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EMBARGOS DE EXECUTADO
PRAZO DILATÓRIO E PEREMPTÓRIO
APOIO JUDICIÁRIO
INTERRUPÇÃO
Sumário
I - O prazo para apresentar embargos de executado, que se interrompeu com a apresentação do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, inicia-se, nos termos do artigo 24º, nº 5, al. b), da Lei do Apoio Judiciário, aprovada pela Lei nº 34/2004, de 29 de julho, com as alterações introduzidas pela Lei nº 47/2007, de 28 de agosto, a partir da notificação ao requerente da decisão judicial que julgou improcedente a impugnação judicial. II - Não havendo impugnação judicial, o prazo para a apresentação dos embargos inicia-se após o termo do prazo concedido ao requerente para impugnar a decisão administrativa, mesmo nos casos em que, tendo sido notificado para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento do pedido, nada tenha dito no prazo fixado para o efeito (art.º 23º, nº 2, da mesma lei). III - Tendo natureza diferente, o prazo de dilação e o prazo perentório para deduzir os embargos de executado contam-se como se de um só prazo se tratasse, designadamente para efeitos de interrupção.
Texto Integral
Proc. nº 1621/20.0T8VLG-A.P1 – 3ª Secção (apelação)
Comarca do Porto – Juízo de Execução de Valongo – J 2
Relator: Filipe Caroço
Adjuntos: Desemb. Judite Pires
Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, citada em 29.6.2020 na ação que lhe é movida, deduziu embargos de executado em 18.12.2020, onde arguiu a ineptidão do requerimento executivo, a falta de interpelação, a falta de genuinidade da assinatura aposta na livrança, pedindo, além do mais, que seja declarada extinta a execução.
Entretanto, no dia 31.8.2020, a embargante comunicara aos autos de execução ter pedido apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos e ainda na modalidade de nomeação de patrono.
No dia 15.10.2020, o ISS, IP[1] notificou a executada nos termos do art.° 23° da Lei nº 34/2004, de 29 de julho, da proposta de indeferimento, com a indicação de que se nada dissesse no prazo de 10 dias a proposta se tornaria definitiva.
A embargante não se pronunciou sobre a proposta.
Na sequência do requerimento inicial de embargos, o tribunal proferiu despacho liminar no dia 6.1.2021, onde concluiu, após fundamentação:
“(…) Tendo a petição de embargos dos autos sido apresentada em 18 de dezembro de 2020, são os mesmos manifestamente intempestivos. Pelo que, sem necessidade de mais considerações, se conclui pela intempestividade dos embargos, rejeitando-se os mesmos. Custas pela embargante.”
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Notificada daquela decisão e com ela inconformada, a embargante interpôs apelação com as seguintes CONCLUSÕES:
«a) A decisão de que se recorre considerou os embargos apresentados intempestivos e, por tal, concluiu pela sua rejeição.
b) Considera o Tribunal a quo que, tendo a recorrente sido notificada pelo ISS IP para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento no prazo de 10 dias sendo que, se nada dissesse, a proposta se tornava definitiva e, não tendo a recorrente respondido, tal prazo terminou a 2 de Novembro de 2020.
c) Nesse seguimento, considera o Tribunal a quo que a decisão de indeferimento se tornou definitiva naquela data pelo que o prazo para apresentação dos embargos se iniciou a 3 de Novembro de 2020 e terminou a 27 de Novembro de 2020 (20dias de prazo + 5 de dilação).
d) Assim, e tendo os embargos sido apresentados a 18 de Dezembro de 2020, o Tribuna a quo julgou os embargos intempestivos.
e) Sucede que, efectivamente a 15 de Outubro o ISS IP notificou a recorrente da proposta de indeferimento, com a indicação de que se nada dissesse no prazo de 10 dias a proposta se tornava definitiva.
f) A recorrente nada disse, mas ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, a decisão de indeferimento não se tornou definitiva a 2 de Novembro de 2020 uma vez que a recorrente dispunha do prazo de 15 dias para, querendo, impugnar judicialmente a decisão de indeferimento.
g) E, conforme é já pacificamente aceite pela jurisprudência, mesmo que não tenha sido apresentada impugnação judicial, o prazo para apresentar embargos só podia iniciar-se após o termo do prazo concedido à requerente para impugnar a decisão administrativa.
