de uma família numerosa, tendo nascido em ..., país onde os pais estiveram emigrados alguns anos, sendo que a família regressou a Portugal quando o arguido tinha cerca de três anos de idade.
A data dos factos o arguido vivia sozinho, numa situação de dependência do consumo de estupefacientes (heroína e cocaína), na condição de "sem abrigo", manifestando grandes dificuldades de integração aos vários níveis, com um estilo de vida condicionado pela procura de satisfação dos seus hábitos de consumo, convivendo com indivíduos e frequentando locais conotados com a problemática da toxicodependência.
Não exercia actividade profissional desde há cerca de dois anos, sendo, por isso, a sua manutenção assegurada com muitas dificuldades, com o recurso a expedientes que o foram progressivamente afastando de um estilo de vida pró-social.
O arguido apresenta uma atitude conformada relativamente ao processo em curso, valorizando o período de reclusão, na medida em que lhe permitiu abandonar o consumo de estupefacientes e efectuar alguma reflexão sobre a forma pouco responsável como geriu o seu quotidiano no período anterior à reclusão.
O arguido dispõe do apoio pouco consistente por parte de alguns dos irmãos, os quais denotam dificuldades em aceitar o modo de vida passado do arguido e em acreditar na sua mudança, não estando disponíveis para o receber aquando da restituição à liberdade. Tem apenas recebido, ao longo do período de reclusão, visitas muito esporádicas de alguns irmãos e membros da família alargada.
O tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos:
a) os factos sucederam pelas 13h30m do dia 16.10;
b) era o arguido EE que circulava no lugar do passageiro ao lado do condutor;
c) quando foi encostada ao pescoço do ofendido o objecto referido em 2) o veículo ainda se encontrava em andamento;
d) foi por causa da conduta referida em 2) que os arguidos obrigaram o ofendido a imobilizar o veículo;
e) foi o arguido AA quem abriu a porta do condutor, agarrando violentamente o ofendido e atirando-o ao chão;
f) foi o arguido FF quem regou o veículo automóvel, na presença e com a anuência dos restantes arguidos;
g) os arguidos agiram desde logo e inicialmente com a intenção de fazerem seu e de integrarem no respectivo património o veículo automóvel de que se apoderaram, apontando um objecto corto-perfurante ao pescoço do ofendido;
h) O veículo tinha, à data, o valor de 5.000 EUR;
i) O sofrimento e dores sofridas pelo ofendido foram enormes;
j) As dores sofridas pelo ofendido foram lancinantes;
k) O ofendido recorreu no mesmo dia dos factos duas vezes aos serviços de urgência, bem como no dia que se lhe seguiu;
l) Foi o pavor que o Ofendido/Assistente sentiu que o "obrigou" a abandonar a profissão;
m) O assistente, por causa dos factos, perdeu a vontade, que sempre o caracterizou, de se levantar, diariamente, às 6h da manhã;
n) Com a ajuda de um médico psiquiatra, o Assistente conseguiu recentemente voltar a dormir sem medicação.
o) O Ofendido/Assistente sofreu ainda a perda dos seguintes bens:
- Um kit de mãos livres para telemóvel + rádio de aplicação própria para táxis, marca "…." …., no valor de € 280,00 (Duzentos e oitenta euros);
- Um taxímetro no valor de € 1 250,00 (Mil duzentos e cinquenta euros);
- Um GPS marca … no valor de € 499,00 (Quatrocentos e noventa e nove euros);
- Um rádio no valor de € 250,00 (Duzentos e cinquenta euros);
- Um balde no valor de e 5,00 (Cinco euros);
- Um colete no valor de € 8,00 (Oito euros);
- Um telemóvel marca ..., no valor de 300 EUR;
- E uma lata de óleo no valor de e 25,00 (vinte e cinco euros).
p) Quanto aos bens que se demonstrou que o assistente perdeu com o incêndio do carro, não se demonstrou que a mala de ferramentas tivesse o valor de € 300,00 (trezentos euros) e que o livro de cheques da Caixa Geral de Depósitos fosse do valor de € 15,00 (Quinze euros);
q) O Ofendido/Assistente desde o dia 1 de Novembro de 2007 que não aufere salário;
r) A perspectiva de emprego ou comprar um novo táxi são nulas para o assistente;
s) O Arguido AA não cometeu os factos pelos quais vem acusado;
t) O arguido AA é uma pessoa respeitada, bem comportada e considerada socialmente.
IV. E decidindo:
A) A alegada prescrição do procedimento criminal, relativamente ao crime de dano por cuja autoria o recorrente foi condenado:
O recorrente foi condenado, entre o mais e como supra referido, pela prática de um crime de dano, p.p. pelo artº 212º do Cod. Penal.
