I. A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação.
II. Não constitui inovação para os efeitos do n°1 do Artigo 1425° do Código Civil, a obra - aprovada em deliberação da assembleia de condóminos - que consiste na substituição de um elevador antigo por um novo, acompanhado da relocalização do motor existente no 4° piso para o rés-do-chão, num contexto em que o elevador a substituir se encontra desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresenta evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta no relatório da inspeção.
1. AA e Reaching Time Unipessoal, Lda. intentam ação declarativa de anulação de deliberações de assembleia de condóminos contra BB e CC, formulando os seguintes pedidos: a anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 12.2.2019 do prédio sito na Rua ……….., constante da Ata n° …., que aprovou a proposta de substituição do elevador do prédio de acordo com a proposta da empresa Easylift a anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 12.2.2019, do prédio sito na Rua …….., que aprovou o orçamento e proposta de trabalhos da empresa João Luís Cunha Durão com a pintura geral de paredes e tetos do vão de escada com as demãos necessárias na cor a definir.
Os Réus contestaram, arguindo a exceção dilatória da falta de legitimidade passiva dos Réus e por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.
2. Em 18.10.2019, foi proferido saneador-sentença que julgou existir a exceção dilatória da ilegitimidade passiva dos Réus, mas que, ao abrigo do artigo 278°, n°3, do Código de Processo Civil (CPC), conheceu de mérito, com o seguinte dispositivo:
«Termos em que, face ao exposto, julgo a presente acção interposta por AA e Reaching Time Unipessoal, Lda. contra BB e CC, improcedente, e, em consequência, não se decreta nem a nulidade, nem a anulação, das deliberações tomadas na assembleia de condóminos do dia 12.2.2019, referentes à aprovação da substituição do elevador do prédio id. nos autos de acordo com a proposta da empresa Easylfit e do orçamento e proposta de trabalhos da empresa JOÃO LUÍS CUNHA DURÃO para pintura geral de paredes e tectos do vão de escada com as demãos necessárias na cor a definir.»
3. Não se conformando com a decisão, dela apelaram os requerentes, tendo o Tribunal da Relação ……… proferido acórdão, com um voto de vencido, que julgou improcedente a apelação, confirmando a sentença do tribunal de 1.ª instância.
4. Novamente inconformados, os autores interpõem recurso de revista, em que formulam as seguintes conclusões:
«I. O presente recurso de revista vem interposto do acórdão que tendo julgado improcedente a apelação, confirmou a sentença recorrida que não anulou as deliberações impugnadas pelas Autoras.
II. O voto de vencido vertido no acórdão recorrido espelha, integralmente, o entendimento das Recorrentes – quer quanto à questão da legitimidade processual, quer quanto à questão de fundo, referente à legalidade da deliberação impugnada.
III. Não há dúvidas de que o tema da legitimidade passiva nas acções de anulação de deliberação da assembleia de condóminos tem ocupado a jurisprudência e a doutrina, mas não se crê que a solução a acolher seja a perfilhada pelo Tribunal a quo.
IV. A letra da lei, tanto no art. 1433.º, n.º 6, do CC, como no art. 383.º, n.º 2, do CPC de 2013 é muito clara, não deixando margem para qualquer dúvida interpretativa.
V. O nº 6 do artigo 1433º do código Civil é decisivo no afastar da legitimidade do próprio condomínio, e no afirmar da legitimidade dos condóminos, apenas suscitando, eventualmente, dúvidas quanto a saber quais os condóminos contra quem a acção deve ser proposta: “A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.”
VI. Quando um condómino intenta uma ação para impugnação de uma deliberação da assembleia de condóminos está fundamentalmente em litígio com o(s) outro(s) condómino(s), como a prática bem demonstra e como é o caso dos autos.
VII. Na falta de uma norma que contenha uma indicação em contrário, por exemplo como a que consta do art. 60.º do CSC (nos termos da qual "Tanto a acção de declaração de nulidade como a de anulação são propostas contra a sociedade") ou de alteração legislativa clarificadora, não existe motivo para reconhecer legitimidade processual passiva ao condomínio.