h) Só esta interpretação é conforme ao princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
i) Assim a 15 de Outubro de 2020 o ISS IP notificou a recorrente da proposta de indeferimento com a indicação de que, se nada dissesse no prazo de 10 dias, a proposta se tornava definitiva.
j) Tinha a recorrente até ao dia 2 de Novembro de 2020 para se pronunciar.
k) Não o tendo feito, o ISS IP decidiu pelo indeferimento do pedido.
l) Tendo assim a recorrente 15 dias para impugnar judicialmente a decisão, ou seja, até ao dia 23 de Novembro de 2020. A este respeito, diga-se que dispõe a alínea c) do artigo 87.º do Código do Procedimento Administrativo que os prazos se suspendem nos dias não úteis.
m) Não o tendo feito, a decisão tornou-se definitiva naquele dia, tendo-se reiniciado, no dia 24 de Novembro de 2020, o prazo para apresentação dos embargos e terminado a 5 de Janeiro de 2021, o prazo para a sua apresentação (20 dias + 5 dias + 5 dias).
n) Assim, tendo a recorrente apresentado os embargos a 18 de Dezembro de 2020, são os mesmos tempestivos, tendo de ser aceites e tramitados, sob pena de ser feita uma incorrecta interpretação do artigo 24.º, n.º 5 da Lei 34/2004 de 29/07 e, bem assim, sob pena de se verificar a violação do direito fundamental a uma tutela jurisdicional efectiva, prevista no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
o) A interpretação feita pelo despacho de que se recorre conduz à negação de direitos constitucionais e legais, à insegurança jurídica e ao esvaziamento do conteúdo teleológico do instituto de acesso ao direito.
p) Razões pelas quais deverá a decisão proferida ser revogada e substituída por outra decisão que considere os embargos tempestivos e, por tal, os receba e tramite.» (sic)
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Não foram oferecidas contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
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II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 634º e 635º do Código de Processo Civil).
Está para apreciar e decidir se, tendo sido apresentado pela executada, no processo de execução, comprovativo de requerimento de apoio judiciário, além do mais, na modalidade de nomeação de patrono, na falta de impugnação da decisão administrativa, os embargos de executado são, ou não são, tempestivos.
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III.
Relevam os factos processuais atrás descritos e o que mais se atender complementarmente na apreciação da questão que se segue.
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IV.
As partes não discutem o prazo de que os executados dispõem para, querendo, deduzirem oposição por embargos, que é de 20 dias a contar da citação na execução, seja nos processos ordinário e sumário para pagamento de quantia certa (art.ºs 728º, nº 1 e 856º, nº 1, do Código de Processo Civil), seja na execução para entrega de coisa certa (art.º 859º) ou ainda na execução para prestação de facto (art.º 868º, nº 2). Também se pressupõe na apelação, e bem, que se trata de um prazo perentório, ou seja, um prazo cujo decurso extingue o direito de praticar o ato (art.ºs 139º, nº 3 e 732º, nº 1, al. a), do mesmo código), salvo justo impedimento (nº 4 do mesmo artigo) ou pagamento de multa determinada, em caso de atraso, conforme previsto no nº 5 do art.º 139º.
O que se debate é se esse prazo já havia decorrido integralmente quando, em 18.12.2020, a executada apresentou o requerimento inicial de embargos à execução, sendo que foi citada para o efeito no dia 29.6.2020.
Dispõe o art.º 24º, nº 4, do Regime do Acesso ao Direito e aos Tribunais[2], aprovado pela Lei nº 34/2004, de 29 de julho, que “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Aquele prazo de oposição estava em curso quando, no dia 31.8.2020, em plenas férias judiciais iniciadas no dia 16.7.2020, a executada juntou ao processo documento comprovativo de apresentação nos serviços da Segurança Social de requerimento de apoio judiciário (também) na modalidade de nomeação de patrono.
O pedido de apoio foi indeferido pela Segurança Social.
De acordo com o nº 5 do mesmo art.º 24º, em caso de indeferimento do pedido de nomeação de patrono, o prazo interrompido por aplicação do nº 4 inicia-se a partir da notificação ao requerente daquela decisão.
Quando é que surgiu esta decisão?
Por envio do dia 15.10.2020, a requerente/recorrente foi notificada pelos serviços da Segurança Social, nos termos do art.º 23º do RADT, da proposta de indeferimento do seu pedido, a fim de, querendo, se pronunciar por escrito sobre a mesma no prazo de 10 dias, sendo que, no seu silêncio, a proposta se tornaria definitiva, não havendo lugar a nova notificação.
