SEGURO DE GRUPO
SEGURO DE VIDA
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
NULIDADE
TOMADOR
INCUMPRIMENTO
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
BOA FÉ
EQUILÍBRIO DAS PRESTAÇÕES
CONSUMIDOR
INCAPACIDADE PERMANENTE ABSOLUTA
MÉDICO
SEGURADORA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Sumário


I. Num contrato de seguro de grupo do ramo Vida, não contributivo, o incumprimento, por parte do tomador do seguro, do dever de informar os segurados das cláusulas contratuais não compromete, em princípio, a sua eficácia nas relações entre a seguradora e os segurados.
II. Nos seguros não contributivos, há uma considerável distância entre a seguradora e os segurados, sendo o tomador do seguro, sujeito de permeio, quem assume a qualidade, e actua na qualidade, de contraparte da seguradora.
III. Interpretando o regime português das cláusulas contratuais gerais à luz da Directiva 1993/13/CEE, de 5.04.1993, sobretudo depois do Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia de 14.03.2013, proferido no processo C-415/11 (Aziz), é possível dizer que as cláusulas contratuais não negociadas são abusivas quando contrariem a boa fé, originando um desequilíbrio significativo entre os direitos e as obrigações das partes.
IV. De acordo com o artigo 3.º daquela Directiva, a cláusula contratual não negociada deverá ser um meio adequado e necessário para a realização ou satisfação de algum interesse legítimo das partes e um meio proporcionado, não deixando o consumidor “totalmente desprotegido perante a alteração do equilíbrio contratual a favor do profissional que se prevalece da cláusula”.
V. A cláusula que condiciona o atendimento da incapacidade total e permanente ao reconhecimento por médico da seguradora configura uma exigência desnecessária à luz das finalidades do contrato de seguro, sendo certo que outros médicos teriam condições para fazer aquele reconhecimento com a competência e a objectividade adequadas; não sendo necessária, tal exigência não é proporcional e, não sendo proporcional, a cláusula que a compreende é nula por contrária ao princípio da boa fé.

Texto Integral


ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



I. RELATÓRIO


1. O autor AA veio intentar a presente acção de processo comum contra as rés Fidelidade, Companhia de Seguros, S.A., e The Navigator Paper Figueira, S.A., pedindo o seguinte:

a) Ser reconhecido e declarado válido e eficaz, relativamente ao autor, o contrato de seguro de grupo do Ramo Vida, titulado pela apólice n.º …39, em vigor à data da sua adesão;

b) Considerar excluído do contrato, as cláusulas ou partes de cláusulas não comunicadas ao autor e que, entre outras, constituam obrigação de submissão e apresentação de Atestado Multiusos, nomeadamente a alínea b) da definição de INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE constante do artigo 1º das Condições Gerais do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013 e onde tal obrigação passou a ter consagração contratual, por violação do Dec.-Lei. nº 446/85, de 25 de Outubro (CCG);

c) Considerar excluído do contrato, a cláusula constante do ponto 8, do Artigo 3º das Condições Particulares do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013, não comunicada ao autor e que excluem da Cobertura Complementar doenças do foro psíquico ou psiquiátrico, por violação do disposto no DL 446/85 de 25 de Outubro, (CCG);

d) Independentemente da falta de comunicação da obrigatoriedade de apresentação de Atestado Multiusos e da exclusão da Cobertura Complementar de doenças do foro psíquico ou psiquiátrico, sempre os segmentos das cláusulas a elas correspondentes devem considerar-se nulas, porque proibidas, uma vez que violam o princípio da boa-fé, que deve conformar os contratos e constituem manifesto abuso de direito; assim como e por violação de iguais princípios, conformadores dos contratos, igualmente se deve ter por nula e excluída, a exigência de apresentação de Atestado Multiusos e a sua conjugação com a exclusão de doenças do foro psicológico ou psiquiátrico quando reflexo de doenças de foro neurológico.

e) Serem as rés Seguradora e Tomadora condenadas, solidariamente, no pagamento ao autor e nos termos do contrato que lhe é aplicável constante da apólice …39, resultante da sua incapacidade para o trabalho, na quantia de capital de € 69.048,00 (sessenta e nove mil e quarenta e oito euros) correspondente a 42 vezes o salário base à data do evento, a que acresce valor correspondente aos juros de mora vencidos e vincendos, calculados à taxa legal, que hoje se traduzem em 4% ao ano, contabilizados sobre aquela referida quantia de capital, desde a data de constituição em mora, 22/07/2016, e até efectivo e integral pagamento.

Referiu, para tanto, em suma, que:

A 1.ª e 2.ª rés celebraram contrato de seguro de grupo ramo Vida, a que o autor, na qualidade de trabalhador da 2.ª ré aderiu mediante preenchimento de boletim de participação, sendo que a única informação de que teve conhecimento relativamente ao mencionado seguro era a que constava do Manual da Empresa, segundo o qual a incapacidade permanente do trabalhador que acarretasse diminuição da sua capacidade de remuneração em mais de 2/3 dava lugar ao pagamento de uma indemnização.

As rés nunca o informaram do exacto conteúdo das cláusulas contratuais nem de quaisquer alterações a estas ou sequer lhe entregaram cópia das condições contratuais do ajuizado contrato e alterações.

O Demandante ficou incapaz para o exercício da sua profissão, incapacidade apreciada pela Comissão de Verificação de Incapacidades e que levou à sua reforma.

Na sequência disso, e accionando o seguro junto da 1.ª demandada, foi-lhe pedido, porém, que confirmasse a incapacidade através de atestado multiusos, e obtido este, foi recusado o pagamento de indemnização com fundamento de as alterações ao contrato de seguro excluírem as doenças de foro psicológico e psiquiátrico, e em razão disso, as patologias graves e permanentes de que padece, após a data da reforma em 2015, demandam-lhe uma invalidez parcial permanente inferior aos 66,66% contratualmente exigidos.

Mas mesmo se entendesse que alguma das patologias graves e permanentes de que padece o autor são de foro psiquiátrico e psicológico, o que não se concede, o certo é que as rés não cumpriram os deveres de comunicação e de informação a que estavam obrigadas, pelo que tal exclusão contratualmente prevista, e bem assim, a exigibilidade contratualmente prevista do atestado multiusos, são nulas, e por arrastamento, tais condições contratualmente estipuladas deverão ter-se por excluídas do ajuizado contrato.

Para além disso, as cláusulas insertas no contrato de seguro na sua formulação de 2013 correspondentes à obrigatoriedade de apresentação do Atestado Multiusos e à exclusão da Cobertura Complementar de doenças do foro psíquico ou psiquiátrico são nulas, porque proibidas, uma vez que violam o princípio da boa-fé, que deve conformar os contratos e constituem manifesto abuso de direito; bem como, por violação dos princípios conformadores dos contratos as ditas cláusulas são nulas, e devendo, assim, ter-se por excluídas, a exigência de apresentação de Atestado Multiusos e a sua conjugação com a exclusão de doenças do foro psicológico ou psiquiátrico quando reflexo de doenças de foro neurológico.

Termina, assim, pugnando que se julgue a acção procedente, com as consequências daí decorrentes.


*

Devidamente citada, a 1.ª ré “Fidelidade” ofereceu contestação, defendendo-se, por mera impugnação.

Aduz aí, no essencial, e em resumo, que é ao tomador de seguro que compete o cumprimento do dever de informar os segurados sobre o conteúdo dos contratos de seguro, bem como das suas alterações, competindo-lhe de resto o ónus de provar que o fez, e que o dever de informar do segurador só existe se e quando o segurado lho solicitar. E para lá disso, quando participou a sua situação de invalidez e quando cessou o contrato de trabalho, o autor não reunia as condições contratualmente previstas para beneficiar do seguro.

Termina, assim, pugnando que se julgue a presente acção improcedente, com a consequente absolvição da ora ré do pedido.


*

Devidamente citada, a 2.ª ré “The Navigator” ofereceu contestação, defendendo-se aí, primeiramente, por excepção, e subsequentemente, por impugnação.

Por excepção, alegou a sua falta de legitimidade da ora ré porquanto o ajuizado contrato de seguro não prevê qualquer responsabilidade solidária ou subsidiária da ora ré.

Por impugnação, argumentou aí, no essencial, que o ajuizado seguro correspondeu a uma sua liberalidade, que não tinha qualquer responsabilidade na análise e decisão de qualquer pedido, e que o Manual da Empresa não dispensava a consulta junto da Seguradora das condições exaustivas da apólice, e portanto, é de todo infundado o entendimento do autor sobre ter um conhecimento incompleto ou insuficiente do ajuizado contrato de seguro. Não menos importante, o dever de informação é sempre, e em primeira linha, da 1.ª ré Seguradora, e como tal, só à 1.ª ré poderá ser assacada a responsabilidade de indemnizar o autor por eventual incumprimento de tal dever de comunicação e de informação.

Termina, assim, pugnando que se julgue a acção improcedente, com a consequente absolvição da ora ré do pedido.


