I – A coligação voluntária activa traduz-se numa cumulação de várias acções conexas que não perdem a respectiva individualidade
II- O carácter definitivo da fixação do valor da causa, nos termos do artigo 306º do Código de Processo Civil, refere-se ao valor da causa e a questão que se coloca no caso de coligação voluntária activa, é diversa, consistindo em saber se o que releva para efeitos de alçada (e consequente admissibilidade do recurso) é o valor de cada uma das causas cumuladas ou o resultado da sua soma.
III – Numa situação de coligação voluntária activa, fixado ao conjunto das acções um valor global, sem respeito pela individualidade do litígio de cada um dos Autores, para aferição da recorribilidade da decisão proferida releva o valor de cada uma das causas cumuladas, o do pedido formulado por cada um dos Autores, e não a sua soma.
IV - As normas dos artigos 296º, nºs 1 e 2, 297º, nº 2, 306º e 629º, nº 1, todos do Código de Processo Civil, na interpretação perfilhada, não enfermam de inconstitucionalidade.
4ª Secção
LR/JG/CM
Acordam em conferência na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. “STRONG CHARON – SOLUÇÕES DE SEGURANÇA, S.A.” notificada do despacho proferido pela Relatora em 16 de Março de 2021 que não admitiu o recurso de revista pela mesma interposto contra o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ….. em 21 de Outubro de 2020, vem apresentar reclamação para a Conferência, ao abrigo do disposto no artigo 652º, nº 3, aqui aplicável por força do artº 679º, ambos do Código de Processo Civil.
2. O despacho proferido pela Relatora, ora reclamado, tem o seguinte teor:
“1. Pela Ré “Strong – Charon – Soluções de Segurança, S.A.” foi interposto recurso do acórdão, proferido em 21 de Outubro de 2020, pelo Tribunal da Relação …., que julgando procedente o recurso interposto pela Ré “Prestibel, S.A.”, a condenou a reintegrar os Autores AA e BB e a pagar a cada um dos Autores € 906,76 da retribuição correspondente ao mês de janeiro de 2019, bem como todas as remunerações vencidas e vincendas posteriormente (aí se integrando a retribuição de férias, correspondentes subsídios e subsídios de Natal), estas a quantificar em incidente de liquidação.
2. Por despacho da relatora de 16 de Fevereiro de 2021 foi suscitada a questão prévia da inadmissibilidade do recurso interposto, por, estando-se perante uma situação de coligação voluntária activa de dois Autores, os valores dos pedidos, considerados individualmente, serem de valor inferior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre, ou seja, inferior a 30 000,00.
3. Cumprido o contraditório veio a recorrente referir o seguinte:
“1. Pese embora se esteja nos presentes autos perante uma situação de coligação ativa voluntária de dois Autores com o valor da ação, fixado pelo Tribunal Judicial da Comarca do …., Juízo do Trabalho do …. - Juiz …., na quantia de € 31.812,52, entende a Recorrente que deverá ser admito o recurso de Revista.
Vejamos então,
2. Efetivamente, peticionaram os Autores que o Tribunal conhecesse sobre a verificação da transmissão da unidade económica e em consequência declarasse transmissão da posição de entidade empregadora, vide alínea a) do pedido vertido na douta petição inicial.
3. Peticionaram ainda os Autores e a título subsidiário que a Recorrente fosse condenada a reintegrá-los no seu local de trabalho e no pagamento, a cada um deles, do valor de € 15.906,76 a título de retribuição correspondente ao mês de janeiro de 2019 e danos morais.
4. Não obstante o valor dos pedidos líquidos individualmente formulados por cada um dos dois Autores se fixar na quantia de € 15.906,76, acontece que peticionaram igualmente os Autores que fosse reconhecida a transmissão da unidade e económica e a condenação na reintegração, vide alínea b) do pedido vertido na douta petição inicial.
5. Estes dois pedidos de índole mais abstrata deverão igualmente ser tidos em consideração para efeitos de determinação do valor da ação.
6. Em virtude do estatuído no art.º 305.º, n.ºs 1 e 2 do Código Processo Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, ao qual se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo, bem como da possibilidade de recurso das decisões e fixação do valor da taxa de justiça inicial.
7. Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro será esse o valor da causa; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente ao benefício – art.º 306.º, n.º 1 do Código Processo Civil.
8. No que respeita aos pedidos efetuados pelos Autores de condenação da Recorrente no pagamento de danos morais e da retribuição do mês de janeiro de 2019 não se oferece grande dúvida quanto à expressão pecuniária destes dois pedidos.
9. Ora, quanto ao pedido declarativo de reconhecimento da transmissão da posição da entidade empregadora por verificação da transmissão da unidade económica [objeto do presente recurso] e ao pedido de condenação de reintegração pelo despedimento ilícito não dispunham as partes qualquer mecanismo para atribuir um valor de expressão monetária, uma vez que representam interesses imateriais.