Não obstante, à requerente assiste ainda o direito à impugnação judicial da decisão proferiu sobre o pedido de proteção jurídica que deve ser entregue no serviço da Segurança Social no prazo de 15 dias “após o conhecimento” da mesma, na expressão da norma do art.º 27º, nº 1, também do RADT.
A decisão administrativa de indeferimento do apoio judiciário não foi impugnada.
Eis o busílis da questão:
a) O tribunal contou o prazo de oposição por embargos desde a data em que terminou o prazo de 10 dias de que a executada dispunha para se pronunciar sobre a proposta de indeferimento, que expirou no dia 2.11.2020 (por aplicação das regras sobre contagem de prazo previstas nos art.ºs 87º e 113º do Código do Procedimento Administrativo). Daí, considerou o dia 3 de novembro o dies a quo do prazo para apresentação do requerimento inicial de embargos de executado e, com tal, o seu dies ad quem o dia 27.11.2020, por ao prazo de 20 dias acrescer a dilação de 5 dias (art.ºs 728º, nº 1 e 245º, nº 1, al. a)). Tendo sido o requerimento de embargos apresentado no dia 18.12.2020, considerou-o extemporâneo.
De modo diferente,
b) A executada defende que o prazo do requerimento de embargos só tem o seu dies a quo depois de decorrido o referido prazo de 15 dias de que dispõe para impugnação da decisão administrativa, nos termos do art.º 27º do RADT e que, por sua vez, se inicia apenas após o decurso do prazo de 10 dias a que se refere o art.º 23º do mesmo regime jurídico. Assim, o prazo de impugnação terminou no dia 23.11.2020, por aplicação dos referidos art.ºs 87º e 113º do Código do Procedimento administrativo. Ainda na sua perspetiva, acrescendo ao prazo de 20 dias da oposição por embargos duas dilações de 5 dias cada uma (por a executada ter sido citada em pessoa diversa e fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a ação comarca), o prazo de que dispunha para deduzir os embargos terminou no dia 5 de janeiro de 2021. Tendo sido apresentados no dia 18.12.2020, entende que estão em tempo.
Vejamos.
A questão, aqui essencial, da interpretação da norma da al. b) do nº 5 do art.º 24º do RADT foi tratada em vários arestos, entre eles da Relação do Porto de 21.12.2004[3] de 12.9.2016[4], de 10.12.2019[5], da Relação de Lisboa de 12.04.2005[6] e da Relação de Évora de 17.11.2016[7], parte deles citada pela recorrente e a cuja doutrina não hesitamos em aderir.
Os citados acórdãos da Relação de Évora e da Relação de Lisboa referem-se especificamente a situações em que houve impugnação judicial da decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário, seja ela a (segunda decisão) que é proferida pela Segurança Social nos termos do art.º 27º, nº 3, do RLADT, seja ela a que (de indeferimento) é proferida pelo tribunal no âmbito da impugnação caso a Segurança Social mantenha o indeferimento e, em conformidade com o referido preceito, remeta os autos para apreciação do tribunal competente. Para qualquer desses casos, entendeu-se ali que a al. b) do nº 5 do art.º 24º do RADT deve ser interpretada no sentido de que o prazo interrompido se (re)inicia após a sua notificação da decisão (administrativa ou judicial).
Ainda assim, não deixa o referido acórdão da Relação de Évora, na análise que faz, de defender que uma interpretação lógica, sistemática e conforme à Constituição da República da citada norma da al. b) do nº 5 do art.º 24º conduz a que também o requerente que, vendo o apoio indeferido pela Segurança Social, não impugna essa decisão, nem por isso deixa de beneficiar do prazo de impugnação previsto no nº 1 do art.º 27º do RADT para, a partir do respetivo termo, se iniciar a contagem do prazo cujo decurso estava interrompido pela comunicação a Juízo da apresentação do pedido de apoio judiciário.
A interrupção do prazo não pode ser tolhida pela mera ausência de impugnação judicial da decisão administrativa de indeferimento total ou parcial do seu pedido.
Porquê?
A decisão a que se refere a norma da al. b) do nº 5 do art.º 24º é a decisão definitiva, seja da administração, seja do tribunal na sequência de impugnação judicial daquela decisão.