Tal ilícito é punível com prisão até 3 anos ou multa.
Daí que, por força do disposto no artº 118º, nº 1, al. c) do mesmo diploma, o procedimento criminal se extinga, por efeito da prescrição, 5 anos decorridos sobre a prática dos factos (in casu, ocorridos em 16/10/2007).
A prescrição do procedimento criminal interrompe-se (artº 121º, nº 1, do Cod. Penal):
“a) Com a constituição de arguido;
b) Com a notificação da acusação (…);
c) Com a decisão de contumácia;
d) Com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido”.
E dispõe-se no nº 2 do mencionado preceito que “depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”.
Por fim, estatui-se no nº 3 do referido artº 121º do Cod. Penal que “a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição, acrescido de metade”, ou seja e no caso em apreço, 7 anos e meio.
Por seu turno, determina-se no artº 120º, nº 1 do Cod. Penal que a prescrição do procedimento criminal suspende-se durante o tempo em que (al. b)) “o procedimento estiver pendente a partir da notificação da acusação (…)”, (sendo que, neste caso e por força do estatuído no nº 2 do mesmo preceito, “a suspensão não pode ultrapassar três anos) e, também (al. d)), durante o tempo em que “a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência”.
O arguido foi notificado da acusação em Abril de 2008. Notificado da data designada para julgamento, não compareceu, razão pela qual o mesmo se iniciou na sua ausência, nos termos do disposto no artº 333º, nº 2 do CPP. O acórdão, proferido em 28/10/2008, apenas foi notificado ao recorrente em 6/2/2021.
Em face destes factos, entende o magistrado do MºPº junto do tribunal a quo que a suspensão da prescrição, iniciada com a notificação da acusação ao recorrente, só terminou com a notificação que lhe foi feita do acórdão, em Fevereiro de 2021.
O recorrente, por seu turno, entende que o facto de o acórdão lhe não ter sido notificado em data anterior não lhe é imputável, porquanto já em 10/12/2010 constava dos autos a sua morada, na …, e o tribunal não diligenciou pela sua notificação nesse local, continuando a insistir pela obtenção de informações sobre o seu paradeiro. E entende que “é inconstitucional a norma artº. 120º nº. 1 alínea d) do CP quando interpretada no sentido de que tal suspensão ocorre mesmo quando a falta de notificação ali prescrita, não é imputável ao arguido por violação do artigo 2º da CRP”.
Vejamos:
O recorrente prestou, nestes autos, termo de identidade e residência (TIR), em 16/10/2007.
Desse TIR consta – e nem de outra forma poderia ser – que lhe foi dado conhecimento “da obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de 5 (cinco) dias sem comunicar a nova residência ou o lugar onde possa ser encontrado”, de que as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada que indicou e de que o incumprimento daquela obrigação “legitima a sua representação por defensor em todos os actos processuais nos quais tenha o direito ou o dever de estar presente e bem assim a realização da audiência na sua ausência”.
Tendo indicado como sua morada, nesse TIR, a Rua ..., …, …., o arguido ausentou-se da mesma, indo viver para país estrangeiro, sem cumprir a obrigação de comunicar a nova residência ou o lugar onde pode ser encontrado.
Perante isto, dizer que a não notificação do acórdão no período que decorreu entre a prolação do mesmo e Fevereiro de 2021 lhe não é imputável carece de qualquer razoabilidade: o recorrente tinha a seu cargo a obrigação de comunicação da nova residência; não o tendo feito, a demora na notificação do acórdão é-lhe naturalmente imputável.
De outro lado, se é certo que em Dezembro de 2010 há notícia nos autos de uma morada do recorrente na … - …., …, … - (que, saliente-se, não foi por ele trazida aos autos), certo é igualmente que estava então pendente um mandado de detenção europeu, expedido para sua captura em 29 de Junho de 2009, posteriormente renovado por períodos de 3 anos. O pedido de identificação do seu paradeiro e subsequente detenção havia sido enviado às diversas autoridades com competência nesta área, máxime ao Gabinete Nacional Sirene, à Interpol e à Eurojust (em 30/6/2009). Periodicamente, foi sendo solicitada informação sobre o estado dessas diligências e, bem assim, informação junto das bases de dados habituais, bem como junto da GNR de .... E em 30/10/2015 foi emitido novo MDE para detenção do arguido/recorrente, indicando como sua morada …., …, …, .... Aliás, em 3/11/2015, esse expediente foi também enviado, para notificação, à Embaixada de Portugal na … “para notificação do arguido”. Os autos aguardaram o cumprimento dessas diligências e, em Dezembro de 2019, foi expedida carta rogatória para notificação do arguido do acórdão proferido nestes autos, dirigida às autoridades holandesas, mas com uma residência distinta da que, segundo o recorrente, constava dos autos desde 2010; e o arguido acabaria por ser notificado, é certo, mas numa morada que só em 2019 foi conhecida nos autos – ..., …, …, Países Baixos.
