POSSE
CORPUS
ANIMUS POSSIDENDI
DIREITO DE PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO EM OBJETO DIVERSO DO PEDIDO
CONDENAÇÃO EXTRA VEL ULTRA PETITUM
EXCESSO DE PRONÚNCIA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ERRO DE JULGAMENTO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Sumário


I. Impõe-se distinguir entre causas de invalidade da decisão judicial (art. 615.º do CPC) e erro de julgamento da matéria de facto (art. 662.º do CPC), que é limitadamente sindicável pelo STJ (art. 674.º, n.º 3, do CPC), e erro de julgamento na apreciação do direito, amplamente sindicável pelo STJ (art. 674.º n.º 1, al. a), do CPC).
II. O juiz não pode, sob pena de nulidade, condenar em objecto diverso do que foi pedido (arts. 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC). O tribunal não condena em objeto diverso do pedido (pronúncia ultra petitum) quando reconhece que o direito de propriedade integra a herança indivisa de pessoa já falecida ao tempo da propositura da ação, em lugar de reconhecer o direito de propriedade da pessoa falecida.
III. Salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso, o juiz não deve apreciar questões não submetidas ao seu conhecimento, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia.
IV. A nulidade por falta de fundamentação pressupõe uma total ausência de fundamentação de facto e/ou de direito.
V. No caso de o TR, na modificação da decisão da matéria de facto, atuar ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sem que inobserve qualquer disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674.º, n.º 3, do CPC), a decisão não é sindicável pelo STJ.
VI. A jurisprudência dominante preconiza uma conceção subjetiva da posse, exigindo a demonstração da vontade de atuar como titular do direito. Contudo, a suficiência da prova de um poder de facto e a inerente presunção possessória, supletivamente correspondente ao direito de propriedade, encontra apoio nos arts. 1252.º, n.º 2, e 1253.º, al. c), in fine, do CC. Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto.

Texto Integral


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça,



I - Relatório

1. AA propôs ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB e Mulher, CC, pedindo que se declare que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a 146 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º …, do Cartório Notarial … ., pertence a DD e Mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu-marido.

2. Alega, em síntese, que por escritura de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada a fls. 145 a 146 verso, do livro de notas para escrituras diversas n.º …. do Cartório Notarial …, os Réus declararam que “são donos e legítimos possuidores, em comum, com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito na Estrada …., lugar de …., freguesia e concelho de ….., composta de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com a área de 96,38 m2, não descrito na Conservatória do Registo Predial …. e inscrito na matriz em nome do justificante marido sob o art. …..”; que “não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio de tal prédio, que adveio à sua posse já no estado de casados, por volta de 1985, por doação feita sob a forma meramente verbal pelos pais do justificante-marido, DD e mulher”; que, apesar disso, “têm usufruído de tal prédio, cuidando do seu arranjo, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, com animo de quem exercia direito próprio, sendo reconhecidos como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa-fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente, à vista e com o conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém”.

3. Tais declarações foram confirmadas por três testemunhas.

4. Foi efetuado o registo do referido prédio na Conservatória do Registo Predial ….. com o n.º 2159/…...

5. O Autor invoca que aquelas declarações são falsas quanto à existência da alegada doação verbal, área do imóvel e sua composição, quanto à circunstância de os Réus terem pretensamente entrado na posse do mesmo na data que afirmaram e, ainda, quanto à pretensão dos mesmos de haverem adquirido a propriedade do prédio usucapião.

6. Refere que os seus avós não doaram aquele prédio aos Réus e sempre se mantiveram na sua posse efetiva.

7. O Autor intentou ação declarativa contra os Réus com vista à impugnação daquela escritura, que correu termos sob o n.º 340/10…, que foi julgada procedente, por decisão transitada em julgado.

8. Foram DD e Mulher, EE, que adquiriram aquele prédio, há mais de 60 anos, ali residiram desde então, constituindo este a sua casa de morada de família, tendo usufruído desse prédio, nele habitando, edificando, recebendo familiares e amigos, guardando seus pertences, suportando os encargos a ele inerentes, designadamente contribuições e beneficiações realizadas, o que fizeram na convicção de serem proprietários desse prédio e de modo a poder ser conhecido por todos, à vista de todos e sem oposição de ninguém.

9. Os Réus contestaram, invocando a exceção dilatória da ilegitimidade ativa do Autor para instaurarem a presente ação desacompanhados dos restantes herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD e Mulher, EE.

10. Invocaram a exceção dilatória do caso julgado, sustentando que nos autos de ação n.º 340/10…, o Autor pediu que se declare que “o prédio identificado no art. 9º da p.i., pertence à herança aberta e ilíquida de DD e mulher EE, avós do Autor e pais do Réu-marido”, tendo esse pedido, que é o mesmo que ora formulam no âmbito dos presentes autos, sido conhecido nessa outra ação que, por decisão transitada em julgado, o julgou improcedente.

11. Impugnaram parte da factualidade alegada pelo Autor e invocaram que, desde 1981, o Réu-marido e, a partir de 1985, juntamente com a Ré-mulher, vem possuindo uma corte para animais, que foi lhe doada, em 1981, pelos seus pais corte essa situada do lado direito de quem está de frente para a casa que foi a morada de família desses seus pais, interpondo-se entre essa corte e a dita casa um espaço de acesso, escadaria e patamar, e uma área de terreno na parte superior, onde os Réus edificaram, em 1988, um complexo composto por anexos, arrumos, terraço e garagem que, na sua totalidade, é a sua casa de morada de família e constitui o prédio inscrito no art. ….69

12. Desde 1981, o Réu marido e, desde 1985, também a Ré mulher, têm usufruído e detido aquele prédio, nomeadamente nele trabalhando, habitando, recebendo familiares e amigos, guardando lenhas, madeiras, carros, trastes velhos, ferramentas agrícolas e da atividade e guardando lenhas, o que fazem convictos de serem proprietários do mesmo, de modo a poder ser conhecido pelos interessados, sem interrupção temporal, sem violência e ignorando lesar quaisquer direitos de terceiros.

13. Concluem pedindo que se julguem procedentes as exceções da ilegitimidade ativa e do caso julgado, com as consequências legais, ou que se julgue a ação improcedente por não provada.

14. Notificou-se o Autor para se pronunciar sobre as exceções da ilegitimidade ativa e do caso julgado suscitadas pelos Réus. Concluiu pela improcedência de ambas as exceções. Sustentou, quanto à exceção do caso julgado, que inexiste identidades de causas de pedir, porque, conforme decidido naquela primeira ação, o pedido nela formulado sob a al. e) foi julgado improcedente, pois os nela Autores e aqui também Autor não alegaram quaisquer factos que permitissem demonstrar a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio pelo falecido DD e mulher, EE por via da usucapião. Para o caso de se entender proceder a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, deduziu incidente de intervenção principal provocada de FF e de GG.

15. Notificou-se o Autor para se pronunciar, querendo, quanto à eventual litigância de má-fé, o que fez, concluindo pela sua ausência.

16. Os Réus deduziram oposição ao incidente da intervenção principal provocada deduzido pelo Autor, sustentando que o pedido e a causa de pedir da presente ação já foram apreciados e decididos no âmbito da ação n.º 340/10… .

17. Deferiu-se o incidente da intervenção principal provocada de FF e GG que, uma vez citadas, não apresentaram articulado, limitando-se GG a juntar procuração forense aos autos.

18. Dispensou-se a realização de audiência preliminar, fixou-se o valor da ação, proferiu-se despacho saneador, em que se julgou sanada a exceção da ilegitimidade ativa arguida pelos Réus com a dedução e deferimento do incidente da intervenção principal provocada supra referido. Conheceu-se da exceção dilatória do caso julgado suscitada pelos Réus, julgando-a procedente e, em consequência, absolveram-se os Réus da instância e condenou-se o Autor como litigante de má fé.

19. Inconformado com a decisão que julgou procedente a exceção dilatória do caso julgado e o condenou como litigante de má fé, o Autor interpôs recurso de apelação.

20. O Tribunal da Relação …, por acórdão de 17 de maio de 2018, confirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça, revogou a decisão, julgando improcedente a exceção dilatória do caso julgado, absolvendo a condenação do Autor como litigante de má fé e determinando o prosseguimento dos autos.

21. Foi proferido despacho fixando o objeto do litígio, estabelecendo que “o objeto do presente litígio consiste em aferir da pertença do imóvel inscrito sob o art. …69., melhor identificado na p.i, ao acervo hereditário de DD e EE, avós do Autor e pais do Réu” e, quanto aos temas da prova, fixando “Os temas são as circunstâncias da aquisição pelos referidos autores da Herança, do aludido prédio, e utilização que fizeram do mesmo em termos de finalidade, duração, publicidade, pacificidade, etc.”. Não foram apresentadas reclamações.

22. Conheceu-se dos requerimentos probatórios oferecidos pelas partes e designou-se data para a realização de audiência final.

23. Realizada a audiência final, proferiu-se sentença, julgando a ação improcedente e absolvendo-se os Réus do pedido:

Pelo supra exposto, julga-se a ação totalmente improcedente e, consequentemente, decide-se:

A) Absolver os Réus BB e esposa CC do peticionado;

B) Condenar o Autor AA no pagamento das custas processuais”.

24. Não conformado, o Autor interpôs recurso de apelação.

25. Os Réus contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação.

26. Por acórdão de 7 de maio de 2020, o Tribunal da Relação …, decidiu o seguinte:

“Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores desta Secção Cível do Tribunal da Relação …. em julgar a presente apelação parcialmente procedente e, em consequência:

a - introduzem as alterações supra identificadas à facticidade julgada provada e não provada na sentença sob sindicância;

b - revogam a decisão de mérito proferida nessa sentença, substituindo-a pela seguinte decisão:

“Declaram que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a 146 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º …., do Cartório Notarial  ….., pertence às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito de DD e mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu-marido”;

c - no mais, improcede a apelação.


*

Mais acordam em não admitir a junção aos autos dos documentos juntos pelo apelante em anexo às suas alegações de recurso (Docs. n.ºs 1, 2, 3 e 4) e ordenam o desentranhamento dos autos desses documentos, determinando a sua devolução ao apresentante, condenando o apelante nas custas do incidente, fixando a taxa de justiça em uma UC.

*

Custas da apelação por apelante e apelados BB e mulher na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 10% para o apelante e em 90% para os apelados BB e mulher (art. 527º, n.º 1 e 2 do CPC).

27. Não conformados, os Réus interpuseram recurso de revista com as seguintes Conclusões:

“1ª - Vem o presente recurso interposto do Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação …., proferido nos autos à margem referenciados, que julgou, parcialmente procedente o recurso, interposto pelo A./Apelado AA, da Douta Decisão da 1ª instância, Mas que, não obstante, julgou a ação procedente, e, condenou, além do mais, No reconhecimento de um pedido que não foi formulado pelo mesmo (A.), como infra melhor ser explanará

2ª - Estão inconformados os recorrentes.

3ª - Colendos Senhores Juízes Conselheiros, não viriam aqui os recorrentes, perante Vossas Excelências, se não estivessem firmemente convictos que a Douta Decisão de que recorrem, além de muito injusta e errónea, com o mais elevado respeito, não fez uma correta apreciação, da causa de pedir e do pedido da p.i. do recorrido, da matéria de facto e de direito, devendo a mesma,

4ª - A final, ser revogada, declarada nula, por violação da lei, erro de julgamento, que tudo aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos. Donde, não lhes restou outra alternativa que não fosse a Revista ora sujeita à preclara e esclarecida apreciação de Vossas Excelências.

5ª - Antes de mais, importa, repor a ação no seu status quo ante reconduzindo-a à articulação que as partes lhe traçaram, e isto porque, entendemos muito relevante aqui mencionar em primeiro lugar, com vista à esclarecida apreciação de Vªs Exªs, designadamente o que o A./Apelado pediu com a instauração da presente lide,

Como é do pedido da alínea a) da petição inicial do A./apelado, o mesmo, peticionou ao Tribunal “….SEJA DECLARADO que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a 146 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º …., do Cartório Notarial de …, pertence a DD e mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu-marido.”

6ª - Por seu turno os RR., em sede de contestação, impugnaram a factualidade alegada pelo apelado, e invocaram que são donos legítimos possuidores e proprietários, do prédio urbano, objeto da dita escritura publica de justificação Notarial de fls. 13-17 dos autos, o qual se encontra inscrito na respetiva matriz predial urbana da Freguesia e Concelho  ….. em nome do recorrente BB, sob o art.º ….69,

7ª - Porquanto adquiriram o direito de propriedade sobre o mesmo, ex novo, respetivamente desde 1981 e final da década de 80 inícios de 90, mais precisamente em 1988, respetivamente, pela sua posse por mais de 20 anos com base na sua aquisição originária por via da usucapião, instituto que invocaram para todos os devidos e legais efeitos;

8ª - I - O Douto Acórdão padece de nulidade, por condenação em objeto diverso do pedido e/ou pronunciou-se sobre questão de que não podia tomar conhecimento, ao abrigo do preceituado no art.º 615º n.º 1 al. d) e e), ex vi do artigo 666º e art.º 608º n.º 2 todos do Código de Processo Civil e seus basilares princípios

9ª - A presente demanda, como se disse já, tem como causa de pedir, a impugnação da escritura de justificação notarial de fls. 13 –17 dos autos, alegando, para tal, o A./apelado, que tal prédio há mais de 60 anos que EE e DD, residiam em tal casa, nela recebendo familiares e amigos, guardando seus pertences, ininterruptamente, á vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade e sem oposição,

10ª - Concluindo, pedindo, como se disse já: “SEJA DECLARADO que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a 146 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º …., do Cartório Notarial …, pertence a DD e mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu-marido”

11ª - Factualidade, salvo o mais elevado respeito, não logrou ser valorada, pelo Venerando Tribunal “a quo” o qual, salvo devido respeito e melhor opinião, conheceu de questão que lhe não foi solicitada, pois que, como é do Douto Acórdão a fls. 97, ora sujeito à preclara apreciação de Vªs Exªs, decidiu: “declaram que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11.05.2007 lavrada de fls. 145-146v do livro de notas para Escrituras Diversas n.º ….., do Cartório Notarial de …. pertence às Heranças Ilíquidas e Indivisas abertas por óbito de DD e mulher EE, avôs do autor e pais do R. marido”

12ª - Certo é que, não foi este o pedido deduzido pelo apelado/A., como é bem patente nos autos;

13ª - Com efeito, o A. propôs uma ação de processo comum em que não se serve da ação da petição da herança, nem pede o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro, nem alega que o prédio objeto da dita escritura de fls. 13-17 dos autos, pertence à Herança Ilíquida aberta por óbito de DD e EE,

14ª - Nem tão pouco pede a restituição à Herança de tal prédio – artigos 242º n.º 1 e 264º n.º 1 e 2.075º n.º 1 todos do Código Civil e seus basilares princípios e art.º 552º n.º 1 al. d) do C. P. Civil e seus basilares princípios.

15ª - O Tribunal da Relação ao decidir como decidiu, foi para além do peticionado pelo A/Apelado, pelo que, salvo o mais elevado respeito, vedado lhe estava tal conhecimento, bem como concluir pela matéria provada e não provada, mormente em 8, 9, 10, 11, 12 e 13 – fls. 84 a 85 do Douto Acórdão sob censura–determinada factualidade ai vertida, nomeadamente que:

- Os recorrentes possuíam o prédio urbano inscrito na respetiva matriz em nome do recorrente BB sob o art.º ….69 na convicção de que integrava o prédio identificado em 5 da matéria assente na Douta Sentença da 1ª instância;

- Que DD e EE, entregaram a corte identificada em 8, por conta da aludida partilha e que o mesmo aceitou;

- Que os ora recorrentes possuíam tal prédio na convicção de que nas partilhas das Heranças abertas por óbito de DD e EE o prédio identificado na escritura de justificação de fls. 13-17 lhes seria adjudicado;

- Que, há mais de 60 anos DD e EE, e até à data das suas mortes, ocorridas, respetivamente, em 30.12.2003 e 06.01.2007, habitaram a casa identificada em 5º da matéria assente na Douta Sentença da 1ª instância, que incluía o prédio identificado na dita escritura de justificação notarial, inscrito na matriz em nome do recorrente sob o art.º ….69. como se disse já;

16ª - E ainda, o referido em 13 a), ou seja, que as entregas da corte e parcela de terreno, as quais, como se disse já foram objeto de desanexação do prédio identificado em 5º da matéria assente na Douta Sentença da 1ª instância, não foram feitas ao R. BB a título de doação;

17ª - Bem como, que o recorrente BB e esposa, tivessem feito atuação relativamente ao prédio identificado na escritura de fls. 13-17, convictos de que exerciam direito de propriedade sobre esse prédio, ignorando lesar direitos alheios;

18ª - Pelo que, o pedido formulado pelo A. na p.i., e que não logrou ser alterado/modificado/ampliado ao longo do processo, salvo o devido respeito e melhor opinião, ao invés do referido na página 85 do Douto Acórdão, último paragrafo, mas sim, o que se acha descrito supra e que é da p.i., que mais uma vez se transcreve e não é por demais repetir, “SEJA DECLARADO que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a 146 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º …, do Cartório Notarial  ....., pertence a DD e mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu-marido.”

