RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
DUPLA CONFORME
FUNDAMENTAÇÃO ESSENCIALMENTE DIFERENTE
REVISTA EXCECIONAL
FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR
DESPACHO DO RELATOR
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
Sumário


I. Não há fundamentação essencialmente diversa para efeitos de excluir a dupla conformidade decisória (art.º 671.º, n.º 1 e 3, do CPC) quando o Tribunal de 1ª instância e o Tribunal da Relação decidiram que não se mostrava violado o disposto no artigo 1730.º do Código Civil, reiterando que os ex-cônjuges podem atribuir valor aos bens,  e que a partilha pode ser anulada quando invocados falta ou vícios da vontade, ainda que o  Tribunal da Relação tenha acrescentado que, adicionalmente, a partilha também poderia ser anulada por fraude à lei, indicando que esta também não ocorreu no caso em apreciação.
II. Não é aplicável o regime do art.º 629.º, n.º 2, al. d), previsão se circunscreve aos casos em que se pretenda recorrer de acórdão proferido em ação com valor superior à alçada da Relação mas relativamente à qual esteja legalmente prevista a exclusão do recurso de revista por outro motivo (v.g. procedimentos cautelares, cf. artigo 370.º do Código de Processo Civil; expropriações, cf. artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações).
III. Ocorrendo o obstáculo dupla conforme e tendo sido solicitada a admissão da revista pela via excecional, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, a decisão sobre a verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.

Texto Integral


Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

 

1. AA propôs a presente ação declarativa, sob a forma ordinária, contra BB, pedindo que seja declarada nula a escritura de partilhas entre ambos celebrada em 20.02.2006 ou, em alternativa, que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €193.485,36 a título de tornas para igualação da partilha.

Alega que:

- Autora e Réu foram casados um com o outro, casamento que cessou por divórcio;

- Sofreu maus tratos infligidos pelo Réu durante o casamento e que padeceu de perturbação depressiva e consumo excessivo de álcool;

- Foi num momento de intensa depressão e demência que assinou os documentos no escritório do advogado, continuando a ser ameaçada para assinar a escritura de partilhas, o que fez;

- A autora ficou prejudicada na partilha dos bens por escritura, sendo atribuídos aos bens valores equiparados, evitando que o Réu ficasse a dever tornas à A., como seria se os valores atribuídos fossem os reais, nos termos alegados, e que no seu entender consubstancia nulidade por ofender os bons costumes e por o Réu ter ficado com valor superior ao dobro do que lhe era devido;

- O negócio seria anulável face ao estado de incapacidade em que se encontrava.

2. O Réu contestou, invocando, por esta ordem, as exceções de litispendência, caducidade do direito de ação, ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir, ilegitimidade por preterição de litisconsórcio necessário passivo e incompetência territorial do tribunal, impugnando a generalidade da matéria de facto alegada pela autora e deduzindo reconvenção fundada em litigância de má-fé por parte da autora e em danos não patrimoniais por esta causados, no montante global de € 10.000.

3. Foi proferido sentença que julgou improcedentes, quer a ação, quer a reconvenção.

4. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação.

5. O Tribunal da Relação de ……… veio a julgar improcedente o recurso.

6. Novamente inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista “nos termos do artigo 671º, n.º 1 do C.P.C., ou subsidiariamente nos termos do artigo 629º, nº 2, al. d) do C.P.C., apresentar recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, ou subsidiariamente recurso de Revista excecional nos termos do artigo 672º, nº 1, als. c), a) e b)”.

7. O Recorrido, nas suas contra-alegações, veio opor-se à admissão do recurso de revista.

8. O Relator proferiu a seguinte decisão:

- Não se admite o recurso de revista, regime regra, quer por força da verificação da dupla conforme (n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil), quer por não se verificar uma situação em que o recurso é sempre admissível;

- Determinar a remessa dos autos à Formação de Juízes a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, para verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excecional.

9. A Recorrente veio reclamar para a conferência, invocando que a fundamentação não é essencialmente diferente e que o recurso de revista é admissível nos termos do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

10. O Recorrido veio responder, concluindo pela manutenção da decisão do Relator.

11. Cumpre apreciar e decidir.


II. Delimitação do objeto da reclamação

Conforme deflui da análise da reclamação apresentada, a questão a decidir consiste em saber se o Acórdão da Relação é recorrível nos termos em que pretende o Reclamante, isto é, se no caso presente é admissível o recurso de revista, regime regra.