VIII. Sendo jurisprudência do nosso Supremo Tribunal de Justiça que as acções para anulação de deliberações tomadas em sede de assembleias de condóminos devem ser intentadas contra os condóminos que as votaram favoravelmente.
IX. No caso dos autos as Recorrentes intentaram a acção prevista em tal normativo contra os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação que visavam impugnar e requereram, em sede de petição inicial, “a Administração do Condomínio nos termos do nº 6 do artigo 1433º do CC, na pessoa do Administrador do Condomínio, o Sr. Arquitecto EE, com domicílio profissional na Rua ……. na senda do que tem sindo a ver decidido pela jurisprudência, ou, se assim não se entender, o Senhor Administrador do Condomínio e, ainda, os condóminos ora Réus na presente acção.”
X. Pelo que deveria a excepção dilatória invocada pelos Réus, ora Recorridos, ter sido conhecida e julgada improcedente.
XI. Por outro lado, e quanto à questão de saber se houve violação do artº 1425º do CC e se as obras aprovadas através de deliberação por maioria simples correspondem a inovações que deveriam ser aprovadas por maioria de 2/3, entende-se que mal andou o Tribunal a quo ao concluir pela inexistência de inovação.
XII. Nos termos do nº 1 do artigo 1425º do Código Civil, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.
XIII. “Inovar” é nada mais, nada menos, do que “criar”, “fazer algo de novo”, “trazer algo de novo” àquilo que está. Obras inovadoras serão, portanto, aquelas que trazem algo de novo ao que está, algo de “criativo”, introduzindo uma “novidade”, ou seja, algo diferente daquilo que está. São aquelas que alteram a edificação no seu estado original.”
XIV. Nos autos está em causa a substituição integral de um elevador, clássico, com porta de correr, por uma plataforma vertical com cilindro hidráulico, com a consequente relocalização do motor do elevador de um piso superior para o rés-do-chão.
XV. A referida obra representa uma inovação, no sentido do conceito tal como tem vindo a ser construído pela jurisprudência, pelo que tinha de ser aprovada através de maioria correspondente a 2/3 do valor total do prédio.
XVI. Veja-se que a obra ilegalmente deliberada por maioria simples constitui uma inovação quer porque traduz a introdução no prédio de um elevador, com características completamente distintas do elevador existente, mudança que do ponto de vista estético é radical, quer porque a obra comportou uma mudança de local do motor igualmente, uma inovação que altera a edificação relativamente à situação actual: a incorporação no edifício, em local distinto, do motor de elevador, importa a introdução numa parte comum, o r/c do prédio dos autos, de uma volumetria que antes não existia, modificando espaços comuns.
XVII. A introdução de um elevador, com características estéticas completamente distintas do elevador existente, contende com arranjo estético do edifício, consubstanciando inovação para os efeitos do disposto no artigo 1425º, exigindo, assim, a sua deliberação uma aprovação por maioria de dois terços do valor total do prédio, o que não sucedeu.
XVIII. A aprovação de tal obra por maioria simples fere a deliberação em causa de nulidade nos termos do nº 1 e 4, segunda parte, do artigo 1433º do Código Civil – “se os condóminos tomarem deliberações de conteúdo contrário a normas imperativas, a sanção aplicável não pode deixar de ser a nulidade”.
XIX. O entendimento do Tribunal a quo vertido no acórdão recorrido resulta de uma incorrecta interpretação dos artigos 1433º nºs 1 e 6 e 1425º do Código Civil.
XX. Uma interpretação correcta do disposto naqueles preceitos impunha que o Tribunal conhecesse da excepção dilatória e a julgasse improcedente e que considerasse procedente o pedido das Autoras em relação à anulação da deliberação referente à substituição do elevador, revogando a sentença recorrida.