19ª - Não podia o Tribunal da Relação ….., salvo devido respeito e melhor opinião, no Douto Acórdão ora sob censura, proferir a referida decisão, ou seja “declaram que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11.05.2007 lavrada de fls. 145-146v do livro de notas para Escrituras Diversas n.º ……, do Cartório Notarial ..... pertence às Heranças Ilíquidas e Indivisas abertas por óbito de DD e mulher EE, avôs do autor e pais do R. marido”

20ª - Por conhecer, no nosso modesto entender, em objeto diverso do pedido e/ou de questão de que não podia tomar conhecimento, o que o torna nulo e de nenhum efeito;

21ª - O Tribunal da Relação, ao pronunciar-se sobre matéria que não lhe foi peticionada, fere o Acórdão proferido de Nulidade, nos termos do preceituado no art.º 615º n.º 1 al. d) e e) ex vi art.º 666º e art.º 608º n.º 2 e art.º 609º, entre outros, todos do C. P. C. e seus basilares princípios, nulidade que aqui se invoca para todos os devidos e legais efeitos;

22ª - II - O Douto Acórdão recorrido, padece da nulidade prevista no artigo 615º n.º 1 alíneas b), c) e d) ex vi do art.º 666º e art.º 608º e artigo 609º, entre outros, do C. P. Civil e seus basilares princípios e de erro de julgamento

23ª - Certo é que, a presente demanda, como se disse já, tem como causa de pedir, a impugnação da escritura de justificação notarial de fls. 13-17 dos autos, tendo, alegando, para tal, o A./apelado, que tal prédio há mais de 60 anos que EE e DD, residiam em tal casa, nela recebendo familiares e amigos, guardando seus pertences, ininterruptamente, á vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade e sem oposição,

24ª - Acabando pedindo que: “SEJA DECLARADO que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a 146 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º ….., do Cartório Notarial de ....., pertence a DD e mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu-marido”

25ª - Os RR./recorrentes na sua contestação e na resposta ao recurso interposto pelo A., insurgiram-se quanto ao peticionado pelo mesmo, e invocaram a aquisição originária do direito de propriedade relativamente ao prédio urbano composto de rés-do-chão e 1º andar, identificado naquela escritura de justificação de fls. 13-17, ou seja, o inscrito na matriz respetiva da Freguesia e Concelho  ..... sob o art.º …69, em nome do recorrente marido,

26ª - Uma vez que entendiam e entendem estarem reunidos todos os pressupostos integradores da aquisição do direito de propriedade sobre tal imóvel por via da usucapião, que invocaram, em razão de tal aquisição ter ocorrido em 1981 e 1988, respetivamente, como infra melhor se explanará,

27ª - Invocando, além do mais, que, desde tais datas primeiro o recorrente marido e, a partir de 1985, conjuntamente com a recorrente mulher, estão na posse pública, pacífica, continua e de boa-fé de tal prédio urbano, autónomo e destinto do imóvel identificado em 5 da matéria provada da Douta Sentença da 1ª instância, com o ânimo de exclusivos donos, dele retirando todas as utilidades e interesses e correlativamente suportando, exclusivamente, todos os encargos a ele inerentes, nomeadamente,

28ª - Sua edificação, reparações, contribuições (pois que o prédio encontra-se inscrito na respetiva matriz em nome do R. marido, como se disse já), etc., conscientes de não ofenderem quaisquer direitos de terceiros, total ou parcialmente incompatíveis sobre o mesmo bem, e isto desde as datas referidas, 1981 e 1988 por mais de 20 anos;

29ª - Isto é invocando, o animus possidendi, pois sempre houve intenção, por parte dos RR./recorrentes de agirem no pleno exercício de titulares de um direito real sobre a propriedade daquele prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana sob o art.º ….69 da Freguesia e Concelho  ....., e não um mero poder de facto sobre ele, ou posse em nome de outrem e de quaisquer heranças, pelo contrario, agindo desta forma convictos de serem os titulares do direito real correspondente, como efetivamente são,

30ª - E fizeram-no, desde aquelas datas, 1981 e 1988, respetivamente, de forma pública de modo a poderem ser conhecidos pelos interessados, sem interrupção temporal, com ciência e paciência de toda a gente e na convicção de quem exerce direito próprio, possuindo sem violência, ignorando lesar quaisquer direitos de terceiro, como tudo é bem do conhecimento do apelado e demais intervenientes,

31 ª- Este direito, assim, foi reconhecido, na Douta Sentença da 1ª instância, em que o Tribunal, referiu,

“In casu, aferindo-se a matéria fáctica provada em 8) e 9), sopesando o supra elenco fáctico assente como provado em 3), enuncia-se que o mesmo consubstancia a efetivação pelos Réus de concludentes e sustentados atos materiais de domínio do mencionado prédio, usufruindo as suas utilidades, praticando típicos atos de conservação ordinária, atos que se subsumem no corpus possessório, publicizando a sua atuação. Infere-se, assim, que os mesmos positivaram atos materiais constitutivos do controlo fáctico do prédio, de forma reiterada, duradoura e pública, i.e, permitindo a sua cognoscibilidade pelos interessados. Concomitantemente, o todo complexivo inerente à atuação dos Réus configurou o exercício de uma situação jurídica em nome próprio, agindo, assim, com animus sibi habendiou intenção de ter a coisa para si e animus possidendi ou

intenção de ser possuidor.

A antedita situação possessória titulada é uma posse civil, titulada, de boa-fé, porquanto, sob o crivo do homem-médio, desconheciam diligentemente que lesavam o direito de outrem, pacífica, pois que não usaram de coação física ou moral, e pública (artigos 1259.ºa 1260.º do CC). Em consequência, assevera-se que a existência de uma posse válida, de boa-fé, que intercorre há mais de 20 anos, sendo que, não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião ocorre no termo de quinze anos (art.º 1296.º, do CC).”

32ª - Ou seja, o Tribunal, da 1ª instância, face à posse dos RR., sobre o prédio identificado na escritura Notarial de fls. 13-17 dos autos, o qual como se disse já encontra-se inscrito na respetiva matriz predial urbana da Freguesia e Concelho de ..... sob o art.º ….69., em nome do recorrente BB, por mais de 20 anos, entendeu estarmos perante a aquisição originária da propriedade sobre tal imóvel, por via da usucapião.

33ª - E dado que, nenhuma prova foi feita relativamente a quaisquer atos possessórios relativamente a tal prédio identificado na dita escritura Notarial, e isto há mais de 60 anos, por EE e DD, mormente que ai residissem, que nela recebessem familiares e amigos, guardando seus pertences, ininterruptamente à vista de toda a gente na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade,

34ª- Os quais, nunca ai residiram ou exerceram tais atos de posse, como é bem de toda a prova documental e testemunhal ouvida, e que infra se transcreverá, uma vez que o Douto Acórdão proferido, ora sujeito à preclara apreciação de Vªs Exªs, na página 59 paragrafo 7º refere que ouviu toda a prova,

35ª - Audição essa com o mais elevado respeito e consideração, não levou em linha de conta, a real declaração das testemunhas, mormente da testemunha HH, depoimento a que referem a fls. 80 do Douto Acórdão ora sob censura, as quais, no conjunto da prova, ao contrario do entendimento do Douto Acórdão, referem de forma clara, objetiva, sincera e com boa-fé, que os pais do recorrente BB, lhe doaram os espaços, onde o mesmo edificou a expensas suas e de sua mulher, o imóvel, identificado na escritura de fls. 13-17,

36ª - Prédio este que nada tem a ver com a corte e parcela de terreno que os pais doaram ao R./recorrente em 1981 e 1988 respetivamente, sendo que há mais de 20 anos é uma unidade predial autónoma, a qual é reconhecida pelo Tribunal “a quo” Relação …, na página 78º paragrafo 2º e 3º, quando refere:

“…. Dúvidas igualmente não podem subsistir que desse prédio (com referência ao prédio identificado em 5 da Sentença da 1º instância – texto nosso) foi desanexada, por volta de 1981, materialmente por DD e EE a corte, que a entregaram ao apelado BB, para este aí instalar a oficina de … e onde veio a ser construído o 1º andar, que desde o casamento dos apelados BB e CC, em 24/08/1985, é a casa de morada de família destes.

- Dúvidas também não existem que já nos finais de década de 1980/inícios da de 1990, DD e EE desanexaram materialmente daquele seu prédio (com referência ao prédio identificado em 5 da 1º instância –texto nosso) uma parcela de terreno, que igualmente entregaram ao apelado BB, onde este, a expensas suas e de sua mulher, construiu a garagem/aumento.”

(negrito e sublinhado nosso)

37ª - Por força destas materiais desanexações, em 1.981 e 1.988 ou finais da década de 80/ inícios 90, respetivamente, e das obras a que foram sujeitos tais espaços a expensas dos recorrentes, como se disse já e não é por demais repetir,

38ª - Resultou o prédio urbano, sito na Estrada …., no lugar …, na freguesia e concelho de ....., inscrito na matriz respetiva em nome do justificante marido sob o artigo …..69, como consta da referida escritura de fls. 13-17, da planta levantamento topográfico de fls. 89-90 (que não logrou ser impugnado pelo apelado e intervenientes) e das fotos de fls. 40-41 e 48-50 juntas pelo apelado na p.i. .,

39ª - Isto é, o prédio que os RR. possuem como já relatado supra de forma pública, pacífica, continua, de boa fé, na convicção de um exercício de direito próprio, à vista de toda a gente, e na convicção de não lesar direito alheio, nada tem a ver com a dita corte e com a parcela de terreno que os pais doaram ao recorrente BB em 1981 e 1988, e que é hoje uma unidade predial autónoma, do prédio referido em 5 dos factos assentes na Douta Sentença da 1ª Instância, prédio este que se encontra inscrito na respetiva matriz em nome do recorrente sob o art.º ….69, factualidade que era e é bem do conhecimento dos apelados,

40ª - Esta matéria, vai ao encontro do referido no 1º parágrafo da página 82 do Douto Acórdão, de que ora se recorre, quando ai se refere:

“Note-se que o que se acaba de dizer é ainda corroborado pela facticidade julgada provada, em definitivo (porque não impugnada), no ponto 7º da sentença sob sindicância, onde se deu como provado que “em 16/09/1982, DD requereu junto da Câmara Municipal  ..... uma licença de obras para construção de um 1.º andar, na sua casa rés-do-chão, tendo procedido à edificação de um 1.º andar sobre o predito espaço destinado à recolha de animais”, sabendo-se que essa “sua casa de rés-do-chão” mais não é que a corte entregue por DD e EE ao apelado BB por volta de 1981, para este aí instalar a oficina de …. e que o 1º andar para cuja construção DD solicitou essa licença de construção mais não é que o 1º andar que foi construído para servir (e que serve) de casa de morada de família dos apelados BB e CC e onde estes residem desde que contraíram matrimónio em 24/08/1985”

41ª - A este propósito, é oportuno chamarmos aqui as declarações de parte do apelado BB, que o Venerando Tribunal refere ter ouvido na página 82 do Douto Acórdão, o qual referiu que a licença para as obras que o mesmo (BB) a expensas suas efetuou por sobre a corte, ou seja, por cima da qual foi construída a casa de habitação, o 1º andar,

42ª - Onde o mesmo quando contraiu casamento em 1985 sempre residiu com o seu agregado familiar e onde atualmente continua a residir, que já havia transformado em oficina  ….. no ano de 1981, oficina essa onde sempre trabalhou e continua a trabalhar no exercício da sua atividade  ...., sendo a sua oficina de ...., resultou de nessa data, 1981, (fls. 81 do Douto Acórdão) a licença desta obra de 1º andar que não a da transformação da corte, ter sido requerida à Câmara em nome do pai, que se ofereceu para o efeito,

43ª - Em razão de o recorrente ainda não ter inscrito na matriz o prédio a que se aludiu supra, ou seja, o prédio inscrito na respetiva matriz predial urbana da freguesia e concelho  ..... sob o art.º …69. que é totalmente independente e autónomo, sem esquecermos como não podemos, as referidas desanexações materiais ocorridas em 81 e finais da década de 80/inícios da década de 90, como foi dado como assente no Douto Acórdão sob censura, do prédio dado como assente em 5 da Douta Sentença da 1ª instância, e que foi objeto da escritura de justificação de fls. 13 - 17,

44ª - O que já não sucedeu com as obras anteriores e posteriores (nomeadamente a transformação da corte em ...., no ano de 1981) bem como a edificação da garagem/arrumos, conforme licença de fls. 433 que não foi impugnada pelos recorridos

45ª - Uma vez aqui chegados extrai-se, com toda a clarividência, salvo devido respeito, da página 78º parágrafos 2º e 3º do Douto Acórdão sob censura:

- Que do prédio descrito em 5 dos factos provados na Douta Sentença da 1ª instância, desanexada foi por volta do ano de 1981, materialmente, por DD e EE a corte, que a entregaram/doaram ao recorrente BB para este ai instalar a oficina de .... e onde veio a ser construído o 1º andar, que desde o casamento dos recorrentes é a casa de morada de família destes, até à presente;

- E que do mesmo prédio já nos finais da década de 1980/inícios de 1990 (dizemos nos 1988 dada a licença de fls. 433 que não logrou ser impugnada) DD e EE desanexaram materialmente de tal prédio (o identificado em 5 da Douta Sentença da 1º instância) uma parcela de terreno, que fica nas traseiras da dita corte e 1º andar, conforme é das fotos de fls. 40-41, 48 a 50 juntos pelo A. com a p.i., e levantamento topográfico de fls. 89-90 (que não foi impugnado pelo recorrido e/ou intervenientes) que igualmente entregaram/doaram ao recorrente BB, onde este a expensas suas e de sua mulher construíram a garagem/arrumos;

46ª - Mais constando do Douto Acórdão, ora sujeito á preclara apreciação de Vªs Exªs, fls. 79 parágrafos 6º e 7º:

“Destrate, dúvidas não subsistem que a corte foi entregue pelo falecido DD e EE ao apelado BB por volta do ano de 1981 e que foi este último quem suportou o custo da transformação da corte em oficina de .... e da posterior construção do 1º andar sobre essa oficina.

Quanto ao custo da construção da garagem/aumento, existe unanimidade de que essa construção foi levada a cabo, no final da década de 80/início da de 90, por BB, que foi quem suportou o custo dessa construção.”

47ª - Tudo tendo dado origem, como se disse já ao prédio urbano a que se aludiu supra, ou seja o inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho  ..... sob o art.º …69., e que nada tem a ver com o prédio mencionado em 5 da matéria provada na Douta Sentença da 1ª instância, face às doações feitas acompanhadas das respetivas desanexações materiais a que se aludiu supra

48ª - Certo é que, resulta à saciedade nos autos, que DD e EE nunca exerceram sobre tal prédio, isto é o prédio identificado na escritura publica de justificação de fls. 13-17 dos autos, inscrito na respetiva matriz em nome do recorrente sob o art.º ….69, quaisquer atos de posse, desde as referidas doações e desanexações em 1981 e 1988, respetivamente, a que se aludiu supra e constantes do Douto Acórdão, prédio este (artigo ….) que vem sendo possuído pelo recorrente e sua esposa desde o ano de 1981, e 1988, respetivamente, de forma continua, pública, pacifica, de boa-fé, à vista de toda a gente, na convicção de não lesarem quaisquer direitos alheios, e na convicção de quem exerce direito próprio, tendo adquirido tal direito de propriedade, sobre o referido imóvel, de forma originária, por via da usucapião, dado o espaço temporal entretanto decorrido sobre tais desanexações que a tanto os legitimaram.

49ª - O Tribunal “a quo” (Venerando Tribunal da Relação ….), trouxe à colação o decidido nos autos 340/10, página 32 do Douto Acórdão, parágrafo 3º parte final, “…que o apelante se limita a alegar a celebração dessa escritura, já devidamente impugnada através do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos de ação declarativa que correu termos sob o n.º 340/10……”

50ª - Em que decretado foi que os recorrentes não adquiriram o prédio urbano inscrito na respetiva matriz sob o art.º ....69 em nome do justificante e recorrente BB, por doação de seus pais, DD e EE, pois que,

51ª - Com base na explicação que as suas testemunhas deram ao Tribunal, lograram demonstrar que os pais não lhe doaram aquele prédio tal qual o mesmo se encontra edificado, ou seja o complexo identificado no levantamento topográfico de fls. 89-90 dos autos, e que após as desanexações, em virtude das obras de tal edificação, as quais foram custeadas pelos recorrentes,

52ª - Assim, efetivamente foi, na sequência da prova apresentada, então, pelos RR., pois que os pais de BB, ora apelante, não lhe doaram tal prédio que constituía ao tempo da escritura de justificação e ainda hoje, uma unidade predial autónoma e independente, e que nada tem a ver com a corte e parcela de terreno que os pais lhe doaram/entregaram, na sequência da desanexação que então fizeram (DD e EE) do prédio identificado em 5º da Douta Sentença da 1ª instância,

53ª- Pelo que, efetivamente os recorrentes não receberam em doação verbal este prédio, tal qual o mesmo se mostra identificado no levantamento topográfico de fls. 89-90 que não foi impugnado pelo A. e demais intervenientes, mas antes sim a corte e o espaço onde fizeram a garagem/aumento, nas datas já referidas, tendo em ambos sido celebradas obras, por sua conta e responsabilidade, não tendo os pais, despendido um centavo que fosse, pessoas de modesta condição económica e que não podiam de forma alguma, custear tais despesas, porque em desfavor dos restantes filhos,

54ª - Neste sentido, veja-se o depoimento da testemunha HH, que a este propósito referiu (1:59)

Mandatária dos RR. – Olhe ó Sr. HH o Sr. DD era um homem de grandes recursos, ou um homem que vivia lá da geira dele?

Testemunha – O Sr. DD vivia da geira (2:08)

Mandatária dos RR. – Era considerado um homem rico lá em ……?

Testemunha – Não. Era um homem remediado (2:15)

(3:18)

Mandatária dos RR. – É uma oficina.

Testemunha – É uma oficina. O Sr. DD, conversávamos muitas vezes os dois e ele dizia, olha vou-me desfazer das vacas, e vou dar aquela, a loja, ao meu BB para fazer uma oficina. (3:29)

Mandatária dos RR. – E deu?