2. Em 17.11.2020, realizada a audiência final, com observância de todo o formalismo legal, foi proferida a sentença com o segmento decisório seguinte:

Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, por parcialmente provada, e consequentemente, decido:

i) Absolver a Ré Navigator Paper Figueira, SA do pedido:

ii) Declarar válido e eficaz, relativamente ao autor, o contrato de seguro de grupo do Ramo Vida, titulado pela apólice n° ……39, em vigor à data da sua adesão;

b) Considerar excluído do contrato, as cláusulas ou partes de cláusulas não comunicadas ao autor e que, entre outras, constituam obrigação de submissão e apresentação de Atestado Multiusos, constante do art. 8º, nº 2.2, al. c) -(cf. fls. 55vº) e al. b) da definição de INAVLIDEZ TOTAL E PERMANENTE constante do art. 1º das Condições Gerais do Contrato de Seguro, na sua formulação de 2013 e onde tal obrigação passou a ter consagração contratual - (cf. fls. 53vº);

c) Considerar excluído do contrato, a cláusula constante do ponto 8) do art. 3º das Condições Particulares do Contrato de Seguro (fls. 57vº), na sua formulação de 2013, e que excluem da Cobertura Complementar doenças do foro psíquico ou psiquiátrico, e

d) Condenar a Ré Fidelidade, Companhia de Seguros, SA no pagamento ao autor AA da quantia de capital de € 69.048,00, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de 4% ao ano, e vencidos, desde 22/06/2016, e vincendos, até efectivo e integral pagamento.

e) Custas da acção na parte envolvendo o Autor e a Ré “Fidelidade” serão suportar pela Ré “Fidelidade, e as custas da acção na parte envolvendo o Autor e a Ré “Navigator” serão a suportar pelo Autor - cf. arts. 527º, do CPC”.


3. Inconformada com esta sentença vem a ré Fidelidade interpor recurso per saltum, ao abrigo do artigo 678.º do CPC.

Pugna a ré Fidelidade pela revogação da sentença na parte em que decaiu, terminando com as seguintes conclusões:

“A) Quer ao abrigo do contrato de 1992 quer do de 2013, o autor não provou que se tenha verificado uma incapacidade total e permanente para a sua profissão habitual e uma incapacidade para exercer qualquer outra actividade remunerada, que são os factos constitutivos do direito que invocou e não provou. Tanto bastará para a acção soçobrar, revogando-se a sentença.

B) O contrato de seguro dos autos não é um contrato de adesão, é um contrato de seguro de grupo em que as partes contratantes são a Navigator como tomador do seguro e a Fidelidade como seguradora, em que o dever de informar compete ao tomador do seguro. O autor é mero beneficiário do contrato, não parte contratante com a seguradora. Portanto, a seguradora nunca poderá responder pelo incumprimento, mesmo que o contrato fosse de adesão.

C) Não havendo qualquer informação sobre um contrato de adesão, porque nada foi dito ao subscritor contratante, o contrato não tem conteúdo para ele, que nada ficou a saber. Portanto, o autor ou não foi informado de nada. O contrato não se lhe aplica.

D) O contrato dos autos não é de adesão. Se o fosse, o dever de informar competiria ao tomador do seguro que é a Ré Navigator. Só poderia ser da seguradora se o contrato o previsse, e não é o caso. Logo, se o dever fosse incumprido, as consequências do incumprimento impenderiam sobre quem tinha o dever de cumprir (violação do artigo 4º do DL 176/95, hoje com a mesma doutrina no DL 78/2008).

E) Não estamos perante um contrato de adesão e não lhe são aplicáveis quaisquer normas do DL 446/85. Ao contrário, são-lhe aplicáveis, as normas que as partes (o tomador do seguro, por um lado e a seguradora, por outro), quiseram livremente contratar. Quer o que contrataram em 1992 quer em 2013 vale como vontade das partes, sujeita à disciplina da liberdade contratual (405 do CC).

E)[1] Num contrato de adesão, se o aderente subscritor do contrato se limita a assinar, não lhe sendo dado qualquer informação sobre o contrato, o dever de informação violado conduz a que esse contrato, no seu todo, lhe não seja aplicável, pois nada foi informado e de nada tomou conhecimento; ou, em alternativa, se o subscritor tiver tomado conhecimento de cláusulas do contrato por informação que o tomador de seguro lhe disponibilizou por outra via e em outro momento que não o da subscrição, essa informação relevará nos exactos termos do que foi informado.

F) Na apólice dos autos, a ré Navigator é um verdadeiro tomador do seguro (DL 176/95) e não um mero intermediário que se limitasse a angariar aderentes para um contrato, uma espécie de testa de ferro entre os verdadeiros contratantes, os beneficiários/pessoas seguras e Seguradora. Na apólice dos autos, os beneficiários/pessoas seguros/aderentes nem suportavam qualquer prémio, nem participaram em negociações.

G) A apólice dos autos não configura um contrato de adesão, não lhe sendo aplicáveis quaisquer normas do DL 446/85. Ao contrário, são-lhe aplicáveis, as normas que as partes (o tomador do seguro, por um lado e a seguradora, por outro), quiseram livremente contratar. Quer o que contrataram em 1992 quer em 2013 vale como vontade livre e esclarecida das partes, sujeita à disciplina da liberdade contratual (405 do CC).

H) Valem, assim, as apólices que o autor juntou aos autos, com o teor contratual nelas expresso, sem a exclusão da doença das doenças do foro psicológico e psiquiátrico e com a inclusão de certificado multiusos.

I) O dever de informar compete ao tomador do seguro (DL 176/95, nº 1 e 4), salvo se a apólice o tiver transferido para o segurador, estando o dever de informar por parte da seguradora dependente do pedido do segurado na apólice, o que não fez.

J) A cláusula sobre o certificado multiusos, excluída na sentença, é válida e podia ser sempre pedida ao abrigo do contrato na versão de 1992.

L) A cláusula que excluiu as doenças do foro psicológico e psiquiátrico é válida e, como tal, constitui uma exclusão de garantia a partir de 2013.

N[2]) A cláusula que faz depender a incapacidade total e permanente do reconhecimento por médico da seguradora, no caso dos autos, não é abusiva porque não estamos perante um contrato de adesão e porque o contrato tem outra cláusula que prevê a arbitragem por peritos em caso de divergência entre as partes.

O) O DL 176/95 é uma norma especial que afasta a norma especial do DL 446/85, que embora especial é mais geral; se aquela norma impõe o dever de informar ao tomador não é defensável invocar esta para afastar tal dever do tomador e atribuí-lo à seguradora.

P) Além do que se diz nas alegações, foram violados o artigo 342 do CC (ónus da prova dos factos constitutivos), 405 do CC (liberdade contratual), o DL 446/85 (define o contrato de adesão e as consequências da exclusão e da nulidade de cláusulas não informadas), (O DL 176/95 (norma especial relativa aos seguros de grupo que atribui o dever de infirmar ao tomador seguro)”.


4. Apresentou o autor AA contra-alegações, que conclui dizendo:

1. A Sentença, objeto de recurso não merece reparo.

2. O contrato de seguro dos Autos é um contrato de adesão.

3. É abusiva a condição de verificação da incapacidade da Pessoa segura, pelo médico da Seguradora, constante no nº 2 do artigo 2 das Condições Especiais, da versão de 1992, do contrato dos Autos;

4. Ao contrato de seguro dos Autos é aplicável o regime das CCG;

5. O DL 187/2007 não se sobrepõe ao DL 446/85, uma vez que as CCG não são direito geral comum, antes sim uma lei especial relativamente ao regime comum dos contratos. Existe, pois, um concurso de leis especiais que se têm que harmonizar, sem que nenhuma afaste a outra.

6. Recai sobre a Recorrente, conjuntamente com a Navigator, o dever de informar o Autor, das alterações contratuais; obrigação cumprida relativamente ao contrato de 1992, com a transcrição das suas cláusulas essências, para a tomada de consciência dos requisitos necessários à verificação da condição de candidatura ao capital seguro, no Manual do Trabalhador, que lhe foi entregue, contrariamente ao que sucedeu com as alterações introduzidas no ano de 2013, e em particular as alterações referentes à exclusão contratual das doenças do foro psicológico e psiquiátrico, bem como à obrigatoriedade de apresentação de atestado Multiuso, para confirmação da percentagem da incapacidade do Autor, que por nenhuma das Rés foram comunicadas ao Autor;

7. O Dever de informar da Seguradora não advém, apenas da aplicação do DL 72/2008, nem da aplicação das CCG, mas também na sua consagração contratual, tal como resulta do artigo 10 das Condições Gerais da versão de 2013.

8. Recorrente e Tomadora não cumpriram a sua obrigação de dar a conhecer ao Autor/Recorrido as alterações contratuais de 2013;

9. A falta de informação de tais alterações implica a inaplicabilidade ao Recorrido das exclusões contratuais das doenças do foro psicológico e psiquiátrico; exclusão que, e no caso dos Autos, nem sequer é relevante, atendendo ao facto de estar provado não padecer o Autor de qualquer uma daquelas patologias;

10. A falta de informação de tais alterações implica também a inexigência da apresentação do Atestado Médico Multiuso;

11. Independentemente da exigibilidade, ou não exigibilidade do Atestado Multiuso, este não é o meio adequado à verificação da incapacidade do Recorrido para o exercício da sua profissão, bem como para o grau da sua incapacidade; utilização que se admissível, por comunicação válida das alterações contratuais, sempre configuraria abuso de direito, não podendo, por isso, ter aplicação nos Autos.

12. A Seguradora não questionou os relatórios, atestados e atribuição de pensão por invalidez que lhe foi atribuída pela Comissão de Verificação de Incapacidades da Segurança Social, tendo por base o disposto no artigo 14 do DL 187/2007 (anteriormente artigo 17 do DL 329/93); ou seja, a dita Comissão, por análise à situação clínica do Autor, constatou que ele estava incapaz de angariar mais de 1/3 da remuneração correspondente ao seu exercício normal e por isso o reformou. Quem está incapaz de angariar mais de 1/3 da remuneração correspondente ao seu exercício normal possui uma incapacidade total e permanente de que resulta uma diminuição de rendimento igual ou superior a 2/3, que se traduz percentualmente em, pelo menos, 66.66%, incapacidade existente em data anterior à cessação do seu contrato de trabalho.

