A reprodução nas conclusões, ainda que parcial, da motivação das alegações não equivale a “falta de conclusões”, pelo que não dá lugar a imediata rejeição do recurso, nos termos do art.º 641.º, n.º 2, al. b), do CPC, mas a convite ao aperfeiçoamento, como disposto no art.º 639.º, n.º 3, do mesmo Código.
I. Relatório
AA instaurou, em 22/5/2018, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra o Banco Comercial Português, S.A., ambos melhor identificados nos autos, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 37.976,37 €, com fundamento em enriquecimento sem causa, por este ter recebido a quantia de 75.952,74 €, penhorada na acção executiva n.º 24854/09……, que correu termos no …. Juízo de Execução …., e que não devolveu, não obstante a instância ter sido extinta por deserção, na sequência da morte do ali executado BB, seu pai, de quem também é filho o outro executado CC, seu irmão, sendo ambos os únicos herdeiros daquele.
O réu contestou, excepcionando a ilegitimidade activa por preterição do sucessor CC, e por impugnação motivada afirmando que é credor do BB em montante superior à quantia que recebeu, pelo que não existe qualquer enriquecimento injustificado, concluindo pela improcedência da acção.
O autor ampliou o pedido formulado, pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia total entregue no processo executivo, no montante de 75.952,74 €, e requereu a intervenção principal activa do outro herdeiro de BB.
A requerida ampliação do pedido foi admitida, assim como foi admitida a intervenção de CC, sendo que este foi, entretanto, declarado insolvente.
Nessa sequência, foi a massa insolvente de CC citada, na pessoa do respectivo Administrador Judicial.
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, onde foi julgada improcedente a excepção da ilegitimidade activa, por ter ficado suprida com a intervenção do terceiro chamado, e declarada a validade e regularidade da instância.
E, conhecendo, de imediato, do mérito, foi a acção julgada improcedente, com absolvição da ré dos pedidos, por falta de verificação dos pressupostos do enriquecimento sem causa, por sentença de 25/11/2019.
Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação e apresentou as respectivas alegações com as seguintes (transcritas) conclusões:
“1. Resulta o presente recurso interposto da douta sentença proferida a fls..., que decidiu julgar a presente ação deduzida pelo Autor e pelo Interveniente Principal improcedente, alegando, em síntese que, “(...) forçoso é considerar que o Autor e o interveniente principal nunca lograriam provar, no âmbito da causa de pedir pelos mesmos invocada, que o enriquecimento do Réu não teve causa que o justificasse, não se justificando, por isso, o prosseguimento dos autos”.
2. Salvo melhor opinião, o Autor não pode concordar, de todo, com a decisão ora recorrida, uma vez que esta decisão só poderá ter ocorrido devido a mero lapso do “juiz a quo”, lapso este devido a má interpretação dos factos e do direito da presente ação.
3. Para além dos factos dados como provados, o Autor, após a analise dos mesmos, verificou que o “juiz a quo” não deu como provado a data do falecimento do executado BB, nem deu como provada a outorga e escritura da “Habilitação de Herdeiros” por óbito deste executado, factos estes constantes da escritura pública de “Habilitação de Herdeiros”, documento autêntico este apresentado pelo Autor (doc. n.º 3 da petição inicial).
4. Assim, requer-se a V. Ex.as que decidam introduzir um novo facto dado como provado com o seguinte texto: “O pai do Autor veio a falecer em 22/01/2015, tendo o Autor, como cabeça de casal por morte de seu pai, outorgado escritura de “Habilitação de Herdeiros” por óbito de seus pais em 29/05/2015 na Notária DD, em que são herdeiros o ora Autor e seu irmão CC.”.
5. Igualmente, o Meritíssimo “juiz a quo” deu como provado o facto n.º 17 (“Por despacho de 06/06/2017, atenta a extinção da execução, foi a instância relativa aos “Embargos de Terceiro” intentados por AA julgada extinta, por inutilidade superveniente.”. O “juiz a quo” não deu como provado toda a sentença proferida nesses embargos de terceiro (constante de certidão judicial), mas somente a sua conclusão, que foi ser julgado os referidos embargos por inutilidade superveniente.
6. Ora, é importante o conteúdo dessa sentença, uma vez que a mesma explica a causa dessa mesma inutilidade superveniente. Assim, requer-se a V. Ex.as que seja acrescentado ao facto provado n.º 17 o seguinte conteúdo: “(...) da lide, devido à sentença proferida nos autos principais, já transitada em julgado, que julgou extinta a execução, o que tem por consequência o levantamento de todas as penhoras efectuadas.”.