Testemunha – E deu. Dizia que deu. Disse-me a mim que ia dar e que deu. (3:37) (4:11)

Testemunha – Conversava-mos que às vezes quando andávamos a trabalhar e ele conversava-mos e ele dizia isso. (4:17) Vou-me desfazer das vacas, e vou dar a loja, a corte, ao meu BB para ele fazer lá a oficina (4:23). E depois para cima era para ele construir uma casa. (4:28)

Mandatária dos RR. – Ele quem?

Testemunha – O BB. (4:30) E que ia fazendo a casa aos poucos, era o que ele dizia, que o meu BB não tinha dinheiro, ele vai fazendo aos poucos. (4:36)

(6:40)

Mandatária dos RR. – Mas o Sr. sabe quem é que pagava ao homem que andava lá? Quem comprou os blocos? Quem comprou o cimento?

Testemunha – Isso era o BB porque era, aquela casa era do BB, não era o Sr. DD que ia pagar os blocos, pois não? (6:54). O BB ia fazer a casa para ele, era ele que pagava não. (7:00)

Olhe e diga-me uma coisa, ele fez essa obra ou foi o pai dele que a fez? (7:56)

Testemunha – Não, foi ele que fez o BB.

Mandatária dos RR. – Foi?

Testemunha – O BB é que fez isso tudo que ele andava lá com os homens, era ele quem pagava não. (8:03)

Mandatária dos RR. – Mas o Sr. viu lá andar o BB a fazer a obra?

Testemunha – Sim, andava la. (8:07)

(11:45)

Testemunha – Foi sempre o BB que pagou, porque aquela casa era para ele, não ia pagá-lo o Sr. DD, não é?

Mandatária dos RR. – Digo eu?

Testemunha – Digo eu, digo eu. A casa era para o BB, o Sr. DD não ia pagar, porque o Sr. DD tem mais filhos, não ia tirar a um para dar a outro. (11:58)

55ª - Sendo que o Venerando Tribunal da Relação …, interpretou, salvo devido respeito, tais declarações, na página 80 paragrafo 4º, de forma errónea, que nem de longe nem de perto, se pode extrair de tão cristalino depoimento, tal interpretação,

56ª - O Tribunal da Relação mau grado a prova documental e testemunhal feita, que diz ter analisado em pormenor e a que supra já se fez referência, da qual, não extraímos a mesma interpretação, quer factual quer jurídica, que possa levar a concluir que o prédio urbano, inscrito na matriz respetiva em nome do justificante marido, ora recorrente, sob o artigo .... da freguesia e concelho  ....., foi construído/transformado a expensas exclusivas dos ora recorrentes, que os pais lhe doaram/entregaram em 81 e 88, tais espaços desanexados materialmente em tais datas como é da página 78 do Douto Acórdão,

57ª - Seja parte integrante da Herança Ilíquida e Indivisa Aberta por óbito de DD e EE, tanto mais que tal pedido não é feito pelo A/recorrido, como se disse já e não é por demais repetir;

58ª - Além do mais, de toda a prova testemunhal e documental, cujo ónus incumbia sobre o A., ou seja, provar que há mais de 60 anos EE e DD residiam na casa objeto da escritura de justificação de posse de fls. 13-17, inscrita na matriz predial urbana da Freguesia e Concelho de ..... sob o art.º ...., nela recebendo familiares e amigos, guardando seus pertences, ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade sem oposição, o que não corresponde á verdade, como bem sabem os apelados,

59ª - Pois que estes sempre residiram na casa que lhe fica do lado esquerdo, quem está de frente, foto de fls. 40-41 48-50 (documentos juntos com a p.i.), ou seja, no prédio identificado em 5 da matéria assente em 1º instância, já operadas há mais de 20 anos as desanexações materiais a que supra se aludiu, e que deram origem e constituem hoje o prédio inscrito na matriz sob o art.º ...., propriedade dos recorrentes como se disse já e não é por demais repetir,

60ª - Não logrou o A. ora recorrido provar esta factualidade, pelo que, é nosso entendimento salvo devido respeito e melhor opinião, que o Tribunal ao dar como provada a matéria assente em 8º a 13º, incluindo-se também a 13 a) e b) como não assente, uma vez que o Tribunal face à matéria dada como provada, não podia extrair, por manifesto erro de julgamento, que as entregas o não foram a título de doação, antes sim de forma errónea e injusta, por conta de uma partilha que não chegou a existir (e diga-se porque o Tribunal o referiu a fls. 78 desanexadas materialmente em 1981 e 1988) referidas em10 e 11, não podia ter dado tal matéria como não provada;

61ª - E isto porque, do depoimento de todas as testemunhas, se extrai á saciedade que no local há duas casas totalmente independentes uma da outra, o que é também aflorado na pág. 73 do Douto Acórdão, quando se diz “-uma primeira casa, que sempre existiu nessa unidade predial, onde desse sempre residiram, de modo ininterrupto no tempo, até à data dos respetivos óbitos, os entretanto falecidos DD e EE, mais a filha GG e o agregado familiar desta, e onde, na sequência do óbito de DD e EE, a filha GG e o agregado familiar desta continuou, e continua, atualmente a residir (casa do lado esquerdo); e

– uma segunda casa, situada do lado direito do trato de terreno que separa ambas as casas e que serve de acesso a ambas as casas, que mais não é que a anterior corte, que foi transformada em oficina de ...., oficina essa onde o apelado BB sempre trabalhou (e continua a trabalhar) no exercício da sua atividade de ...., sendo a sua oficina de ...., por cima da qual foi construída a casa de habitação (o tal 1º andar), onde o mesmo BB, desde que contraiu matrimónio com a apelada mulher CC, sempre residiu com o seu agregado familiar e onde, atualmente, continua a residir.”

62ª - Face ao exposto, ao invés da conclusão a que se aludiu na matéria dada como assente de 8 a 13 e não assente 13 a) e b)

63ª - A 1ª casa é nada mais nada menos que o prédio identificado no ponto 5 da Douta Sentença da 1ª instância, já libertado das desanexações materiais referidas a fls. 78, do Douto Acórdão ora sob censura (parágrafos 2º e 3º) que ocorreram em 1981 e 1988, respetivamente;

64ª - A 2ª casa, ou seja, o prédio inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho  ..... sob o artigo ....69º, identificada nas fotografias de fls. 41, 48, 49 e levantamento topográfico de fls. 89-90, consubstancia no seu todo as desanexações materiais referidas supra nas quais edificaram nas datas já referidas,

65ª - Prédio urbano este, que os recorrentes possuem há mais de 20 e mais anos, como propriedade sua, com base na aquisição originária, por via da usucapião,

66ª - O qual, é usado e fruído pelos recorrentes desde as desanexações e obras relatadas supra, como coisa sua que é, e na convicção de quem exerce direito próprio, sem lesarem qualquer direito alheio, e nunca por nunca que possuíssem por mera detenção ou em nome de quem quer, mormente das Heranças de DD e EE.

67ª - Na declaração de fls. 51-52, que não foi impugnada pelas partes, tanto mais que foi apresentada pelo A., na sua p.i., no nosso modesto entender, EE mãe do recorrente e avó do A., pessoa de modesta condição, apesar da sua linguagem simples, afirma, por sua vontade própria,

68ª - Tudo o que os recorrentes sempre defenderam e defendem, ou seja a propriedade do imóvel a que se aludiu supra inscrito na respetiva matriz sob o art.º .... e que foi objeto da escritura de justificação de fls. 13-17 dos autos,

69ª - Presumindo-se também a vontade concordante de seu marido, na ausência de declaração de vontade em contrario, que entregaram/doaram ao filho, o ora recorrente BB, a dita corte, que foi transformada em oficina de ...., a expensas exclusivas do recorrente BB, oficina onde o recorrente sempre trabalhou e continua a trabalhar, no exercício da sua atividade de ...., por cima da qual construiu a casa de habitação, com o trabalho do seu labor, onde o mesmo desde que contraiu casamento sempre residiu com o seu agregado familiar e onde atualmente continua a residir, bem como a parcela de terreno onde construiu a garagem/aumento, que se situa nas traseiras da mesma corte, conforme levantamento topográfico de fls. 89 – 90,

70ª - Que “FICOU A PERTENCER UMA CASA TERREA DE RÉS-DE-CHÃO ONDE ANTIGAMENTE ERA UTILIZADA PARA RECOLHA DE ANIMAIS” e presumindo-se também a vontade concordante de seu marido, na ausência de declaração de vontade em contrario;

71ª - Mais disse a declarante EE naquele documento, na nossa mui modesta opinião, presumindo-se também a vontade concordante de seu marido, na ausência de declaração de vontade em contrario, que contraria frontalmente o entendimento do Venerando Tribunal, quer a nível jurídico – art.º 236ºe ss. e 1287º e 11, todos do Código Civil e seus basilares princípios - quer a nível factual

72ª - Que o prédio hoje composto de rés-de-chão e 1º andar, pertence exclusivamente ao filho BB, ou seja, é a própria que vem dizer que estamos perante um prédio diferente (restando apenas indicar o artigo), e que este prédio ora diferente e autónomo daquele onde ela residia há data da declaração, que é o prédio assente em 5 da Douta Sentença da 1ª instância, já liberto das desanexações operadas em 81 e 88, como referido na pagina 78 do Douto Acórdão ora sob censura, pertence exclusivamente a seu filho,

73ª - Jamais se podendo extrair, salvo o mais elevado respeito, que este documento em conjugação com a demais prova, pode conduzir à mera detenção por banda do recorrentes deste prédio, porquanto, resulta de toda a prova nos autos, que após as referidas desanexações materiais dadas como assentes pelo Venerando Tribunal “a quo”, por estes edificado, a suas expensas exclusivas, que é de sua propriedade,

74ª - Pois que, desde as referidas datas 1981 e finais da década de 80, têm usufruído e detido tal prédio, em nome próprio, com ciência e paciência de toda a gente, nomeadamente do A., de boa-fé, ininterruptamente, na convicção de quem exerce direito próprio, e não lesa direito alheio, em função da aquisição originária do direito de propriedade por usucapião, uma vez que tais atos, intercorrem há mais de 20 e mais anos, como é bem do conhecimento do Apelado, da interveniente GG e de seu marido II,

75ª - Na verdade, infere-se salvo devido respeito e melhor opinião, da dita declaração de fls. 51-52, por força das palavras utilizadas por EE, que refere que o prédio é propriedade de seu filho, pois, por ele edificado;

76ª - A palavra pertencer, segundo o dicionário da língua portuguesa – 5ª edição da Porto Editora – é um v. intr. ser propriedade de,

77ª - É esta a única interpretação, com o mais elevado respeito, que se pode extrair de tal declaração, da vontade expressa de EE

78ª - Na verdade, tal interpretação a extrairia, com a devida vénia e salvo o mais elevado respeito, qualquer homem médio colocado na situação de analisar a declaração, sem qualquer margem para dúvida, pois, extrai-se da mesma (declaração) que EE, bem sabendo que seu filho, primeiro

em 1981 após a 1ª desanexação material que ela e seu marido fizeram do prédio assente em 5 da Douta Sentença da 1ªinstância, isto é, com a entrega da corte nesta data ao mesmo, corte esta que o mesmo transformou em oficina de ...., e por sobre a qual construiu sua casa de habitação, onde passou a residir após casar com a R. em 24.08.1985 até à presente, e também 2ª desanexação material que fizeram daquele mesmo prédio, nos finais da década de 80 inicios da década de 90, parcela onde este edificou uma garagem/aumento, como é bem visível do levantamento topográfico de fls. 89-90, bem como das fotos de fls. 40-41 48-50, tudo a suas expensas exclusivas,

79ª - Certo é que, esta declaração, mais não é, do que o reconhecimento, por banda de seus pais, de que aquele imóvel, unidade predial, que nada tem a ver com o prédio identificado no ponto 5 da Douta Sentença da 1ª instância, o qual é desde as referidas desanexações, 1981 e 1988, constitui um prédio independente/autónomo e que foi edificado/transformado por seu filho e sua nora, os ora recorrentes, com o ganho do seu labor, o qual se encontra inscrito na respetiva matriz sob o art.º ....

80ª - E bem cientes disto, nunca por nunca consentiriam que numa futura partilha por morte dela e de seu marido, o que nos faz extrair que não houve qualquer partilha, seu filho pudesse vir a ser prejudicado uma vez que possuía em nome próprio de forma pública, continua, pacifica de boa-fé, tal imóvel assim constituído como verdadeiro proprietário que é do mesmo, há mais de 20 anos, que edificou com o produto do seu labor, como é bem do conhecimento do recorrido,

81ª - Isto posto, resultando provado no Douto Acórdão tudo o supra vertido, o certo é que, é nosso entendimento, salvo devido respeito e melhor opinião, que a interpretação dada pelo Tribunal da Relação …. à declaração de fls. 51-52 outorgada pela mãe do recorrente EE, presumindo- se também a vontade concordante de seu marido, na ausência de declaração de vontade em contrario, salvo o mais elevado respeito, não vai de encontro ao declarado em tal escrito, e que a prova testemunhal atras mencionada e que o Tribunal da Relação … “a quo” ouviu contraria,

82ª - Face a tudo o que atras se expos, a matéria dada como provada e não provada de 8º a 13º, incluindo 13º a) e b), contraria de forma frontal a prova testemunhal e documental atra mencionada, nomeadamente a declaração de fls 51-52. Fotos de fls. 40-41 e 48-50, do levantamento topográfico de fls. 89, da declaração de fls. 89-90, tendo o Tribunal incorrido em erro de interpretação da matéria de direito ( art.º 236º e ss. e art.º 1.287 e ss. do C. Civil) incorrendo, assim, na nulidade prevista no art.º 615º n.º 1 alínea c), d), e e) do C.P.C., e seus basilares princípios, na medida em que violou as regras próprias da sua elaboração e estruturação e aplicação do direito, e em manifesto erro de julgamento, a dar lugar a alteração da matéria de facto, situação passível de ser superada nos termos do art.º 607º n.º 2 – II parte aplicáveis aos Acórdãos dos Tribunais Superiores, por via 663º n.º 2 e 669º ambos do C.P. C. e seus basilares princípios,

83ª - Nulidade e erro de julgamento que aqui se invocam para todos os devidos e legais efeitos, o que no nosso modesto entender tem que forçosamente conduzir à alteração de toda a matéria dada como assente nos moldes em que o foi, e consequentemente à alteração da decisão proferida, porquanto conheceu de pedido que não lhe foi formulado, e incorreu nas nulidades supra referidas, bem como em erro manifesto de julgamento, devendo os pontos 8 a 13 ser julgados provados, mas com a seguinte redação:

Ponto 8 – O prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º é composto pela antiga corte que se encontra identificada em 6º e 7º e por uma parcela de terreno, onde os Réus BB e CC, vieram a construir em finais de 1980/inícios de 1990 uma garagem/aumento, espaços estes que DD e EE, desanexaram materialmente, em 1981 e 1988, respetivamente, do prédio identificado em 5º, e que hoje constitui uma unidade predial autónoma e independente daquele prédio identificado em 5º da matéria assente, inscrito na matriz em nome do recorrente BB sob o art.º .... da freguesia e concelho de ......

Ponto 9 – Por volta do ano de 1981, os pais do Réu BB, DD e EE, entregaram/doaram ao mesmo a corte, que desanexaram materialmente naquele mesmo ano do prédio identificado em 5º da matéria assente da Douta Sentença da 1ª instância.

Ponto 10 – Na mesma ocasião, BB transformou essa corte em oficina de .... e mais tarde iniciou a construção do 1º andar, tendo suportado todas as obras de transformação da corte em oficina, bem como as de construção do 1º andar identificado em 7º.

Ponto 11- Nos finais de 1980/inícios do ano de 1990, os pais do Réu BB, DD e EE, entregaram/doaram ao mesmo a parcela de terreno, que desanexaram materialmente naquele mesmo ano do prédio identificado em 5º da matéria assente, a fim de este ai contruir a garagem/aumento, o que fez, a suas expensas exclusivas.

Ponto 12 - Os Réus BB casaram em 24/08/1985 e desde então habitam o 1º andar identificado em 7º, recebendo nele familiares e amigos e exercendo o Réu BB, desde o ano de 1981, na oficina de .... a sua atividade  ...., habitando o 1º andar, e na garagem/aumento identificados em 10º e 11º lenhas, madeiras, ferramentas agrícolas e de carpintaria, o que fazem ininterruptamente, à vista de toda a gente, com ânimo de exclusivos donos, na convicção de quem exerce direito próprio e cientes de não lesar quaisquer direitos de terceiros.

Ponto 13 - Há mais de 60 anos que DD e EE, habitaram na sua casa de habitação, nela recebendo familiares e amigos e guardando os seus pertences, o que tudo fizeram ininterruptamente até à data da sua morte, à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade, sem oposição e ignorando lesar quaisquer direitos de terceiros, identificada em 5º dos factos assentes na Douta Sentença da 1ª instância, até á data da sua morte ocorrida, respetivamente, em 30.12.2003 e 06.01.2007, imóvel que não incluía as desanexações materiais, da dita corte no ano de 1981 e da parcela de terreno em finais da década de 1980 inícios de 1990, que constitui o prédio urbano, de rés-de-chão e 1º andar inscrito na matriz sob o art.º ....º, melhor identificado no levantamento topográfico de fls. 89-90 (que não logrou ser impugnado pelo recorrido), onde há mais de 20 e mais anos os recorrentes habitam o 1º andar, ai recebendo familiares e amigos, e no rés-do-chão o recorrente BB, na oficina de .... ai instalada, exerce a sua atividade de ...., guardando nessa oficina, 1º andar, e na garagem/aumento, lenhas, madeiras, ferramentas agrícolas e de carpintaria, e outros pertences, o que fazem ininterruptamente à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio e cientes de não lesarem direitos alheios.

84ª - E em consequência desta alteração serem eliminados os pontos a) e b) do ponto 13 por estar em manifesta oposição com a matéria dada como provada nos autos.