13. O Recorrido foi objeto de uma avaliação Pericial, realizada pelo INML, de que resulta, tal como consta do correspondente Relatório, que não padece de nenhuma patologia foro psicológico e ou psiquiátrico, que é portador duma incapacidade permanente parcial de 70,115%, e que o seu quadro clínico é incompatível com o seu trabalho habitual;

14. A entidade patronal do Autor, conhecedora das suas patologias, não providenciou a sua colocação num posto de trabalho que não estivesse sujeito ao regime de turnos, designadamente a turnos noturnos.

15. O Recorrido reúne os requisitos necessários a que lhe seja paga a indemnização prevista no contrato de seguro dos autos.

16. O Autor, mesmo sem recurso ao Atestado Multiusos, preenche os requisitos ao reconhecimento de ser portador de uma incapacidade total e permanente, uma vez que fez prova de que é portador de uma invalidez, completa e definitiva, de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões, de que ainda hoje se encontra incapacitado, incapacidade que é superior a 2/3 e que a sua entidade patronal, sabendo da sua doença do foro neurológico, não o colocou num posto de trabalho não sujeito a turnos, designadamente noturnos.

17. O recurso ao Atestado Multiusos não se pode considerar integrado no disposto do artigo 2º das condições especiais, do contrato de 1992, enquanto condição para que seja considerada, ou não, a situação de invalidez total e permanente do Autor, atendendo a que a mesma configura significativo desequilíbrio a favor da Seguradora, sendo, por isso, abusiva nos termos dos artigos 15º, 16º e 21.º, al. b) do DL n.º 446/85, de 25 de outubro, ficando a cobertura do contrato de seguro, aquém daquilo que o autor podia de boa-fé contar, tendo em consideração o objeto e a finalidade do acordo firmado. E, sendo abusiva, a mesma é nula, nos termos gerais do direito, subsistindo o contrato na parte não afetada pela invalidade e, obviamente, também se mantendo a obrigação de cumprimento por parte da Seguradora, caso se verifiquem os demais pressupostos para o efeito”.


5. Também a ré Navigator contra-alegou, concluindo assim:

A) O contrato de seguro dos autos é, indubitavelmente, um contrato de adesão.

B) A partir do momento em que o Autor/Segurado subscreve o boletim de adesão, está, efectivamente, a aderir ao contrato (previamente celebrado entre a seguradora e a tomadora).

C) Estando em causa um Contrato de Seguro de Grupo, o mesmo só produz efeitos a partir do momento em que existam segurados, ou seja, aderentes subscritores, pelo que o Autor é só pode ser considerado um aderente, e não mero beneficiário como defende a Recorrente.

D) Desde que se proporciona a adesão, constitui-se uma relação trilateral entre o segurador, o tomador do seguro e o segurado o que, consequentemente, levará a que o contrato deixe de proteger unicamente os interesses do tomador do seguro e do segurador, começando também a amparar, com a primazia que o nosso ordenamento jurídico lhes confere, os interesses do segurado.

E) Sendo um contrato de adesão, inevitavelmente, também será regulado pelo Regime das Cláusulas Contratuais Gerais (RCCG), definido pelo Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro.

F) Dever-se-á interpretar a LCS como um reforço da protecção do mesmo, assumindo-o como perfeitamente compatível com o RCCG, baluarte da protecção do consumidor. Não o fazer seria provocar uma clara diminuição dos índices de protecção do segurado.

G) Não pode o segurador, na nossa opinião, ficar isento de deveres de informação em relação ao segurado, independentemente de uma análise literal que se possa fazer do art. 78.º da LCS.

H) Conforme advém da aplicação do art. 8.º do RCCG, dever-se-ão considerar excluídas do contrato de seguro as cláusulas não declaradas aos segurados nos termos do art. 5.º da mesma lei, sendo que o segurador deverá responder directamente ao segurado pela falta de informação.

I) Não pode, a nosso ver, o segurador, aquele que recebe o prémio de seguro, aquela entidade que irá lograr de tal remuneração, considerar-se dispensada do dever de informar o segurado.

J) Compete, em primeira linha, à seguradora o cumprimento dos deveres de informação, por si ou através do intermediário (tomador de seguro), bem como o ónus da prova do seu cumprimento

K) A falta de informação do intermediário repercute-se na seguradora, não sendo essa falta oponível ao segurado, arcando a seguradora com as respectivas consequências, sem que possa invocar perante o segurado as cláusulas contratuais a que essa falta respeita.

L) A Fidelidade não alegou, muito menos provou, ter enviado à Navigator um “espécimen” correspondente às alterações contratuais introduzidas em 2013,

M) Por consequência, o próprio tomador do seguro, a Navigator, viria sempre a ser impedido de exercer o seu dever de informação de forma correta.

N) A LCS não constitui direito especial em relação ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais. O DL n.º 446/85 não é, aliás, uma lei geral ou comum, sendo antes uma lei especial em relação ao regime comum dos contratos”.


6. Foi proferido despacho no Tribunal Judicial da Comarca de ………. determinando a subida dos autos a este Supremo Tribunal de Justiça.


7. Configurando o presente recurso um recurso per saltum, regulado no artigo 678.º do CPC, proferiu, em 6.04.2021, a ora Relatora um despacho em que se julgava admissível o recurso nos termos do n.º 5 daquela norma. Não houve resposta de nenhuma das partes.


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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), a questão a decidir, in casu, é, essencialmente, a de saber se a ré seguradora deve ser condenada na obrigação de pagamento ao autor nos termos peticionados por este.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados na sentença recorrida:

1 - A Ré Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A. na qualidade de Seguradora e a Ré The Navigator Paper Company S.A., à data Soporcel - Sociedade Portuguesa de Papel SA (adiante também apenas designada de Soporcel ou Navigator), na qualidade de Tomadora, celebraram um contrato de seguro de grupo, do Ramo Vida, titulado pela Apólice n° ……….39, com início de produção de efeitos a 01.01.1992, subordinado às condições gerais, particulares e especiais juntas como doc. nº 20 com a petição inicial, de entre as quais se destacam as seguintes:

- Nos termos do art. 7º das condições gerais "as importâncias seguras só poderão tornar-se exigíveis após a apresentação dos seguintes documentos: (…) risco de invalidez - atestado detalhado, passado por médicos que tratam e/ou trataram a pessoa segura, indicando as circunstâncias, causas, início, natureza, evolução e provável duração do estado de invalidez. …:

- Nos termos do art. 2º das condições especiais “entende-se por invalidez total e permanente o estado que incapacite a pessoa segura, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões”.

Para que seja considerada essa invalidez terão de verificar-se simultaneamente as seguintes condições:

1. Persistência da incapacidade total para o trabalho durante um período não inferior a seis meses sem interrupção. Este período será alargado para dois anos nos casos de alienação mental ou perturbações psíquicas.

2. Reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura está afetada duma invalidez total e permanente.

3. Perda definitiva da capacidade de ganho superior a 2/3. (art.1º da petição inicial).

2 - Com a celebração do ajuizado contrato, a tomadora, aqui 2ª Ré, transferiu para a Seguradora, aqui 1ª Ré, mediante o pagamento de uma remuneração, o risco da verificação de um dano na esfera jurídica de qualquer um dos seus trabalhadores efetivos (Segurado/Pessoa Segura), desde que subscritores do correspondente Boletim de Participante (art.2º da petição inicial).

3 - Por sua vez a Fidelidade, no âmbito do contrato, assumiu a obrigação de pagamento do capital seguro, em caso de morte (cobertura principal), ou invalidez total e permanente (cobertura complementar) de qualquer um dos trabalhadores efetivos da Soporcel e subscritores do Boletim de Adesão; capital seguro correspondente a 42 salários base do trabalhador em causa, com um limite mínimo de 5.500.000$00 (art. 3º da petição inicial).

4 - Nos termos do referido Contrato consagra-se, quanto à COBERTURA COMPLEMENTAR DE INVALIDEZ TOTAL E PERMANENTE POR DOENÇA - encontrar-se em estado de invalidez total e permanente o Segurado que esteja incapaz, completa e definitivamente, de exercer a sua profissão, ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões (art. 4º da petição inicial).

5 - Inacapacidade que se traduz numa perda definitiva de capacidade de ganho igual ou superior a 2/3 (art. 5º da petição inicial).

6 - O contrato de seguro Ramo Vida, titulado pela apólice n° ………39, ainda hoje se mantém em vigor (data de entrada da presente ação em juízo) sendo a Ré Soporcel/Navigator quem assumiu, desde sempre, a obrigação de pagamento dos prémios deste contrato (art. 6º da petição inicial).

7 - Os riscos seguros, com o dito contrato, tal como referido, foram e são os riscos de Morte, de Vida e de Invalidez, dos trabalhadores do quadro da Soporcel (art. 8º da petição inicial).

8 - O Autor, tal como os seus colegas trabalhadores da Soporcel, não interferiu, não participou, nem foi convidado a participar, por qualquer uma das Rés, na discussão, negociação e redacção das Cláusulas do contrato de seguro, titulado pela Apólice ………39, ou de quaisquer suas alterações contratuais, anteriores, ou posteriores à subscrição do Boletim de Participante (art. 9º da petição inicial).

9 - Cláusulas, actas e ou alterações contratuais, cuja existência e conteúdo, prévias à adesão do Autor, ou posteriores à mesma, nenhuma das Rés lhe deu a conhecer ou facultou cópias, bem assim como a seus colegas de trabalho, ao longo de todo o período em que foi trabalhador da ré Soporcel/The Navigator (art. 10º da petição inicial).

10 - A 01.10.1989 o Autor passou a integrar o quadro de trabalhadores efetivos da Soporcel, com quem havia celebrado contrato subordinado de trabalho; manteve-se seu trabalhador até 22.11.2016, data em que e por força da sua reforma por invalidez, cessou aquela sua qualidade de trabalhador (art.11º da petição inicial).