XXI. Tendo o acórdão sob recurso feito uma incorrecta interpretação do disposto nos artigos 1433º nºs 1 e 6 e 1425º do Código Civil, deve o mesmo ser revogado e substituído por outro que julgue procedentes o pedido formulado pelas Autoras, ora Recorrentes, no sentido de declarar nula a deliberação que determinou a substituição do elevador e relocalização do motor e que conhece da excepção dilatória invocada pelos Réus e a julgue improcedente.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e o acórdão em crise revogado, substituindo-se por outro que i) conheça da excepção dilatória invocada pelos Réus, ora Recorridos, e a julgue totalmente improcedente ii) declare nula a deliberação de substituição do elevador do prédio objecto dos autos e relocalização do motor do mesmo, aprovada por maioria simples, em manifesta violação do disposto no nº 1 do artigo 1425º do Código Civil».
5. Os réus apresentaram contra-alegações, que aqui se consideram integralmente transcritas, nas quais pugnaram pela manutenção do decidido.
6. Sabido que o objeto do recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, se delimita pelas conclusões, as questões a decidir são as seguintes:
I – Legitimidade passiva da ação de anulação de deliberação proferida em assembleia de condóminos: isto é, saber se detêm esta legitimidade os condóminos, que aprovaram a deliberação, ou se essa legitimidade cabe ao próprio condomínio, ainda que em ambos os casos representados pelo administrador.
II – Saber se a substituição integral do atual elevador e relocalização do motor existente no 4° piso para o Rés do Chão constitui obra de inovação, carecendo a deliberação de maioria de 2/3 do valor total do prédio, nos termos do artigo 1425.°, n.° 1, do Código Civil.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
A – Os factos
As instâncias consideraram como provada a seguinte factualidade:
1 - Autoras e Réus são os únicos condóminos do prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal sito na Rua ……, em ……, composto por 5 fracções (A , B, C, D e E).
2 - A Autora AA é proprietária das Fracções C e D do identificado prédio.
3 - A Autora Reaching Time é proprietária da fracção B do mesmo prédio.
4 - Os Réus BB e CC são proprietários das Fracções A e E do prédio em causa.
5 - Às fracções A e E , propriedade dos Réus, corresponde a permilagem de 600 (100+500), e o remanescente (400) às Autoras, proprietárias das Fracções B, C, e D.
6 - No dia 12 de Fevereiro de 2019, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária de Condomínio do identificado prédio, com a seguinte ordem de trabalhos:
1. Votação de todos os trabalhos e orçamentos apresentados na Assembleia Geral n°25:
Ponto um: Renovação do elevador
Ponto dois: Renovação e recuperação do hall de entrada e escada edifício
Ponto três: Nova porta de entrada para albergar 4 entradas de correio
2. Apresentação de orçamento para restauro dos terraços do piso 5.
3. Limpeza da fachada principal do edifício.
4. Discussão sobre alterações efectuadas à fachada do prédio desde 2015
5. Apresentação de Relatório técnico sobre o estado do edifício.
6. Apresentação das contas de 2019
7. Determinação de provisões/orçamento de condomínio para o ano de 2019
8. Recondução da Administração do condomínio, conforme Convocatória junta como doc.7 com a p.i.
7 - Como consta da Acta da referida Assembleia, as Autoras fizeram-se representar por DD (marido da Autora AA) e os Réus fizeram-se representar pelo seu mandatário, Dr. FF. - cfr. Acta n° 26 junta como doc.8 com a p.i..
8 - No n° 1 da ordem de trabalhos, concretamente nos pontos um (renovação do elevador) e dois (renovação e recuperação do hall de entrada e escada edifício) do referido número 1, consta:
"Tomou a palavra o Dr. DD, apresentando uma consulta feita à empresa Thyssen Group, empresa essa que apresentou proposta, que segundo o Dr. DD, responde e corrige os pontos levantados no relatório efectuado em 2015, bem como é uma solução mais económica.