85ª - O Douto Acórdão, salvo devido respeito e melhor opinião, violou direta e ou indiretamente o preceituado nos artigos, 236º, 1.287º entre outros do Código Civil e seus basilares princípios, artigos 607º, 608º, 609º, 615º, 663º, 666º e 669º, entre outros do Código de Processo Civil e seus basilares princípios, o que o fere inelutavelmente de nulidade, erro de julgamento, o que tudo aqui se invoca para devidos e legais fins.

86ª - Em face de tudo quanto vem de se expor, resulta demonstrado que a decisão recorrida é errada, por injusta e ilegal, impondo-se a sua revogação, de forma a julgar totalmente improcedentes os pedidos formulados pelo A., com o que se fará integral justiça.

Nestes termos, nos melhores de direito e com o sempre mui Douto Suprimento de Vªs Exªs deve se dado provimento ao presente recurso de revista, revogando o Acórdão ora em crise, substituindo-o por outro que mantenha a decisão da 1ª instância, com o que Vªs Exªs farão a costumada e reparadora”.

28. Por seu turno, o Autor contra-alegou, apresentando as seguintes Conclusões:

“I- Vieram os Recorrentes interpor recurso de revista alegando, em suma que:

A) O Douto Acórdão padece de nulidade, por condenação em objeto diverso do pedido e/ou pronunciou-se sobre questão de que não podia tomar conhecimento, ao abrigo do preceituado no art.º 615º n.º 1 al. d) e e), ex vi do artigo 666º e art.º 608º n.º 2 todos do Código de Processo Civil e seus basilares princípios;

B) O Douto Acórdão padece da nulidade prevista no artigo 615º n.º 1 alíneas b), c) e d) ex vi do art.º 666º e art.º 608º e artigo 609º, entre outros, do C. P. Civil e seus basilares princípios e de erro de julgamento.

Posto isto,

II) O Recorrido entende que a transcrição da fundamentação doutamente elaborada pelo Venerando Tribunal da Relação …. é o melhor exercício realizado neste âmbito para, de forma consciente, se apreciar esta matéria, razão pela qual e por uma questão de economia processual aqui se reproduz para todos os efeitos legais.

No entanto e sem prescindir,

A) Quanto à alegada nulidade, por condenação em objeto diverso do pedido e/ou pronuncia sobre questão de que não podia tomar conhecimento, ao abrigo do preceituado no art.º 615º n.º 1 al. d) e e), ex vi do artigo 666º e art.º 608º n.º 2 todos do Código de Processo Civil e seus basilares princípios.

III) Os Recorrentes nas suas alegações dizem que:

“…

O pedido formulado pelo A. na p.i., e que não logrou ser alterado/modificado/ampliado ao longo do processo, salvo o devido respeito e melhor opinião, ao invés do referido na página 85 do Douto Acórdão, último paragrafo, mas sim, o que se acha descrito supra e que é da p.i., que mais uma vez se transcreve e não é por demais repetir,

“SEJA DECLARADO que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a 146 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º …., do Cartório Notarial  ....., pertence a DD e mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu-marido.”

Não podia o Tribunal da Relação ….., salvo devido respeito e melhor opinião, no Douto Acórdão ora sob censura, proferir a referida decisão, ou seja “declaram que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11.05.2007 lavrada de fls. 145-146v do livro de notas para Escrituras Diversas n.º ….., do Cartório Notarial  ..... pertence às Heranças Ilíquidas e Indivisas abertas por óbito de DD e mulher EE, avôs do autor e pais do R. marido.

…” (Sublinhado nosso)

IV) Entendem, por isso que são distintos, porquanto, o Recorrido peticionou que o prédio fosse considerado como pertencente a DD e mulher, EE e o Venerando Tribunal da Relação …. decidiu que o prédio pertence às Heranças Ilíquidas e Indivisas abertas por óbito de DD e mulher EE, avôs do autor e pais do R. marido.

No entanto,

V) Se compulsarmos o vertido na Contestação dos Recorrentes, verificamos que para sustentar a invocada exceção de caso julgado, que alegaram o seguinte:

“…

Do Caso Julgado

13º

Pretende o A., com a presente acção, no que se não concede, seja declarado que o prédio objecto da escritura pública de justificação notarial de 11 de Maio de 2007, lavrada de fls. 145 a fls. 146 v., do livro de notas para escrituras diversas n.º ….., do Cartório Notarial ....., pertence a DD e mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu marido, no que se não concede; …

16º

Tal pedido, formulado na alínea e) daquele processo 340/10….. acção de simples apreciação positiva, como consta do doc. 3 supra e da douta sentença que o A. Juntou aos presentes sob doc. n.º 3, foi já objecto de decisão, pedido da alínea e), que é o mesmo e o mesmo pedido que ora pretende o A. formular nos presentes autos,

17º Naquela acção 340/10……, peticionava o A.:

e) “Seja declarado que o prédio identificado no art.º 9 da p.i., pertence á herança aberta e ilíquida de DD e mulher EE, avós do A. e pais do R. marido”

23º

Levando-se em consideração a factualidade provada e o já decidido no âmbito daquele processo 340/10….. no que diz respeito ao pedido formulado na alínea e) do petitório, que é o mesmo e só o mesmo que o peticionado na alínea a) dos presentes se impõe a aplicação da autoridade de caso julgado, desta forma se atribuindo força e credibilidade ao sistema jurídico, e ao mesmo tempo evitar se profiram decisões contraditórias.”

…” (Sublinhado nosso)

VI) Do exposto conclui-se que o pedido formulado no proc. 340/10….., e a decisão agora proferida pelo Venerando Tribunal da Relação ….., em tudo idênticos:

“… pertence á herança aberta e ilíquida de DD e mulher EE, avós do A. e pais do R. marido”

VII) Pelo que não podem os Recorrentes na mesma ação, para sustentar o caso julgado defender que são pedidos idênticos, e, agora, em sede de recurso de revista vir dizer que são distintos.

VIII) Ora, a invocada exceção do caso julgado e a decisão da Primeira Instância que se seguiu, motivou a interposição de Recurso de Apelação pelo Recorrido e de um recurso de revista e de revista excecional pelos Recorrentes.

IX) Tendo sido proferidos, o Acórdão do Tribunal da Relação …, .... Secção Cível , (proc. n.º 215/16……., de 17/05/2018), que revogou a sentença e considerou não existir caso julgado e, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Tribunal, ......ª Secção Cível  (proc. n.º 215/16……., de 29/01/2019), que confirmou decisão da Segunda Instância, nos quais ficou decidido que existia identidade de sujeitos, identidade de pedidos, mas não identidade de causa de pedir (decisões transitadas em julgado).

X) No entanto, nesta mesma ação, os mesmos Recorrentes e quanto ao pedido formulado nos presentes autos e decisão ora em crise (em tudo idêntica ao pedido formulado no proc. 340/10……), vêm agora dizer que são totalmente distintos, que houve uma alteração do pedido e invocar uma nulidade, litigando de má fé.

Acresce que,

XI) Os Recorrentes na sua contestação invocaram a Ilegitimidade Ativa alegando que o Recorrido intentou a presente ação declarativa, desacompanhado dos restantes herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito daqueles, e que não estamos perante uma ação de petição de herança, por não ter sido efetuado qualquer pedido de reconhecimento sucessório, na medida em que os presentes autos configuram apenas uma ação de simples apreciação positiva.

XII) O Recorrido respondeu à invocada exceção da ilegitimidade (Requerimento ref. …., de 12/01/2017) e, sem prescindir e apenas para a hipótese de se considerar que se estava perante um caso de Ilegitimidade, requereu a INTERVENÇÃO de:

a) FF, viúva, residente no Lugar de ……, ......

b) GG, casada com II, no regime de comunhão de adquiridos, residentes na Estrada …., em ……, ......

para, como associados do Recorrido prosseguirem os termos da ação até final, nos termos dos art. 325º e sgs. do CPC.

XIII) No seguimento, foi proferido despacho (ref. ……), concluso a 14/03/2017, onde se decidiu o seguinte:

“…

Atenta a intervenção requerida, ainda que subsidiariamente, no art. 11º do requerimento apresentado pelo Autor em 12.1.17, notifique os Réus para, querendo, em 10 dias, se pronunciarem (art. 318º, nº2, CPC).

…” (Sublinhado nosso)

XIV) Os Recorrentes pronunciaram-se (ref. ….), em 30/03/2017, nos seguintes termos:

“…

Entendem os RR., face ao já por si alegado na contestação, relativamente à questão do caso julgado, que a intervenção requerida não se justifica, na medida em que, e como se disse já, estamos perante a mesma causa de pedir e do pedido, o qual, foi já objecto de apreciação no âmbito daquela acção 340/10….. Assim sendo como na verdade é, entendem, salvo devido respeito e melhor opinião que a intervenção peticionada deve ser indeferida com legais consequências.

…)

XV) Foi proferido despacho (ref. ….), concluso a 08/05/2017, que não foi objeto de qualquer reação por parte dos Recorrentes, pelo que transitou em julgado, onde se decidiu o seguinte:

“…

Conforme resulta dos articulados e documentos juntos, o Autor vem pedir o reconhecimento de que o prédio identificado na p.i. integra a Herança aberta por morte de DD e EE, avós do Autor e pais do Réu marido. Nos termos do artigo 2091º Código Civil, “[F]ora dos casos declarados nos artigos anteriores, e sem prejuízo do disposto no artigo 2078.º, os direitos relativos à herança só podem ser exercidos conjuntamente por todos os herdeiros ou contra todos os herdeiros”. Estando a herança aceite mas não partilhada, o direito sobre os bens que a integram pertence, em conjunto, a todos os herdeiros, enquanto cotitulares do património autónomo de afetação especial, que é a herança. No caso dos autos, ao contrário do alegado pelo Autor, não está em causa um “menos” relativamente à petição da herança mas um pedido distinto, não estando em causa o reconhecimento da qualidade de herdeiro nem a restituição de bens à herança mas a declaração do direito da Herança sobre um determinado bem, relativamente ao qual haverá litigiosidade com os Réus. Ao exercício de tal direito, por respeitar a Herança aberta e não partilhada, aplica-se a regra prevista no art. 2091º, nº 1, Cód. Civil, devendo ser feito, conjuntamente, por todos os herdeiros, sob pena de ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário (art. 33º, nº 1, CPC). Acresce que o requerimento de intervenção deduzido pelo Autor em 12.1.17 é feito por quem tem legitimidade e de forma tempestiva, nos termos dos arts. 316º, nº1, 318º, nº 1, a), 261º, nº 1, CPC. Face ao exposto, porque admissível, tempestivo e deduzido por quem tem legitimidade, nos termos das disposições legais citadas, defiro o incidente de intervenção principal provocada de FF E GG, melhor identificadas no requerimento de intervenção. …” (Sublinhado nosso)

XVI) Foi proferido despacho/sentença (ref. …..), concluso a 08/05/2017, onde se decidiu o seguinte:

“…

II. SANEAMENTO …

Da ilegitimidade ativa

Vieram os Réus, em sede de contestação, invocar a ilegitimidade do Autor para a presente ação, por se encontrar desacompanhado dos demais herdeiros e pretender a declaração de que o imóvel identificado na p.i. pertence a DD e EE ou, mais propriamente, à herança aberta por morte destes. Notificado, pronunciou-se o Autor pela improcedência de tal exceção, alegando que o peticionado representa um “menos” em relação a uma ação de petição da herança, já que pretende o Autor a mera declaração de que o imóvel pertence à Herança. Subsidiariamente requereu a intervenção das co-herdeiras, para o caso de se entender existir ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário ativo. Nessa sequência, por despacho de 19.5.17, foi deferido o incidente de intervenção principal provocada das co-herdeiras, as quais foram entretanto devidamente citadas, tendo uma delas outorgado procuração à Ilustre Mandatária já constituída pelo Autor. Como ficou dito no referido despacho, entendeu o Tribunal que estando em causa um direito respeitante a herança aberta e não partilhada, era de aplicar a regra prevista no art. 2091º, Cód. Civil, devendo o pedido ser formulado, conjuntamente, por todos os herdeiros, sob pena de ilegitimidade (art. 33º, nº1, CPC). Contudo, com o referido chamamento das co-herdeiras aos autos, para figurarem no lado ativo da lide, a par do Autor, ficou sanada a ilegitimidade verificada, precludindo, por esta via, a absolvição da instância pretendida pelos Réus.

…” (Sublinhado nosso)

XVII) Deste despacho/sentença recorreu o ora Recorrido, no que concerne ao caso julgado, não tendo os ora Recorrente apresentado contra-alegações, tendo sido proferido Acórdão do Tribunal da Relação ……, ......ª Secção Cível , (proc. n.º 215/16…., de 17/05/2018), que julgou o recurso de apelação totalmente procedente a revogou o despacho saneador recorrido, nomeadamente, na parte em que julgou procedente a exceção dilatória do caso julgado e absolveu os apelados BB e CC da instancia, julgando improcedente essa exceção e ordenando o prosseguimento dos autos.

XVIII) No referido Acórdão, pode ler-se nomeadamente o seguinte: “…

É igualmente apodítico que em ambas as ações ocorre identidade de pedidos, já que no âmbito daquela ação que correu termos sob o n.º 340/10…., o ali Autor e apelante, pediu que seja ”declarado que o prédio identificado no artigo 9º da petição inicial pertence á herança aberta e ilíquida de DD e mulher, EE. Avós do autor e pais do Réu marido.”,…

Já nos presentes autos o apelante pede que seja “declarado que o prédio da escritura pública de justificação notarial de 11 de Maio de 2207, lavrada de fls. 146vº do livro de notas diversas n.º …., do Cartório Notarial  ....., pertence a DD e mulher, EE. Avós do autor e pais do Réu marido.”.

Deste modo dúvidas não subsistem que entre a presente ação e aquela outra que correu termos sob o n.º 340/10…… ocorre identidade de sujeitos e de pedidos, o que não é alvo de qualquer controvérsia por parte do apelante.

…” (Sublinhado nosso)

XIX) Este acórdão do Venerando Tribunal da Relação ….. foi objeto de recurso de revista e subsidiariamente de revista excecional pelos ora Recorrentes, que alegaram:

“…

O que supra se expôs é suficiente esclarecedor e demonstrativo bastante de que:

- As partes nestes autos e no referido Proc. 340/10…. são as mesmas e ocupam idêntica posição na lide;

- O pedido formulado pelo Autor nestes autos é inteiramente coincidente com o formulado na alínea e) do petitório por si formulado na pretérita ação, sendo exatamente o mesmo o efeito jurídico que pretende obter, contra os Réus;

Em suma, detetamos identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido entre estes autos e a ação nº 340/10….., que correu termos neste juízo, tal como invocado pelos Réus na sua contestação.

…” (Sublinhado nosso)

XX)  Foi proferido, como se referiu, douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Tribunal, ......Secção Cível  (proc. n.º 215/16….., de 29/01/2019) que negou revista e confirmou o acórdão da do Tribunal da Relação …….

XXI) Apesar do supra exposto, vêm novamente os Recorrentes alegar, que os presentes autos não servem de petição de herança, que não foi pedido de reconhecimento do Recorrido da sua qualidade de herdeiro, que não alegou que o prédio pertence à herança ilíquida aberta por óbito de DD e EE…


* * *

B) Da alegada nulidade prevista no artigo 615º n.º 1 alíneas b), c) e d) ex vi do art.º 666º e art.º 608º e artigo 609º, entre outros, do C. P. Civil e seus basilares princípios e de erro de julgamento.

XXII) Para sustentar esta nulidade os Recorrentes alegam que na sua contestação:

a) invocaram a aquisição originária do direito de propriedade do prédio em causa em 1981 e 1988;

b) invocaram a posse publica, pacifica, continua e de boa fé;

XXIII) E alegam agora que existiu uma desanexação de uma parcela do prédio que DD e EE entregaram aos Recorrentes e que o prédio identificado na escritura Notarial de fls. 13-17 dos autos, nada tem a ver com a dita corte e com a parcela que alegadamente lhes fora doada em 1981 e 1988.

Ora,

XXIV) Na sentença proferida no âmbito do Proc. 340/10…., resulta que ficou decidido que os Recorrentes não adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio em causa, consoante declarado na escritura de justificação notarial, nomeadamente:

a) Que não existiu qualquer doação feita sob a forma meramente verbal pelos pais do Réu, DD e mulher EE, por volta de 1895;

b) Que os Réus não usufruíram tal prédio, cuidando do seu arranjo, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, com animo de quem exercita direito próprio;

c) Que os Réus não foram reconhecidos, como seus donos por toda a gente;

d) Que os Réus não o fizeram de boa fé, por ignorar lesar direito alheio;

e) Que os Réus não o fizeram pacificamente, porque sem violência;

f) Que os Réus não o fizeram continua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém;

g) Tudo isto por lapso de tempo superior a vinte anos.

XXV)    Não tendo havido qualquer doação, o prédio nunca saiu da esfera jurídica dos primitivos proprietários (Doadores), que neste caso (como ficou já provado nos presentes autos) são DD e mulher, EE, Avós do Recorrido e pais do Recorrente marido, razão pela qual, atendendo a que o referido prédio não se encontrava registado a favor dos “Doadores”, se tornou necessário provar, no modesto entendimento do Recorrido, apenas a propriedade de DD e mulher, EE, ou seja, daqueles que em determinado momento (1985) alegadamente teriam feito a invocada doação verbal.

XXVI) Porque após 1985, já se decidiu que o imóvel não pertencia aos ora Recorrentes e que não existiu qualquer doação na década de oitenta de qualquer parte do imóvel em causa nos presentes autos por DD e mulher, EE aos Recorrentes.