11 - No dia 04.02.1992 o Autor subscreveu o Boletim de Participante junto como doc. nº 2 correspondente à sua integração no contrato de seguro ramo vida com a Apólice ………39 (art. 12º da petição inicial).

12 - Subscrição que e tal como lhe foi então indicado fazer pelo superior hierárquico, perante quem foi chamado para o efeito, se limitou a nele apor a respetiva identificação sumária, os beneficiários em caso de morte e sinalização sintética de enfermidades, tal como sucedeu com inúmeros colegas de trabalho (art. 13º da petição inicial).

13 - Superior hierárquico que não entregou ao Autor nenhuma cópia do contrato de seguro, (nem a recebeu posteriormente das Rés), nem tão pouco lhe fez qualquer explicação do seu conteúdo, remetendo-o para a leitura do Guia do Trabalhador, nomeadamente quanto às cláusulas que regulavam a atribuição de uma compensação em caso de morte e de invalidez, correspondentes requisitos necessários a que os Segurados garantissem o recebimento do capital previsto na invalidez (art. 14º da petição inicial).

14 - Quando da adesão ao contrato de seguro, que operou efeitos a partir de 01.01.1992, o conhecimento do Autor e demais colegas de trabalho sobre o ajuizado contrato de seguro, circunscrevia-se ao obtido pela leitura do Manual da Empresa, Edição de 11.04.91, em vigor à data da subscrição do Boletim de Participante, emitido e distribuído pela 2ª Ré aos seus trabalhadores do quadro, mormente, nas fls 11, 12 e 13 do Capítulo IX, junto como doc. nº4 com a petição inicial (art. 16º da petição inicial).

15 - O Manual da Empresa regulava, ao tempo, as relações laborais constituídas entre a ré Soporcel e os seus trabalhadores subordinados, nomeadamente e entre outras, nas matérias relativas a Recrutamento; Direitos, Deveres e Garantias; Prestação e Suspensão de Trabalho; Benefícios Sociais; Saúde e Prevenção de Acidentes; Seguros (art. 17º da petição inicial).

16 - Manual que indica no seu Capítulo IX, ponto 6.4 e 6.5 (fls 11, 12 e 13), relativamente ao seguro Ramo Vida assegurado pela empresa, que e quanto ao risco de Invalidez o seguinte:

“Considera-se Incapacidade Total e Permanente sempre que o trabalhador se encontre totalmente incapaz de exercer a sua profissão, ou qualquer outra atividade lucrativa, de acordo com os seus conhecimentos e aptidões”,

“Uma Pessoa Segura, na situação de Incapacidade Total é reconhecida como sendo atingida de uma Invalidez Total e Permanente, desde que se verifiquem simultaneamente as três seguintes condições:

- A sua incapacidade total se mantenha sem interrupção pelo menos seis meses a contar do dia em que foi constatada pelo médico da companhia de seguros que contratou a cobertura; este período mínimo de seis meses poderá ser alargado para dois anos se a incapacidade é resultante de alienação mental, ou perturbações psíquicas;

- O carácter permanente desta incapacidade deve ser atestado por um certificado médico aceite pelo médico da Companhia de Seguros que contratou a cobertura. Este certificado deve precisar nomeadamente que não é de esperar da continuação do tratamento médico em curso melhoria do estado de saúde da Pessoa Segura.

- Pelo facto da sua incapacidade total e permanente a Pessoa Segura é atingida de uma diminuição de rendimento igual ou superior a dois terços.”

“Em caso de incapacidade total permanente ou morte, o trabalhador ou os seus herdeiros ou beneficiários indicados no Boletim de Inscrição, respetivamente, terão direito a 42 vezes o salário base à data do evento, com um mínimo de esc. 5.500.000$00.” (art. 18º da petição inicial).

17 - O Autor ao longo da quase totalidade da sua carreira profissional, como trabalhador da Ré Soporcel/Navigator, executou as funções de Operador de Processo, categoria profissional que manteve até 22 de Novembro de 2016, data em que e por força da sua reforma por invalidez, cessou aquela sua qualidade de trabalhador (art. 20º da petição inicial).

18-Funções cuja execução consistia em operar caldeiras de alta pressão, central de ciclo combinado de gás, fuel, gasóleo e resíduos de madeira, central de tratamento de águas e afluentes e para que estava habilitado com carteira profissional de Fogueiro de 1ª (art. 21º da petição inicial).

19 - Trabalho que exige disponibilidade física ao seu executor, tendo em conta não só as condições extremas de funcionamento do equipamento operado, uma vez que os seus operadores estão sujeitos a variações de temperatura elevadas, sobretudo no Inverno e Primavera, com a realização de trabalhos a temperatura ambiente muito baixa em fontes de calor que produzem muito altas temperaturas (entre 800 e 1000 graus) (art. 22º da petição inicial).

20 - Assim como dele exige e exigia disponibilidade e concentração mental, tendo em conta o risco que a sua deficiente operacionalização implica para a segurança e integridade da unidade fabril (explosão), onde se encontra a aparelhagem operada, e segurança e integridade física daqueles que nela trabalham (art. 23º da petição inicial).

21 - E que sempre desempenhou, ininterruptamente, por período superior a trinta anos e até à sua reforma, em regime de turnos, mais concretamente, em regime de 3 turnos rotativos de laboração contínua (art. 24º da petição inicial).

22 - No começo do ano de 2016 o Autor desenvolvia a sua atividade laboral com enorme esforço físico e mental, em resultado da sua limitação funcional, com considerável diminuição de mobilidade, na sequência das suas enfermidades, ao nível cardíaco, foi-lhe diagnosticada, há mais de 10 anos, uma patologia valvular (arts. 25º a 27º da petição inicial).

23 - A partir dos anos 2012/2013 passaram a ser frequentes as tonturas, desmaios, mau estar; sintomas do conhecimento da Ré Soporcel, cujo quadro clínico o acompanhava e medicava (art. 28º da petição inicial).

24 - Tendo então e por sua indicação, efetuado um novo ecocardiograma onde se evidenciava “ Válvula mitral com prolapso do folheto posterior e regurgitação severa”, sem que daqui tivesse resultado alteração de tarefas e ou supressão de trabalho por turnos, determinado pela sua entidade patronal (art. 29º da petição inicial).

25 - A 28.04.16, após intenso esforço físico desenvolvido na execução do seu trabalho, teve um episódio de síncope, na sequência do qual foi detetada progressão da doença, nomeadamente válvula mitral mixomatosa, com insuficiência severa). (art. 30º da petição inicial).

26 - Que implicou a sua baixa médica em 28 de Abril de 2016, com incapacidade para o trabalho, exames complementares de diagnóstico e a verificação da necessidade de ser submetido a cirurgia cardíaca (art. 31º da petição inicial).

27 - Que ocorreu em meados do mês de Dezembro de 2016, com a realização de valvuloplastia mitral, que consistiu na implantação de cordas e anel. (art. 32º da petição inicial).

28 - Paralelamente à enfermidade do âmbito da cardiologia, sofria também o Autor, com sintomas de falta de repouso, desde 2004, de doença de foro neurológico, em consequência de ter, ininterruptamente, trabalhado em regime de turnos por mais de 30 anos, com variação semanal dos seus “ritmos” de descanso e de trabalho (arts. 33º e 34º da petição inicial).

29 - Circunstância que fez com que progressivamente fossem diminuindo os seus períodos de descanso, ou mais concretamente de sono, a partir do ano de 2004, durante o qual reportou estes sinais ao médico da Soporcel, tendo-lhe ele, desde então e até à sua reforma, medicado e prescrito para o efeito, entre outros e sem indicação cronológica, Kainever, Dormonoct, Xanax, Lexotan e Helsicon (art. 35º da petição inicial).

30 - Apesar de os medicamentos que tomava diariamente para dormir, cada vez tinha mais dificuldade em adormecer e nesse estado permanecer, o que muito o afetava na realização do seu trabalho, tendo passado a exibir perda de concentração, memória e também dificuldade de interação com os outros (arts. 36º e 37º da petição inicial).

31 - O sono é um estado anatómico e funcional de não acordado; é o período em que se desliga a relação com o mundo exterior para que o cérebro se dedique às actividades necessárias ao seu normal funcionamento, ou seja, analisar todas as suas funções e estruturas anatómicas, bem como as secreções que precisa de libertar e ao mesmo tempo, aproveita para reparar lesões que podem interferir com a actividade cerebral (art. 38º da petição inicial).

32 - Esta falta de descanso, resultado do trabalho ininterrupto por turnos, ao longo de tantos anos, foi colidindo com o relógio biológico do Autor e com a segregação pelo seu cérebro da melatonina, da acetilcolina, tal como a noradrenalina ou norepinefrina, entre outras, num processo de equilíbrio constante (art. 39º da petição inicial).

33 - O que afetou o Autor, profundamente, na sua saúde ao nível do sistema nervoso central e reflexamente nas zonas periféricas (art. 40º da petição inicial).

34 - E fez com que se tivessem agravado os sintomas de perda de concentração, alterações de memória e cognitivas, cansaço, ansiedade, dores de cabeça, problemas digestivos, com queda do rendimento mental e também dificuldade de interação com os outros, tendo-se tornado mais introvertido, mal-humorado, agressivo, intolerante e humor depressivo (arts. 41º e 42º da petição inicial).

35 - Com o passar do tempo e à medida que se agravavam os sintomas supra descritos, o Autor foi também deixando de fazer ou praticar qualquer outra atividade para além da correspondente ao seu trabalho profissional, por falta de disposição, de vontade (art. 44º da petição inicial).

36 - Foi-se afastando do convívio da sua família, na sequência do isolamento que, constantemente, procurava (art. 45º da petição inicial).