10. Com efeito, os trabalhadores Recorridos pretendem que a sua pretensão jurídica seja acolhida juridicamente e nessa medida o Tribunal conheça e declare, em primeiro lugar, quem é a sua entidade empregadora, e consequentemente, seja condenada na obrigação de reintegração (facere).
11. Por “interesses imateriais”, para efeitos do disposto no artº 312º do Código Processo Civil, terá de entender-se os que sejam insuscetíveis de serem reduzidos a mera expressão económica, ou seja, as ações em que estejam em causa relações jurídicas sem expressão pecuniária, sem conteúdo económico, ou em que este é meramente fictícia, nelas se incluindo as que têm por objeto direitos indisponíveis.
12. Acresce ainda que a interpretação firmada por essa Casa sobre o valor da ação nos casos de coligação ativa voluntária resultar, não do valor global da ação, mas sim do valor dos pedidos individualmente formulados, não tem acolhimento na letra da lei, porquanto o artigo 629.º, n.º 1 do CPC prescreve que O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Realces nossos.
13. Na verdade, a norma jurídica ínsita no artigo 629.º, n.º 1 do CPC faz referência ao valor da causa e não ao valor dos pedidos formulados, e utilizando o velho brocardo “onde a lei não distingue, não deverá o intérprete distinguir”
14. Neste contexto, a interpretação sedimentada sobre a regra da admissibilidade do recurso no que respeita ao valor da causa nas situações de coligação ativa voluntária não poderá, sempre com o devido respeito, subsistir por violação das regras interpretativas, presentes no artigo 9.º do Código Civil.
15. Importa ainda destacar, ainda que a mero título exemplificativo, a admissão do recurso de revista no âmbito do processo n.º 357/13.3TTPDL.L1.S1, com decisão de 06-12-2017 (cfr. cópia acórdão n.º 357/13.3TTPDLL1.S2, que se junta em anexo), por diversas vezes transcrita nos presentes autos,
16. Nesse processo, em sede de despacho saneador foi fixado à causa o valor de € 75.421,89, correspondente à soma dos valores indicados nas 16 petições iniciais que lhe deram, contando com 16 pedidos individuais formulados pelos AA, circunstância que não impediu a admissão do recurso que foi sujeita à análise da Formação nos termos do artigo 672.º/3 do C.P.C.
17. Ora, a par do que aconteceu nesse processo, nos presentes autos, o valor da causa fixado, por ser superior à alçada do Tribunal da Relação não pode, s.m.o. impedir o conhecimento do recurso de revista.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá ser admitido o presente Recurso ordinário de Revista por verificação do pressuposto geral respeitante ao valor da causa”
Cumpre decidir.
Nos presentes autos estamos, o que não é controvertido, em presença de uma coligação voluntária activa de dois Autores, AA e BB.
Os Autores atribuíram à acção o valor de € 31 812,52, correspondendo à soma do valor dos pedidos liquidados por cada um formulados.
No despacho saneador foi fixado à causa o valor de € 31 812,52.
No despacho preliminar sobre a admissibilidade do recurso interposto pela Ré sobre a admissibilidade do recurso foi entendimento da Relatora que o recurso interposto pela Ré “Strong – Charon – Soluções de Segurança, S.A.” foi suscitada pela Relatora a questão prévia da inadmissibilidade do mesmo por se estar perante uma situação de coligação voluntária activa de dois Autores em que o valor dos pedidos considerados individualmente são de valor inferior ao da alçada do Tribunal da Relação.
Na resposta que apresentou invoca a recorrente, por um lado, que os pedidos de reconhecimento da transmissão da posição da entidade empregadora por verificação da transmissão da unidade económica e o pedido de condenação de reintegração pelo despedimento ilícito configuram efeitos imateriais, para efeitos do disposto no artigo 312º do Código de Processo Civil - referindo-se, cremos, ao artigo 303º, nº 1, do mesmo Código -, e que o artigo 629º, nº 1, do CPC se refere ao valor da causa e não ao valor dos pedidos formulados, não tendo o entendimento perfilhado por este Supremo Tribunal sobre a admissibilidade de recurso no que respeita ao valor da causa nas situações de coligação activa voluntária apoio na letra da lei, por outro.
A questão da aplicação, no que ao valor da causa respeita, por nesta estarem em causa interesses imateriais, do critério consagrado no artigo 303º, nº 1, do Código de Processo Civil, nos termos do qual as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais se consideram sempre de valor equivalente à alçada da Relação e mais € 0,01, está no caso vertente ultrapassada uma vez que o valor da causa foi fixado no despacho saneador, tendo tal decisão transitado em julgado.
Como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 8.3.2018, Procº nº 4255/15.8T8VCT.-A.G1.S1., aresto em que vem referenciada abundante jurisprudência deste Supremo tribunal sobre tal temática: “ I. Cabe ao tribunal de primeira instância fixar o valor da causa, estando vedado aos tribunais de recurso usarem as faculdades previstas no art.º 306.º do Código de Processo Civil. II. Caso o valor da causa não seja fixado no despacho saneador, na sentença, ou em despacho proferido incidentalmente sobre o requerimento de interposição de recurso, deve a parte interessada arguir a nulidade, provocando despacho recorrível. III. Se a parte interessada não concordar com o valor fixado pelo juiz à causa deve suscitar o respetivo incidente”.