Acresce que,

XXVII) O Recorrido intentou uma ação de simples apreciação positiva, através da qual pretendeu obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto, no caso concreto: o direito de propriedade DD e mulher EE, entretanto falecidos.

XXVIII) Foi apresentada Contestação e defenderam-se os Recorrentes por exceção e por impugnação, concluindo pelos seguintes pedidos:

“…

Termos em que, deve:

1 - A alegada excepção de ilegitimidade ser julgada procedente por provada, com legais consequências;

2 - Procedente por provada a alegada excepção de caso julgado com legais consequências;

3 - Improcedente por não provada a presente acção com legais consequências;

4 - Condenado o A. em custas, custas de parte e procuradoria condigna a favor dos RR.

…”

XXIX) E, com a sua Contestação não deduziram os Recorrentes separadamente qualquer reconvenção, pelo que não se compreende que venham peticionar em sede de recurso de revista que lhes seja reconhecido um direito de propriedade, com base na usucapião.

Mais,

XXX)   Das declarações prestadas pelos próprios Recorrentes, estes confessaram que a escritura pública de justificação notarial de 11 de Maio de 2007, lavrada de fls. 145 afls.146 Vº, do livro notas para escrituras diversas n.º …., do Cartório Notarial....., foi feita não por estarem na convicção de serem os legítimos proprietários do imóvel, mas sim porque se tornou necessário “fabricar” um documento de que necessitavam para o proc. 332/06……., Tribunal Administrativo e Fiscal  ….., acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, cuja sentença foi junta pelos Réus em sede de Audiência de Julgamento.

XXXI) Ou seja, em 2006 intentaram a referida ação administrativa e em 2007, porque necessitavam desse documento para tentarem manter a oficina de .... em funcionamento, foram à pressa fazer uma escritura de justificação, configurando este ato uma necessidade formal e processual dos Recorrentes e não a firme convicção de serem os legítimos e únicos proprietários do imóvel (como agora pretendem fazer crer).

XXXII) Do teor do documento (de fls. 51, 52) junto pelo Recorrido, contendo uma declaração de EE, mãe do Recorrido, com a sua assinatura reconhecida notarialmente, com data de 02/02/2004, resulta que esta pretende “dispor” do bem em causa nos presentes autos:

“DECLARAÇÃO

Eu, abaixo assinada, EE, viúva, natural e residente no lugar ……, freguesia e concelho ....., declaro para constar e valer o seguinte:

Assim, afirmo que o dito prédio composto, hoje, de rés-do-chão e primeiro andar, pertence exclusivamente, a meu filho BB, condição esta que deverá ser mantida numa futura partilha por minha morte e já do meu referido marido.

…” (Sublinhado nosso)

Ou seja,

XXXIII) Pelo que se conclui que em 2004, EE, arrogando-se proprietária (porque utiliza a expressão: “deverá ser mantida”) do imóvel, embora por documento particular, na sua declaração, fala em futuras partilhas e manifesta a sua vontade expressa de ver esta questão discutida em sede própria, ou seja, no processo de inventario que corre termos.

Acresce que,

XXXIV) Não se aceita, salvo melhor opinião, que um filho possa invocar a usucapião relativamente a um prédio cuja utilização seus pais lhe permitiram (entregaram), sem existir documento bastante que o sustente.

XXXV) Pois, a ser assim, todos os pais correriam o risco, ao possibilitar o uso de um determinado bem (uma casa, um carro, etc.) a um filho, que esse mesmo filho, passado algum tempo, viesse invocar a usucapião, com base na sua posse e dos antepossuidores (os próprios pais ainda vivos) e arrogar-se proprietários, prejudicando naturalmente os restantes herdeiros.

Acresce que,

XXXVI) Vêm agora os Recorrentes alegar que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de Maio de 2007 (lavrada de fls. 145 a fls. 146 Vº, do livro notas para escrituras diversas n.º …., do Cartório Notarial  .....), nada tem a ver com a corte e parcela de terreno (garagem/Arrumos) que os pais doaram ao Recorrente em 1981 e 1988.

XXXVII) Mais alegam que a corte e parcela de terreno (garagem/Arrumos) que os pais doaram é uma unidade autónoma, do prédio referido em 5 dos factos assentes na Douta Sentença da 1ª Instância, prédio este que se encontra inscrito na respetiva matriz em nome do recorrente sob o art.º …..

XXXVIII) Porém, salvo o devido respeito, esta teoria dos Recorrentes não qualquer fundamento, pois que estamos a falar de um mesmo prédio, ou seja, aquele que os Recorrentes na escritura pública de justificação notarial de 11 de Maio de 2007, lavrada de fls. 145 a fls. 146 Vº, do livro notas para escrituras diversas n.º …., do Cartório Notarial ....., identificaram como sendo: “…

Que são donos e legítimos possuidores, em comum, com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito na Estrada ……, no lugar ......, na freguesia e concelho  ....., composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com área de 96,38 m2, não descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... e inscrito na matriz respectiva em nome do justificante marido sob o artigo ....69, com o valor patrimonial de 7.960 euros.”

…” (Sublinhado nosso)

XXXIX) Exatamente aquele que, conforme resulta do referido documento (de fls. 51, 52), com data de 02/02/2004, se descreve como sendo:

“DECLARAÇÃO

Eu, abaixo assinada, EE, viúva, natural e residente no lugar de ......, freguesia e concelho …, declaro para constar e valer o seguinte: Que, por partilhas verbais amigáveis verbais, ainda em vida do meu falecido marido DD ficou a pertencer a meu filho BB, casado, natural e residente no mesmo lugar  ......, uma casa térrea de rés-do-chão, onde antigamente era utilizada para recolha de animais, situada na Rua Estrada …., em ....... O mesmo meu filho utilizou e ali instalou uma oficina de .... exercendo assim a sua actividade. Seguidamente, em cima do rés-do-chão, construiu por sua conta, um primeiro andar que habita.

Assim, afirmo que o dito prédio composto, hoje, de rés-do-chão e primeiro andar, pertence exclusivamente, a meu filho BB, condição esta que deverá ser mantida numa futura partilha por minha morte e já do meu referido marido.

…” (Sublinhado nosso)

XL) A Licença de obras para construção de um 1.º andar, foi requerida pelo pai do Recorrente, porque, naturalmente era ele o dono e legitimo proprietário do prédio em causa, e não porque se tenha oferecido (como pretendem fazer crer os Recorrentes).

Acresce que,

XLI) Tendo presente o requerimento junto ao processo de inventario a correr termos por óbito de DD e EE (Proc. 131/10…..) pelo mesmo Recorrente BB e junto aos presentes autos em sede de audiência de julgamento pela mandatária do Recorrido, verificamos que no art. 2.º o Recorrente afirma:

“…

… Quanto à horta referida no mesmo n.º 2 e com área de 36,96 m2, tal horta não integra aquela verba n.º ….., tratando-se, também de um prédio autónomo, prédio este, que foi doado por seus pais, a sua irmã, a finada JJ em meados de Agosto de 1989; Prédio este que por esta e seu marido LL foi doado ao ora reclamante em finais de 1989…”

…” (Sublinhado nosso)

XLII)     Ou seja, ao contrário do que agora afirmam em sede de recurso de revista, afinal a “horta, também identificada como “garagem” ou “parcela de terreno”, não foi alegadamente doada ao Recorrente pelo seu pai, mas sim pela sua irmã JJ, mãe do Recorrido.

XLIII)    Facto que contradiz e deita por terra a teoria agora esgrimida quanto a uma alegada doação da “garagem/arrumos/parcela de terreno”, que lhe fora feita por DD e EE.

Acresce que,

XLIV)    Os Recorrentes alegam ainda que: “…

Tudo tendo dado origem, como se disse já ao prédio urbano a que se aludiu supra, ou seja o inscrito na matriz predial urbana da freguesia e concelho de ..... sob o art.º …., e que nada tem a ver com o prédio mencionado em 5 da matéria provada na Douta Sentença da 1ª instância, face às doações feitas acompanhadas das respetivas desanexações materiais a que se aludiu supra.

…”

XLV)     Ora, tendo presentes os factos 5 e6 da matéria dada como provada na douta sentença, que não foram objeto de qualquer recurso por parte dos Recorrentes, em sede de apelação, dúvidas não restam que o “terreno de cultivo” onde foi edificada a “Corte” e posteriormente a denominada “garagem/anexos” era propriedade de EE e DD.

XLVI)    E estando já provado que EE e DD não doaram aos Recorrentes, não existe fundamento para sustentar a alegada propriedade, com base na usucapião dos Recorrentes, nomeadamente, tendo presente que próprios Recorrentes em sede de julgamento que confessaram que a escritura pública de justificação notarial de 11 de Maio de 2007, lavrada de fls. 145 a fls. 146 Vº, do livro notas para escrituras diversas n.º …, do Cartório Notarial de ....., foi feita não por estarem na convicção de serem os legítimos proprietários do imóvel, mas sim porque se tornou necessário “fabricar” um documento de que necessitavam para o proc. 332/06…., Tribunal Administrativo e Fiscal de …, acção administrativa especial de pretensão conexa com actos administrativos, cuja sentença foi junta pelos Réus em sede de Audiência de Julgamento.

XLVII) Não existindo convicção de serem legítimos proprietários do imóvel (inicialmente, corte e parcela de terreno), cai por terra um dos requisitos fundamentais da usucapião, razão pela que na sua contestação os Recorrentes alegaram:

“…

38º

Assim é que, o R., desde 1981 por si e conjuntamente com sua esposa a partir de 1985 vêm possuindo, a dita corte e o primeiro andar bem como o complexo, composto por anexos, arrumos, terraço, garagem, o que tudo forma o todo que é hoje, a sua casa demorada de família, iniciou por sobre tais referidos espaços, posse que se mantém até aos dias de hoje.

…” (Sublinhado nosso)

XLVIII) E nas suas alegações referem:

“Prédio este que nada tem a ver com a corte e parcela de terreno que os pais doaram ao R./recorrente em 1981 e 1988 respetivamente…

…” (Sublinhado nosso)

XLIX) E mais á frente vêm dizer que:

“…

Tudo o que os recorrentes sempre defenderam e defendem, ou seja, a propriedade do imóvel a que se aludiu supra inscrito na respetiva matriz sob o art.º .... e que foi objeto da escritura de justificação de fls. 13-17 dos autos. …”

L) Tendo os Recorrentes alegado que o seu direito (posse) teve início com a doação por seus pais da corte e terreno e, não tendo existido qualquer doação, como ficou já decidido no Proc. 340/10….., não pode tal pretensão ter qualquer colhimento.

LI) Convém ter presente que os Recorrentes, para sustentarem a sua teoria:

a) Em sede de escritura de justificação e no âmbito do Proc. 340/10….., vieram dizer que existiu uma doação do prédio tal como se apresenta hoje e descreveram-no como tal.

b) No entanto, agora em sede de recurso de revista, vêm alegar que afinal, os pais do Recorrente, não lhe doaram o prédio tal como se apresenta hoje.

LII) Factos bem demonstrativos da postura processual dos Recorrentes.

Da declaração de fls. 51-52

LIII) Quanto a esta matéria vêm os Recorrentes alegam que desta declaração resulta que que os Pais do Recorrente lhe entregaram/doaram a dita corte, que foi transformada em oficina de ...., e sobre a qual foi edificado uma casa de habitação, bem como, a parcela de terreno onde construiu a garagem/aumento, que se situa nas traseiras da mesma corte, pelo que lhes pertence exclusivamente.

Porém,

LIV) Do teor do documento (de fls. 51, 52) com data de 02/02/2004, resulta que esta pretende “dispor” do bem em causa nos presentes autos:

“DECLARAÇÃO

Eu, abaixo assinada, EE, viúva, natural e residente no lugar de ......, freguesia e concelho de ....., declaro para constar e valer o seguinte: Que, por partilhas verbais amigáveis verbais, ainda em vida do meu falecido marido DD ficou a pertencer a meu filho BB, casado, natural e residente no mesmo lugar de ......, uma casa térrea de rés-do-chão, onde antigamente era utilizada para recolha de animais, situada na Rua Estrada …., em ....... O mesmo meu filho utilizou e ali instalou uma oficina de .... exercendo assim a sua actividade. Seguidamente, em cima do rés-do-chão, construiu por sua conta, um primeiro andar que habita.

Assim, afirmo que o dito prédio composto, hoje, de rés-do-chão e primeiro andar, pertence exclusivamente, a meu filho BB, condição esta que deverá ser mantida numa futura partilha por minha morte e já do meu referido marido.

…” (Sublinhado nosso)

Ou seja,

LV) Daqui se conclui que em 2004, EE, arrogando-se proprietária (porque utiliza a expressão: “deverá ser mantida”) do imóvel, fala em futuras partilhas e manifesta a sua vontade expressa de ver discutido o destino a dar a este imóvel em sede própria, ou seja, no processo de inventario que corre termos.

LVI) Ao contrário do que afirmam os Recorrentes, o prédio em causa não foi por si edificado, bastando para o efeito compulsar o ponto 6 da matéria dada como provada na douta sentença:

“…

6. Posteriormente, EE e DD, edificaram no “terreno de cultivo” um espaço destinado à recolha de animais.

…”

LVII) Deste documento, através do qual a Declarante afirma sua própria vontade (como reconhecem os Recorrentes), feito em 2004, resulta inequívoco que ao Recorrente foi apenas facultada a “utilização” de um “dito prédio composto, hoje, de rés-do-chão e primeiro andar…”, não se encontrando qualquer menção a uma alegada doação, em 1988, da “parcela de terreno/garagem/arrumos”.

LVIII) Assim, o que se discute nos presentes autos é apenas e só um “prédio composto, hoje, de rés-do-chão e primeiro andar…”, pertencendo tudo o resto, nomeadamente, a denominada garagem/arrumos, como se depreende da Declaração, à herança indivisa.

LIX) Os Recorrentes referem ainda nas suas alegações que: “…

E bem cientes disto, nunca por nunca consentiriam que numa futura partilha por morte dela e de seu marido, o que nos faz extrair que não houve qualquer partilha,…

…” (Sublinhado nosso)

LX) No entanto, do teor do documento (de fls. 51, 52) contendo uma declaração de EE, com data de 02/02/2004, resulta que esta afirma que:

“…

Que, por partilhas verbais amigáveis… …)

LXI) E, os próprios Recorrentes no seu requerimento remetido ao processo de inventario a correr termos por óbito de DD e EE (Proc. 131/10….) e junto aos presentes autos em sede de audiência de julgamento pela mandatária do Recorrido, mais precisamente no art. 2.º atesta que:

“…

… Quanto à horta referida no mesmo n.º 2 e com área de 36,96 m2, tal horta não integra aquela verba n.º ...., tratando-se, também de um prédio autónomo, prédio este, que foi doado por seus pais, a sua irmã, a finada JJ em meados de Agosto de 1989; Prédio este que por esta e seu marido LL foi doado ao ora reclamante em finais de 1989…”

…” (Sublinhado nosso)

LXII) Assim, ao contrário do que afirmam os Recorrentes, que efetivamente existiram partilhas verbais, com distribuição dos bens pelos herdeiros, nomeadamente, pela irmã do Recorrente.

Finalmente,

LXIII) Importa trazer à colação a decisão proferida pelo Acórdão do STJ - 07-07-2016 - Revista n.º 87/14.4TTPRT.P1.S1 - 4.ª Secção – Relatora: Ana Luísa Geraldes, onde foi decidido que:

É consensual a Doutrina e a Jurisprudência quando interpretam os poderes atribuídos ao Tribunal da Relação pela reforma processual civil operada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, que aprovou o Novo CPC e regulou a modificabilidade da decisão de facto no seu art. 662º.

Através deste normativo foi concedida ao Tribunal da Relação uma autonomia decisória, há muito reclamada, em sede de reapreciação e modificabilidade da decisão da matéria de facto.

Daí decorre que, atualmente, para formar a sua própria convicção, pode a Relação proceder não só à reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, como de todos aqueles que se mostrem acessíveis nos autos e estejam abarcados pela previsão do art. 662º.

Nos mesmos termos expressou o seu entendimento Teixeira de Sousa, no Comentário que redigiu sobre “Prova, Poderes da Relação e Convicção: a lição de epistemologia”, onde se pode ler, em reforço do que se enunciou, o seguinte: “O Princípio que rege a apreciação da prova é o da livre valoração: sempre que a prova não tenha um valor legal ou tarifado, a prova é apreciada segundo a prudente convicção do juiz (art. 607º, nº 5, do CPC).

Isto significa que o juiz tem deformar uma convicção subjectiva sobre a verdade ou a plausibilidade do facto probando – ou seja, tem de adquirir um estado psíquico de convicção sobre essa verdade ou plausibilidade – baseado numa convicção objectiva – isto é, num conjunto de razões que permite afirmar que um facto é verdadeiro ou é plausível”.

Destarte, e face ao preceituado no nº 3 do art. 674º e, nº 2 do art. 682º do NCPC, aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido (Relação) o Supremo Tribunal de Justiça aplica definitivamente o regime jurídico que julga adequado, sendo que a decisão da matéria de facto só pode ser excecionalmente alterada por este Supremo havendo ofensa de disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

E constando do processo todos os elementos probatórios que permitam à Relação a reapreciação da matéria de facto, em conformidade com o disposto no art. 662º, pode a Relação, mesmo oficiosamente, alterar a matéria de facto em função da convicção que crie face à prova produzida nos autos – testemunhal e documental – desde que a mesma imponha decisão diversa em face da própria convicção criada pelo Tribunal da Relação.

LXIV) No mesmo sentido, Acórdão do STJ - 30-03-2017 – Revista n.º 248/12.5TBCMN.G1.S1 - 2.ª Secção:

“I - Tendo a Relação considerado que a recorrente, ao interpor recurso de apelação, observou os requisitos do art. 640.º do CPC, reapreciando a matéria de facto, não compete ao STJ, em sede de revista, colocar em causa essa reapreciação em virtude de não ter havido rejeição do recurso e de também não se verificar a previsão do art. 674.º, n.º 3, do citado Código.