37 - Porque não havia melhoria nos seus sintomas, derivados da ausência de sono, socorreu-se, no início do ano de 2016, do médico DD, que lhe determinou a realização de um Estudo Poligráfico do Sono, o que ocorreu em 11.05.2016 (arts. 46º e 47º da petição inicial).

38 - O sono é composto por duas fases, a NREM e a REM (art. 48º da petição inicial).

39 - A NREM é a fase que inicia o sono e representa 75% do tempo em que se dorme. É a fase do sono profundo. É nela que acontece a libertação da hormona do crescimento e o descanso mental (art. 49º da petição inicial).

40 - A REM (“rapide eye movemenf), correspondente à fase do sono onde ocorrem os sonhos; representa 25% do tempo em que se dorme. É importante para o bem-estar físico e emocional (art. 50º da petição inicial).

41 - Quando a fase REM termina, volta-se à fase NREM e repete-se este ciclo cerca de 5 vezes por noite. A cada ciclo que passa, a fase NREM fica menor e a REM, maior (art. 51º da petição inicial).

42-Conforme decorre do teor do relatório médico junto como doc. nº junto com a petição inicial, dos exames realizados ao Autor foi constatado “... distúrbio respiratório do sono ligeiro” e “Alteração da macro e microestrutura do sono a revelar:

Insónia inicial e terminal;

Ausência de sono REM;

Aumento de sono lento profundo;

Presença de padrão Alfa - Delta” (art. 52º da petição inicial).

43 - Apesar de o recurso a vários fármacos para indução de sono e diminuição dos efeitos depressivos resultantes da indicada falta de sono, de descanso, tais como Ixel, Alzen e Lorsedal, o Autor não teve melhorias significativas, quase não conseguindo dormir, nunca ultrapassando, por dia, três/quatro horas de sono (arts. 53º e 54º da petição inicial).

44 - A sua entidade patronal, conhecedora do problema do Autor, por intermédio do seu clínico, Dr. BB, tal como resulta do Relatório de 23.06.2013, junto sob o doc. nº 12 junto com a petição inicial, não providenciou que lhe fossem dadas funções em horário diurno e sem sujeição a turnos (art. 55º da petição inicial).

45 - Porque a ausência de sono não regredia, assim como os seus efeitos colaterais, nomeadamente, perda de concentração, cansaço, ansiedade, dores de cabeça, dificuldade de interação com os outros, depressividade, agressividade, apesar dos fármacos que diariamente tomava para os debelar, foi-lhe aconselhado por seus médicos assistentes a reformar-se, por não estar capaz para o exercício da sua profissão (art. 56º da petição inicial).

46 - O que fez, no mês de Junho de 2016, junto do Instituto da Segurança Social, onde entregou:

- Relatórios médicos que possuía relativos à sua doença cardíaca, onde se incluem os supra indicados Relatório de Alta de 18.12.2016, Relatório de Operação de 12.12.2016, Ecocardiograma Transesofágico de 26.11.2016, Coronariografia de 21.11.2016, Relatório Médico de 23.06.2016, Declaração Médica de 09.06.2016, juntos como docs. nºs 7, 8, 9, 10, 11 e 12 com a petição inicial;

- Relatórios que possuía relativos à sua doença prostática, uma vez que, em Setembro de 2014, foi sujeito a ressecção transuretral de Hiperplasia Benigna da Próstata (HBP) (doc. nº 15 junto com a petição inicial);

- Relatórios que possuía de reumatologia dado que sofria e sofre de fibromialgia (doc.16 junto com a petição inicial);

- Relatórios que possuía relativos à sua doença neurológica de patologia do sono severa, tal como os juntos sob os docs nºs 13 e14 juntos com a petição inicial (art. 57º da petição inicial).

47 - No mês de Outubro do ano de 2016, o Instituto da Segurança Social IP - Centro Nacional de Pensões, por ofício datado de 18.10.2016, notificou o Autor de que o seu requerimento de pensão tinha sido deferido e que se encontrava reformado por Invalidez Relativa, ofício que se junta e dá por reproduzido (Doc. 17) (art. 58º da petição inicial).

48 - Após ter recepcionado a comunicação da Segurança Social, o Autor contactou os serviços administrativos da Ré Navigator para que o informassem sobre os procedimentos necessários ao recebimento do capital seguro, no âmbito do contrato de seguro titulado pela Apólice ……….39 (art. 59º da petição inicial).

49 - Tomou então conhecimento, por comunicação verbal transmitida naqueles serviços administrativos, que deveria enviar para a Fidelidade, para além da documentação que instruiu o seu processo de reforma, junto da Segurança Social, um Relatório do Médico Assistente, preenchido em modelo pré elaborado e impresso pela seguradora, com indicação da percentagem de invalidez atribuída, assim como igualmente teria que obter e enviar Atestado Multiusos com a correspondente percentagem de incapacidade atribuída, sem qual a Seguradora não daria andamento ao seu processo (arts. 60º e 61º da petição inicial).

50 - Perante a informação da necessidade de obtenção e apresentação de Atestado Multiusos, julgando ser legítimo à Seguradora exigi-lo e que o mesmo era um meio complementar de avaliação da sua incapacidade para exercer a sua profissão, tal como já tinha sido apreciada em sede de Comissão de Verificação de Incapacidades, quando da sua aposentação, requereu-o junto dos Serviços do Ministério da Saúde (art. 63º da petição inicial).

51 - Em Fevereiro de 2017 e com o nº de ordem 132/2017, foi entregue ao Autor um Atestado Multiusos cujo resultado não aceitou; requereu a reavaliação à sua incapacidade (art. 64º da petição inicial).

52 - Com data de 09/05/2017 foi entregue ao Autor, com o nº de ordem 3...8/2017, um novo Atestado Multiusos, do qual resulta a anulação do anterior e a fixação de uma incapacidade de 73,54% (cf. doc. nº 18 junto com a petição inicial) (art. 65º da petição inicial).

53 - Após a obtenção do referido Atestado solicitou ao Dr. CC que lhe preenchesse o Relatório do Médico Assistente, pré elaborado pela Fidelidade e em impresso próprio desta, onde sumaria o seu historial clínico e lhe determina uma incapacidade permanente para o trabalho de 74% (cf. doc. nº 6 junto com a petição inicial) (art. 66º da petição inicial).

54 - Munido do Atestado Multiusos (doc. nº18 junto com a petição inicial), do Relatório do Médico Assistente, (doc. nº 6 junto com a petição inicial) e dos Relatórios que instruíram o processo de reforma junto da Segurança Social (Docs. nºs 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15 e 16 juntos com a petição inicial) fez sua entrega nos serviços administrativos da Navigator que, por sua vez, os remeteu para a Ré “Fidelidade” (art. 67º da petição inicial).

55 - O art. 7 nºs 1, 2, 3 das Condições Gerais do contrato de seguro dos autos e na versão em vigor à data de adesão do Autor, junta sob o doc. nº 20 com a petição inicial, determina as condições de exigibilidade das importâncias seguras, que e em caso de invalidez, implica a apresentação:

- Atestado detalhado, passado por médicos que tratem ou tenham tratado o Segurado, com indicação das circunstâncias, causas, início, natureza, evolução e provável duração do estado de invalidez. Relatório circunstanciado sobre a atividade exercida pela Pessoa segura na data de ocorrência do estado de invalidez;

- Prova da data de nascimento e da qualidade de beneficiário;

- A Seguradora poderá ainda solicitar outros elementos ou proceder às averiguações que tenha por convenientes para melhor esclarecimento da natureza da extensão das suas responsabilidades (art. 68º da petição inicial).

56 - Por escrito datado de 13.09.2017 a Fidelidade, em resposta ao pedido do Autor de pagamento de indemnização, a que foi atribuída a designação de Processo de Sinistro 84/……, comunica-lhe que não procederá ao seu pagamento com a justificação de que “… a apólice a que aderiu não garante a invalidez resultante de doenças do foro psicológico e psiquiátrico ” “ … excluindo o grau de desvalorização relativo a doença psiquiátrica, considerado no Atestado Médico de Incapacidade Multiusos, a desvalorização a considerar para efeitos do seguro de vida é de 62,2%, ou seja, inferior aos 66,66% exigidos contratualmente. ”; e remeteu-lhe, em simultâneo, cópia das Condições Gerais e Particulares do contrato, datadas de 31.01.2013 (doc. nº 19 junto com a petição inicial) (art. 70º da petição inicial).