7. Estamos perante uma ação executiva instaurada no passado ano de 2009, sendo que no dia 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
8. Por força do disposto do Artigo 6º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o n.º 5 do atual Artigo 281º do C.P.C., aplica-se, imediatamente, às ações executivas pendentes, como é o caso da ação executiva referida nestes autos.
9. O Meritíssimo “juiz a quo” improcedeu a ação interposta pelo Autor, em que a causa de pedir era e continua ser o enriquecimento sem causa por parte do Réu ao não devolver as quantias penhoradas nos autos executivos, alegando que o Réu tinha causa justificativa para não devolver essas quantias (ser portador de uma livrança, que não foi impugnada), inexistindo, assim, os três requisitos cumulativos para que exista enriquecimento sem causa.
10. Ora, o Meritíssimo “juiz a quo” não tem razão.
11. Em 22/01/2014, o ora Autor, interpôs por apenso aos autos executivos “Embargos de Terceiro” (facto provado n.º 11).
12. O Artigo 347º do C.P.C. dispõe que: “O despacho que receba os embargos determina a suspensão dos termos do processo em que se inserem, quanto aos bens a que dizem respeito (...)”.
13. Portanto, até haver decisão dos “Embargos de Terceiro”, a ação executiva deveria ter estado suspensa, o que não aconteceu, e, portanto, a entrega das quantias penhoradas ao Réu em 02/10/2015 (facto provado n.º 14) não poderia ter sido efetuada, uma vez que o processo estava suspenso até à decisão dos embargos e já tinha sido requerida, em 13/07/2015, a suspensão por morte do executado BB (facto provado n.º 13).
14. A entrega das quantias penhoradas ao exequente foi um acto ilícito, em face da lei adjectiva.
15. No caso dos autos, a instância executiva estava suspensa desde 20/06/2014 (despacho de admissão dos embargos de terceiro) e em 27/10/2015, em virtude do óbito do executado BB, pai do ora Autor, houve despacho de suspensão da instância face ao óbito deste executado.
16. Face ao óbito do Executado/Pai do Autor, o ora Réu requereu a “Habilitação de Herdeiros” do “de cujus”, que foi liminarmente indeferida e desde a notificação deste despacho de indeferimento que o Réu mais nada disse ou requereu.
17. Face á falta de impulsionamento do processo, o Meritíssimo Juiz julgou a instância executiva extinta por deserção.
18. Face a esta decisão de deserção da instância executiva, todas as penhoras efetuadas nesses autos, deveriam, obrigatoriamente, ter sido levantadas, o que não aconteceu no presente caso.
19. Na verdade, a Agente de Execução entregou ao Exequente as quantias penhoradas nos autos, apesar desta penhora estar a ser contestada por “Embargos de Terceiro”, deduzidos pelo ora Autor, como acima se referiu, praticando, assim, um acto ilícito.
20. Portanto, este pagamento efetuado ao Exequente foi indevido, uma vez que se encontrava pendente, por apenso, “Embargos de Terceiro”, que impugnavam a titularidade dos valores mobiliários penhorados, não podendo essas quantias serem entregues ao Exequente, enquanto a decisão desses embargos não fosse decidida e transitada em julgado.
21. Tendo o Exequente recebido estas quantias, indevidamente, teve um benefício não consentido por lei, porque decorria os termos dos embargos de terceiro, e os autos executivos deveriam estar suspensos e não haver entregas ao exequente, o que consubstancia um caso de enriquecimento ilegítimo.
22. Na prática, seria estar a recompensar a inacção processual do exequente, porque não promoveu, como deveria ter feito e era o seu ónus, a regular e legal tramitação processual, tendo-se limitado, simplesmente, a “nada fazer”, porquanto o dinheiro já estava do seu lado, mesmo a título ilegítimo.
23. A partir do momento em que a instância executiva foi julgada deserta, por inação e culpa do exequente, a causa justificativa de ser portador de uma livrança não paga deixa de existir, porque essa instância foi deserta por culpa única e exclusiva do ora Réu.