No caso concreto dos autos, na primeira instância foi fixado à causa o valor de € 31 812,52, por decisão transitada em julgado, pelo que esse valor é definitivo, não podendo ser alterado.
De todo o modo, este Supremo Tribunal já apreciou várias vezes a questão suscitada pela recorrente da fixação do valor da causa de acordo com o critério consagrado no artigo 303º, nº 1, do Código de Processo Civil, tendo em jurisprudência reiterada, firmada, entre outros nos acórdãos de 22.3.2007, Procº 07S274, 14.5.2009, Procº nº 09S0475, 6.12.2017, Procº nº 519/14.6TTVFX.P1.S1. 20.12.2017, Procº nº 2841/16.8T8LSB.L1.S1. perfilhado o entendimento de que no domínio do actual Código de Processo do Trabalho, tal como no de 1981, não há que atender, como direito subsidiário, ao critério da imaterialidade dos interesses do artigo 303º do Código de Processo Civil, uma vez que o artigo 79º, alínea a), nas acções em que esteja em causa o despedimento do trabalhador e a sua reintegração na empresa, o legislador apenas assegurou o recurso para a Relação, sendo de observar quanto à admissibilidade (ou não) de recurso para o Supremo, o regime geral das alçadas, do mesmo modo que os fundamentos jurídicos dos pedidos com incidência pecuniária formulados não podem ser valorados autonomamente e considerados como relativos a interesses imateriais.
A segunda questão suscitada pela recorrente, da interpretação do artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil, tem igualmente sido apreciada em diversos arestos deste Supremo Tribunal, sendo entendimento pacífico que, no caso de coligação, e porque de uma cumulação de causas se trata, o valor que releva para efeitos de alçada, e consequente admissibilidade do recurso, é o valor de cada uma das causas cumuladas, tal como previsto, como regra, por essa disposição legal.
”A coligação traduz-se praticamente na cumulação de várias acções conexas» (Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, 1.º volume, pág. 99), «visto que os autores se juntaram, não para fazerem valer a mesma pretensão ou para formularem um pedido único, mas para fazerem valer, cada um deles, uma pretensão distinta e diferenciada» (Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, 3.° volume, pág. 146). «Na coligação, à pluralidade das partes corresponde a pluralidade das relações materiais litigadas» (Antunes Varela, Manual de Processo Civil, edição de 1985, pág. 161).
Como se disse no acórdão deste Supremo Tribunal de 14.10.2020, Procº nº 2131/18.6T8PDL.L1.S1, “como se afirma no acórdão desta Secção 02.02.2005, proferido no processo 4563/04 , no caso de coligação ativa voluntária a cumulação «(…) não determina a perda da individualidade de cada uma das respetivas ações, não obstante se encontrarem inseridas no mesmo processo”, pelo que “os recursos das decisões (ou da decisão final) só serão admissíveis se e na medida em que os mesmos fossem admissíveis se processados em separado.
É que, tal como também se afirma no já citado acórdão proferido em 01-09-2016 no Processo n.º 2653/13.0TTLSB.L1.S1, «[s]e se devesse atender à soma dos pedidos para efeitos de admissibilidade do recurso, estaria encontrada a forma de aceder sempre ao Supremo Tribunal de Justiça, mesmo quando o valor dos pedidos, se formulados em ações separadas, o não permitisse. Bastaria os autores coligarem-se e intentarem apenas uma ação.»
O valor da alçada da Relação está fixado em € 30.000,00 (art.º 44.º, n.º 1 da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto.
Nos termos do n.º 1 do art.º 629.º do Código de Processo Civil: «O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre (…)».
Pelas razões expostas, o presente recurso de revista não é admissível, uma vez que o valor de cada uma das ações coligadas não é superior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre.
Assim, não admito o recurso interposto pela Ré “Strong – Charon – Soluções de Segurança, S.A.”
Custas a cargo da recorrente”.
3. Inconformada com esse despacho vem a recorrente requerer que sobre o mesmo recaia um acórdão, nos termos do artigo 652º, nº 3, do Código de Processo Civil, o que faz nos termos seguintes:
“I – Do valor da acção
1. Pese embora se esteja nos presentes autos perante uma situação de coligação ativa voluntária de dois Autores com o valor da ação, fixado pelo Tribunal Judicial da Comarca do …, Juízo do Trabalho do … - Juiz …, na quantia de €31.812,52, entende a Recorrente que deverá ser admitido o recurso de Revista.
2. Com efeito, os Autores peticionaram que o Tribunal conhecesse, em primeiro lugar, sobre a verificação da transmissão da unidade económica e, em consequência, declarasse transmissão da posição de entidade empregadora, vide alínea a) do pedido vertido na douta petição inicial.