Em suma: entre a prolação do acórdão e a sua notificação ao recorrente foram feitas várias diligências tendo em vista a sua localização e detenção. O arguido, apesar da obrigação que sobre ele recaía de não mudar de residência sem comunicar ao tribunal a nova morada ou o lugar onde pudesse ser encontrado, ausentou-se para o estrangeiro e não comunicou ao processo a sua nova residência. Assim sendo, é-lhe naturalmente imputável o atraso na notificação do acórdão proferido, desta forma ficando prejudicado o conhecimento da eventual inconstitucionalidade do artº 120º, nº 1, al. d) do Cod. Penal, por ele suscitada.
E aqui chegados, resta dizer que em função da suspensão da prescrição verificada ao abrigo do artº 120º, nº 1, als. b) e d) do Cod. Penal, ocorrida entre Abril de 2008 e 6 de Fevereiro de 2021, não se mostra decorrido o prazo prescricional relativamente ao crime de dano, por cuja autoria o recorrente foi julgado e condenado, improcedendo esta sua pretensão.
B) A omissão de requisição do relatório social e as consequências daí resultantes:
No final da primeira sessão de julgamento, que teve lugar em 14 de Outubro de 2008, a Mª juíza presidente do colectivo proferiu para a acta o seguinte despacho: “Requisite relatórios sociais dos arguidos EE e FF. Quanto ao arguido AA, uma vez que consta dos autos que o mesmo se encontra no estrangeiro não será possível a realização do relatório social do mesmo pelo que não determino a sua realização”.
Entende agora o recorrente que “o tribunal devia ter ordenado a realização do inquérito social ao recorrente e não o tendo feito e não tendo em consideração tais elementos para a determinação concreta da pena, viola os artigos 340º e 370º/1 do CPP e os artigos 13º e 20º da C.R.P., acometendo o acórdão ao vício a que alude art. 410°, n° 2, al. a) do CPP determinante da nulidade da decisão”. Socorre-se, para tal, do acórdão deste Supremo Tribunal de 28/5/1998, BMJ 477º, 350, onde se lê:
«I - A não junção do relatório social ao processo, nos casos em que tal junção é obrigatória, não constitui nulidade insanável, tendo, antes, cabimento no disposto do artigo 120 n. 1, alínea d), do Código Penal, mas o seu conhecimento está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça, por se dever considerar sanada, se não tiver sido arguida.
E, também por isso, essa omissão não pode ser tratada como mera irregularidade, determinativa da invalidade prevista no artigo 123 do citado diploma.
II - A falta de tal relatório quando a referida junção é obrigatória, constitui certamente, o vício previsto no artigo 410 nº 2, alínea a) do Código de Processo Penal.
Isto é, constitui uma insuficiência para a decisão da matéria de facto».
Sucede que esse aresto foi proferido no domínio da versão originária do Cod. Proc. Penal de 1987, onde, no artº 370º, nº 1 se estabelecia a natureza facultativa do relatório social e, no nº 2 do mesmo preceito se estatuía: “A solicitação referida no número anterior é obrigatória quando o arguido, à data da prática do facto, tivesse menos de 21 anos e for de admitir que lhe venha a ser aplicada uma medida de segurança de internamento, uma pena de prisão efectiva superior a três anos ou uma medida alternativa à prisão que exija o acompanhamento por técnico social”.
A Lei 59/98, de 25/8 eliminou tal obrigatoriedade. E desde então não é obrigatória a realização de relatório social (como, aliás, o recorrente o reconhece ao afirmar tratar-se de uma diligência facultativa).