24. Portanto, existe a obrigação de restituir o que foi indevidamente recebido.
25. A obrigação de restituir fundada no injusto locupletamento, à custa alheia, pressupõe, como resulta do Artigo 473º, nº 1 do Código Civil, a verificação simultânea de três requisitos: a existência de um enriquecimento; obtenção deste à custa de outrem; e falta de causa justificativa dessa valorização patrimonial.
26. O enriquecimento representa uma vantagem ou benefício, de carácter patrimonial, produzido na esfera jurídica da pessoa obrigada à restituição e traduz-se numa melhoria da sua situação patrimonial.
27. A vantagem patrimonial obtida por alguém tem como contrapartida, em regra, uma perda ou empobrecimento efetivo de outrem, ou seja, ao enriquecimento de um corresponde o empobrecimento de outro.
28. Numa palavra, enquanto o património de um valoriza, aumenta ou deixa de diminuir, com o outro dá-se o inverso: desvaloriza, diminui ou deixa de aumentar.
29. Ao contrário do que o Meritíssimo “juiz a quo” decidiu (que existia causa justificativa para a entrega das quantias penhoradas, porque o exequente era portador de uma livrança não paga), o Autor defende que essa deslocação patrimonial, quando foi realizada, não teve causa justificativa, porque emergiu de um acto ilegal (a entrega de quantias penhoradas, quando a instância executiva estava suspensa, devido ao recebimento dos embargos de terceiro) e por isso, obriga à restituição que tem por objeto o que for, indevidamente, recebido, ou o que for recebido, por virtude de uma causa que deixou de existir (artigo 473º, n.º 2, do Cód. Civil).
30. Portanto, o exequente foi beneficiado por um acto ilegal e dar provimento a esta exceção alegada pelo Réu (de existir causa justificativa), estamos perante uma recompensa injustificada, porque a ela não tinha direito.
31. Existem três situações especiais de enriquecimento desprovido de causa: condictio in debiti (repetição do indevido), condictio ob causam finitam (enriquecimento por virtude de causa que deixou de existir) e condictio ob causam datorum (enriquecimento derivado da falta de resultado previsto).
32. A noção de “falta de causa do enriquecimento” é, contudo, muito controvertida e difícil de definir, contudo pode dizer-se que «o enriquecimento carece de causa”, quando o Direito o não aprova ou consente, porque não existe uma relação ou um facto que, de acordo com os princípios jurídicos, justifique a realizada deslocação patrimonial, devendo se restituir o recebido.
33. No presente caso, provou-se que os valores mobiliários penhorados na ação executivos foram transferidos para o ora Réu indevidamente, uma vez que estava pendente, por apenso, á instância executiva, “Embargos de Terceiro”, interpostos pelo ora Autor, em que se impugnava a titularidade dos valores penhorados.
34. Face á pendência desta ação, os valores penhorados nunca deveriam ter sido entregues ao ora Réu, existindo obrigação de restituir, uma vez que não existiu causa para essa deslocação patrimonial.
35. E mesmo que tivesse existido causa para essa deslocação patrimonial (instância executiva sem qualquer tipo de oposição), a partir do momento em que a instância executiva é julgada deserta por culpa única e exclusiva do ora Réu, pela falta de impulsionamento processual deste, deixa de existir causa para este enriquecimento, uma vez que a ação executiva se extinguiu por sua única e exclusiva culpa.
36. Portanto, ocorreu uma efetiva deslocação patrimonial em benefício do Réu em detrimento do ora Autor e da massa insolvente de CC, estando preenchidos todos os requisitos para existência de enriquecimento sem causa por parte do Réu, pelo que a presente ação só teria que proceder e o Réu ser condenado a pagar 50% das quantias recebidas ao ora Autor e os restantes 50% à massa insolvente de CC.
37. Face ao supra exposto, requer-se a V. Ex.as se dignem alterar a decisão proferida pelo Meritíssimo “juiz a quo”, decidindo pela total procedência do pedido do Autor e assim se fará a costumada JUSTIÇA!!!!”
O apelado apresentou contra-alegações nas quais pugna pela rejeição do recurso de apelação por “falta” de conclusões, ou, em todo o caso, pela sua improcedência.
Subidos os autos ao Tribunal da Relação …., a Ex.ma Relatora a quem o processo foi distribuído, por decisão de 4/11/2020, rejeitou o recurso interposto por entender que “as alegações apresentadas não contêm conclusões, na concepção exigida pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil”.
Notificado de tal decisão, o apelante requereu que sobre a matéria da decisão singular recaísse acórdão, nos termos do disposto no art.º 652.º, n.º 3 do CPC.