3. Peticionaram ainda os Autores e a título subsidiário que a Recorrente fosse condenada a reintegrá-los no seu local de trabalho e no pagamento, a cada um deles, da quantia de € 15.906,76 a título de retribuições vencidas e de indemnização por danos morais.
4. Não obstante o valor dos pedidos líquidos individualmente formulados por cada um dos dois Autores se fixar na quantia de € 15.906,76, acontece que peticionaram igualmente os Autores, em primeiro lugar e autonomamente, que fosse reconhecida a transmissão da unidade e económica, com a consequente transmissão dos seus contratos de trabalho, e a condenação na reintegração no posto de trabalho que ocupavam — vide alínea b) do pedido vertido na douta petição inicial.
5. Em virtude do estatuído non.º 1 do art.º 296.º do Código Processo Civil, a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, ao qual se atenderá para determinar a competência do tribunal, a forma do processo, bem como da possibilidade de recurso das decisões e fixação do valor da taxa de justiça inicial.
6. Se pela ação se pretende obter qualquer quantia certa em dinheiro será esse o valor da causa; se pela ação se pretende obter um benefício diverso, o valor da causa é a quantia em dinheiro equivalente ao benefício – art.º 297º, n.º 1 do Código Processo Civil.
7. Ora, quanto ao pedido declarativo de reconhecimento da transmissão da entidade económica e da consequente transmissão do contrato de trabalho não dispunham as partes qualquer mecanismo para atribuir um valor de expressão monetária, uma vez que representam interesses imateriais.
8. Por “interesses imateriais”, para efeitos do disposto no art.º 303.º do Código Processo Civil, terá de entender-se os que sejam insuscetíveis de serem reduzidos a mera expressão económica, ou seja, as ações em que estejam em causa relações jurídicas sem expressão pecuniária, sem conteúdo económico, ou em que este é meramente fictícia, nelas se incluindo as que têm por objeto direitos indisponíveis.
9. O interesse no reconhecimento da transmissão da entidade económica, ao contrário do que se pode extrair da fundamentação do despacho em crise, não se vê contemplado na alínea a/ do artigo 79.º do CPT nem se pode considerar, s.m.o., um mero fundamento jurídico dos pedidos com incidência pecuniária.
10. Pelo contrário, a resposta à verificação da transmissão da transmissão da entidade tem efeitos diferentes e/ou divergentes sobre as posições jurídicas de qualquer uma das Partes no processo, assumindo uma clara autonomia em relação a qualquer outro dos pedidos formulados pelos autores.
11. Sempre se dirá, caso os pedidos se apresentassem em ações separadas, é certo que cada uma das ações apresentaria um valor superior à alçada da Relação, permitindo sempre, em tese, o recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça.
12. Ora o valor da causa tem de refletir essa possibilidade, atendendo à natureza dos pedidos aí formulados
II - Do n.º 1 do artigo 629.º1 do CPC / Da jurisprudência do STJ
13. Ainda que a interpretação firmada por essa Casa sobre o valor da ação nos casos de coligação ativa voluntária resultar, não do valor global da ação, mas sim do valor dos pedidos individualmente formulados, entendemos que a mesma não tem acolhimento na letra da lei, porquanto o artigo 629.º, n.º 1 do CPC prescreve que O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre. Realces nossos.
14. Na verdade, a norma jurídica ínsita no artigo 629.º, n.º 1 do CPC faz referência ao valor da causa e não ao valor dos pedidos formulados, e utilizando o velho brocardo “onde a lei não distingue, não deverá o intérprete distinguir”
15. Neste contexto, a interpretação sedimentada sobre a regra da admissibilidade do recurso no que respeita ao valor da causa nas situações de coligação ativa voluntária não poderá, sempre com o devido respeito, subsistir por violação das regras interpretativas, presentes no artigo 9.º do Código Civil.
16. Importa ainda destacar, ainda que a mero título exemplificativo, a admissão do recurso de revista no âmbito do processo n.º 357/13.3TTPDL.L1.S1, com decisão de 06-12-2017 (cfr. cópia acórdão já junta aos autos), por diversas vezes transcrita nos presentes autos,
17. No mencionado processo, em sede de despacho saneador foi fixado à causa o valor de € 75.421,89, correspondente à soma dos valores indicados nas 16 petições iniciais que lhe deram, contando com 16 pedidos individuais formulados pelos AA, circunstância que não impediu a admissão do recurso que foi sujeita à análise da Formação nos termos do artigo 672.º/3 do C.P.C.
18. Ora, a par do que aconteceu nesse processo — mero exemplo de uma jurisprudência contrária à fundamentação do despacho em crise e que, s.m.o. não permite afirmar que é entendimento pacífico do STJ que, no caso de coligação, o valor que revela para efeitos de alçada é o valor apresentado pelas causas cumuladas — nos presentes autos, o valor da causa fixado, por ser superior à alçada do Tribunal da Relação não pode impedir o conhecimento do recurso de revista.
II – Do caso julgado formal
19. Numa outra perspetiva, caso se considere que sobre o valor da causa recaiu decisão transitada em julgado que não permite ao Supremo Tribunal alterar o seu valor, sempre se dirá, na esteira do que acima já se abordou, o seguinte.