Tomando a palavra o Dr. FF, referiu que existindo uma proposta que resolve o problema fundamental de retirar a casa das máquinas do interior do apartamento do casal BB e CC, deverá esta ser esta objeto de aprovação no esteio do que foi também o parecer da empresa easylift, que fica em anexo.
Referiu ainda o Dr. DD, que tal ponto não é referido no relatório de inspeção efetuado pela BUREU VERITAS RINAVE em 2015. Sendo que a nova proposta da Thyssen responde a todos os pontos e problemas levantados no relatório supra citado."
9 - Na sequência destas intervenções, e como resulta da acta, foi posto à votação o orçamento e proposta de trabalhos da empresa Easylift (apresentado pelos Réus), e foi a mesma "aprovada pelo condómino das "A" e "E" que representam uma permilagem de 600/1000, e não aprovada pelo condómino das fracções "B", "C" e "D" que representa uma permilagem de 400/1000."
10 - Foi deliberada a renovação do elevador do prédio de acordo com a proposta da empresa Easylift, de 23.07.2018 com a ref. N° IN18 0132.2 PR, proposta apresentada pelos Réus e que já havia sido anexa à Acta n° 25 correspondente a Assembleia de Condóminos realizada a 22 de Novembro de 2018, cuja cópia foi junta como doc.8 com a p.i.
11 - A Deliberação referida em 10- , como decorre da leitura da acta, foi aprovada por maioria simples, uma vez que contou apenas com os votos favoráveis dos Réus (a quem corresponde a permilagem de 600)
12 - Na Acta n° 25, em que constituiu igualmente ponto da ordem de trabalhos "a renovação do elevador", e a que foi anexa a proposta aprovada na Assembleia objecto dos autos (e que dá origem à acta n° 26) lê-se:
"Tomou a palavra BB, que apresentou uma proposta de renovação do elevador pela empresa denominada Easylift Engenharia e Projectos limitada, com o valor de € 22.232,00, que implica a substituição integral do actual elevador, com a relocalização do motor existente no 4° piso para o rés-do-chão da fracção A.
Ficou acordado que devido ao caracter técnico da proposta, a mesma exige uma análise detalhada por parte de todos os condóminos, tendo ficado acordado que este ponto seria novamente discutido em assembleia-geral a ter lugar em Fevereiro."
13 - Na mesma acta e quanto à pintura das paredes do prédio, lê-se o seguinte:
Em relação à pintura e barramento das paredes das escadas comuns do prédio, o Dr. DD referiu que nada tem a opor desde que mantenha todas as características, nomeadamente a cor e textura actual.
Tomou a palavra o Dr. FF, referindo que quanto a ele a proposta apresentada em nada altera a estética das paredes existentes.
Posto à votação o orçamento e proposta de trabalhos apresentado pela empresa Luis Cunha Durão, apresentado na Acta n° 25 de vinte e dois de novembro de 2108, foi a mesma aprovada pelo condómino das fracções "A" e "E" e representam uma permilagem de 600/1000, e não aprovada pelo condómino das fracções "B", "C" e "D" que representa uma permilagem 400/1000, por considerar que altera a estética e aspeto das paredes interiores."
14 - Em anexo à referida acta n° 25, consta o orçamento da empresa "JOÃO LUIS CUNHA DURÃO - EMPREITEIRO DE CONSTRUÇÃO CIVIL", o qual se refere a pintura geral de paredes e tectos do vão de escada com as demãos necessárias na cor a definir."
Porque foi referido que a intenção era a de aplicar uma tinta com uma textura e cor diferente da existente, fez o representante das condóminas das fracções "B", "C" e "D", ora AA., questão que constasse em acta que "entende que a pintura da parede com alteração de cor e tipo de tinta constituem uma inovação, e como tal a sua aprovação exige uma maioria qualificada nos termos do n° 1 do art° 1425 do código civil o que não se verificou por quanto apenas existiu uma maioria simples".