Em conferência, o respectivo colectivo do Tribunal da Relação, por acórdão de 11/3/2021, deliberou manter aquela decisão singular.
Ainda irresignado, o autor interpôs recurso de revista desse acórdão e apresentou a respectiva alegação com as seguintes conclusões:
“1. Resulta o presente recurso interposto do douto acordão proferido em sede de reclamação para a conferência, a fls..., ao abrigo do disposto nos artigos 652º n.º 3 e 4 do C.P.C., que decidiu em manter a decisão singular da Juíza Desembargadora “EE”, acordão este que aqui se dá aqui por integralmente reproduzido;
2. Salvo o devido respeito por posição diversa, o recorrente não pode concordar, com o douto acordão proferido em conferência, que ora se recorre, por haver oposição de julgados, entre o acordão recorrido e vários acordãos do Supremo Tribunal de Justiça,
3. Pelo que o presente Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em contradição/oposição de julgados, nos termos dos Artigos 629º n.º 2 alínea d), é uma exceção à regra existente de que o acórdão da Relação que indefere uma reclamação contra um despacho do relator que não admite a apelação, não cabe na previsão do n.º 1 do artigo 671º do C.P.C..
4. Esta exceção dispõe que o recurso de revista é sempre admissível se estiverem preenchidas algumas das alíneas do n.º 2 do artigo 629º do C.P.C..
5. O recorrente não concorda, de todo, com o douto acordão proferido em conferência no Tribunal da Relação, uma vez que este acordão está em contradição com diversos acordãos do Supremo Tribunal de Justiça sobre a mesma questão fundamental de direito – se a repetição das alegações de direito nas conclusões as tornam inexistentes – jurisprudência esta defendida pelas “Relações”.
6. O recorrente sabe e tem noção que as conclusões do requerimento de recurso de apelação, interposto da douta sentença do tribunal “a quo” não são, de todo, perfeitas, mas não são a reprodução integral das alegações de recurso.
7. Por isso a Juíza Desembargadora deveria ter admitido o recurso de apelação e apreciado o seu mérito, ou deveria ter convidado o recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, o que não fez, rejeitando, de imediato, o recurso, alegando que a ineficiência das conclusões, leva à inexistência das mesmas.
8. Apesar da existência desta jurisprudência da relação, é prática forense duplicar-se o texto das alegações, sem se apresentarem verdadeiras conclusões, situação que, muitas vezes ocorre, quando os advogados têm muitos prazos a cumprir, mas também poderá dever-se ao receio de que o tribunal, também ele com a pressão dos processos serem céleres, não leia senão as conclusões.
9. Ainda que V. Ex.as entendam que as conclusões formuladas pelo recorrente são deficientes e suscetíveis de maior síntese, sempre o recorrente deveria ter sido convidado a corrigir as conclusões apresentadas, nos termos previstos no n.° 3 do Artigo 639° do C.P.C..
10. Tem entendido a doutrina e a jurisprudência que, ainda que sejam absolutamente omissas as conclusões, há casos em que as alegações, sucintas e bem fundamentadas, valem como conclusões.
11. Tal operação revelaria que as alegações se encontram formuladas de forma apropriada a serem entendidas como verdadeiras conclusões e, por isso, seria inaplicável o radical efeito da rejeição do recurso.
12. No caso presente, encontram-se, efetivamente, delimitadas as conclusões do recurso, que poderão reproduzir a maior parte do corpo alegatório, mas existem, efetivamente, conclusões, que conferiram sentido e alcance ao recurso.
13. A equivalência que o acordão da relação faz, considerando não haver conclusões, pelo facto delas serem a reprodução das alegações, parece ser demasiado excessivo, violando, assim, alínea a) do n.º 1 do Artigo 652º do C.P.C. e, por isso, deveria ter sido julgado o mérito do recurso interposto da sentença de 1ª instância.
14. A verdade é que o recorrente não merece sanção tão grave, como a rejeição do recurso de apelação, porque o recurso contém, efectivamente, conclusões.
15. Com o devido respeito, as alegações apresentadas pelo recorrente não evidenciam um vício irremediável que não justifique a apreciação do mérito do recurso ou até mesmo um despacho de aperfeiçoamento.
16. Só depois da formulação de tal convite de aperfeiçoamento e do seu eventual não acolhimento pelo recorrente, é que a rejeição do recurso seria de ponderar.