20. Uma decisão (despacho, sentença ou acórdão) transitada em julgado “torna indiscutível o resultado da aplicação do direito ao caso concreto que é realizada pelo tribunal, ou seja, o conteúdo da decisão deste órgão” (TEIXEIRA DE SOUSA, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª ed, Lex, 1997, p.567).
21. Sendo o caso julgado uma exigência da boa administração da justiça, da funcionalidade dos tribunais e salvaguarda da paz social, constituindo a expressão dos valores e segurança e certeza que são imanentes a qualquer ordem jurídica (TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit, p.568)
22. O caso julgado das decisões judiciais é uma consequência da caracterização dos tribunais como órgão de soberania (art.110.º/1 da CRP) e neste enquadramento o art. 205.º/2 da CRP impõe a obrigatoriedade dessas decisões para todas a entidades públicas (nomeadamente outros tribunais) e privadas. “Aquela obrigatoriedade e essa prevalência são conseguidas, em grande medida, através do valor de caso julgado dessas decisões.” (TEIXEIRA DE SOUSA, ob. cit, p.568).
23. Tendo transitado em julgado o despacho que fixou o valor à causa, por não nenhum das partes ter interposto recurso desta decisão.
24. É por esse valor, de 31.812,52€, questão coberta pela eficácia do caso julgado, que se determina a alçada do tribunal e a admissibilidade do recurso (art.296.º/2 do CPC).
25. Tal significa que esta questão ficou “definitivamente resolvida, não podendo ser novamente apreciada” (JORGE DE ALMEIDA ESTEVES, O caso julgado Inconstitucional, in “Estudos de Homenagem ao Prof. Doutor José Lebre de Freitas”, Coimbra Editora, 2013, p.876).
26. Interpretação diversa da supra exposta, ou seja, no sentido da inadmissibilidade do recurso da aqui Recorrente conduzirá à inconstitucionalidade material do n.ºs 1 e 2 do art. 296.º, n.º 2 do art.297.º, 306.º, e n.º 1 do art.629.º todos do C.P.C., por violação dos princípios constitucionais da confiança, segurança jurídica, da proporcionalidade, do Estado de direito democrático e da força de caso julgado inerente às decisões judicias insuscetíveis de recurso ordinário (arts.2.º, 9.º, b), 205.º, n.º 2, da CRP), a qual configura “um princípio constitucional implícito” (Ac. do TC 352/86, in www.tribunalconstitucional.pt).
27. A intangibilidade do caso julgado resulta do princípio constitucional do Estado de direito democrático (arts.2.º 9.º, b), 205.º, n.º 2, da CRP), enquanto pressuposto de garantia dos valores da segurança e certeza da ordem jurídica. Admitir a sua imodificabilidade, por via judicial ou legislativa, significaria sempre colocar em causa ideias de estabilidade, de segurança jurídica e mesmo de tutela da confiança dos cidadãos (Ac. TC 310/2005, in www.tribualconstitucional.pt).
28. À luz do princípio da proporcionalidade, dar mais peso à autonomia dos pedidos singulares, desconsiderando ou secundarizando, a segurança jurídica, dimensão que o caso julgado visa proteger, como acima se referiu, e com a agravante de desvalorizar a proteção da confiança, conduziria a um resultado desproporcionado e injusto atento, além do mais, ao prejuízo económico que advém da condenação para a Recorrente – art.2.º da CRP, e portanto violador destes princípios e comando tutelados pela Constituição, entre os quais o do caso julgado.»
29. Ora, concluindo, por tudo o exposto, consideramos que se mostram preenchidos os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso decorrentes do artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, em concreto, o pressuposto relativo ao valor da causa
Nestes termos, e nos melhores de Direito, deverá recair sobre o despacho de V.Exa um acórdão, submetendo-se os presentes autos à conferência para esse efeito”.
4. Os recorridos não apresentaram resposta à reclamação.
Cumpre decidir
O despacho reclamado transcrito no precedente nº 2 decidiu não admitir o recurso interposto pela reclamante uma vez que nenhuma das causas coligadas tinha valor que excedesse a alçada da Relação.
A reclamação da ré assenta em três fundamentos:
- (i) – valor da acção que, atenta a natureza dos pedidos nela formulados (em primeiro lugar, e autonomamente, o reconhecimento da transmissão da unidade económica, com a consequente transmissão dos contratos de trabalho e a condenação na reintegração, respeita a “interesses imateriais”, se rege pelo disposto no artigo 303º do Código de Processo Civil;
- (ii) – valor da acção nos casos de coligação voluntária activa, questão relativamente à qual a jurisprudência deste Supremo Tribunal não tem acolhimento na letra da lei (artº 629º, nº 1, do CPC), havendo jurisprudência contrária deste Supremo Tribunal;
- (iii) – caso julgado formal, formado pelo despacho que fixou, definitivamente, o valor da causa.
Nenhum destes argumentos procede.