15 - Dá-se aqui por reproduzido o relatório de inspeção datado de 2.11.2015, relativo ao elevador do prédio id. nos autos, junto como doc.3 com a contestação, e bem assim o relatório técnico com proposta de aplicação de novo ascensor datado de 15.3.2016, junto como doc.5 com a contestação.
B – O Direito
I. Legitimidade passiva para a ação de anulação de deliberação de uma assembleia de condomínio
1. Defende o acórdão recorrido que «A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação».
Alegam os recorrentes, autores da presente ação, que tal entendimento é contrário à letra da lei e ao seu espírito, bem como à jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal de Justiça. Os recorrentes fundamentam a sua tese no artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, segundo o qual «A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito», defendendo a legitimidade passiva dos condóminos que votaram positivamente a deliberação impugnada, muito embora representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados. Citam jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, de 2006, 2007 e 2008, segundo a qual a ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem de ser interposta contra os condóminos que as votaram, que naquela devem figurar como réus, embora representados em juízo pelo administrador, que é quem deve ser citado. A ideia base que subjaz a esta orientação é a de que a questão da legitimidade não respeita diretamente ao condomínio, mas envolve antes os próprios condóminos, enquanto membros do órgão deliberativo que é a assembleia de condóminos. Nesta perspetiva, a questão da impugnação das deliberações seria um litígio entre condóminos (os que votaram contra e os que votaram a favor), sendo neles que radica a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação. No mesmo sentido, invocam também a letra do artigo 383.º, n.º 2, do CPC/2013, concluindo que não há margem para qualquer dúvida interpretativa que justifique uma interpretação corretiva e que na falta de uma norma que contenha uma indicação em contrário, como a que consta do artigo 60.º do CSC (nos termos da qual "Tanto a ação de declaração de nulidade como a de anulação são propostas contra a sociedade"), não existe motivo para reconhecer ao condomínio qualquer legitimidade passiva.
2. Esta questão tem dividido a jurisprudência, quer nas Relações, quer no Supremo Tribunal de Justiça. Em defesa da tese da ilegitimidade passiva dos condóminos, foi proferido um recente acórdão desta Secção, de 04-05-2021 (proc. n.º 3107/19.7T8BRG.G1.S1), em cujo sumário se estipulou que «A acção de anulação de deliberação da assembleia de condóminos deve ser instaurada contra o condomínio, por só ele ter legitimidade passiva, embora representado pelo respectivo administrador».
Os fundamentos da decisão, após uma vasta exposição jurisprudencial e doutrinal, foram os seguintes:
«O art.º 12.º, al. e), do actual CPC, reproduzindo o art.º 6.º do CPC de 1961, na versão proveniente da revisão de 1995/96 [15], atribui personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.
Esta disposição legal remete para o art.º 1437.º do Código Civil, que prevê especificamente a “legitimidade do administrador” para agir em juízo activa e passivamente, nalguns casos, e também para o art.º 1436.º do mesmo Código que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui a execução das deliberações da assembleia [alínea h)].
Por sua vez, o art.º 1433.º, n.º 6, do Código Civil prevê que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito”.
A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (art.ºs 1431.º e 1432.º, ambos do Código Civil), órgão deliberativo a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (art.º 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da administração (art.ºs 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).
Como bem se refere no acórdão da Relação do Porto, de 13/2/2017, proferido no processo n.º 232/16.0T8MTS.P1 [16], parcialmente transcrito no acórdão deste Supremo, de 24/11/2020, já citado:
“Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência”.
Por isso, entende-se que, quando no n.º 6 do art.º 1433º do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva - a assembleia de condóminos -, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já se viu.
Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Concluímos, assim, com o devido respeito por outros entendimentos, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador.
Esta solução, como refere Miguel Mesquita [17], é a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil.”
Com ela afastam-se problemas que resultariam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja pelo elevado número de condóminos de certos edifícios, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de proceder à sua identificação, como sucede no caso dos autos, na versão apresentada pela recorrente.