17. O douto acordão recorrido está em contradição com diversos acordãos do Supremo, sobre esta mesma questão fundamental de direito - se a repetição das alegações de direito nas conclusões as tornam inexistentes -, sendo que é totalmente contrário ao entendimento que vem sendo acolhido pelo Supremo Tribunal de Justiça, vide:
a. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13.7.2017 – Proc. 818/07.3TBAMD.L1.S1;
b. - Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.01.2016 – Processo n.º 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1;
c. Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.11.2018 – Processo n.º 28107/15.2T8LSB.L1.S1;
d. - Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.04.2017– Processo n.º 297/13.6TTTMR.E1.S1;
18. E face à contradição de julgados, como se invocou supra como fundamento do presente recurso de revista, existe, efetivamente, contradição entre o acordão da relação ora recorrido e os doutos acordão acima indicados, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629º do C.P.C..
19. Pelo que o douto acordão da relação deverá ser revogado por V. Ex.as Senhores Juízes Conselheiros, determinando-se a remessa dos autos à Relação …., para que admita o recurso interposto da decisão da 1ª instância e em consequência aprecie o mérito da apelação,
20. ou, subsidiariamente, deverá ser revogada a douta decisão recorrida, determinando-se a remessa dos autos à Relação …. para que seja formulado convite ao recorrente para aperfeiçoar as suas conclusões, identificando todos os vícios que, no entender do colectivo da relação, se verificam, com o que farão V. Ex.as Senhores Drs. Juízes Conselheiros a costumada “JUSTIÇA!”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de revista, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, modo de subida e efeito que foram mantidos pelo Relator no despacho liminar que apreciou a contradição invocada para a sua admissibilidade.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do presente recurso.
Face às conclusões do recurso de revista que, como é sabido, nos termos dos art.ºs 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, todos do CPC, delimitam o seu objecto e tendo presente que se apreciam questões e não razões, a única questão que importa dirimir consiste em saber se a reprodução das alegações nas conclusões equivale a “falta de conclusões”, determinante da rejeição do recurso de apelação.
II. Fundamentação
1. De facto
Os factos a considerar na decisão do recurso são os resultantes do antecedente relatório, já que outros não foram dados como provados no acórdão recorrido.
2. De direito
O art.º 639.º do Código de Processo Civil, na parte que ora interessa, dispõe:
“1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 -….
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas não se tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - …
5 -…”.
E estabelece o n.º 2 do art.º 641.º do mesmo Código que o requerimento de interposição de recurso é “indeferido” quando a alegação do recorrente “não tenha conclusões” [al. b)].
A sanção prevista neste normativo inclui apenas, para além da falta de alegações (que aqui não importa considerar) a “falta absoluta” ou “total omissão de conclusões”[3].
As conclusões são “proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação”[4]. São “proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, por que (o recorrente) pede a alteração ou anulação da decisão”, surgindo como ónus que lhe é imposto depois de expor, “no corpo da alegação, as razões de facto e de direito da sua discordância com a decisão impugnada”[5].
As conclusões têm importante função delimitadora do objecto do recurso, como resulta do disposto no art.º 635.º, n.º 3, do CPC.
“As conclusões são deficientes designadamente quando não retratem todas as questões sugeridas pela motivação (insuficiência), quando revelem incompatibilidade com o teor da motivação (contradição), quando na mesma não encontrem apoio, surgindo desgarradas (excessivas), quando não correspondam a proposições logicamente adequadas às premissas (incongruentes) ou quando surjam amalgamadas, sem a necessária discriminação, questões ligadas à matéria de facto e questões de direito (confusas).
Obscuras serão as conclusões formuladas de tal modo que se revelem ininteligíveis, de difícil inteligibilidade ou que razoavelmente não permitam ao recorrido ou ao tribunal percepcionar o trilho seguido pelo recorrente para atingir o resultado que proclama.
As conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados. Complexidade que também poderá decorrer do facto de se transferirem para o segmento que deve integrar as conclusões, argumentos, referências doutrinais ou jurisprudenciais propícias ao segmento da motivação. Ou, ainda, quando se mostre desrespeitada a regra que aponta para a necessidade de a cada conclusão corresponder uma proposição, evitando amalgamar diversas questões”[6].
Verificando-se algum destes vícios, a sanção não é a rejeição imediata do recurso, mas o convite ao aperfeiçoamento para supressão das deficiências apontadas, mediante a prolação de despacho pelo relator a quem o processo for distribuído do tribunal ad quem.