…”

LXV) In casu, o Recorrido interpôs o seu recurso de apelação, em observância dos requisitos do art. 640.º do CPC e, o Venerando Tribunal da Relação …, no uso dos poderes de reapreciação e modificabilidade da decisão da matéria de facto, de acordo com a própria convicção criada pelo mesmo Tribunal da Relação, proferiu a decisão que entendeu ser a correta e justa.

LXVI) Salvo melhor opinião, conforme querem fazer crer os Recorrentes, não estamos perante uma ofensa de disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova, pelo Venerando Tribunal da Relação ……..

LXVII) Pelo que o pretendido pelos Recorrentes com o seu recurso de revista (alteração da matéria de facto, alterada pelo Tribunal da Relação ……) não pode colher provimento.

LXVIII) Tenha-se ainda em consideração que conforme resulta do Despacho Saneador (ref. …), de 12/05/2019, o objeto do litígio é o seguinte:

“…

Nessa sequência, passamos a proferir despacho nos termos das alíneas e), f), g) do art. 597º, CPC.

I. Do objeto do litígio e temas da prova

Atentas as posições assumidas pelas partes nos articulados validamente apresentados e as soluções plausíveis da questão de direito:

a) o objeto do presente litígio consiste em aferir da pertença do imóvel inscrito sob o art. ...69., melhor id. na p.i., ao acervo hereditário de DD e EE, avós do Autor e pais do Réu.

b) os temas da prova são as circunstâncias da aquisição, pelos referidos autores da Herança, do aludido prédio, e utilização que fizeram do mesmo em termos de finalidade, duração, publicidade, pacificidade, etc..

…”

LXIX) Nos presentes autos o tema de prova eram as circunstâncias da aquisição, pelos referidos DD e EE, do aludido prédio, e utilização que fizeram do mesmo em termos de finalidade, duração, publicidade, pacificidade, etc., pelo que o pretendido pelos Recorrentes com o seu Recurso de Revista extravasa, mais uma vez o peticionado pelo Recorrido: “Do direito de propriedade DD e mulher EE”.

Concluindo,

LXX) Os Recorrentes têm vindo a alterar a sua estratégia e argumentos, sempre de acordo com os seus propósitos, adequando-a aos fins pretendidos, alterando os factos, deturpando a verdade com um único firme propósito: adquirir a propriedade de um bem que bem sabem não lhes pertence exclusivamente.

LXXI) Por tudo o atrás alegado resulta, não assistir razão aos Recorrentes, sendo de manter na íntegra a decisão proferida, devendo a verdade material sobrepor-se à verdade processual.


***

TERMOS EM QUE,

Deve ser negado provimento ao presente recurso, nos moldes em que vêm as conclusões formuladas, mantendo-se em tudo a decisão recorrida e só assim se fará Inteira e sã Justiça”.

29. Em conferência, por acórdão de 8 de outubro de 2020, o Tribunal da Relação … rejeitou as nulidades invocadas e manteve o acórdão nos seus precisos termos.

II – Questões a decidir

Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as seguintes questões:

- se o acórdão recorrido padece ou não de nulidade por condenação em objecto diverso do pedido (arts. 615.º. n.º 1, al. e), ex vi dos arts. 608.º, n.º 2, 666.ºe 679.º do CPC);

- se o acórdão recorrido se encontra ou não ferido de nulidade por excesso de pronúncia (arts. 615.º, n.º 1, al. d), ex vi dos arts. 666.º, 608.º-609.º e 679.ºdo CPC);

- se o acórdão recorrido é ou não nulo por falta de fundamentação (arts. 615.º, n.º 1, als. b), ex vi dos arts. 666.º e 679.º do CPC);

- se o acórdão recorrido padece de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto;

- se o acórdão recorrido padece de erro de julgamento na aplicação e interpretação da matéria de direito (arts. 236.º e ss., e 1287.ºe ss. do CC).


III - Fundamentação

A) De Facto

O Tribunal de 1.ª Instância considerou provada a seguinte factualidade:

“1- Por escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a fls. 146 Vº, do livro notas para escrituras diversas n.º ……., do Cartório Notarial  ....., os Réus BB e esposa CC declararam, designadamente, que:

“são donos e legítimos possuidores, em comum, com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito na Estrada ….., no lugar  ......, na freguesia e concelho  ....., composto de casa de habitação de rés-do- chão e primeiro andar, com área de 96,38 m2, não descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... e inscrito na matriz respetiva em nome do justificante marido sob o artigo .....69, com o valor patrimonial de 7.960 euros. Que não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio de tal prédio, que adveio à sua posse, já no estado de casados, por volta do ano de mil novecentos e oitenta e cinco, por doação feita sobe a forma meramente verbal pelos pais do justificante marido, DD e mulher EE, residentes no referido lugar ......”. Que, não obstante isso, têm usufruído tal prédio, cuidando do seu arranjo, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, com animo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos, como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém - e tudo isto por lapso de tempo superior a vinte anos.”

2. Em 25.10.2010, o Autor AA intentou a ação de processo sumário n.º 340/10….. contra os Réus BB e esposa CC, peticionando:

“a) Ser declarado impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de 11 de maio de 2007, por os Réus não terem adquirido o prédio nela identificado, correspondente ao do art. 9.º, desta petição inicial, por doação verbal e/ou por usucapião;

b) Ser declarado, em consequência, que eram falsas as declarações prestadas e constantes da escritura de justificação notarial de 11 de maio de 2007, exarada a fls. 145 e seguintes do Livro ….., em uso, ao tempo, no Cartório Notarial de .....;

c) Ser declarada ineficaz, e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os Réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado e objeto da presente impugnação;

d) Seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos operados com base no documento aqui impugnado;

e) Seja declarado que o prédio identificado no artigo 9.º desta petição pertence à herança aberta e ilíquida de DD e mulher, EE, avós do Autor e Pais do Réu marido.

f) Serem os Réus condenados solidariamente a pagar ao Autor, na qualidade em que intervém, uma indemnização condigna pelos danos e prejuízos materiais e morais que lhe causaram, a liquidar em execução de sentença.”

3. Por sentença proferida no âmbito da ação indicada em 2), em 19.5.2013, transitada em julgado em 12.11.2016, assentou-se como provado, designadamente, o seguinte facto:

“(…) 4. Por escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a fls. 146 v º do livro notas para escrituras diversas n.º ….., do Cartório Notarial  ....., os Réus declararam: “são donos e legítimos possuidores, em comum, com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito na Estrada …., no lugar......, na freguesia e concelho ....., composto de casa de habitação de rés-do- chão e primeiro andar, com área de 96,38 m2, não descrito na Conservatória do Registo Predial ..... e inscrito na matriz respetiva em nome do justificante marido sob o artigo ...., com o valor patrimonial de 7.960 euros. Que não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio de tal prédio, que adveio à sua posse, já no estado de casados, por volta do ano de mil novecentos e oitenta e cinco, por doação feita sob a forma meramente verbal pelos pais do justificante marido, DD e mulher EE, residentes no referido lugar de ......”. Que, não obstante isso, têm usufruído tal prédio, cuidando do seu arranjo, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, com animo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos, como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém - e tudo isto por lapso de tempo superior a vinte anos (...).”

4. Em sede da sentença referenciada em 3), decidiu-se:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar a presente ação procedente e, em consequência:

a) Declaro que os RR. não adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 4 da matéria de facto provada, supra, consoante declarado na escritura de justificação notarial celebrada pelos mesmos no dia 11-05-2007, também referida no mesmo ponto da matéria de facto;

b) Declaro que a escritura referida em a), supra, não tem qualquer efeito no que respeita ao prédio identificado no ponto 4 da matéria de facto provada;

c) Ordeno o cancelamento da inscrição registral da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 4 da matéria de facto provada, descrito na Conservatória do Registo Predial  ..... sob o n.º 2159/….., supra, realizada com fundamento na escritura de justificação notarial acima mencionada, mediante a apresentação 1 de 27-06-2007 (cfr. fls. 46).

d) Ordeno a comunicação da presente sentença, após respetivo trânsito em julgado, ao Cartório Notarial  ....., com cópia de fls. 32 a 36, que respeitam à escritura pública em referência;

e) Ordeno a comunicação da presente sentença, após respetivo trânsito em julgado, à Conservatória do Registo Predial  ....., com cópia de fls. 32 a 36, que respeitam à escritura pública em referência, ao abrigo dos arts. 3º, n.º1, als. b) e c), e 8º-B, n.º3, al. a), do Cód. Do Registo Predial.”

5. Há mais de 60 anos, EE declarou comprar aos seus irmãos não concretamente identificados um prédio não descrito na Conservatória do Registo Predial ....., sito na Rua Estrada …., em ......, constituído por casa de habitação, espaço denominado por “Casa  ….” (arrumos), espaço denominado por “……” (arrumos) e terreno de cultivo.

6. Posteriormente, EE e DD, edificaram no “terreno de cultivo” um espaço destinado à recolha de animais.

7. Em 16/09/1982, DD requereu junto da Câmara Municipal  ..... uma licença de obras para construção de um 1.º andar, na sua casa rés-do-chão, tendo procedido à edificação de um 1.º andar sobre o predito espaço destinado à recolha de animais.

8. Por volta de 1985, em data não apurada, os pais do réu BB, DD e EE, declararam acordar verbalmente com o mesmo em entregar a este, por conta da partilha dos seus bens, o prédio urbano sito na Estrada ….., no lugar ......, na freguesia e concelho  ....., composto de casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com área de 96,38 m2, o que o antedito Réu declarou aceitar.

9. Após o indicado em 8), os Réus, que casaram em 24.8.1985, têm habitado a casa descrita em 9), recebendo familiares e amigos, ali exercendo o Réu a sua atividade como ...., guardando lenhas, madeiras, ferramentas agrícolas e de carpintaria, ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade e ignorando lesar quaisquer legítimos direitos de terceiros”.

Julgou como não provada a seguinte factualidade:

10. Há mais de 60 anos que EE e DD residiram na casa enunciada em 8), nela recebendo familiares e amigos, guardando seus pertences, ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade e sem oposição.


O Tribunal da Relação …. alterou a matéria de facto, provada e não provada, nos seguintes termos:

a) eliminou dos factos provados na sentença aqueles dados como provados ob os n.os 8.º e 9.º, assim como o n.º 10 dos factos não provados;

b) aditou aos factos provados os seguintes factos:

8 - O prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º é composto pela antiga corte que se encontra identificada em 6º e 7º e por uma parcela de terreno, onde os Réus BB e CC, vieram a construir em finais de 1980/inícios de 1990 uma garagem/aumento, corte e terreno esse que integravam o prédio identificado em 5º.

9 - Por volta de 1981, os pais do Réu BB, DD e EE, acordaram verbalmente com os seus filhos em proceder à partilha dos seus imóveis pelos últimos, o que estes aceitaram.

10 - Na mesma ocasião, DD e EE acordaram verbalmente com o Réu BB em entregar-lhe a corte identificada em 8º, por conta da aludida partilha, o que o mesmo aceitou, vindo a transformar essa corte em oficina de .... e a suportar o custo da construção do 1º andar identificado em 7º.

11 - Nos finais de 1980/inícios de 1990, os identificados DD e EE, dentro desse mesmo acordo referido em 10º, entregaram ao Réu BB a parcela de terreno identificada em 8º, a fim deste aí construir a garagem/aumento.

12 - Os Réus BB casaram em 24/08/1985 e desde então habitam o 1º andar identificado em 7º, recebendo nele familiares e amigos e exercendo o Réu BB na oficina de .... a sua atividade de ...., guardando nessa oficina, no 1º andar e na garagem/aumento identificados em 10º e 11º lenhas, madeiras, ferramentas agrícolas e de carpintaria, o que fazem ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de que na partilha das heranças abertas por óbito de DD e EE o prédio identificado na escritura de justificação identificada em 1º lhes será adjudicado.

13 - Na sequência da partilha em vida com os filhos referida em 9º não se ter concretizado, DD e EE, há mais de 60 anos e até à data da sua morte, ocorrida, respetivamente, em 30/12/2003 e 06/01/2007, habitaram na casa de habitação identificada em 5º, nela recebendo familiares e amigos e guardando os seus pertences e fazendo uso da corte e do terreno, o que tudo fizeram ininterruptamente até à data da sua morte, à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade, sem oposição e ignorando lesar quaisquer direitos de terceiros, incluindo sobre o prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º, sem prejuízo do relatado em 8º a 12º.

c) julgou não provados os seguintes factos:

a - DD e EE tivessem feito as entregas referidas em 10º e 11º ao Réu BB a título de doação;

b - Os Réus BB e/ou EE venham a agir sobre o prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º, pela forma descrita em 12º, convictos que exercem direito de propriedade sobre esse prédio e ignorando lesar quaisquer legítimos direitos de terceiros.

B) De Direito

Da nulidade por condenação em objeto diverso do pedido (ultra petitum)

1. À semelhança do que fez o Tribunal da Relação …, importa recordar a distinção entre causas de invalidade do acórdão recorrido (arts. 615.º, 666.º, e 674.º, n.º 1, al. c), do CPC), de um lado e, de outro, erro de julgamento da matéria de facto (art. 662.º do CPC), que apenas é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça nos termos do art. 674.º, n.º 3, do CPC, e erro de julgamento na apreciação do direito, amplamente sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do art. 674.º n.º 1, al. a), do CPC.

2. Enquanto a consequência de erro de julgamento dos factos e/ou de direito das decisões judicias é a revogação destas, e a da violação de regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou daquelas que delimitam o conteúdo e/ou estabelecem os limites do poder ao abrigo do qual são decretadas, é a da nulidade (art. 615.º do CPC).

3. Na primeira hipótese, diferentemente da segunda, trata-se de erro de julgamento (error in judicando), que se traduz em vício no julgamento da matéria de facto ou da decisão de mérito. Esse vício resulta de distorção, por parte do julgador, da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude de a prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou de erro na aplicação do direito (error juris).

4. No erro de julgamento assiste-se ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida e/ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação/aplicação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados. Esse erro, por não respeitar a defeitos que afetam a própria estrutura da decisão em si mesma considerada (vícios formais), ou aos limites à luz dos quais é proferida, não a inquina de invalidade, mas sim de error in judicando, suscetível de ser invocado em sede de recurso.

5. Por seu turno, na última hipótese, estão em causa vícios formais que afetam a própria validade da decisão judicial.

6. De acordo com o art. 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, “É nula a sentença quando: e) o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido”.

7. Invocam os Réus/Recorrentes que o acórdão recorrido padece de nulidade por condenação em objecto diverso do pedido e/ou por se pronunciar sobre questão de que não podia tomar conhecimento, ao abrigo dos arts. 615.º. n.º 1, als. d) e e), ex vi dos arts. 666.º e 608.º, n.º 2, do CPC, porquanto determinou “que o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11.05.2007 lavrada de fls. 145-146v do livro de notas para Escrituras Diversas n.º …., do Cartório Notarial  ..... pertence às Heranças Ilíquidas e Indivisas abertas por óbito de DD e mulher EE, avôs do autor e pais do R. marido” quando, na petição inicial, se pedia se declarasse que “o prédio objeto da escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a 146 verso do livro de notas para escrituras diversas n.º ….., do Cartório Notarial ...., pertence a DD e mulher, EE, avós do Autor e pais do Réu-marido”.

8. O Tribunal da Relação ….., no acórdão proferido em conferência, a 8 de outubro de 2020, que conheceu das nulidades, entendeu que a nulidade em apreço poderia subsumir-se ao art. 615.º, n.º 1, al. e), do CPC, por se tratar de eventual condenação ultra petitum: é nula a decisão quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.

9. É o pedido do autor que enforma e conforma o objeto do processo e que condiciona a decisão de mérito (art. 608.º, n.º 2, do CPC). O juiz não pode, sob pena de nulidade, condenar em objecto diverso do que foi pedido (arts. 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).

10. A decisão é nula quando, em violação do princípio do dispositivo, no que respeita à conformação da instância, o julgador não observa os limites estabelecidos no art. 609.º, n.º 1, do CPC, condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido (pronúncia ultra petitum). A não coincidência da decisão com os petita partium implica, pois, a nulidade da decisão[1].

11. Está em causa o respeito pelos princípios do dispositivo (arts. 3.º, n.º 1, 5.º, n.º 1, 552.º, n.º 1, als. d) e e), 572.º, al. c), 573.º e 583.º do CPC) e do contraditório (art. 3.º, n.os 1, 3 e 4, do CPC).

12. A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil, pois, o acórdão não pode conhecer de objecto diverso do pedido, o que significa que o Tribunal não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, sendo que não havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á face a uma extra petição, vício que produz nulidade do aresto.[2].

13. No acórdão que conheceu das nulidades, o Tribunal da Relação …. reconheceu que a condenação pronunciada não é idêntica à condenação peticionada pelo Autor. Esclareceu, porém, que essa condenação decorreu do que que foi alegado pelo Autor e, também, expressamente aceite pelos Réus: à data da propositura da ação, DD e EE eram falecidos, tendo os Réus acrescentado, em sede de contestação, que as heranças abertas por sua morte se encontravam ilíquidas e indivisas (cf. art. 5.º da contestação). Foi até com base nestes factos que os Réus invocaram a exceção de ilegitimidade ativa do Autor para instaurar a presente ação, desacompanhado que estava dos restantes herdeiros. Isto mesmo foi admitido pelo Autor que, a título subsidiário, deduziu incidente de intervenção principal provocada dos demais herdeiros, que foi deferido e aceite.