57 - Em 31/01/2013, as Rés alteraram a Apólice nº ……..39 ao qual aderiu o Autor, passando as condições gerais e particulares a serem as constantes de fls.53 e ss. dos autos, nomeadamente:

- Nos termos do art. 1º das Condições Gerais, para efeitos do contrato de seguro em apreço, considera-se Invalidez Total e Permanente “a limitação funcional permanente e sem possibilidade clínica de melhoria em que, cumulativamente, estejam preenchidos os seguintes requisitos [cf. fls. 53]:

a)-a pessoa Segura fique completa e definitivamente incapacitada de exercer a sua profissão ou qualquer outra atividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões;

b) - corresponda a um grau de desvalorização igual ou superior à percentagem definida em Condições Particulares, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em vigor à data da avaliação da desvalorização sofrida pela Pessoa Segura, não entrando para o seu cálculo quaisquer incapacidades ou patologias pré-existentes;

c) - seja reconhecida previamente pela Instituição de Segurança Social pela qual a pessoa Segura se encontra abrangida ou pelo Tribunal do Trabalho ou, caso a Pessoa Segura não se encontre abrangida por nenhum regime ou Instituição de Segurança Social, por Junta Médica”;

-Nos termos do art. 3.1.b) das condições particulares, o contrato de seguro abrange a garantia de invalidez Total e Permanente por doença de «grau de desvalorização igual ou superior a 2/3 por doença ocorrida durante a vigência da adesão» [cfr. fls. 57 vs.];

- Nos termos do artigo 3.2.b) das Condições Particulares, “…as garantias cessam os seus efeitos nas seguintes condições: (…) cessação do vínculo com o tomador do seguro ou reforma da Pessoa Segura.” [cf. fls. 57 vs.];

- Nos termos do artigo 3.8 das Condições Particulares “…estão excluídos os sinistros de invalidez decorrentes de doenças do foro psicológico ou psiquiátrico.” [cf. fls. 57 vs.];

- Nos termos do disposto no artº 8º, nº 2, 2.2, al. c) 2) das Condições Gerais, em caso de sinistro a pessoa segura está obrigada, além do mais [cf. fls. 55vº]:

- a entregar ao Segurador um Atestado Médico de Incapacidade Multiusos;

- a enviar a médico designado pelo Segurador do relatório do médico assistente que indique as causas, a data de início, a evolução e as consequências da lesão corporal e ainda informação sobre o grau de invalidez verificada e a sua provável duração. A divergência entre o médico da Pessoa Segura e o médico do Segurador quanto ao grau de invalidez, pode ser decidida por um médico nomeado por ambas as partes (art. 71º da petição inicial).

5 8- O Atestado Multiusos determina a incapacidade da pessoa sujeita a avaliação pelos critérios estabelecidos na Tabela Nacional de Incapacidades, de forma geral e abstrata, relevante para obtenção de benefícios fiscais e cartão de deficiente motor (ou seja, o atestado multiusos não avalia a incapacidade do doente para o exercício da profissão ou qualquer outra actividade remunerada compatível com os seus conhecimentos e aptidões, nem confirma ou avalia se o Segurado, no caso de seguro do ramo vida está ou não incapacitado para o trabalho, ou se foi ou não bem reformado, pela Comissão de Verificação de Incapacidades da Segurança Social, nem avalia, igualmente, se quando foi avaliado pela Junta da Segurança Social era ou não portador de uma incapacidade permanente, da qual resulte não poder “… auferir na sua profissão mais de um terço da remuneração correspondente ao seu exercício normal (arts. 101º a 107º da petição inicial).

59 - A empresa Ré Navigateur labora continuamente, e por restrição do limite de horas de trabalho diário, o seu quadro de pessoal fabril é obrigado em grande número, a trabalhar em regime de turnos rotativos (art. 152º da petição inicial).

60 - O Autor nasceu a ... de Junho de 1958 (art. 168º da petição inicial).

61 - Auferia à data da sua aposentação, uma remuneração mensal, paga pela 2ª Ré, sua entidade patronal, de € 1.644,00, conforme consta dos recibos de remunerações correspondente ao mês de Junho de 2016 juntos como doc. nº 24 com a petição inicial) (art. 169º da petição inicial).

62 - Conforme resulta do teor da Acta Adicional n.º 3/94 do seguro junta a fls. 60vº dos autos, as quantias conferidas ao beneficiário, a quem seja reconhecida a cobertura de invalidez total e permanente "têm início à data em que a Segurança Social a definiu" (ou seja, à data da verificação da situação de invalidez pela Segurança Social (art. 180º da petição inicial).


E são seguintes os factos considerados não provados na sentença recorrida:

I) Subscreveu o Autor o Boletim, bem como os colegas de trabalho, convicto(s) que se tratava de um seguro semelhante ao que até então tinha estado em vigor na empresa, mas celebrado com outra seguradora (art. 15º da petição inicial).

II) Alterações que se reflectiram, igualmente, no seu comportamento sexual, com diminuição sensível na frequência de relações sexuais (art. 43º da petição inicial).


O DIREITO

Verificados, a seu tempo, os requisitos de admissibilidade do recurso per saltum, aprecie-se agora o seu objecto.

No cerne deste litígio está um contrato de seguro de Vida grupo – rectius: um contrato de seguro de grupo do ramo Vida – celebrado entre a 1.ª e a 2.ª rés, ou seja, entre a ré e recorrente Fidelidade e a ré e recorrida Navigator. Este contrato começou a produzir os seus efeitos em 1.01.1992 e sofreu alterações em 31.01.2013 (cfr. factos provados 1 a 7 e 57). A ele aderiu, em 4.02.1992, o autor, trabalhador efectivo da ré e recorrida Navigator, por indicação do seu superior hierárquico, através da subscrição do boletim do participante (cfr. factos provados 10, 11 e 12).

Com alguma segurança é possível, desde logo, qualificar o contrato dos autos como contrato de seguro de grupo[3].

Os contratos de seguro de grupo encontram a sua disciplina actual no DL n.º 72/2008, de 16.04, que estabelece o regime jurídico do contrato de seguro. No entanto, ao contrato dos autos, celebrado antes da entrada em vigor deste diploma (1.01.2009), aplica-se o DL n.º 176/95, de 26.07, que estabelece as regras de transparência para a actividade seguradora e disposições relativas ao regime jurídico do contrato de seguro, com as alterações pelo DL n.º 60/2004, de 21.03, e n.º 357-A/2007, de 31.10[4] [5].

O seguro de grupo é definido neste último diploma como “seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum [cfr. artigo 1.º, al. g), do DL n.º 176/95][6].

Como se explica no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 29.05.2012, trata-se de um contrato cuja formação, “se estabelece em dois momentos distintos: num primeiro, o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro, estando prevista a possibilidade de virem a existir pessoas seguras, que serão aquelas que vierem a aderir e que terão o seguro com as coberturas e nos termos que foram contratados; num segundo momento, o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo, começando o contrato a produzir efeitos, como seguro, no momento da primeira adesão, ou num momento posterior se tal for acordado pelas partes[7].

O contrato pressupõe / implica, pois, a existência, a partir de certa altura, de uma relação tripartida – entre a seguradora, a entidade subscritora (em regra, o tomador do seguro) e os participantes (os membros do grupo)[8].

Para resolver o presente litígio há que dar atenção, em especial, à norma do artigo 4.º do DL n.º 176/95, com a epígrafe “Seguros de grupo”.

Dispõe-se aí:

1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.

2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.

3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.º 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.

4 - O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.º 1 seja assumida pela seguradora.

5 - Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato”.

A disciplina homóloga do DL n.º 72/2008 está, essencialmente, contida nas normas dos artigos 78.º e 79.º.

Na primeira, com a epígrafe “Dever de informar”, dispõe-se:

1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º a 21.º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador.

2 - No seguro de pessoas, o tomador do seguro deve ainda informar as pessoas seguras do regime de designação e alteração do beneficiário.

3 - Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores.

4 - O segurador deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.

5 - O contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos n.ºs 1 e 2 seja assumido pelo segurador”.

Na segunda, com a epígrafe “Incumprimento do dever de informar” dispõe-se:

O incumprimento do dever de informar faz incorrer aquele sobre quem o dever impende em responsabilidade civil nos termos gerais[9].

Da disciplina em apreço resulta, sem margem para dúvidas, que nos contratos de seguro de grupo, salvo cláusula em contrário, compete ao tomador do seguro a obrigação de informação sobre as coberturas e as exclusões contratadas, as obrigações e os direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores (cfr. n.ºs 1 e 4 do artigo 4.º do DL n.º 176/95), competindo-lhe ainda o ónus da prova do cumprimento desse dever (cfr. n.º 2 do artigo 4.º do DL n.º 176/95), sem prejuízo de a seguradora dever facultar aos segurados toda a informação que lhe seja solicitada (cfr. n.º 5 do artigo 4.º do DL n.º 176/95).

A ideia de que aquele dever de informação compete ao tomador do seguro e não à seguradora vem sendo clara e reiteradamente afirmada / confirmada pela jurisprudência portuguesa, nomeadamente por este Supremo Tribunal[10]. Explica-se aí que o tomador do seguro não é um intermediário directo ou indirecto da seguradora (representante ou auxiliar da seguradora) e que, consequentemente, não há responsabilidade objectiva da seguradora por comportamento do tomador do seguro.

Regressando ao caso em apreciação, não estando apurada a existência de cláusula em contrário, era a ré Navigator quem, de acordo com aquele artigo 4.º do DL n.º 176/95, tinha o dever informar o autor sobre as coberturas e as exclusões contratadas, as obrigações e os direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores do contrato de seguro, cabendo-lhe o ónus de provar que cumpriu este dever – o que não aconteceu. Sendo assim, não há – não pode haver – responsabilização da ré seguradora.

Mas será o disposto no DL n.º 176/95 suficiente para solucionar o caso dos autos?

O autor e recorrido vem sustentando, ao longo do processo, que, sendo o presente contrato de seguro um contrato de adesão, há que chamar à colação a disciplina do DL n.º 446/85 (regime das cláusulas contratuais gerais).

No seu entender, a ré seguradora estava, sim, constituída na obrigação de informar o autor do teor das cláusulas contratuais, tanto na sua formulação originária (de 1992) como na sua formulação sucessiva (de 2013), e de esclarecer todos os aspectos necessitados de clarificação (cfr. artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85); faltou ao cumprimento desta obrigação e por isso todas as cláusulas não comunicadas ao autor (em particular as respeitantes à exclusão das doenças de foro psiquiátrico e psicológico bem como à obrigatoriedade de apresentação de atestado multiusos) devem considerar-se excluídas do contrato, nos termos do artigo 8.º do DL n.º 446/85. Independentemente disto, há cláusulas que violam o princípio da boa fé e são abusivas nos termos dos artigos 15.º, 16.º e 21.º, al. b), do DL n.º 446/85 (em particular a que condiciona o atendimento da situação de invalidez total e permanente do autor à apresentação do atestado multiusos), pelo que são nulas nos termos gerais de direito.