Não faria sentido e seria mesmo contrário ao espírito do apoio judiciário permitir o (re)início do prazo interrompido antes de estar definitivamente decidido o apoio pretendido. Basta imaginar uma parte pretender o benefício da nomeação de patrono e pagamento dos respetivos serviços para a prática de um ato --- que poderá ser um prazo perentório interrompido, como é, por exemplo, a contestação ou a dedução de embargos ---em prazo que seja inferior ao prazo de 15 dias de impugnação judicial da decisão administrativa; teria então o requerente que contestar ou praticar o ato judicial mesmo antes de decorrido o prazo de impugnação, o que significa que até poderia ter de constituir mandatário (nas situações em que é obrigatória) antes de se encontrar definitivamente decidido o apoio judiciário.
Pior do que isso, poderia vir a ser-lhe concedido o benefício pretendido já depois de decorrido o prazo perentório da contestação ou da dedução de embargos, por exemplo; assim, numa altura em que de nada lhe servira o benefício do apoio judiciário, devido à preclusão do seu direito de contestar ou de embargar. E então para quê a nomeação de patrono se já precludira o seu direito à defesa?
Como se extrai do citado acórdão da Relação de Évora, seria inconstitucional e irracional que o prazo para a defesa --- interrompido por força da lei para a apreciação da insuficiência económica de um Requerente --- se tenha de reiniciar antes que esteja definitivamente decidida essa questão, maxime, quando a decisão recorrida lhe tenha sido desfavorável. Não faria sentido que, depois de vencido o recurso não pudesse então defender-se, pela simples e clara razão de já se haver esgotado o prazo para a sua apresentação.
Um réu não pode ser confrontado com o esgotamento do prazo para contestar quando ainda decorre o prazo para impugnar a decisão administrativa.
No silêncio da lei, o recurso da decisão administrativa sobre o despacho de indeferimento administrativo do pedido de apoio judiciário só pode então ter efeito suspensivo.
Não havendo impugnação judicial, como acontece no caso, tal prazo interrompido só pode iniciar-se após o termo do prazo concedido ao requerente para impugnar a decisão administrativa. Diz-se também naquele acórdão da Relação de Évora que “de facto, não podemos na interpretação da Lei do Apoio Judiciário deixar de ter presente que, existindo o instituto do apoio judiciário para assegurar que a insuficiência económica não seja impeditiva para que os cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos nos tribunais acedam à justiça, estabelece o artigo 20.º, n.ºs 1 e 2, da CRP, que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, garantindo que todos têm direito, nos termos da lei, (…) ao patrocínio judiciário. Ora, para cumprir tal imperativo constitucional, impõe-se que a interpretação da Lei do Apoio Judiciário se efectue de forma adequada à garantia dos direitos de defesa constitucionalmente consagrados, por parte daqueles que carecem de meios económicos para, no que ora importa, suportarem os honorários decorrentes do mandato forense para assegurarem a respectiva defesa”.
O procedimento de concessão de apoio não pode onerar o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa.
O prazo de 15 dias concedido pelo referido art.º 27º, nº 1, para impugnação judicial da decisão administrativa serve também para o requerente avaliar os prós e os contras dessa impugnação, não podendo deixar de correr para que aquela decisão se torne definitiva quando a parte se decida pela não impugnação.
O entendimento de que o prazo para contestar se inicia imediatamente à notificação ao requerente, pela segurança social, do indeferimento do pedido de nomeação de patrono, constitui um obstáculo ao princípio do acesso ao Direito e aos Tribunais consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição da República.
Na verdade, se à requerente do apoio judiciário assiste o direito de impugnar a decisão administrativa que lhe negou a nomeação de patrono, esse direito constitui condição suspensiva da obrigação de constituir mandatário na ação em que é embargante e em que é obrigatória a constituição de advogado, e de apresentar embargos enquanto não for decidida, em definitivo, essa impugnação.
Como se escreve no acórdão da Relação do Porto de 12.9.2016, “não é exigível ao requerente do apoio judiciário que constitua mandatário na acção judicial enquanto o seu pedido de nomeação de patrono não for definitivamente indeferido, sob pena de o obrigar ao pagamento de despesas decorrentes do mandato para as quais alegou insuficiência económica”.
A decisão administrativa só se torna definitiva quando está decorrido o prazo de impugnação judicial sem que o requerente do apoio judiciário use de tal direito. Findo esse prazo, de imediato se inicia o prazo interrompido para a prática do ato, que poderá ser a apresentação da contestação ou dos embargos na ação judicial.