Como refere, a este propósito, o Conselheiro Abrantes Geraldes[7]:
“Ainda que algumas das situações exemplificadas justificassem efeitos mais gravosos, foi adoptada uma solução paliativa que possibilita a supressão das deficiências através de despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Ao invés do que ocorre quando faltam pura e simplesmente as conclusões, em que o juiz a quo profere despacho de rejeição imediata do recurso, qualquer intervenção no sentido do aperfeiçoamento das irregularidades passíveis de superação foi guardada para o relator no tribunal ad quem, como se extrai, com toda a clareza, do n.º 3[8] do art. 639.º e da al. a) do n.º 3 do art. 652.º[9].
O relator a quem o recurso seja distribuído deve atuar por iniciativa própria, mediante sugestão de algum dos adjuntos ou, em último caso, em resultado do deliberado em conferência, nos termos do art. 658.º. Por isso, tal como se verifica na fase do saneamento do processo, no despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões o relator deve identificar todos os vícios que, no seu entender, se verificam, por forma a permitir que, sem margem para dúvidas, o recorrente fique ciente dos mesmos e das consequências que podem decorrer da sua inércia ou do deficiente acatamento do convite.
A prolação do despacho de aperfeiçoamento fica dependente do juízo que for feito acerca da maior ou menor gravidade das irregularidades ou incorreções, em conjugação com a efetiva necessidade de uma nova peça processual que respeite os requisitos legais. Para isso pode ser conveniente tomar em consideração os efeitos que a intervenção do juiz e as subsequentes intervenções das partes determinem na celeridade. Parece adequado ainda que o juiz atente na reação do recorrido manifestada nas contra-alegações, de forma a ponderar se alguma irregularidade verificada perturbou o exercício do contraditório, designadamente quando se esteja perante conclusões obscuras.”
Relativamente à reprodução nas conclusões da motivação vertida na alegação, este Supremo Tribunal tem vindo a entender que não configura um caso de falta de conclusões, pelo que “o recurso não pode ser rejeitado de imediato, devendo ser proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas”[10].
Neste sentido, podem ver-se, entre outros, os acórdãos do STJ de 9/7/2015, processo n.º 818/07.3TBAMDL.L1.S1, de 6/4/2017, processo n.º 297/13.6TTTMR.E1.S1, de 13/7/2017, processo n.º 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1 e de 27/11/2018, processo n.º 28107/15.2T8LSB.L1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt, também citados pelo recorrente (embora o primeiro com erro de data).
No primeiro, afirmou-se, expressa e claramente, que “a reprodução nas “conclusões” do recurso da respetiva motivação não equivale a uma situação de alegações com “falta de conclusões”, de modo que em lugar da imediata rejeição do recurso, nos termos do art. 641.º, n.º 2, al. b), do NCPC, é ajustada a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, nos termos do art. 639.º, n.º 3, do NCPC.”
Igual entendimento foi adoptado pelo terceiro, que o seguiu e reproduziu, em parte, acrescentando que “as conclusões das alegações que, inquestionavelmente, reproduzem o texto das alegações, dão a conhecer o objeto do recurso – art. 635.º, n.º 3, do Código do Processo Civil – o que não pode deixar de ser tido em consideração no juízo de ponderação que importa convocar quanto a saber se, por tal procedimento, é como se não existissem”, e que, pelo facto de serem reproduzidas as alegações, parece excessivo considerar as conclusões elaboradas nessas circunstâncias, pelo que deve haver convite ao seu aperfeiçoamento.
Idêntica solução foi adoptada nos citados terceiro e quarto acórdãos, ambos da Secção Social, em cujos sumários se pode ler:
- no de 6/4/2017, que “a reprodução nas conclusões do recurso da respetiva alegação não equivale a uma situação de falta de conclusões, estando-se antes perante um caso de conclusões complexas por o recorrente não ter cumprido as exigências de sintetização impostas pelo n.º 1 do artigo 639.º do CPC” e “assim, não deve dar lugar à imediata rejeição do recurso, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC, mas à prolação de despacho de convite ao seu aperfeiçoamento com fundamento na apresentação de conclusões complexas ou prolixas, conforme resulta do n.º 3 do artigo 639.º do mesmo compêndio legal”;
- no de 27/11/2018, que “quando as conclusões de um recurso são a mera reprodução, ainda que parcial, do corpo das alegações, não se pode, em rigor, afirmar que o Recorrente não deu cumprimento ao ónus previsto no artigo 641.º, n.º 2, alínea b) do CPC” e “em tal circunstância não há que rejeitar imediatamente o recurso, podendo convidar-se ao seu aperfeiçoamento, por força do disposto no n.º 1 do artigo 659.º[11] do CPC”.