A citação do administrador não evitaria esse problema, porquanto se trata de apurar a legitimidade passiva para a acção, ou seja, quem devia ser demandado e não quem os representa, sendo que, na tese que sustentamos, também o administrador representa o condomínio. Trata-se de saber quem deve figurar como parte, do lado passivo, e não o seu representante, questões distintas, como é evidente.
Atento o pedido formulado – de anulação da deliberação da assembleia de condóminos de 4/4/2019 – de acordo com a tese que sustentamos, cremos não haver dúvidas de que a legitimidade passiva é do condomínio, ainda que representado pelo seu administrador».
Neste acórdão citam-se outras decisões deste Supremo Tribunal, no mesmo sentido, de 2005, 2006 e de 2007, bem como outros mais recentes, cujo sumário agora se transcreve:
- Acórdão de 25/9/2012, revista n.º 3592/09.5TBPTM.E1.S1- 6.ª Secção, com o seguinte sumário:
“I - O condomínio é um ente colectivo, constituído pelo conjunto dos condóminos, que manifesta a sua vontade através das deliberações da assembleia dos condóminos e do respectivo administrador – arts. 1430.º, n.º 1, 1432.º, 1435.º e 1436.º do CC.
II - As deliberações impugnadas da assembleia dos condóminos não são pessoais de cada condómino, mas do condomínio, como ente colectivo, que as aprovou em assembleia convocada para o efeito, nos termos legais e regulamentares.
III - Numa acção de impugnação de deliberações da assembleia dos condóminos o condomínio pode estar em juízo, representado pelo respectivo administrador.”
- Acórdão de 24/11/2020 (Revista n.º 23992/18.9T8LSB.L1.S1 – 6.ª Secção), com o seguinte sumário:
“I – O condomínio é um ente colectivo, constituído pelo conjunto dos condóminos, que manifesta a sua vontade através das deliberações da assembleia dos condóminos.
II – A deliberação tomada pela assembleia de condóminos exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados, designadamente dos que a aprovaram.
III – A própria essência de uma deliberação constitui um conteúdo autonomizado da vontade dos sujeitos individuais que nela intervieram e para ela contribuíram, configurando-se não como uma soma das vontades singulares, mas como uma realidade autónoma e distinta.
IV – Na acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador”.
Estamos perante uma questão de direito que não conhece uma resposta única, sendo possível esgrimir argumentos com racionalidade e pertinência a favor de qualquer uma das teses em confronto. Todavia, neste Supremo Tribunal, designadamente, nesta secção, está a desenhar-se uma tendência para aderir à tese de que a legitimidade passiva cabe ao condomínio. Na verdade, sendo um dos valores primordiais do processo civil a celeridade, tem que se ponderar que a citação individual de cada um dos condóminos, que aprovou a deliberação, nos prédios constituídos em propriedade horizontal com muitos moradores, acentua a morosidade da justiça e dificulta a tramitação do processo. A circunstância de o prédio do presente caso não ter estas caraterísticas, devido ao reduzido número de condóminos, não invalida que deva prevalecer a tese mais prática para a celeridade dos processos. As orientações jurisprudenciais devem revestir-se de generalidade e abstração, não sendo adequado à segurança jurídica que haja divisões consoante a dimensão da propriedade horizontal.
Assim, subscreve-se a tese do acórdão de 4 de maio de 2021 proferido pela 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, e decide-se que a legitimidade para a presente ação cabe ao condomínio representado pelo Administrador.
II – Substituição do elevador como inovação a exigir maioria de 2/3 nos termos do artigo 1425.º, n.º 1, do Código Civil.
3. Entendem os recorrentes, a este propósito, que a introdução no prédio de um elevador, com características completamente distintas do elevador existente, representa uma mudança radical do ponto de vista estético e modifica espaços comuns, na medida em que comporta uma mudança de local do motor do elevador do 4.º andar para o rés do chão.