Explicita-se naquele aresto desta Relação: «(…) o prazo para contestar a acção judicial, que se interrompeu com a apresentação do pedido de nomeação de patrono, inicia-se, nos termos do artigo 24º, nº 5, al. b) da LAJ, a partir da notificação do requerente do apoio judiciário da decisão judicial que julgou improcedente a impugnação judicial ou, não havendo impugnação judicial, a partir do termo do prazo concedido ao requerente do apoio judiciário para impugnar a decisão administrativa».
Só esta interpretação se revela coerente no sistema de apoio judiciário e capaz de assegurar que a insuficiência económica não seja impeditiva de os cidadãos que pretendam fazer valer os seus direitos nos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos acedam à justiça, não podendo esta ser denegada por insuficiência de meios económicos, antes se garantindo que todos têm direito, nos termos da lei, (…) ao patrocínio judiciário (art.º 20º, nºs 1 e 2, da Constituição da República).
O procedimento de concessão de apoio não pode onerar o requerente com uma diminuição das suas garantias de defesa. Desacompanhada de mandatário forense, a parte não dispõe de meios para, no processo defender (ou defender adequadamente) os seus direitos e interesses. Não é exigível, à luz do princípio do acesso ao direito e de uma defesa efetiva que a parte prossiga na lide enquanto não exista decisão definitiva sobre a concessão do benefício do patrocínio judiciário.
Poderia argumentar-se que, não tendo a embargante reagido em audiência prévia à proposta de decisão que lhe foi comunicada, tal proposta, ao converter-se em “decisão definitiva”, na expressão da norma do nº 2 do art.º 23º do RLADT, deixaria coartado o direito à sua impugnação judicial.
Não nos parece que assim seja. Quando ali se refere “decisão definitiva” não quer dizer-se que a mesma se torne não impugnável judicialmente, mas apenas que a proposta de decisão se converte na própria decisão e que esta já não será notificada à interessada.
De resto, a impugnação a decisão administrativa sempre poderá ter por fundamento algum vício não invocável no momento da apreciação da proposta.
Por conseguinte, o prazo de 20 dias de que a executada dispôs para deduzir os embargos só se iniciou após o decurso do prazo de impugnação judicial da decisão administrativa, de 15 dias, a contar do termo do prazo de 10 dias que foi fixado para a executada se pronunciar sobre a proposta de decisão (2.11.2020), nos termos dos citados art.ºs 23º, nºs 1 e 2 e 27º, nº 1; prazo aquele que, iniciado a 3.11.2020, terminou no dia 23.11.2020 (considerando o disposto, sobre notificações e contagem de prazos, nos art.ºs 87º e 113º do CPA).
Ensina Salvador da Costa[8] que «o referido prazo de quinze dias, porque não deve ser praticado em juízo, não é de natureza judicial, mas de estrutura substantiva. Por isso, corre continuadamente a partir do dia seguinte ao conhecimento da decisão pelos interessados, suspende-se nos sábados, domingos e feriados, e, se terminar no dia em que os serviços da segurança social estejam encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil imediato (artigos 72.º do Código do Procedimento Administrativo[9] e 37.º desta Lei)».
Aqui chegados, temos que o prazo para dedução de embargos se deve contar a partir de 24.11.2020 caso não se tenha esgotado antes da data da interrupção. A tal prazo perentório, defende a recorrente que deve ser adicionado o prazo dilatório de 10 dias, resultantes da soma da dilação de 5 dias por a citação ter sido efetuada em pessoa diversa da executada e de outros 5 dias por a sua citação ter ocorrido fora da área da comarca sede do tribunal onde pende a execução, ao abrigo do art.º 245º, nº 1, al.s a) e b) e nº 4, do Código de Processo Civil.
A executada foi citada no dia 29.6.2020, as férias judiciais iniciaram-se a 16.7.2020 e não se trata de um processo urgente, designadamente para efeitos de contagem de prazos (art.º 138º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A interrupção do prazo, com base no nº 4 do art.º 24º do RLADT, ocorreu no dia 31.8.2020, quando a executada comunicou ao processo de execução ter pedido apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento da taxa de justiça e demais encargos e nomeação de patrono.