E porque assim é, ou seja, porque não é obrigatória a realização do dito relatório social, a omissão de tal diligência não gera qualquer vício da decisão, máxime o enunciado na al. a) do nº 2 do artº 410º do Cod. Proc. Penal, invocado pelo recorrente: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada. Na realidade, se é certo que, nos termos do artº 434º do CPP, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 410º”, certo é igualmente que, como esclarecidamente se afirma no Ac. STJ de 11/12/2012, Proc. 951/07.1GBMTJ-E1.S2, não sendo, em recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, admissível a invocação pelo interessado de vícios da decisão previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, tal não obsta “a que o STJ deles conheça oficiosamente, se o traçado quadro fáctico no concreto caso assim o impuser, para evitar que a decisão de direito se apoie em matéria de facto ostensivamente insuficiente, fundada em erro de apreciação, ou assente em premissas contraditórias detectadas por iniciativa do STJ, ou seja, se concluir que por força da existência de qualquer dos vícios não pode chegar a uma correcta solução de direito e devendo sempre o conhecimento oficioso ser encarado como excepcional, surgindo como último remédio contra tais vícios”. Ou, se quisermos: só é lícita a intervenção do STJ nestes casos quando se confronte com uma decisão em “matéria de facto ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por se revelar a priori – e pelas simples leitura da decisão impugnada – uma matéria de facto erroneamente apreciada” - Henriques Gaspar, Santos Cabral, Maia Costa, Oliveira Mendes, Pereira Madeira e Pires da Graça, Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, p. 1273.
Não é isso, manifestamente, que sucede no caso em apreço: da leitura da decisão recorrida não resulta “que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito” – Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 340: do texto da decisão recorrida resulta que a matéria de facto apurada foi apta e bastante para a decisão proferida, nomeadamente para determinar a aplicação, in casu, do regime penal especial para jovens, previsto no DL 401/82, de 23/9 e para determinar o quantum das penas (parcelares e única) a aplicar.
Posto isto, atenta a natureza facultativa do relatório social [1], a omissão da sua realização poderia, quando muito, constituir uma irregularidade prevista no artº 123º do CPP (neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 4ª ed., 950, Acs. STJ de 8/11/2018, Proc. 2760/14.2T3SNT.L1.S1, de 18/4/2018, Proc. 29/18.2YRPRT.S1 ou de 15/6/2011, Proc. 721/08.0GBSLV.E2.S1); e a ser assim, só determinaria a invalidade do acto “quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado”.
Ora, o Il. Defensor do arguido/recorrente esteve presente na sessão da audiência onde foi proferido o despacho supra transcrito, no qual se concluiu pela não determinação de realização do relatório social a si relativo, atenta a sua ausência no estrangeiro; foi tal defensor notificado da decisão e contra ela não reagiu.
Sanada estaria, pois, eventual irregularidade decorrente da omissão de realização do relatório social do recorrente.
E, como nos parece manifesto, a não realização do relatório não contende com qualquer princípio constitucional, máxime com o princípio da igualdade: a não determinação de realização do relatório social do recorrente não assentou em qualquer capricho do tribunal, ou no tratamento desigual daquilo que era igual. Na verdade, os co-arguidos EE e FF estavam presentes na audiência, era possível um contacto rápido com os mesmos por banda dos técnicos da Reinserção Social, em ordem a agendar a respectiva entrevista e a concluir os relatórios sociais antes da segunda sessão da audiência (como, de facto, sucedeu), designada para escassos 6 dias depois. O recorrente, por seu turno, estava ausente do País, sem localização do respectivo paradeiro. Contra o mesmo haviam sido emitidos mandados de detenção, tendo em vista aguardar os ulteriores termos em situação de prisão preventiva, na sequência de despacho judicial proferido 4 meses antes. Nestas condições, determinar a realização de relatório social a este arguido, devendo a notificação para a respectiva entrevista ser enviada para a morada constante do TIR seria, como bem refere o Digno magistrado do MºPº na sua resposta, um acto inútil e, por isso, proibido por lei. Pior: para além de inútil teria como efeito necessário protelar o julgamento em curso, num processo onde, acentue-se, dois dos arguidos se encontravam em situação de prisão preventiva.
Eram, pois, desiguais as situações de recorrente e demais co-arguidos, razão pela qual a não determinação de realização do relatório social em causa não violou qualquer princípio constitucional, nomeadamente o da igualdade, previsto no artº 13º da Constituição da República Portuguesa.
E desta forma soçobra, também, esta pretensão do recorrente.
C) A medida das penas parcelares e única e a possibilidade da suspensão da execução desta última:
O recorrente foi condenado,
- pela prática de um crime de roubo p. e p. pelo art. 210°, n°s 1 e 2, al. b), com referência ao art. 204°, n° 2, al. f), ambos do Código Penal, na pena de quatro anos e cinco meses de prisão;
- pela prática de um crime de dano do artigo 212° do Código Penal, na pena de um ano e nove meses de prisão;
- em cúmulo jurídico dessas penas parcelares, na pena única de cinco anos e três meses de prisão.
Não questionando o recorrente a opção feita pelo tribunal a quo por pena privativa de liberdade, em detrimento da pena de multa, no que ao crime de dano diz respeito, entende contudo que as penas parcelares devem ser fixadas próximas dos respectivos mínimos legalmente admissíveis e que a pena única resultante do cúmulo jurídico deve ser suspensa na sua execução.