14. Com base nestas premissas, aceites expressamente pelas partes, o Tribunal da Relação ….. entendeu que, tendo falecido, se havia extinguido a personalidade jurídica de DD e de EE (art. 68.º, n.º 1, do CC), abrindo-se a sua sucessão (art. 2031.º do CC) e passando as respetivas relações jurídicas patrimoniais e pessoais, que não se extingam com a morte, a integrar as suas heranças. O Tribunal da Relação …. limitou-se, com efeito, a conhecer do pedido formulado pelo Autor, procedendo ao seu enquadramento jurídico à luz daquela alegação, de acordo com o disposto no art. 5.º, n.º 3, do CPC.

15. Não se verifica, pois a invocada nulidade do acórdão recorrido com fundamento em pretensa pronúncia ultra petitum, porquanto a condenação contida nesse acórdão é uma mera consequência dos factos alegados e aceites pelas partes nos seus articulados. Trata-se de uma adequação do pedido (arts. 5.º, 6.º, e 547.º do CPC), que se impõe à luz do princípio da adequação formal, por estar em causa uma situação fáctica efetivamente assumida pelas partes em todo o processado.

16. Improcede, assim, a arguição da referida nulidade por parte dos Réus/Recorrentes.

Da nulidade por excesso de pronúncia

1. Segundo o art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, “É nula a sentença quando: d) o juiz (…) conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

2. Invocam, também, os Recorrentes que o acórdão recorrido padece de nulidade por excesso de pronúncia, porque a presente ação “(…) tem como causa de pedir a impugnação da escritura de justificação notarial de fls. 13 a 17 dos autos, alegando, para tal, o Autor/apelado, que tal prédio há mais de 60 anos que EE e DD, residiam em tal casa, nela recebendo familiares e amigos, guardando seus pertences, ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade e sem oposição”. Os Recorrentes alegam, na contestação, que “(…) são donos legítimos possuidores e proprietários do prédio urbano, objeto da dita escritura pública de justificação notarial de fls. 13 a 17 dos autos, o qual se encontra inscrita na respetiva matriz predial urbana da freguesia e concelho ..... em nome do recorrente BB, sob o n.º ...., porquanto adquiriram o direito de propriedade sobre o mesmo, ex novo, respetivamente desde 1981 e final da década de 80, inícios de 90, mais precisamente em 1988, respetivamente, pela sua posse por mais de 20 anos com base na sua aquisição originária por via da usucapião, instituto que invocaram para todos os efeitos legais”. Entendem que o acórdão recorrido é nulo por excesso de pronuncia, uma vez que “o Autor propõe uma ação de processo comum em que não serve de causa de pedir a petição da herança, nem pede o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro, nem alega que o prédio objeto da dita escritura de fls. 13 a 17 dos autos, pertence à herança ilíquida aberta por óbito de DD e EE, nem tão pouco pede a restituição à herança aberta de tal prédio”.

3. Se o julgador conhecer de causas de pedir não alegadas, ou de exceções que estejam na exclusiva disponibilidade das partes (art. 608.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC), a decisão encontra-se ferida de nulidade. Isto é, se o julgador conhecer de questões que não podia apreciar, por não haverem sido suscitadas, a decisão é nula.

4. Salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso, o juiz não deve apreciar questões não submetidas ao seu conhecimento, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia. A lei, no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, refere “questões”, isto é, assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais de facto ou de direito em que as partes fundamentam as suas pretensões. Portanto, o juiz não tem de se pronunciar sobre razões ou argumentos usados pelas partes para alicerçar os seus pontos de vista.

5. A nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, “visa sancionar o desrespeito, pelo julgador, do comando contido na parte final do n.º 2 do artigo 608.º do mesmo diploma, nos termos da qual o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Emerge desse preceito que a actividade judicativa (com excepção, naturalmente, das questões que o julgador deva conhecer oficiosamente) se mostra confinada ao objecto do litígio. É entendimento pacífico, tanto a nível doutrinário como a nível jurisprudencial, que a noção de “questões” à volta das quais gravita a referida infracção processual reporta-se aos fundamentos convocados pelas partes na enunciação da causa de pedir e/ou nas excepções e, bem assim, aos pedidos formulados.[3]

6. Tal como resulta com toda a clareza do acórdão recorrido, não está em causa uma ação de impugnação de escritura de justificação notarial, mas antes uma ação em que o autor pretende se declare que os seus falecidos Avós, DD e EE, “são donos e legítimos proprietários do prédio objeto dessa escritura por o terem adquirido por via originária, mais concretamente por usucapião, ou seja, perante o pré-falecimento daqueles e a permanência das respetivas heranças em estado de indivisão e iliquidez (conforme alegado foi pelo Réus – recorrentes – e aceite pelo Autor – recorrido), que se declare que esse prédio pertence às heranças ilíquidas e indivisas abertas por óbito daqueles seus avós e pais do réu-marido.”.

7. Não se trata igualmente de qualquer ação de petição de herança, em que se visa o reconhecimento da qualidade sucessória do autor e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua como herdeiro, ou por outro título, ou mesmo sem título (art. 2075.º do CC).

8. O acórdão recorrido limitou-se a conhecer do pedido do Autor, em conformidade com a causa de pedir por si carreada para os autos: a aquisição do direito de propriedade, por usucapião, do imóvel objeto de escritura de justificação notarial, pelos seus falecidos Avós DD e EE, e nada mais.

9. Além disso, no julgamento da matéria de facto que fez sobre os factos dados como provados sob os n.os 8.º a 13.º, o Tribunal da Relação …. limitou a sua apreciação aos factos essenciais alegados pelo Autor na petição e pelos Réus na defesa motivada contida na contestação, conforme resulta do confronto daqueles com os que se encontram alegados pelas partes nos respetivos articulados. De resto, tal como refere o Tribunal da Relação …, ainda que assim não fosse, não se estaria perante qualquer nulidade do acórdão, mas antes perante erro de direito em sede de julgamento da matéria de facto, ao darem-se como provados factos essenciais, pretensamente não alegados e, por isso, fora do condicionalismo legal do art. 5.º, n.º 1, do CPC.

10. Improcede, por conseguinte, a arguição da mencionada nulidade por parte dos Réus/Recorrentes.

Da nulidade por falta de fundamentação

1. Conforme o art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, “É nula a sentença quando: b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.

2. Os Réus/Recorrentes referem outrossim que o acórdão recorrido padece da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC, omitindo, porém, qualquer concretização ou justificação do vício que imputam ao aresto.

3. A ausência ou violação do dever de motivação estabelecido no art. 154.º, n.º 1, do CPC, determina a nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b), do CPC.

4. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça e com a doutrina, unânimes nesta matéria: “É corrente e unânime o entendimento segundo o qual só a falta absoluta de fundamentação de facto ou de direito gera a nulidade por falta de fundamentação, com o que se não pode confundir a fundamentação medíocre ou insuficiente que, repercutindo-se no mérito da decisão, podendo comprometê-lo, não produz nulidade.[4].

5. Assim, a nulidade de despacho, sentença ou acórdão, por falta de fundamentação, apenas se verifica perante uma total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão. Uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não origina nulidade por falta de fundamentação e não afeta, por isso, a validade do acórdão.

6. O acórdão recorrido procede, fundamentadamente, à alteração da matéria de facto fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância (considerou provada a facticidade sob os n.os 8.º a 13.º dos factos provados no acórdão): justifica por que elimina ou modifica cada um dos factos provados e não provados, atendendo à prova produzida, constante dos autos.

7. De resto, esse pretenso vício, porquanto respeita ao julgamento da matéria de facto, não configura causa de invalidade do acórdão, nomeadamente, por falta de fundamentação, mas antes erro de julgamento da matéria de facto.

8. No que respeita à apreciação de direito, também o acórdão recorrido procede à subsunção dos factos ao direito, de forma fundamentada, e explicando o iter percorrido até alcançar as respetivas conclusões.

9. A nulidade invocada pressupõe uma total ausência de fundamentação de facto e/ou de direito, o que, in casu, não se verifica.

10. Improcede, também, a arguição da nulidade ora em apreço por parte dos Réus/Recorrentes.

Da impugnação da matéria de facto

1. Os Recorrentes alegam que a matéria dada como provada e não provada sob os n.os 8º a 13º, incluindo o n.º 13º a) e b), contraria de forma frontal a prova testemunhal e documental, nomeadamente a declaração de fls 51-52, fotos de fls. 40-41 e 48-50, do levantamento topográfico de fls. 89, da declaração de fls. 89-90.

2. A partir da conclusão 34.º das suas alegações, referem que o acórdão recorrido não levou em devida linha de conta as declarações efetivamente emitidas pelas testemunhas, em especial pela testemunha HH, cuja valoração foi contrária ao que a testemunha relatou. Mencionam, ainda, (i) as declarações de parte de BB, mas sem referir qualquer confissão – conclusão 41.º; (ii) o depoimento das testemunhas por si indicadas demonstra que os seus pais não lhes doaram o prédio tal qual o mesmo está, tendo sido eles que custearam as obras – conclusão 51.º; (iii) procedem à transcrição de parte do depoimento da testemunha HH – conclusão 54.º - para demonstrar a sua versão dos factos, a fim de concluir no sentido da errada interpretação do acórdão recorrido quanto à matéria de facto, uma vez que os factos provados não correspondem à realidade.

3. Por fim, na conclusão 83.º, aludem à redação que os factos provados sob os n.os de 8 a 13 deveriam ter, assim como referem, consequentemente, que o os factos provados sob o n.º 13 a) e b) deveriam ser eliminados, por se encontrarem em manifesta oposição com a matéria dada como provada nos autos.

4. Os Réus/Recorrentes pretendem que o Supremo Tribunal de Justiça, que é um tribunal de revista, proceda a nova apreciação da matéria de facto, em ordem a fazer vingar a versão dos factos por si carreada para os autos.

5. No acórdão recorrido, o Tribunal da Relação …, depois de analisar a prova testemunhal, documental e as declarações constantes dos autos, procedeu à alteração da matéria de facto provada e não provada nos seguintes termos:

d) eliminou dos factos provados na sentença a facticidade dos pontos 8.º e 9.º e o ponto 10 dos factos não provados;

e) aditou aos factos provados os pontos:

8 - O prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º é composto pela antiga corte que se encontra identificada em 6º e 7º e por uma parcela de terreno, onde os Réus BB e CC, vieram a construir em finais de 1980/inícios de 1990 uma garagem/aumento, corte e terreno esse que integravam o prédio identificado em 5º.

9 - Por volta de 1981, os pais do Réu BB, DD e EE, acordaram verbalmente com os seus filhos em proceder à partilha dos seus imóveis pelos últimos, o que estes aceitaram.

10 - Na mesma ocasião, DD e EE acordaram verbalmente com o Réu BB em entregar-lhe a corte identificada em 8º, por conta da aludida partilha, o que o mesmo aceitou, vindo a transformar essa corte em oficina de .... e a suportar o custo da construção do 1º andar identificado em 7º.

11 - Nos finais de 1980/inícios de 1990, os identificados DD e EE, dentro desse mesmo acordo referido em 10º, entregaram ao Réu BB a parcela de terreno identificada em 8º, a fim deste aí construir a garagem/aumento.

12 - Os Réus BB casaram em 24/08/1985 e desde então habitam o 1º andar identificado em 7º, recebendo nele familiares e amigos e exercendo o Réu BB na oficina de .... a sua atividade de ...., guardando nessa oficina, no 1º andar e na garagem/aumento identificados em 10º e 11º lenhas, madeiras, ferramentas agrícolas e de carpintaria, o que fazem ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de que na partilha das heranças abertas por óbito de DD e EE o prédio identificado na escritura de justificação identificada em 1º lhes será adjudicado.

13 - Na sequência da partilha em vida com os filhos referida em 9º não se ter concretizado, DD e EE, há mais de 60 anos e até à data da sua morte, ocorrida, respetivamente, em 30/12/2003 e 06/01/2007, habitaram na casa de habitação identificada em 5º, nela recebendo familiares e amigos e guardando os seus pertences e fazendo uso da corte e do terreno, o que tudo fizeram ininterruptamente até à data da sua morte, à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade, sem oposição e ignorando lesar quaisquer direitos de terceiros, incluindo sobre o prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º, sem prejuízo do relatado em 8º a 12º.

f) julgou não provados os seguintes factos:

a - DD e EE tivessem feito as entregas referidas em 10º e 11º ao Réu BB a título de doação;

b - Os Réus BB e/ou EE venham a agir sobre o prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º, pela forma descrita em 12º, convictos que exercem direito de propriedade sobre esse prédio e ignorando lesar quaisquer legítimos direitos de terceiros.

6. É justamente contra estas alterações que os Réus/Recorrentes se insurgem.

7. Da análise da fundamentação do acórdão recorrido decorre que a decisão se baseou na prova testemunhal, nas declarações de parte (que não se traduzem em confissão) e na prova documental. Encontrando-se todas elas sujeitas ao princípio da livre apreciação (arts. 376.º e 396.º do CC e 466.º, n.º 3, do CPC), trata-se de matéria não sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista.

8. O acórdão recorrido considerou igualmente uma declaração emitida por terceiro - MM. Traduzindo-se num documento particular, emitido por terceiro, não faz prova plena dos factos nele constantes (art. 376.º n.º 2, do CC). Esse documento foi também livremente apreciado pelo julgador, juntamente com a prova testemunhal. Essa declaração foi, de resto, interpretada em conformidade com os cânones hermenêuticos consagrados no art. 236.º do CC. Note-se, aliás, que este preceito não se consubstancia numa qualquer norma vinculativa de direito probatório, cuja violação determine a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, à luz do art. 674.º n.º 3, do CPC.

9. Baseando-se na prova documental e testemunhal constante dos autos, de forma fundamentada, o acórdão recorrido entendeu que os factos indicados estavam provados. Acresce que os Réus/Recorrentes não explicitam a concreta violação das normas de direito probatório plasmadas nos arts. 342.º e 1311.º do CC, que imputam ao acórdão recorrido, limitando-se a indicar, em termos genéricos e vagos, a existência dessa violação.

10. O Tribunal da Relação ….., na modificação da decisão da matéria de facto, atuou ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sem que houvesse inobservado qualquer disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 674.º, n.º 3, do CPC. Trata-se, portanto, de matéria que não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça.

11. Por força do art. 682.º, n.º 2, do CPC, no recurso de revista, o Supremo Tribunal de Justiça não pode alterar a decisão da matéria de facto, proferida pelo Tribunal recorrido, salvo no nas situações previstas no art. 674.º, n.º 3, do CPC[5].

12. É entendimento pacífico que compete ao Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal de revista, aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nos termos do art. 674.º, n.º 1, do CPC, enquanto cabe às instâncias, designadamente ao Tribunal da Relação, apurar aos factos relevantes para a decisão da causa. O Tribunal de revista não pode, via de regra, alterar a matéria de facto fixada pelas instâncias, salvo nos casos previstos no art. 674.º n.º 3 do CPC, conforme mencionado supra[6].

13. Em suma, não houve in casu ofensa de disposição legal expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (artigo 674.º, n.º 3, do CPC)

14. Recorde-se, nesta sede, que os factos compreendidos na declaração constante do documento particular apenas se consideram provados, em termos de prova plena, na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (art.º 376.º, n.º 2, do CC). Por outro lado, essa prova plena apenas tem lugar quando se trate de declaração produzida por uma das partes no confronto da outra, ou seja, não abrange os documentos continentes de declarações produzidas por terceiros, pois, neste caso, a respetiva prova fica sujeita à livre apreciação do Tribunal. Importa ainda referir que a força probatória plena atribuída pelo art. 376.º, n.º 1, do CC, se limita à materialidade, id est, à existência dessas declarações, não abrangendo a exatidão das mesmas[7].

15. Acresce que, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respetivos factos materiais.

16. Não podem, assim, os Réus/Recorrentes obter aqui a pretendida alteração da matéria de facto, que se mantém.

17. Por seu turno, no que respeita à prova testemunhal, a respetiva força probatória é apreciada livremente pelo Tribunal, nos termos previstos no art. 396.º do CC, pelo que um eventual erro na apreciação desse meio de prova não é sindicável no recurso de revista. Não se trata de prova legal vinculada passível de ser sindicada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mas antes e apenas de situações de alegado erro na apreciação da prova por parte do Tribunal da Relação …... O julgamento respeitante à demonstração, ou não, da materialidade controvertida com base em prova sujeita à livre apreciação do tribunal é da competência das instâncias.

18. Com efeito, é ao Tribunal da Relação que compete, em última instância, julgar de acordo com a sua livre convicção, formulando o seu próprio juízo de valoração das provas e devendo “alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa” (art.º 662.º, n.º 1, do CPC).

19. Os únicos limites à livre apreciação da prova encontram-se previstos no art. 607.º, n.º 5, do CPC, segundo o qual essa livre apreciação não abrange “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.

20. Não se tratando de nenhum caso da intervenção excecional – à luz do art. 674.º, n.º 3, do CPC -, nem sendo caso de violação de lei adjetiva, está vedado ao Supremo Tribunal de Justiça sindicar o modo como o Tribunal da Relação apreciou a impugnação da matéria de facto com base em meios de prova sujeitos à livre apreciação.

21. A prova a que se referem os Réus/Recorrentes estava, efetivamente, sujeita à livre apreciação pelo Tribunal da Relação, tal como tinha estado pelo Tribunal de 1.ª Instância. E estando em causa prova sujeita a livre apreciação, o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, no âmbito do disposto no art.º 662.º. n.º 1, do CPC é definitivo, não podendo ser modificado pelo Supremo Tribunal de Justiça[8].

22. Sendo definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, não cabe no âmbito do recurso de revista, nem nos poderes do Supremo Tribunal de Justiça, analisar a apreciação que as Instâncias fizeram da prova sujeita ao princípio da livre apreciação.