Os prazos de dilação (prazos dilatórios) são os que diferem para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo (art.º 139º, nº 2, do Código de Processo Civil). Constituem um prazo suplementar que visa retardar a efeito de preclusão do prazo perentório subsequente de modo a acautelar uma situação presuntiva de demora, para estabelecimento de equidade das posições dos sujeitos processuais, atenuando as dissimetrias resultantes dos fatores de dilação previstos no art.º 245º.
O prazo dilatório precede o prazo perentório quando coexistam numa contagem (art.º 142º do Código de Processo Civil). Não deixam de ser dois prazos distintos (o ditatório e o perentório), mas contam-se como se de um só se tratasse; assim, regendo aquele normativo sobre todas as questões relativas à contagem do prazo, onde se inclui não apenas saber em que dia se inicia o prazo e se a contagem é contínua ou interpolada, mas ainda a aplicação de eventuais causas de suspensão ou interrupção do prazo.[10]
De igual modo, funcionando duas dilações, ambas se contam em conjunto, como se de uma única se tratasse, acrescendo uma à outra (art.º 245º, nº 4, do Código de Processo Civil).
Citada a 29.6.2020 e devendo o prazo de dilação contar-se juntamente com o prazo perentório de 20 dias, o seu total é de 30 dias. Estava em curso quando no dia 16 de julho se suspendeu devido às férias judiciais (art.º 138º, nº 1, do Código de Processo Civil). Deveria ter sido retomada a sua contagem após as férias, no dia 1 de setembro seguinte, mas, como se interrompeu no dia 31 de agosto, a sua contagem tem que ser reiniciada apenas após ter findado a interrupção, ou seja, no dia 24.11.2020. Assim os 30 dias a contar para a dedução de embargos esgotaram-se no dia 5 de janeiro de 2021.
O requerimento inicial de embargos foi apresentado no dia 18 de dezembro, logo os embargos são tempestivos.
Mas ainda que se entendesse que as suspensões e interrupções do prazo se aplicam autonomamente ao prazo de dilação e ao prazo dos embargos, como já foi defendido[11], o requerimento de embargos seria igualmente tempestivo. O prazo de dilação ter-se-ia esgotado no dia 13 de julho seguinte. No dia 14 ter-se-ia iniciado o prazo dos embargos que se suspenderia no dia 16, dado o início das férias judiciais (art.º 138º, nº 1, do Código de Processo Civil). Reiniciada a sua contagem após ter findado a interrupção, ou seja, no dia 24.11.2020, tal prazo de 20 dias para dedução de embargos ter-se-ia esgotado no dia 23 de dezembro de 2020, ainda assim depois da data da apresentação do requerimento de embargos.
A apelação procede.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação procedente e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, admitindo-se os embargos à execução.
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Custas pela embargante, dado que não foram oferecidas contra-alegações e foi ela que tirou proveito do recurso, não sendo ele imputável ao exequente, sem prejuízo da taxa de justiça já paga (art.º 527º, nº 1, do Código de Processo Civil).
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Porto, 9 de junho de 2021
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
________________ [1] Instituto de Segurança Social, IP. [2] Adiante RLADT. [3] Proc. nº 0426036, cuja atualidade se mantém, apesar de tirado no domínio da Lei nº 30-E/2000 (as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 38/2003 e as levadas a cabo pela Lei n.º 34/2004, não alteraram substancialmente nesta matéria a redação anterior). [4] Proc. nº 1629/15.8T8MTS.P1, inwww.dgsi.pt. [5] Proc. nº 5879/18.7T8MTS.P1, inwww.dgsi.pt. [6] Colectânea de Jurisprudência, Tomo 2, pág. 20. [7] Proc. nº 2611/15.0T8STR.E1, inwww.dgsi.pt. [8] O Apoio Judiciário, 9.ª edição atualizada e ampliada, Almedina, 2013, pág. 186. [9] Corresponde atualmente ao art.º 87.º do Decreto-lei n.º 4/2015, de 7 de Janeiro, que no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º 42/2014, de 11 de Julho, aprovou o novo Código do Procedimento Administrativo (entretanto alterado pela Lei nº 72/2020, de 16 de novembro), e rege sobre a contagem dos prazos nos termos citados. [10] Acórdão da Relação do Porto de 11.2.2021, ECLI:PT:TRP:2021:3983.19.3T8VCT.A.P1, em que foi relator o aqui Ex.mo 2º Adjunto (inédito). [11] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6.6.2019, proc. n.º 2008/17.8T8BRG-B.G1.S2, inwww.dgsi.pt.