Este raciocínio é, no essencial, partilhado pela ré e recorrida Navigator e é ainda, também no essencial, acolhido na sentença.

Do seu canto, a ré e recorrente Fidelidade replica que o regime especial do DL n.º 176/95 (regime do contrato de seguro), sendo especial, afasta a aplicação do regime (mais) geral do DL n.º 446/85 (regime das cláusulas contratuais gerais).

Argumenta ela que “[o] DL 176/95 é uma norma especial que afasta a norma especial do DL 446/85, que embora especial é mais geral; se aquela norma impõe o dever de informar ao tomador não é defensável invocar esta para afastar tal dever do tomador e atribuí-lo à seguradora [cfr., em particular, conclusão O) das alegações].

Sendo assim – continua a recorrente –, a disciplina do dever de informação deve ser encontrada exclusivamente com base no primeiro. Inexiste – conclui – fundamento para qualquer exclusão, sendo oponíveis ao autor todas as cláusulas do contrato, nomeadamente as que excluem ou condicionam a cobertura do seguro.

É abundante – e dominante – a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça em que se conclui, em termos próximos dos propugnados pela ora recorrente, pela inaplicabilidade deste regime das cláusulas contratuais gerais[11].

O raciocínio central é o de que a imposição do dever de informação ao tomador do seguro está de acordo com configuração do contrato como de seguro de grupo e impede que o tomador do seguro seja tratado como mero representante ou intermediário da seguradora e que a esta sejam imputadas as consequências da atuação irregular do tomador.

Deste raciocínio decorre que todas as cláusulas contratuais, ainda que não comunicadas ao segurado pelo tomador, valem plenamente no plano da relação entre o segurado e a seguradora / são oponíveis ao segurado pela seguradora[12].

Pontualmente, já se defendeu a tese contrária[13]. Invocando-se o princípio da boa fé[14] na formação, na celebração e na execução dos contratos, nele que radicaria a vinculação da seguradora a deveres de informação, cooperação e lealdade para com o segurado, sendo a disciplina relevante das cláusulas contratuais gerais (os artigos 5.º e 6.º do DL n.º 446/85) um reflexo directo deste princípio[15].

Mas cumpre, desde já, assinalar uma diferença entre os casos tratados nesta última jurisprudência e o caso em apreço: enquanto naquela estão em causa seguros de grupo contributivos [cfr. artigo 1.º, al. h), do DL n.º 176/95], no presente litígio a tomadora do seguro, ré Navigator, assumiu, desde sempre, a obrigação de pagamento dos prémios do contrato (cfr. facto provado 6), o que significa que está em causa, distintamente, um seguro de grupo não contributivo, tal como definido no art. 1.º, al. i), do DL n.º 176/95[16].

Esta não é, como se tentará explicar, uma diferença insignificante. De tal diferença decorrem consequências no plano do regime aplicável. Assinale-se uma, que salta à vista: o disposto no n.º 3 do artigo 4.º do DL n.º 176/95[17] é inaplicável ao caso dos autos (regime do incumprimento do dever de informação)[18]. Mas há mais consequências relevantes.

Por exemplo, para autores como Margarida Lima Rego, a distinção entre seguros de grupo contributivos e não contributivos é determinante para a sua qualificação como seguros de grupo. Entende esta autora que só os seguros por conta de outrem são seguros de grupo em sentido próprio e por isso só os seguros de grupo não contributivos são seguros de grupo em sentido próprio, sendo os aderentes os terceiros no interesse dos quais o contrato é celebrado; os chamados “seguros de grupo contributivos” já não são genuínos seguros de grupo porquanto os aderentes têm a qualidade de partes, desempenhando o tomador do seguro uma posição meramente instrumental de gestor[19] [20].

Acreditando que os aspectos referidos pela autora não podem ser desconsiderados e se reflectem, de facto, na estrutura e na fenomenologia do contrato, a tese da sujeição da seguradora ao dever de informar diretamente o segurado encontra os obstáculos previsíveis.

Enquanto, geralmente, nos contratos contributivos os três sujeitos / grupos de sujeitos estão ligados entre si por um vínculo representável por uma linha horizontal em que o sujeito posicionado no meio (o tomador do seguro) é um mero catalisador e os sujeitos posicionados nas pontas é que são as verdadeiras partes[21], nos contratos não contributivos a relação é configurável como um triângulo sem a linha de base e com o tomador do seguro posicionado no vértice: este é sujeito pelo qual tudo passa – o credor imediato da seguradora e o devedor imediato dos segurados.

Se, no âmbito de seguros contributivos, ainda pode compreender-se que se convoque o princípio da boa fé e se estenda, por via dele, à seguradora a sujeição a deveres de informação e esclarecimento do conteúdo negocial (e os “desvios” referidos à jurisprudência dominante serão casuisticamente justificados), no âmbito dos não contributivos, isso já não se propicia – não se propicia tão bem. A maior distância entre a seguradora e os segurados (com o tomador de permeio) tem, necessariamente, influência no posicionamento das partes e na identificação dos comportamentos reciprocamente devidos. Não obstante não ser possível dizer que, na segunda situação, se modifica o feixe ou o conteúdo dos deveres laterais ou acessórios de conduta que impedem sobre a seguradora, o grau ou a intensidade da vinculação da seguradora perante os segurados é, compreensivelmente, menor [22].

Esclarecido isto, é possível confirmar a conclusão de que quem tinha o dever de informar o segurado das cláusulas contratuais era, em exclusivo, o tomador de seguro, ou seja, a ré Navigator, logo, o eventual incumprimento, por esta, de tal dever não compromete a eficácia de qualquer cláusula.

Assim, nada mais havendo, consideraram-se oponíveis ao segurado, designadamente, a cláusula que consagra a definição e os requisitos da invalidez total e permanente [cfr. artigo 1.º das Condições Gerais], a que constitui o segurado numa obrigação de apresentação de atestado multiusos [cfr. artigo 8.º, n.º 2, 2, al. c), das Condições Gerais] e a que prevê a exclusão da cobertura complementar de invalidez total e permanente por doença das doenças do foro psicológico ou psiquiátrico (cfr. artigo 3.º, n.º 8, das Condições Particulares), todas constantes, e tal como constantes, do contrato na versão reformulada (cfr. facto provado 57).

Resta agora ver se procede a alegação de ineficácia de alguma cláusula com base em outros fundamentos, em particular da cláusula contratual contante do artigo 2.º, n.º 2, das Condições Especiais, que condiciona o atendimento da invalidez total e permanente ao “reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura está afetada duma invalidez total e permanente” (cfr. facto provado 1).

Esta cláusula foi julgada “nula, por abusiva e proibida” pelo Tribunal recorrido.

Pode ler-se na fundamentação da sentença:

“As cláusulas abusivas caracterizam-se, por a sua aplicação resultar numa limitação ou supressão de obrigações a cargo predisponente, com alteração da relação de equivalência, favorecendo excessiva ou desproporcionadamente a posição contratual do predisponente com prejuízo inequitativo e danoso do aderente.

No fundo, o que ocorre é uma incompatibilidade com os princípios legais essenciais.

Teve, pois, o legislador como objectivo central a proibição absoluta ou relativa de cláusulas injustas, inconvenientes ou inadequadas.

Como princípio geral, e de acordo com o art. 15º, do RLCCG, são proibidas as cláusulas contrárias á boa-fé.

E o art. 16º deste Diploma Legal concretiza:

“Na aplicação da norma anterior devem ponderar-se os valores fundamentais do direito relevantes em face da situação considerada e, especialmente:

a) - A confiança suscitada, nas partes, pelo sentido global das cláusulas contratuais em causa, pelo processo de formação do contrato singular celebrado, pelo teor deste e ainda por quaisquer outros elementos atendíveis;

b) - O objectivo que as partes visam atingir negocialmente, procurando-se a sua efectivação à luz do tipo de contrato utilizado”.

A boa-fé tida em vista neste diploma é a boa-fé objectiva, exprimindo um princípio normativo que não fornece ao julgador uma regra apta a aplicação imediata, mas apenas uma proposta ou plano de disciplina, “ficando aberta deste modo a possibilidade de atingir todas as situações carecidas de uma intervenção postulada por exigências fundamentais de justiça.

Deste modo, poder-se-á concluir que uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

Ou seja, uma cláusula será contrária à boa-fé se a confiança depositada pela contraparte contratual naquele que a predispôs for defraudada em virtude de, da análise comparativa dos interesses de ambos os contraentes, resultar para o predisponente uma vantagem injustificável.

Saliente-se que o controlo da natureza abusiva de uma cláusula deve ser feito em concreto, considerando-se quaisquer elementos atendíveis, que incluem as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, importando ter em consideração, na apreciação do desequilíbrio das prestações gravemente atentatório da boa-fé, todas as circunstâncias que envolvem o contrato, que devem ser apreciadas objectivamente, na perspectiva de um observador razoável e com referência, não ao momento da celebração do contrato, mas daquele em que é feita valer a nulidade da cláusula.

Sendo, ainda, certo que, na apreciação da natureza abusiva de uma cláusula, se deve ponderar a finalidade do contrato, e, assim, quando em resultado de tais cláusulas, de exclusão ou limitativas, a cobertura fique aquém daquilo que o tomador ou o segurado pudessem de boa-fé contar, tais cláusulas devem considerar-se nulas.

Voltando ao caso dos autos, é notório que a exclusiva comprovação da situação de invalidez por exclusiva banda de médico indicado pelo segurador assume clara contraditoriedade face à boa fé exigível, por implicar um desequilíbrio desproporcionado e, a final, uma penalização gravosa para o autor que se vê, relativamente à consideração do seu estado, nas "mãos" exclusivas da seguradora.