Vejamos:
De acordo com o relatório técnico referido no facto provado 15, «O ascensor existente foi instalado ao abrigo do regulamento de 1936, encontra-se desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresente evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta no relatório da inspeção. / O ascensor possui acessos diretos aos apartamentos dos pisos superiores, situação que não foi registada no relatório de inspeção, mas que é necessário resolver nos termos da circular 3/2010/DSE-EL.»
Nos termos do artigo 1422°, n° 2, al. a), do Código Civil, é vedado aos condóminos prejudicar, quer com obras novas, quer por falta de reparação, a segurança, a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício. E, nos termos do n°3, as obras que modifiquem a linha arquitetónica ou o arranjo estético do edifício podem ser realizadas se para tal se obtiver a prévia autorização da assembleia de condóminos, aprovada por maioria representativa de dois terços do valor total do prédio. Por sua vez, o artigo 1425°, n° 1, do Código Civil, dispõe que «Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as obras que constituam inovações dependem da aprovação da maioria dos condóminos, devendo essa maioria representar dois terços do valor total do prédio.» E no n°7 dispõe-se que «Nas partes comuns do edifício não são permitidas inovações capazes de prejudicar a utilização, por parte de algum dos condóminos tanto das coisas próprias como das coisas comuns.»
As obras novas a que se reporta o artigo 1422°, n° 2, al. a), respeitam às efetuadas na fração autónoma do condómino, enquanto as inovações a que se reporta o artigo 1425° respeitam às introduzidas nas partes comuns (cfr. Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, Vol. II, Almedina, 2017, pp. 266-267, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 01-06-2010, Revista n.º 95/2000, de 08-06-2010, Revista n.º 1377/06, e de 17-02-2011, Revista n.º 991/09).
O conceito de inovação ou obra inovadora tem sido definido pela jurisprudência, para efeitos do artigo 1425°, n° 1, do Código Civil, como aquela que constitui uma modificação ou transformação da parte comum, nela cabendo tanto as alterações introduzidas na substância ou forma da coisa, como as modificações à sua afetação ou destino (cfr. Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 19-01-2012, proc. n.º 1359/07). Na jurisprudência, foram considerados inovações, como informa o acórdão recorrido, “[(…) a instalação de uma esplanada, mesmo que amovível (RP 11.7.2012, 2720/05); a edificação de arrecadações (RL 13.9.2007, 3625/2007); a colocação de um aparelho de ar condicionado (RG 16.3.2005, 371/05); a alteração do percurso do tubo de água residual (RL 26.6.2003, 3046/2003); a construção de um muro num terraço (RC 8.4.2003, CJ 2003- II, p. 108); a colocação de uma chaminé de exaustão (RP 10.1.2002, 00031152); a instalação de uma marquise num terraço (RL 24.6.1999, 00026726)].”
No caso em apreço, a instalação de um elevador, num prédio onde ele não existia, é, de facto, uma inovação, tal como a classifica a lei no artigo 1425°, n° 2, al. a), do Código Civil. Dispõe o citado preceito que, «Havendo pelo menos oito frações autónomas, dependem da aprovação por maioria dos condóminos que representem a maioria do valor total do prédio, as seguintes inovações: a) colocação da ascensores (...)». Todavia, tem que se considerar que a mera substituição de um elevador por outro, por razões de segurança e de conservação, não tem idêntico relevo, não constituindo uma inovação.
O elemento sistemático da interpretação implica que «nenhuma lei deve ser interpretada isolada de outras leis com as quais ela apresenta uma conexão sistemática e que, de entre os vários significados literais possíveis, há que pretender aquele que for compatível com o significado de outras leis. Só assim se dá expressão à unidade do sistema jurídico» (cfr. Teixeira de Sousa, Introdução ao Direito, 2013, p. 360). O contexto horizontal do elemento sistemático «implica que a interpretação da lei deve considerar outras leis da mesma hierarquia (contexto inter-textual) ou, se for esse o caso, outros preceitos da mesma lei (contexto intra-textual). Assim, a interpretação da lei deve atender a todas as leis (ou a todas as outras fontes que se encontrem na lei) que, em conjunto com a lei (ou com a fonte) interpretada, contribuem para a solução do mesmo caso» (Teixeira de Sousa, ob.cit., p. 364).