A este propósito, consta do acórdão recorrido:
«(…)
Por isso que se opta, quanto ao crime de dano, pela pena de prisão, cuja moldura varia entre um mês e três anos de prisão.
Ao crime de roubo agravado corresponde a moldura penal de prisão de três a quinze anos (art. 210°, n° 2, do C.P.).
Atendendo à idade que os arguidos EE e AA tinham à data dos factos é de equacionar a aplicação ao caso do Regime Penal Especial para Jovens, regulado no D.L. 401/82, de 23/09.
Efectivamente, o diploma em questão aplica-se àqueles que à data da prática de um facto qualificado na lei como crime tenham completado 16 anos, sem terem ainda atingido os 21 anos (art. 1º).
A criação de tal regime especial decorre da ideia de que "o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado", pretendendo-se "instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade", e "exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção" (Preâmbulo do Dec-Lei em apreço).
Face a tais considerações e tendo em atenção os contornos do caso concreto dos presentes autos, entendemos que estão verificadas no caso as condições para que os arguidos EE e AA, não obstante a gravidade dos factos imputados, beneficiem do Regime Especial para Jovens, já que, atenta ademais a sua primariedade, se entende que tal facilitará a reinserção social dos arguidos e o seu encaminhamento para uma conduta conforme ao direito ao longo da vida, sem que com isso sejam descurados os interesses da comunidade na manutenção da ordem jurídica e, consequentemente, afectadas as exigências de prevenção geral.
Irá, então, aplicar-se o referido Regime Especial para Jovens ao arguido.
Nestes termos, de acordo com o disposto no art. 4º do D.L. 401/82, e sendo aplicável pena de prisão, há lugar à atenuação especial da pena, nos termos dos arts. 72° e 73° do Código Penal, pois que, conforme resulta do que acabou de referir-se, "há sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado".
No art. 72°, n° 1, do Código Penal prevê-se a atenuação especial da pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, exemplifícando-se no n° 2 circunstâncias que se entende preencherem aqueles requisitos.
Trata-se de uma "válvula de segurança" do sistema, por razões de justiça e adequação, que determina que a moldura penal prevista seja substituída por outra menos severa, "quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva" (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 302).
Como caso expressamente previsto na lei de atenuação especial existe precisamente o que acabou de referir-se do Regime Especial para Jovens.
Pelo que, é de atenuar especialmente a pena a aplicar aos arguidos, o que é feito nos termos previstos no art. 73°, n°. 1, do Código Penal.
De acordo com o disposto no art. 73°, n° 1, ais. a) e b), do CP., o limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço, sendo no caso o limite mínimo reduzido ao mínimo legal, porque, inferior a três anos.
Assim, no caso concreto, a moldura da pena de prisão aplicável é de um mês a cinco anos e quatro meses (cfr. art. 41°, n° 1, do CP.), no que ao crime de roubo importa e de um mês a 2 anos, quanto ao crime de dano.
Nos termos do art. 40° do C.P., a aplicação da pena visa a protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e a reintegração do agente na sociedade (prevenção especial), não podendo a pena em caso algum ultrapassar a medida da culpa.
A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do art. 71° do C Penal, em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes e atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.
Sem violar o princípio da proibição da dupla valoração pode ainda atender-se à intensidade ou aos efeitos do preenchimento de um elemento típico e à sua concretização segundo as especiais circunstâncias do caso, já que o que está aqui em causa são as diferentes modalidades de realização do tipo (neste sentido, Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, pág. 234).
Vejamos, então, quais as circunstâncias a relevar nesta sede (art. 71°, n° 2 do C.P.):
- a intensidade do dolo, elevada, pois existiu na modalidade de dolo directo;
- as exigências de prevenção geral e especial são muito elevadas, tratando-se de um tipo de crime que se vem generalizando e que, até pela forma como é cometido, cria um forte sentimento de insegurança nas pessoas, podendo ainda provocar consequências muito graves nas vítimas;
- quanto ao roubo, as consequências do facto em concreto foram graves ao nível da integridade pessoal do ofendido, não tendo assumido tanta gravidade ao nível do património do ofendido, já que parcialmente recuperado o dinheiro;
- quanto ao dano, ter-se-á, assim, em consideração o elevado grau de ilicitude do facto aferido desde logo pelo valor das coisas danificadas; a gravidade das suas consequências - não só o veículo foi totalmente destruído o que inviabiliza qualquer reconstituição natural, como a ofendida não se mostra indemnizada;
- também aumenta a ilicitude o modo de execução em concreto dos factos, com recurso à agressão física, bem como com o concurso de três pessoas.