Quanto à determinação do valor da acção, já se salientou no despacho reclamado que este Supremo Tribunal já apreciou várias vezes a questão suscitada pela recorrente da fixação do valor da causa de acordo com o critério consagrado no artigo 303º, nº 1, do Código de Processo Civil, tendo em jurisprudência reiterada, firmada, entre outros nos acórdãos de 22.3.2007, Procº 07S274, 14.5.2009, Procº nº 09S0475, 6.12.2017, Procº nº 519/14.6TTVFX.P1.S1. 20.12.2017, Procº nº 2841/16.8T8LSB.L1.S1., perfilhado o entendimento de que no domínio do actual Código de Processo do Trabalho, tal como no de 1981, não há que atender, como direito subsidiário, ao critério da imaterialidade dos interesses do artigo 303º do Código de Processo Civil, uma vez que o artigo 79º, alínea a), nas acções em que esteja em causa o despedimento do trabalhador e a sua reintegração na empresa, o legislador apenas assegurou o recurso para a Relação, sendo de observar quanto à admissibilidade (ou não) de recurso para o Supremo, o regime geral das alçadas, do mesmo modo que os fundamentos jurídicos dos pedidos com incidência pecuniária formulados não podem ser valorados autonomamente e considerados como relativos a interesses imateriais. (Sublinhado nosso).
Ao que se acrescentará que a circunstância de se discutir qual o regime jurídico aplicável em cada litígio, seja esse regime de natureza legal ou de natureza convencional, não transforma o respectivo processo em causa sobre interesses imateriais, sempre com recurso assegurado até ao Supremo Tribunal de Justiça.
Relativamente ao segundo argumento, do valor da acção nos casos de coligação voluntária activa, também já se sublinhou no despacho reclamado que o valor da causa a que se refere o artigo 629º , nº 1, do CPC se refere a cada causa, quando, em caso de coligação voluntária activa, que se traduz numa cumulação de causas, tal como sucede no caso de apensação de acções, o valor que releva para efeitos de alçada, e consequentemente admissibilidade do recurso, é o valor de cada uma das causas cumuladas, tal como previsto, como regra, pela referida disposição legal.
O carácter definitivo da fixação do valor da causa, nos termos do artigo 306º do Código de Processo Civil, refere-se ao valor da causa e a questão que se coloca no caso de coligação voluntária activa, é diversa, consistindo em saber se o que releva para efeitos de alçada (e consequente admissibilidade do recurso) é o valor de cada uma das causas cumuladas ou o resultado da sua soma.
Ao que se acrescentará também, em reforço do anteriormente referido, que, que tanto assim, que nos casos de coligação cada autor é responsável pelo pagamento da respectiva taxa de justiça, de conformidade com o disposto no artigo 447º A, nº 5, do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pela D.L. nº Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, correspondente ao artigo 530º, nº 5, do Código de Processo Civil vigente, nos casos de coligação, em que, verificados os requisitos de que esta depende contemplados no artigo 37º do Código de Processo Civil, cada autor reclama, cada um por si, a sua prestação, uma prestação própria e individualizada, cada autor é responsável pelo pagamento da respectiva taxa de justiça, como se sabe devido e correspondente ao montante devido pelo impulso processual de cada interveniente, devida, portanto, por cada uma das causas cumuladas, o que igualmente evidencia e reforça a existência de autonomia entre as causas coligadas, em suma a existência de cumulação de causas, com valores próprios e diferenciados.
Quanto ao terceiro argumento de que tendo transitado em julgado o despacho que fixou o valor à causa, ficou a questão definitivamente resolvida, não podendo ser novamente apreciada, que a reclamante sintetiza nas conclusões 20 a 25 da sua reclamação, trata-se de questão que, colocada nos exactos e precisos termos em que vem colocada, e em situação de contornos similares em que era recorrente também uma empresa de prestação de serviços de segurança, já foi diversas vezes apreciada por este Supremo Tribunal, designadamente no acórdão de 14 de Outubro de 2020, proferido no Processo nº 2131/18.1T8PDL.L1.S1, citando o acórdão deste tribunal de 1 de Março de 2018, proferido na revista 531/12.0TTPRT.P1.S1, no qual se afirmou o seguinte:
“(…)
A individualização do valor de cada ação coligada para aferir da respetiva recorribilidade não ofende o caso julgado formado no processo, nem a invocação dessa individualidade como fundamento da admissão ou rejeição do recurso de revista abre a via à admissão do recurso, por apelo ao disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.
(…).
Por outro lado, imputada violação de caso julgado na decisão de que se pretende recorrer e não sendo a mesma suscetível de recurso nos termos do n.º 1 do artigo 629.º daquele Código, incumbe ao recorrente, no requerimento de interposição do recurso, demonstrar essa violação de caso julgado, sem o que o recurso com esse fundamento não poderia ser admitido.
No caso dos autos sempre seria intempestiva a invocação do mencionado fundamento para a admissão do recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação.