III. Fundamentação

1. Factualismo processual relevante

1.1. Para decisão do objeto da presente reclamação, releva o factualismo antes referido no precedente Relatório, para o qual se remete.

2. Apreciação

Na decisão do Relator, com o que se concorda, afirmou-se que:

“Cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos (n.º 1 do artigo 671.º do Código de Processo Civil).

Sem prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte (n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil).

Ora, no caso presente, verifica-se que o Tribunal da Relação confirmou a decisão proferida na 1ª instância, sem voto de vencido, e sem fundamentação essencialmente diferente.

A Recorrente refere que a fundamentação é essencialmente diferente, tendo, em resposta, o Recorrido referido que a fundamentação não é essencialmente diferente.

Como se afirma no Acórdão do STJ, de 31 de maio de 2016 (consultável em Sumários, Maio/2016, p.73), “há fundamentação essencialmente diferente quando a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada.”

No caso presente, na sentença proferida, o Tribunal de 1.ª instância considerou que não se mostrava violado o disposto no artigo 1730.º do Código Civil, referindo, ainda, que os ex-cônjuges podem atribuir valores aos bens e que a partilha “extrajudicial só é impugnável nos termos em que o sejam os contratos”.

Assim, veio a julgar a ação improcedente.

O Tribunal da Relação ……. apreciou a mesma questão, considerando que não se mostrava violado o disposto no artigo 1730.º do Código Civil, reiterando que os ex-cônjuges podem atribuir valor aos bens, que a partilha pode ser anulada quando invocados falta ou vícios da vontade.

O Tribunal da Relação …… acrescentou, ainda, que poderia ser anulada por fraude à lei, o que não tinha ocorrido no caso presente.

Deste modo, e como já anteriormente referido, a fundamentação não é essencialmente diferente, pois a referência efetuada pela Relação à fraude à lei não altera substancialmente a fundamentação ao Acórdão (não sendo este o fundamento da improcedência da apelação, mas a não violação do disposto no artigo 1730.º do Código Civil) pelo que ocorre, no caso concreto, a dupla conforme que impede a admissibilidade do recurso de revista, regime geral (cf. n.ºs 1 e 3 do artigo 671.º do código de processo Civil).

Contudo, a Recorrente vem, subsidiariamente, interpor recurso de revista, invocando, no seu entendimento, que ocorre um caso em que o recurso é sempre admissível: o previsto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

A Recorrente refere que o Acórdão sob recurso está em contradição com diversos acórdãos da Relação ……. quer de outras Relações (identificando alguns deles e juntando cópias).

O Recorrido, nas suas contra-alegações, refere que ao caso presente não é aplicável o disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil.

Vejamos.

- alínea d) do nº 2 do artigo 629º -

 “Independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

(…)

d) Do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão para uniformização de jurisprudência.”

Ora, este preceito tem obtido o entendimento do STJ que a previsão se circunscreve aos casos em que se pretenda recorrer de acórdão proferido em ação com valor superior à alçada da Relação mas relativamente à qual esteja legalmente prevista a exclusão do recurso de revista por outro motivo (v.g. procedimentos cautelares, cf. artigo 370.º do Código de Processo Civil; expropriações, cf. artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações) – ver, entre outros Acórdãos de 24/11/2016, processo n.º 1655/13, de 23/06/2016, processo n.º 26-03-2015 e de 17/11/2015, processo n.º 3709/12, todos in www.dgsi.pt..

Assim, verifica-se que não admissível recurso de revista com aquele fundamento, porquanto não estamos em presença de qualquer dos casos em que é aplicável o disposto naquela disposição legal.

Deste modo, também não é admissível o recurso de revista, regime regra, com este fundamento.

A Recorrente veio, ainda, interpor, subsidiariamente, recurso de revista excecional, invocando, como fundamento, o disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil.

Como atrás já se referiu estamos em presença da denominada dupla conforme (n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil).

Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, a decisão sobre a verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 compete ao Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis.

Deste modo, os autos deverão ser remetidos à Formação de Juízes a que alude o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, para a verificação do pressuposto de admissibilidade do recurso invocado pela Recorrente”.


IV. Decisão

           

Posto o que precede, acorda-se em indeferir a presente reclamação.

Custas pelo Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.          


Lisboa, 25 de maio de 2021


Pedro de Lima Gonçalves (relator)

Fátima Gomes

Fernando Samões


Nos termos do disposto no artigo 15.º-A do decreto – Lei n.º 20/2020, de 1 de maio, declara-se que têm voto de conformidade os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos Fátima Gomes e Fernando Samões.