No caso sub judice, não há, em rigor, uma falta ou omissão das conclusões, pois estas existem, em termos formais, como se constata através da simples observação da peça apresentada juntamente com o requerimento de interposição do recurso de apelação, onde o recorrente formulou trinta e sete “conclusões”, diferenciando-as da motivação.
É verdade que as “conclusões” são a reprodução parcial da motivação das alegações, ainda que numeradas (e não reprodução total, como resulta de umas e outras e do seu tamanho).
Também é evidente que o recorrente não cumpriu, como devia, o ónus de formular verdadeiras “conclusões” que, sintetizando a argumentação apresentada na motivação da apelação, integrassem o objecto do recurso através da enunciação de verdadeiras questões de natureza jurídica a submeter à reapreciação do Tribunal da Relação.
O próprio recorrente reconhece essa falha processual, a qual é evidente, pois que a formulação de conclusões não se pode dar por satisfeita com a reprodução de segmentos das alegações.
Porém, daí não decorre, em termos imediatos, o efeito jurídico que o Tribunal da Relação declarou. Não podia extrair de imediato o efeito cominatório, ou seja, a rejeição do recurso de apelação com fundamento na falta de conclusões, como fez. Antes de atribuir à referida falha o efeito radical da rejeição do recurso de apelação, impunha-se-lhe proferir um despacho de convite ao aperfeiçoamento.
Não o tendo feito, o acórdão recorrido não pode ser mantido.
Sumário:
A reprodução nas conclusões, ainda que parcial, da motivação das alegações não equivale a “falta de conclusões”, pelo que não dá lugar a imediata rejeição do recurso, nos termos do art.º 641.º, n.º 2, al. b), do CPC, mas a convite ao aperfeiçoamento, como disposto no art.º 639.º, n.º 3, do mesmo Código.
III. Decisão
Pelo exposto, concede-se a revista e revoga-se o acórdão recorrido, determinando-se que o Tribunal da Relação conheça do objeto do recurso de apelação ou, no uso dos seus poderes, convide o Autor/Recorrente a aperfeiçoar as conclusões, apresentando-as conformes às preditas normas processuais aplicáveis.
Custas do recurso pela parte vencida a final.
Lisboa, 8 de Junho de 2021
Nos termos do art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de Maio, para os efeitos do disposto no art.º 153.º, n.º 1, do CPC, atesto que o presente acórdão foi aprovado com voto de conformidade dos Ex.mos Juízes Conselheiros Adjuntos que compõem este colectivo e que não podem assinar.
Fernando Augusto Samões (Relator que assina digitalmente)
Maria João Vaz Tomé (1.ª Adjunta)
António José Moura de Magalhães (2.º Adjunto)
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[1] Do Tribunal Judicial da Comarca do ... – Juízo Local Cível do ... – Juiz ... .
[2] Relator: Fernando Samões
1.º Adjunto: Juíza Conselheira Dr.ª Maria João Vaz Tomé
2.º Adjunto: Juiz Conselheiro Dr. António Magalhães
[3] Neste sentido, Conselheiro Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª edição, Almedina, págs. 153 e 154.
[4] Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, pág. 359.
[5] Conselheiro Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 7.ª edição, págs. 172 e 173.
[6] Conselheiro Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 155 e acórdão do STJ, por ele relatado, de 9/7/2015, processo n.º 818/07.3TBAMD.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[7] Na obra citada, pág. 157.
[8] Terá querido escrever-se n.º 1, al. a), onde se prevê o convite ao aperfeiçoamento das conclusões pelo relator.
[9] Terá querido escrever-se “al. a) do n.º 1” (e não n.º 3 como certamente por lapso vem indicado), onde se prevê o convite ao aperfeiçoamento das conclusões pelo relator.
[10] No mesmo sentido, cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pereira de Sousa, Código de Processo Civil, vol. I, págs. 768 e 769.
[11] Deve ter querido escrever-se “n.º 3 do artigo 639.º”, como resulta do texto, referindo-se erradamente, certamente por lapso de escrita.