Por outro lado, a necessidade de proceder à soma do valor dos vários pedidos cumulados na mesma ação para alcançar o respetivo valor, por força do disposto no n.º 2 do artigo 297.º do Código de Processo Civil, não põe em causa a individualidade de cada uma das ações coligadas e a autonomia do respetivo valor”.
(…)
Entende a recorrente que a interpretação dos dispositivos do Código de Processo Civil, subjacentes à anunciada rejeição do recurso colide com os «princípios constitucionais da confiança, segurança jurídica, proporcionalidade e do estado de direito democrático (art. 2.º da CRP que deverão ser desaplicados)».
Ao contrário do que refere a recorrente, o entendimento subjacente à mencionada jurisprudência não acarreta uma intolerável restrição do direito ao recurso, nem colide com qualquer legítima expetativa das partes sobre a impugnabilidade das decisões proferida no processo.
Na verdade, as normas relativas ao recurso em matéria cível estabelecem um quadro genérico de impugnabilidade que assenta no valor da causa, corolário direto do interesse económico que caracteriza o processo e que está subjacente ao recurso.
A própria lei deixa às partes um poder vastíssimo relativamente à fixação do valor da causa, conforme decorre do artigo 305.º do Código de Processo Civil, deixando, no fundo na sua disponibilidade a fixação do valor da causa, com os reflexos que tal fixação tem em termos de direito ao recurso.
Carece de qualquer sentido, que apesar disso, se venham depois pôr em causa os limites do direito ao recurso decorrentes desse valor, quando o mesmo é claramente consequência da intervenção processual das partes e da atividade que as mesmas levam a cabo no processo.
A opção pela coligação é da inteira responsabilidade das partes e a fixação do valor atribuído às diferentes ações coligadas decorre manifestamente dos poderes de conformação do processo que a lei lhes confere.
Ao não pôr em causa o valor atribuído ao processo, eventualmente à revelia dos interesses materiais subjacentes ao litígio, as partes conformaram-se com as consequências processuais decorrentes dessa atividade processual.
A interpretação das normas do Código de Processo Civil subjacente ao despacho reclamado não é arbitrária e não representa qualquer restrição intolerável do acesso ao recurso, como forma de reapreciação das decisões judiciais, nem qualquer violação do princípio da confiança ou do processo equitativo, ou de qualquer outro dos mencionados pela recorrente.
Conforme repetidamente tem sido referido por esta Secção, o recurso à coligação de autores não pode conferir às partes direitos que elas processualmente não teriam se tivessem instaurado as ações autonomamente”.
Por seu turno, a questão da inconstitucionalidades das disposições normativas invocadas na conclusão 25ª da presente reclamação subjacente à interpretação perfilhada no despacho reclamado, foi, além dos arestos citados, mais recentemente apreciada em acórdão de 16 de Dezembro de 2020, proferido no Procº nº 303/18.8T8HRT.L1.S1, no qual se reafirmou a jurisprudência anteriormente citada, aí se afirmando que:
Entende a recorrente que a interpretação dos dispositivos do Código de Processo Civil, subjacentes à anunciada rejeição do recurso «no sentido da inadmissibilidade do recurso da aqui Recorrente conduzirá à inconstitucionalidade material do n.ºs 1 e 2 do art. 296.º, n.º 2 do art. 297.º, 306.º, e n.ºs 1 e 2, alínea a) do art. 629.º todos do Código de Processo Civil (aprovado Lei 41/2013, de 26/06), por violação dos princípios constitucionais da confiança, segurança jurídica, proporcionalidade e do Estado de direito democrático (art.2.º da CRP) e da força de caso julgado, inerente às decisões judicias insuscetíveis de recurso ordinário, a qual configura “um princípio constitucional implícito” (Ac. do TC 352/86, in www.tribunalconstitucional.pt)., que deverão ser desaplicados».
Ao contrário do que refere a recorrente, o entendimento subjacente à mencionada jurisprudência não acarreta uma intolerável restrição do direito ao recurso, nem colide com qualquer legítima expetativa das partes sobre a impugnabilidade das decisões proferida no processo.
Na verdade, as normas relativas ao recurso em matéria cível estabelecem um quadro genérico de impugnabilidade que assenta no valor da causa, corolário direto do interesse económico que caracteriza o processo e que está subjacente ao recurso.
A própria lei deixa às partes um poder vastíssimo relativamente à fixação do valor da causa, conforme decorre do artigo 305.º do Código de Processo Civil, deixando, no fundo na sua disponibilidade a fixação do valor da causa, com os reflexos que tal fixação tem em termos de direito ao recurso.
Carece de qualquer sentido, que apesar disso, se venham depois pôr em causa os limites do direito ao recurso decorrentes desse valor, quando o mesmo é claramente consequência da intervenção processual das partes e da atividade que as mesmas levam a cabo no processo.
A opção pela coligação é da inteira responsabilidade das partes e a fixação do valor atribuído às diferentes ações coligadas decorre manifestamente dos poderes de conformação do processo que a lei lhes confere.