Cabe atender ademais aos referidos antecedentes criminais do arguido FF e à circunstância de os não terem os demais.
Cabe, finalmente, considerar a envergonhada "admissão" dos factos em audiência pelos arguidos EE e FF, _sem relevância para a descoberta da verdade e a confirmar aliás a necessidade de uma maior reflexão por ambos quanto aos factos, a que os relatórios sociais faziam já referência.
Finalmente, mais se terão presentes as condições pessoais e familiares dos arguidos, anotando-se que os hábitos de consumo não terão sido alheios aos factos em causa, o que, ambivalentemente, diminui a culpa dos arguidos, mas aumenta as exigências preventivas gerais.
Tudo visto, decide-se determinar aos arguidos EE e AA as penas de quatro anos e cinco meses de prisão quanto ao crime de roubo e de um ano e nove meses quanto ao crime de dano e ao arguido FF as penas de cinco anos de prisão quanto ao crime de roubo e de dois anos de prisão quanto ao crime de dano.
Em cúmulo jurídico, determina-se aos arguidos EE e AA a pena única de 5 anos e três meses de prisão e ao arguido FF a pena única de seis anos de prisão».
Posto isto:
A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa – artºs 40º, nºs 1 e 2 do Cod. Penal.
No que concerne à determinação da medida da pena, estatui-se no artº 71º do Cod. Penal que a mesma é feita “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente (nº 2) o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das suas consequências (al. a)), a intensidade do dolo ou da negligência (al. b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (al. c)), as condições pessoais do arguido (al. d)), a sua conduta anterior e posterior ao facto (al. e)) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, quando a mesma deva ser censurada através da aplicação da pena (al. f)).
Como refere Germano Marques da Silva, “Direito Penal Português”, III, 130, “a determinação definitiva e concreta da pena é a resultante de um sistema pluridimensional de factores necessários à sua individualização. Um desses factores, fundamento, aliás, do próprio direito penal e consequentemente da pena, é a culpabilidade, que irá não só fundamentar como limitar a pena. (…) Mas para além da função repressiva, medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas – de protecção de bens jurídicos – e de reintegração do agente na sociedade”.
De outro lado,
Como se refere no Ac. deste STJ de 15-07-2020, Proc. n.º 126/19.7JAPRT.S1 - 3.ª Secção, “o crime de roubo é um crime complexo (porque, segundo Luís Osório de Oliveira Batista, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo (na expressão de Antolesi «um típico crime pluri-ofensivo»), em que os valores jurídicos em apreço e tutelados são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis alheias – e abrangendo sobretudo bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal – os quais merecem tutela a nível constitucional – arts. 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal), 27.º (direito à liberdade e à segurança) e 64.º (protecção da saúde) da CRP – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade – art. 70.º do CC –, como o direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego), o direito à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia. Em função do fim do agente, o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais, está também em jogo na fattispecie em causa, a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo, com a violação de direitos de personalidade, nomeadamente, o direito à integridade pessoal, com tutela constitucional, abrangendo as duas componentes, a integridade moral e a integridade física, de cada pessoa – art. 25.º, n.º 1, da CRP - o qual consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais, sendo o direito à integridade física e psíquica, à partida, um direito pessoal irrenunciável”.
Distintamente, no crime de dano, o bem jurídico tutelado é a propriedade.
O crime de roubo constitui objecto de manifesta reprovação geral e gera um compreensível sentimento de insegurança, sendo certo que a frequência com que vem ocorrendo eleva as necessidades de prevenção geral.
Simas Santos e Leal-Henriques, “Noções Elementares de Direito Penal”, 2ª ed., 169, escrevem:
“(…) a prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena, não como prevenção negativa, de intimidação, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma, enquanto estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da regra infringida”.
Aqui chegados:
O arguido/recorrente era, à data em que foi proferido o acórdão recorrido, primário (o que, verdadeiramente, não assume significado de maior, posto que tinha, então, 18 anos de idade).
Não sendo especialmente prementes as necessidades de prevenção especial na situação em apreço, não se pode olvidar o modo como participou nos factos apurados, agredindo a vítima do roubo (um homem de 63 anos de idade), o que fez em conjugação de esforços com outros dois jovens, um também com 18 anos, outro com 24.