Deste modo, considerando a lei que constitui inovação a colocação de um ascensor num prédio onde o mesmo não existia, não alcança tal limiar a mera substituição de um elevador antigo por um novo, ainda que acompanhado da relocalização do motor existente no 4° piso para o rés-do-chão da fração A. A este resultado interpretativo se chega por via do argumento a contrario. Atendendo ao contexto fáctico do caso, que demonstra que o elevador a substituir se encontra desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresenta evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta do relatório da inspeção, temos que considerar que se trata de uma obra de conservação, que não carece de aprovação por uma maioria qualificada de 2/3.
Como se entendeu no acórdão recorrido:
«O elemento sistemático da interpretação do art. 1425° leva a que a inclusão da colocação de ascensor (onde o mesmo não existia) na categoria da inovação, conduz à exclusão da mera substituição de um elevador antigo por outro novo, mesmo com alteração do local do motor (argumento a contrario; inclusio unius est exclusio alterius).
No binómio obra-inovadora versus obra-conservadora, a situação em apreço subsume-se mais a esta e não àquela. Note-se que a obra aprovada não introduz alteração relevante na substância ou forma da coisa/elevador, o qual funcionará essencialmente no mesmo espaço, com as mesmas funções, inexistindo factualidade que permita conjeturar sequer uma modificação significativa das suas dimensões».
Esta solução é a mais lógica em termos jurídicos e a mais prática para a vida das pessoas. Um prédio em que já existe um elevador que não está em condições de funcionar e que pode inclusivamente implicar riscos para os condóminos ou terceiros, carece de ser conservado ou substituído, a fim de melhorar a comodidade dos moradores, até porque se vivem num prédio com elevador têm expetativas de o poder utilizar e que o condomínio zele pela sua conservação e segurança. Por outro lado, as alterações estéticas mencionadas não se projetam no exterior do prédio, nem são de molde a ferir qualquer sentimento de harmonia visual ou estilo relevante, que as torne abrangidas pela proibição do artigo 1422.º, n.º 2, al. a), do Código Civil, com a consequência de exigirem uma maioria qualificada de 2/3 para a sua aprovação (artigo 1422.º, n.º 3, do Código Civil).
Termos em que decidimos que a obra de substituição do elevador não constitui uma inovação para os efeitos do artigo 1425°, n° 1 do Código Civil, não sendo necessária a aprovação da deliberação por dois terços do valor total do prédio.
Anexa-se sumário elaborado de acordo com o artigo 663.º, n.º 7, do CPC:
i. A ação de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos deve ser intentada contra o condomínio, que será representado pelo seu administrador ou por quem a assembleia designar para esse efeito, e não contra os condóminos que aprovaram a deliberação.
ii. Não constitui inovação para os efeitos do n°1 do Artigo 1425° do Código Civil, a obra - aprovada em deliberação da assembleia de condóminos - que consiste na substituição de um elevador antigo por um novo, acompanhado da relocalização do motor existente no 4° piso para o rés-do-chão, num contexto em que o elevador a substituir se encontra desatualizado em termos de segurança e tecnologia, apresenta evidências de desgaste elevado, consistente com a sua idade, e não está em condições de funcionar, conforme consta no relatório da inspeção.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.
Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de maio de 2021
Maria Clara Sottomayor (Relatora)
Alexandre Reis (1.º Adjunto)
Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto)
Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, atesto o voto de conformidade dos Juízes Conselheiros Alexandre Reis (1.º Adjunto) e Pedro de Lima Gonçalves (2.º Adjunto).
(Maria Clara Sottomayor – Relatora)