Do erro de julgamento

1. Por fim, sustentam os Recorrentes que o acórdão recorrido sofre de erro de julgamento e interpretação na matéria de direito, que o fere de nulidade, pelo que deveria ter-se mantido a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância. Para o efeito, defendem que a matéria de facto deveria ser alterada nos termos por si propostos.

2. Em virtude do referido supra, em ordem a verificar a (in)existência de erro de julgamento, a matéria de facto a considerar é a que resulta do acórdão recorrido:

Factos provados:

1. Por escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a fls. 146 V, do livro notas para escrituras diversas n.º ….., do Cartório Notarial de ....., os Réus BB e esposa CC declararam, designadamente, que:

“são donos e legítimos possuidores, em comum, com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito na Estrada ….., no lugar de ......, na freguesia e concelho de ....., composto de casa de habitação de rés-do- chão e primeiro andar, com área de 96,38 m2, não descrito na Conservatória do Registo Predial de ..... e inscrito na matriz respetiva em nome do justificante marido sob o artigo ...., com o valor patrimonial de 7.960 euros. Que não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio de tal prédio, que adveio à sua posse, já no estado de casados, por volta do ano de mil novecentos e oitenta e cinco, por doação feita sobe a forma meramente verbal pelos pais do justificante marido, DD e mulher EE, residentes no referido lugar de ......”. Que, não obstante isso, têm usufruído tal prédio, cuidando do seu arranjo, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, com animo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos, como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém - e tudo isto por lapso de tempo superior a vinte anos.”

2. Em 25.10.2010, o Autor AA intentou a ação de processo sumário n.º 340/10….. contra os Réus BB e esposa CC, peticionando:

“a) Ser declarado impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de 11 de maio de 2007, por os Réus não terem adquirido o prédio nela identificado, correspondente ao do art. 9.º, desta petição inicial, por doação verbal e/ou por usucapião;

b) Ser declarado, em consequência, que eram falsas as declarações prestadas e constantes da escritura de justificação notarial de 11 de maio de 2007, exarada a fls. 145 e seguintes do Livro ….., em uso, ao tempo, no Cartório Notarial de .....;

c) Ser declarada ineficaz, e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os Réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado e objeto da presente impugnação;

d) Seja ordenado o cancelamento de quaisquer registos operados com base no documento aqui impugnado;

e) Seja declarado que o prédio identificado no artigo 9.º desta petição pertence à herança aberta e ilíquida de DD e mulher, EE, avós do Autor e Pais do Réu marido.

f) Serem os Réus condenados solidariamente a pagar ao Autor, na qualidade em que intervém, uma indemnização condigna pelos danos e prejuízos materiais e morais que lhe causaram, a liquidar em execução de sentença.”

3. Por sentença proferida no âmbito da ação indicada em 2), em 19.5.2013, transitada em julgado em 12.11.2016, assentou-se como provado, designadamente, o seguinte facto:

“(…) 4. Por escritura pública de justificação notarial de 11 de maio de 2007, lavrada de fls. 145 a fls. 146 v º do livro notas para escrituras diversas n.º …., do Cartório Notarial de ....., os Réus declararam: “são donos e legítimos possuidores, em comum, com exclusão de outrem, do prédio urbano, sito na Estrada ……, no lugar  ......, na freguesia e concelho de ....., composto de casa de habitação de rés-do- chão e primeiro andar, com área de 96,38 m2, não descrito na Conservatória do Registo Predial  ..... e inscrito na matriz respetiva em nome do justificante marido sob o artigo …69, com o valor patrimonial de 7.960 euros. Que não são detentores de qualquer título formal que legitime o domínio de tal prédio, que adveio à sua posse, já no estado de casados, por volta do ano de mil novecentos e oitenta e cinco, por doação feita sob a forma meramente verbal pelos pais do justificante marido, DD e mulher EE, residentes no referido lugar de ......”. Que, não obstante isso, têm usufruído tal prédio, cuidando do seu arranjo, gozando de todas as utilidades por ele proporcionadas, com animo de quem exercita direito próprio, sendo reconhecidos, como seus donos por toda a gente, fazendo-o de boa fé, por ignorar lesar direito alheio, pacificamente, porque sem violência, continua e publicamente, à vista e com conhecimento de toda a gente e sem oposição de ninguém - e tudo isto por lapso de tempo superior a vinte anos (...).”

4. Em sede da sentença referenciada em 3), decidiu-se:

“Nos termos e pelos fundamentos expostos, decido julgar a presente ação procedente e, em consequência:

a) Declaro que os RR. não adquiriram o direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 4 da matéria de facto provada, supra, consoante declarado na escritura de justificação notarial celebrada pelos mesmos no dia 11-05-2007, também referida no mesmo ponto da matéria de facto;

b) Declaro que a escritura referida em a), supra, não tem qualquer efeito no que respeita ao prédio identificado no ponto 4 da matéria de facto provada;

c) Ordeno o cancelamento da inscrição registral da aquisição do direito de propriedade sobre o prédio identificado no ponto 4 da matéria de facto provada, descrito na Conservatória do Registo Predial  ..... sob o n.º 2159/…., supra, realizada com fundamento na escritura de justificação notarial acima mencionada, mediante a apresentação 1 de 27-06-2007 (cfr. fls. 46).

d) Ordeno a comunicação da presente sentença, após respetivo trânsito em julgado, ao Cartório Notarial  ....., com cópia de fls. 32 a 36, que respeitam à escritura pública em referência;

e) Ordeno a comunicação da presente sentença, após respetivo trânsito em julgado, à Conservatória do Registo Predial  ....., com cópia de fls. 32 a 36, que respeitam à escritura pública em referência, ao abrigo dos arts. 3º, n.º 1, als. b) e c), e 8º-B, n.º 3, al. a), do Cód. Do Registo Predial.”

5. Há mais de 60 anos, EE declarou comprar aos seus irmãos não concretamente identificados um prédio não descrito na Conservatória do Registo Predial  ....., sito na Rua Estrada ……, em ......, constituído por casa de habitação, espaço denominado por “Casa da …..” (arrumos), espaço denominado por “….” (arrumos) e terreno de cultivo.

6. Posteriormente, EE e DD, edificaram no “terreno de cultivo” um espaço destinado à recolha de animais.

7. Em 16/09/1982, DD requereu junto da Câmara Municipal de ..... uma licença de obras para construção de um 1.º andar, na sua casa rés-do-chão, tendo procedido à edificação de um 1.º andar sobre o predito espaço destinado à recolha de animais.

8. O prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º é composto pela antiga corte que se encontra identificada em 6º e 7º e por uma parcela de terreno, onde os Réus BB e CC, vieram a construir em finais de 1980/inícios de 1990 uma garagem/aumento, corte e terreno esse que integravam o prédio identificado em 5º.

9. Por volta de 1981, os pais do Réu BB, DD e EE, acordaram verbalmente com os seus filhos em proceder à partilha dos seus imóveis pelos últimos, o que estes aceitaram.

10. Na mesma ocasião, DD e EE acordaram verbalmente com o Réu BB em entregar-lhe a corte identificada em 8º, por conta da aludida partilha, o que o mesmo aceitou, vindo a transformar essa corte em oficina de .... e a suportar o custo da construção do 1º andar identificado em 7º.

11. Nos finais de 1980/inícios de 1990, os identificados DD e EE, dentro desse mesmo acordo referido em 10º, entregaram ao Réu BB a parcela de terreno identificada em 8º, a fim deste aí construir a garagem/aumento.

12. Os Réus BB casaram em 24/08/1985 e desde então habitam o 1º andar identificado em 7º, recebendo nele familiares e amigos e exercendo o Réu BB na oficina de .... a sua atividade  ...., guardando nessa oficina, no 1º andar e na garagem/aumento identificados em 10º e 11º lenhas, madeiras, ferramentas agrícolas e de carpintaria, o que fazem ininterruptamente, à vista de toda a gente, na convicção de que na partilha das heranças abertas por óbito de DD e EE o prédio identificado na escritura de justificação identificada em 1º lhes será adjudicado.

13. Na sequência da partilha em vida com os filhos referida em 9º não se ter concretizado, DD e EE, há mais de 60 anos e até à data da sua morte, ocorrida, respetivamente, em 30/12/2003 e 06/01/2007, habitaram na casa de habitação identificada em 5º, nela recebendo familiares e amigos e guardando os seus pertences e fazendo uso da corte e do terreno, o que tudo fizeram ininterruptamente até à data da sua morte, à vista de toda a gente, na convicção de quem exerce direito próprio de propriedade, sem oposição e ignorando lesar quaisquer direitos de terceiros, incluindo sobre o prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º, sem prejuízo do relatado em 8º a 12º.

Factos não provados:

a - DD e EE tivessem feito as entregas referidas em 10º e 11º ao Réu BB a título de doação;

b - Os Réus BB e/ou EE venham a agir sobre o prédio identificado na escritura de justificação notarial identificada em 1º, pela forma descrita em 12º, convictos que exercem direito de propriedade sobre esse prédio e ignorando lesar quaisquer legítimos direitos de terceiros”.

3. Perante a matéria de facto relevante, o acórdão recorrido não parece merecer qualquer censura.

4. Na verdade, trata-se de ação declarativa de mera apreciação positiva, em que o Autor pretende se declare direito de propriedade da herança aberta por óbito de DD e de EE sobre o prédio em apreço, com base em usucapião (arts. 1316.º e 1287.º e ss. do CC). Ficou provado que os de cujus, há mais de 60 anos, depois de adquirirem verbalmente aos irmãos da EE o terreno identificado em 5. e de acordaram com os filhos proceder à partilha em vida dos seus imóveis, combinaram verbalmente com o Réu BB entregar-lhe a corte identificada em 8., por conta da referida partilha, o que o mesmo aceitou; que o Réu BB veio a realizar obras nessa corte a suas expensas, bem como a construção do 1.º andar, em oficina de .... e a suportar o custo da construção do 1º andar identificado em 7º. Mais ficou provado que os de cujus, desde há 60 anos e até à sua morte, em 2003 e 2007, sempre habitaram na casa referida em 5., na convicção de estarem a exercer um direito próprio (facto provados ob o n.º 13), e que a partilha projetada em vida nunca foi efetuada.

5. “(…) a posse, por certo lapso de tempo e com certas características, conduz ao direito real que indica. É o fenómeno da usucapião, definido no art.º 1287º do Código Civil. A usucapião opera para o beneficiário que a invoca com êxito, a transformação de um estado de facto em situação jurídica consolidada.

É sabido que a posse é integrada por dois elementos - o corpus e o animus - o primeiro a constituir o domínio de facto sobre a coisa e, o segundo, a significar a intenção de exercer sobre a coisa o direito real correspondente àquele domínio de facto, sendo que a prova deste último elemento pode resultar de uma presunção, ou seja, a existência do corpus faz presumir a existência do animus - artºs. 1251º e 1252º do Código Civil – neste sentido, o Acórdão Uniformizador de Jurisprudência proferido em 14 de Maio de 1996, ao fixar jurisprudência no sentido de que: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.[9].

6. O Autor logrou cumprir o ónus que sobre si recaía de provar o corpus e o animus da posse sobre o imóvel em apreço (facto provado sob o n.º 13), não tendo os Réus/Recorrentes abalado a correspondente convicção formada no acórdão recorrido.

7. Por conseguinte, o Autor provou os pressupostos da aquisição do direito de propriedade por usucapião (art. 1287.º do CC) pelos seus avós, designadamente o uso da coisa e a fruição das suas utilidades, a utilização do imóvel em seu proveito (o corpus) e a intenção de exercer o direito de propriedade sobre o imóvel (o animus) (art. 1251.º do CC), durante o período de tempo legalmente estabelecido. “Corpus é o exercício de poderes de facto que intende uma vontade de domínio, de poder jurídico-real. Animus é a intenção jurídico-real, a vontade de agir como titular de um direito real, que se exprime (e hoc sensu emerge ou é inferível) em (de) certa atuação de facto. É essa inferência ou correspondência que se acentua no artigo 1251.º[10].

8. A jurisprudência dominante preconiza uma conceção subjetiva da posse, exigindo a demonstração da vontade de atuar como titular do direito. Contudo, a suficiência da prova de um poder de facto e a inerente presunção possessória, supletivamente correspondente ao direito de propriedade, encontra apoio nos arts. 1252.º, n.º 2, e 1253.º, al. c), in fine, do CC[11]. Na verdade, em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto. Sendo necessário o corpus e o animus, o exercício do primeiro faz presumir a existência do último[12]. Também, conforme o AUJ de 14 de maio de 1996[13], “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”. O animus está presente no art. 1251.º, embora presumido[14].

9. Segundo o Tribunal da Relação …., da prova produzida resulta a probabilidade séria de verificação dos respetivos factos constitutivos – designadamente o corpus (o poder de facto sobre o imóvel, a prática de atos materiais sobre a coisa) que permite presumir o animus (a vontade de agir como titular do direito de propriedade) -, verificando-se o requisito fumus boni juris (“aparência do bom direito”)[15]. O Autor provou que os seus Avós tomavam as refeições, dormiam, recebiam amigos e familiares no imóvel em causa, que tinham o direito de o gozar plenamente, assumindo a totalidade dos encargos correspondentes, que agiam na convicção de que eram proprietários e assim era tido por todos. Assim, o Autor provou que os de cujus se comportavam em relação ao imóvel como se fossem seus proprietários, não só sob o ponto de vista do poder de facto, mas também com a intenção de se conduzirem como titulares desse direito.

10. Foi também considerado provado que o os Réus ocupam o imóvel identificado em 8., que integra aquele identificado em 5., porque os seus pais o permitiram, sendo sua vontade que, em partilhas, o imóvel ocupado pelos Réus fosse adjudicado ao Réu marido. Este facto em nada contende com o corpus e o animus da posse dos de cujus, provados nos autos, pelo que nenhuma censura merece o acórdão recorrido.


IV – Decisão

Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto por BB e Mulher, CC, rejeitando-se as nulidades por si invocadas e confirmando-se o acórdão nos seus precisos termos.

Custas pelos Recorrentes.


Lisboa, 8 de junho de 2021.


Sumário: 1. Impõe-se distinguir entre causas de invalidade da decisão judicial (art. 615.º do CPC) e erro de julgamento da matéria de facto (art. 662.º do CPC), que é limitadamente sindicável pelo STJ (art. 674.º, n.º 3, do CPC), e erro de julgamento na apreciação do direito, amplamente sindicável pelo STJ (art. 674.º n.º 1, al. a), do CPC). 2. O juiz não pode, sob pena de nulidade, condenar em objecto diverso do que foi pedido (arts. 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC). O tribunal não condena em objeto diverso do pedido (pronúncia ultra petitum) quando reconhece que o direito de propriedade integra a herança indivisa de pessoa já falecida ao tempo da propositura da ação, em lugar de reconhecer o direito de propriedade da pessoa falecida. 3. Salvo aquelas que sejam de conhecimento oficioso, o juiz não deve apreciar questões não submetidas ao seu conhecimento, sob pena de incorrer em excesso de pronúncia. 4. A nulidade por falta de fundamentação pressupõe uma total ausência de fundamentação de facto e/ou de direito. 5. No caso de o TR, na modificação da decisão da matéria de facto, atuar ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, sem que inobserve qualquer disposição legal expressa que exija certa espécie de prova para a existência de facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 674.º, n.º 3, do CPC), a decisão não é sindicável pelo STJ. 6. A jurisprudência dominante preconiza uma conceção subjetiva da posse, exigindo a demonstração da vontade de atuar como titular do direito. Contudo, a suficiência da prova de um poder de facto e a inerente presunção possessória, supletivamente correspondente ao direito de propriedade, encontra apoio nos arts. 1252.º, n.º 2, e 1253.º, al. c), in fine, do CC. Em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto.


Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães – que votou a decisão - e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio).

Maria João Vaz Tomé (relatora)

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[1] Cf. José Lebre de Freitas, A Acção declarativa comum à luz do Código Revisto, Coimbra, Coimbra Editora, 2010 (Reimpressão), p.299; Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p.675.
[2] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2019 (Oliveira Abreu), proc. n.º 2827/14.7T8LSB.L1.S1.
[3] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de abril de 2019 (Fernando Samões), proc. n.º 2296/17.0T8LRA.C2.S1.
[4] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de fevereiro de 2020 (Rosa Ribeiro Coelho), proc. n.º 14/15.6T8TCS.C1.S1.
[5] Cf. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020, pp.452 e ss..
[6] Vide, inter alia, acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de janeiro de 2019 (Ana Paula Boularot), proc. n.º 3696/16.T8VIS.C1.S1; de 22 de março de 2018 (Rosa Tching), proc. n.º 2183/14.3TBPTM.E2.S1.
[7] Vide, inter alia, Antunes Varela/J. M. Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, p.523; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de novembro de 2005 (Araújo Barros), proc. n.º 05B3318 - disponível para consulta in www.dgsi.pt; de 18 de abril de 2002 (Ferreira de Almeida), proc. n.º 717/02; e de 21 de abril de 2005 (Oliveira Barros), proc. n.º 522/05.
[8] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13/9/2018, proferido no processo n.º 33/12.4TVLSB-A.L1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt.
[9] Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de fevereiro de 2019 (Oliveira Abreu), proc. n.º 19/14.4T8VVD.G1.S1.
[10] Cfr. Orlando de Carvalho, Direito das Coisas (coordenação de Francisco Liberal Fernandes, Maria Raquel Guimarães, Maria Regina Redinha), Coimbra, Coimbra Editora, 2012, p.267.
[11] Cfr. Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, p.298.
[12] Cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Direitos Reais, por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Coimbra, Almedina, 1975, p.191.
[13] Publicado no Diário da República, II Série, n.º 144/96, de 24 de junho de 1996, pp.8409 e ss..
[14] Cfr. Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2017, p.299.
[15] Cfr. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra, Almedina, 2018, pp.682-683.