No ensinamento de Taipa de Carvalho, “Direito Penal, Parte Geral”, Publicações Universidade Católica, 87 - na determinação da medida e espécie da pena o “critério da prevenção especial não é absoluto, mas antes duplamente condicionado e limitado: pela culpa e pela prevenção geral. Condicionado pela culpa, no sentido de que nunca o limite máximo da pena pode ser superior à medida da culpa, por maiores que sejam as exigências preventivo-especiais (…). Condicionado pela prevenção geral, no sentido de que nunca o limite mínimo da pena (ou a escolha de uma pena não detentiva) pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores juridíco-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima. Em síntese: a prevenção geral constitui o limite mínimo da pena determinada pelo critério da prevenção especial”.
O arguido agiu com dolo directo, daí que intenso.
É intenso o grau de ilicitude dos factos, expresso na forma como foram cometidos: depois de, com recurso a arma, terem retirado o ofendido do táxi, atiraram-no para o chão após o que, de forma aparentemente desnecessária e com gratuita violência, o atingiram com vários pontapés na cara e nas costas, de seguida o abandonando, em local ermo.
No que ao crime de dano diz respeito, não pode deixar de ser objecto de particular censura a conduta do arguido: o objectivo último traçado por ele e pelos seus co-arguidos estava atingido, com a apropriação de bens e valores existentes no veículo; a destruição do mesmo foi, por isso, absolutamente desnecessária e gratuita, sendo certo que foi o arguido/recorrente quem comprou a gasolina e quem, com a mesma, regou o dito automóvel.
Foram graves as consequências das infracções: o ofendido temeu pela sua vida; sofreu hematoma na pálpebra inferior esquerda e ferida supraciliar esquerda; foi submetido a vários e dolorosos tratamentos, realizados numa zona sensível e delicada como são as zonas ocular, bocal, facial e lombar, causaram, por um lado, sofrimento e, por outro, durante algum tempo, uma incómoda limitação na visão, mastigação, deslocação e na fala; as dores reconduziram-no aos serviços de urgência, pelo menos uma vez no dia mesmo em que os factos sucederam; foram-lhe prescritas injecções diárias para combater as dores, as quais o impossibilitaram de trabalhar, dormir e realizar as suas tarefas diárias, durante pelo menos alguns dias; passou ainda a ter insónias, ansiedade e perda de apetite, viu o seu humor alterado e as actividades que anteriormente efectuava com prazer passaram a desinteressá-lo; o pavor que sentiu não foi indiferente à decisão de abandonar a profissão e continua a necessitar de acompanhamento psicológico.
Com a destruição do veículo (à data com um valor de pelo menos 4.000 euros), perdeu o ofendido BB bens próprios que aí se encontravam, designadamente uns óculos de sol no valor de € 400,00.
Ora, o crime de roubo p.p. pelo artº 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao artº 204º, nº 2, al. f) do Cod. Penal é, como se refere no acórdão referido, punível com prisão de 3 a 15 anos. O crime de dano previsto no artº 212º, nº 1 do mesmo diploma é punível com prisão até 3 anos ou multa.
Em face da atenuação especial determinada ao abrigo do artº 4º do DL 401/82, de 23/9, presente o estatuído no artº 73º, nº 1, als. a) e b) do Cod. Penal, a moldura penal do crime de roubo situa-se entre um mínimo de 7 meses e 6 dias e um máximo de 10 anos de prisão (e não, como por manifesto lapso se refere o acórdão recorrido, entre 1 mês e 5 anos e 4 meses); de seu turno, a pena especialmente atenuada relativa ao crime de dano tem um mínimo de 1 mês e um máximo de 2 anos de prisão.
Presentes os critérios de determinação da medida concreta da pena supra elencados, temos por justa e adequada a pena encontrada pelo tribunal a quo - 4 anos e 5 meses de prisão – no que ao crime de roubo, pena que se situa abaixo do ponto médio da pena abstractamente aplicável.
Contudo – e sempre ressalvado o devido respeito por melhor opinião – afigura-se-nos excessiva a pena concretamente aplicada, no que ao crime de dano diz respeito, porque muito próxima do limite máximo admissível.
E considerados os critérios legalmente fixados para a determinação das penas, temos por justa e adequada, in casu, uma pena mais próxima do ponto médio da pena abstractamente aplicável, isto é, uma pena de 1 ano de prisão, para o crime de dano por cuja autoria o recorrente foi julgado e condenado.
No que concerne à pena única:
“Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” – artº 77º, nº 1 do Cod. Penal – sendo certo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas.
No caso, portanto, a moldura penal aplicável parte de um mínimo de 4 anos e 5 meses de prisão, não podendo ultrapassar – agora - os 5 anos e 5 meses de prisão.
Como se refere no Ac. STJ de de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção, “I - A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente - exigências de prevenção especial de socialização”.