Ao não pôr em causa o valor atribuído ao processo, eventualmente à revelia dos interesses materiais subjacentes ao litígio, as partes conformaram-se com as consequências processuais decorrentes dessa atividade processual.
A interpretação das normas do Código de Processo Civil subjacente ao despacho reclamado não é arbitrária e não representa qualquer restrição intolerável do acesso ao recurso, como forma de reapreciação das decisões judiciais, nem qualquer violação do princípio da confiança ou do processo equitativo, ou de qualquer outro dos mencionados pela recorrente.
Conforme repetidamente tem sido referido por esta Secção, o recurso à coligação de autores não pode conferir às partes direitos que elas processualmente não teriam se tivessem instaurado as ações autonomamente.
No caso dos autos consideramos que não se mostram preenchidos os pressupostos gerais de admissibilidade do recurso decorrentes do artigo 629.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, em concreto, o pressuposto relativo ao valor da causa”.
Não se vislumbra fundamento para divergir do entendimento perfilhado nesses arestos, que que aqui reafirmamos e secundamos.
Entendimento esse que se inscreve na jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal - sendo que o acórdão, de 6.12.2017, proferido no Processo nº 357/13.3TTPDL.L1.S1., repetidamente invocado pela reclamante, não é exemplificativo de jurisprudência contrária, pela razão simples de que no mesmo não foi esta concreta questão apreciada - e igualmente se inscreve na jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria que, no acórdão nº 360/2005, de 6.7.2005, afirma o seguinte:
“5. Como já ficou dito, no caso presente, a decisão recorrida parte de uma interpretação, segundo a qual, em caso de coligação, existem várias causas e vários valores da causa, aplicando depois, a cada uma das causas, o critério do valor da alçada. A decisão recorrida mais não faz do que aplicar, a cada uma das causas que considerou existir, este critério, um critério que comporta uma limitação do recurso que não ofende o princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da CRP, tal como tem vindo a ser sustentado na jurisprudência do Tribunal Constitucional.
“Sobre o efeito limitativo das alçadas, em conexão com o valor da acção, relativamente à admissibilidade do recurso, nos termos do art. 678º, nº 1, do CPC”, deve afirmar-se que “é evidente que não pode pretender pôr-se seriamente em causa a existência, no ordenamento processual [especificamente nos domínios dos processos civil e laboral], de limites objectivos à admissibilidade do recurso, estabelecidos para as causas de menor relevância, tendo em conta a natureza dos interesses nelas envolvidos ou a sua repercussão económica para a parte vencida: é que tais limitações derivam em última instância, da própria ‘natureza das coisas’, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os tribunais superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais – sob pena de o número daqueles ter de ser equivalente ao dos tribunais de 1ª instância e com a consequente dispersão das tendências jurisprudenciais” (Lopes do Rego, “O Direito fundamental de acesso aos Tribunais e a reforma do Processo Civil”, Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues I, Coimbra Editora, 2001, p. 764).
Ora, partindo a decisão recorrida da interpretação de que, em caso de coligação, existem várias causas e vários valores da causa, aplicando depois, a cada uma das causas, o critério do valor da alçada, considerando apenas o valor de cada uma das causas, não pode tal interpretação, que assenta no critério explicitado, considerar-se como estabelecendo um limite arbitrário, excessivo ou desprovido de justificação objectiva. Limites que a CRP impõe à liberdade de conformação do legislador ordinário em sede de sistema de recursos, fora do âmbito penal – assim, e para além dos já citados, cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 116/95 (ATC, 30º vol., p. 683) e 240/04 (Diário da República, II Série, de 4 de Junho de 2004); cfr. também, Jorge Miranda/Rui Medeiros Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 201 e s..
6. Esta mesma conclusão impõe-se, quando consideramos que à razão de ser da consagração legal da possibilidade de coligação de autores se ligam os objectivos de promover a economia processual e de evitar a disparidade de soluções judiciais, com desprestígio para o sistema e custos para a segurança nos destinatários das decisões dos tribunais.
Uma possibilidade conferida aos autores e não uma qualquer imposição processual, de onde decorre que, para a ora recorrente, a situação de facto, avaliada do ponto de vista do prejuízo económico, seria exactamente a mesma se tivesse sido demandada e condenada em acções individuais (facto que a ré não pode controlar, dependendo apenas da iniciativa dos autores), tendo cada uma delas o valor de cada um dos pedidos na presente acção. Em tal situação, não há qualquer dúvida que, em virtude do valor da (s) acção (ões), estaria vedada a interposição de recurso de cada um das decisões parcelares que concluísse pela sua condenação”.
Em face do exposto, e sem considerações suplementares, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado.
Custas pela reclamante.
Nos termos e para efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 10-A/2020, de 13 de Março (aditado pelo artigo 3º do Decreto-Lei nº 20/2020, de 1 de Maio) consigna-se que o presente acórdão foi aprovado por unanimidade, sendo assinado apenas pela relatora.
Lisboa, 08 de Junho de 2021
Leonor Maria da Conceição Cruz Rodrigues (Relatora)
Júlio Gomes
Chambel Mourisco