De outro lado, “a proporcionalidade e a proibição do excesso, que deve presidir à fixação da pena conjunta, deverá obter-se através da ponderação entre a gravidade do facto global (do concurso de crimes enquanto unidade de sentido jurídico), as caraterísticas da personalidade do agente nele revelado (no conjunto dos factos ou na atividade delituosa) e a intensidade ou gravidade da medida da pena conjunta no âmbito do ordenamento punitivo” – Ac. STJ de 08-07-2020, Proc. n.º 74/14.7JAPTM.E1.S1 - 3.ª Secção.
Ora, efectuada uma avaliação global dos factos, ponderadas as exigências de prevenção especial e geral e a situação pessoal do arguido, considerando que estamos perante uma pluriocasionalidade, é nosso entendimento que se mostra justa e adequada uma pena única de 5 anos de prisão.
Estatui-se no artº 50º, nº 1 do Cod. Penal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
A possibilidade de suspensão da execução da pena única não foi ponderada no acórdão recorrido, desde logo pela óbvia razão de não ser legalmente admissível, posto que superior a 5 anos de prisão.
Face, porém, à pena única ora encontrada, essa possibilidade há-de, agora, ser ponderada.
Ora, o recorrente tinha, à data dos factos, 18 anos de idade. Era primário. Tais factos justificaram, aliás, a aplicação do regime penal especial para jovens delinquentes e, particularmente, do artº 4º do diploma respectivo (DL 401/82, de 23/9), onde se determina que o juiz deve atenuar especialmente a pena “quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado”.
As “sérias razões” que justificaram, perante o tribunal a quo, a atenuação especial das penas, justificam agora, em nosso entendimento, a suspensão da execução da pena única, por cuja autoria o arguido vai condenado, posto que reforçadas com o passado recente do recorrente.
Com efeito, entre os factos dos autos e o momento presente decorreram quase 14 anos, no decurso dos quais o recorrente organizou a sua vida, constituiu família e foi pai por três vezes. Relativamente a esses menores, nascidos na …, o recorrente - como bem refere, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, no seu douto parecer - “terá que assegurar assistência parental”.
Existem, pois e em nosso entendimento, boas e sérias razões para crer que a simples censura dos factos e a ameaça de execução da pena serão suficientes em ordem a afastar o arguido da delinquência, satisfazendo-se as finalidades da punição, razão pela qual a pena única aplicada será suspensa por 5 anos.
Tal suspensão será acompanhada de regime de prova, nos termos previstos no artº 53º, nºs 1 e 3 do Cod. Penal, devendo o respectivo plano de reinserção social ser elaborado pelos serviços competentes da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais que, naturalmente, levarão em consideração a particular situação do recorrente, residente na … .
V. Por tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA,
- reduzindo para 1 (um) ano a pena de prisão relativa ao crime de dano,
- fixando em 5 anos de prisão a pena única resultante do cúmulo jurídico entre essa pena e a de 4 anos e 5 meses de prisão relativa ao crime de roubo (que se mantém), e
- determinando a suspensão da execução dessa pena única pelo período de 5 anos, acompanhada de regime de prova, no demais confirmando o acórdão recorrido.
Sem custas.
Lisboa, 26 de Maio de 2021 (processado e revisto pelo relator)
Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator)
Atesto o voto de conformidade da Exmª Srª Juíza Conselheira Ana Maria Barata de Brito
______
[1] O Tribunal Constitucional, no seu Ac. 182/99, entendeu já não enfermar de inconstitucionalidade a norma ínsita no nº 1 do artº 370º do CPP, ao não impor ao tribunal o dever de solicitar a elaboração de um relatório social: “Adianta-se desde já que este Tribunal não vislumbra que a norma sub iudicio padeça do vício que lhe é imputado. Na verdade, o normativo em causa não restringe, seja de que forma for, que o arguido exerça plenamente toda uma panóplia de acções ou actividades com vista a assegurar uma sua efectiva defesa, pois que dela não deflui nenhum comando do qual se extraia uma qualquer proibição ou, ao menos, um poder - atribuído ao tribunal - de indeferimento, não razoável ou injustificado (ainda que essas não razoabilidade ou não justificação sejam perspectivadas de harmonia com a Constituição), de qualquer pretensão do arguido direccionada ao exercício da sua defesa, não vedando, nitidamente e verbi gratia, que o tribunal defira uma solicitação, formulada pelo arguido, de feitura de um relatório social. Por outro lado, a mencionada norma também não contende com o exercício, pelo tribunal, de poderes inquisitórios, designadamente com vista ao apuramento de factos ou circunstâncias que se revelem favoráveis ao arguido”.