Na realidade, conhecedor da existência de um contrato de seguro de que era beneficiário, designadamente em caso de invalidez total e permanente, o autor adquiriu a confiança de que, caso se viesse a encontrar em tal situação, teria direito a receber a indemnização contratada”.

Como, assim, é notório, que a referida cláusula, inserta no n.º 2 do artigo 2.º das condições especiais da apólice, dado este significativo desequilíbrio, é abusiva e proibida nos termos dos artigos 15º, 16º e 21.º, aI. b) do Dec- Lei n.º 446/85, de 25/10 (RJCCG), ficando a cobertura do contrato de seguro, aquém daquilo que o autor podia de boa-fé contar, tendo em consideração o objecto e a finalidade do acordo firmado, pelo que, sendo abusiva, a mesma é nula, nos termos gerais do direito, subsistindo o contrato na parte não afectada pela invalidade, e mantendo-se a obrigação de cumprimento por parte da Seguradora, caso se verifiquem os demais pressupostos para o efeito”.

Como, assim, é forçoso concluir que merece acolhimento a excepção peremptória impeditiva deduzida pela Autora, e em consequência disso, dever-se-á ter por excluída tal cláusula contratual do conteúdo do contrato de seguro ao que aderiu o Autor”.

Acolhe-se, no essencial, a conclusão do Tribunal recorrido, isto é, a conclusão de que a cláusula constante do artigo 2.º, n.º 2, das Condições Especiais é abusiva e, por isso, nula. Mas podem e devem fazer-se algumas precisões.

O direito português das cláusulas contratuais gerais deve interpretar-se de acordo com as regras estabelecidas na Directiva 1993/13/CEE, de 5.04.1993, relativa às cláusulas abusivas em contratos com os consumidores, entre as quais se destaca o artigo 3.º, dispondo, no seu n.º 1, que “uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e [as] obrigações das partes decorrentes do contrato[23].

A qualificação como abusiva de uma cláusula contratual não negociada depende, pois, dos conceitos indeterminados de boa fé e de desequilíbrio significativo (em que a primeira se concretiza) entre os direitos e as obrigações das partes.

O Tribunal de Justiça da União Europeia pronunciou-se sobre a interpretação do artigo 3.º no Acórdão de 14.03.2013, no processo C-415/11 (Aziz).

Tentando fixar algumas orientações a partir deste Acórdão, diz Nuno Manuel Pinto Oliveira que, no que toca ao princípio da boa fé, o aplicador deve apreciar não só a conduta dos contraentes como o conteúdo do contrato. Neste domínio, “em primeiro lugar, a cláusula contratual não negociada deverá ser um meio adequado para a realização ou satisfação de um interesse legítimo das partes — faltando a adequação, falta um “motivo objectivo” para a cláusula controvertida” e “em segundo lugar, a cláusula contratual não negociada deverá ser um meio proporcionado, designadamente, por não deixar o consumidor 'totalmente desprotegido perante a alteração do equilíbrio contratual a favor do profissional que se prevalece da cláusula'[24] [25].

Ora, é visível, no caso em apreço, que a exigência de “reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura está afetada duma invalidez total e permanente” não é, em rigor, necessária para as finalidades do contrato de seguro. Está a impor-se a uma das partes uma restrição que não é justificada à luz daquelas finalidades; outros médicos teriam condições para fazer o reconhecimento da invalidez relevante com a competência e a objectividade adequadas. Não sendo necessária, aquela exigência não é proporcional e, não sendo proporcional, a cláusula que a compreende é nula por contrária ao princípio da boa fé.

Assentes que estão todas as questões relacionadas com a eficácia das cláusulas, resta, enfim, responder à questão formulada de início, ou seja, se a seguradora é responsável nos termos peticionadas pelo autor.

Colhidos os dados de facto relevantes (cfr., sobretudo, factos provados 48 a 54) e o teor da documentação junta aos autos (cfr., sobretudo, documentos n.ºs 6 a 16 e 18), verifica-se que o autor logrou provar os factos constitutivos do direito indemnizatório de que se arroga (cfr. artigo 342.º, n.º 1, do CC) – que se encontra em invalidez total e permanente nos termos do artigo 1.º das Condições Gerais e estão reunidas as condições de que depende a consideração desta sua situação, quais sejam a “persistência da incapacidade total para o trabalho durante um período não inferior a seis meses sem interrupção [ou] dois anos nos casos de alienação mental ou perturbações psíquicas” e a “perda definitiva da capacidade de ganho superior a 2/3”, isto é, tudo quanto é exigido pelo artigo 2.º das Condições Especiais uma vez expurgado, como deve ser, do seu n.º 2.

Verifica-se, em suma, e tal como disse o Tribunal recorrido “(…) ter o autor comprovado devidamente que o seu estado de saúde é integrador quer do conceito de invalidez total e permanente, quer das condições de verificação necessária - não inválidas - para que tal invalidez seja de ter por coberta no seguro dos autos”.

À seguradora competia, em última análise, o ónus da prova de factos conducentes à exclusão da sua responsabilidade (cfr. n.º 2 do artigo 342.º do CC), nomeadamente a ocorrência da situação mencionada no artigo 3.º, n.º 8, das Condições Particulares (doença do foro psiquiátrico ou psicológico) em grau comprometedor da invalidez na percentagem contratualmente exigida[26], mas o certo é que, entre os factos provados, não há nenhum que seja determinante para aquela exclusão.

Tudo visto, conclui-se que “é notório que é devido contratualmente ao autor pela Ré “Fidelidade” a quantia de capital equivalente a 42 vezes a remuneração mensal auferida (ou seja, a quantia de capital de €69.048,00)”.

Quanto aos juros de mora vale igualmente o que decidiu o Tribunal a quo, isto é, que “[o] facto provado constante do ponto 62) evidencia que nos termos da Acta Adicional n.º 3/94 do seguro as quantias conferidas ao beneficiário, a quem seja reconhecida a cobertura de invalidez total e permanente 'têm início à data em que a Segurança Social a definiu'.

A asserção, em causa, tem manifestamente o desiderato de fazer retroagir à data da verificação da situação de invalidez pela Segurança Social, o momento a partir do qual é devido o capital seguro, pelo que, pode ter-se por certo, no caso, o momento a partir do qual era devida a prestação da ré seguradora.

Deste modo, e não tendo a mesma sido tempestivamente efectuada, sobre o valor de capital respectivo - €69.048,00 - acrescerão os juros de mora, contabilizados à taxa legal de 4% ao ano, vencidos desde 22/06/2016 (data em que se iniciou a reforma por invalidez do autor) e, vincendos, até efectivo e integral pagamento (cf. arts. 559º, 804º, nº 1, 805º, nº 1 e 806.º, nºs 1 e 2, do C.Civ. e Portaria nº 291/2003, de 8 de Abril de 2003”.



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III. DECISÃO


Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se parcialmente a decisão recorrida, decidindo-se:

I. considerar que a falta de comunicação pelo tomador ao segurado das cláusulas constantes do presente contrato não afecta a sua eficácia no plano das relações entre a seguradora e o segurado;

II. considerar nula, por contrária ao princípio da boa fé, a cláusula constante do artigo 2.º, n.º 2, das Condições Especiais, que condiciona a possibilidade de a invalidez total e permanente ser atendida ao “reconhecimento pelo médico do segurador de que a pessoa segura está afetada duma invalidez total e permanente”;

III. condenar a ré e ora recorrente Fidelidade no pagamento ao autor e ora recorrido AA da quantia de capital de € 69.048,00, acrescida de juros de mora contabilizados à taxa legal de 4% ao ano, e vencidos, desde 22.06.2016, e vincendos, até efectivo e integral pagamento; e

IV. condenar a ré e ora recorrente Fidelidade nas custas da revista.


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Catarina Serra (relatora)

Rijo Ferreira

Cura Mariano

Nos termos do artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1.05, declaro que o presente Acórdão tem o voto de conformidade dos restantes Exmos. Senhores Juízes Conselheiros que compõem este Colectivo.

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[1] A repetição da alínea E) decorre das conclusões originais.

[2] A passagem para a alínea N) em vez de para a alínea M) decorre das conclusões originais.

[3] Trata-se, segundo Margarida Lima Rego (Contrato de seguro e terceiros – Estudo de direito civil, Dissertação para doutoramento em direito privado na Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 2008, p. 590), de um tipo de contrato habitual no universo das empresas, que, na qualidade de empregadores, os celebram por conta dos respectivos trabalhadores. Explica a autora que, quando assim é, os contratos de seguro de grupo são, em rigor, “seguros por conta” e constituem um instrumento vantajoso tanto para o segurador (tem como contraparte um único tomador) como para os segurados (beneficiam do poder negocial do tomador). Diz a autora, mais precisamente: “[o] segurador tem neles vantagem, na medida em que apenas terá de lidar com um único tomador, cuja solvabilidade pode mais facilmente conhecer, designadamente para o efeito da cobrança dos prémios, em lugar de ter de lidar com toda uma multiplicidade de segurados que vão sendo os sucessivos proprietários da coisa segura, os vários clientes do estabelecimento comercial, os vários trabalhadores da entidade empregadora. Também para os segurados esta forma de seguro e benéfica, porque muitas vezes estes não têm suficiente experiência na contratação de seguros nem o peso negocial da respectiva entidade empregadora, se se tratar de um seguro dos respectivos trabalhadores, sendo em todo o caso vantajoso para todos os envolvidos que os seus interesses sejam salvaguardados desta forma, mais eficiente do que seria a celebração de uma pluralidade de contratos de seguro por uma multiplicidade de interessados”. Por seu turno, afirma Filipe Albuquerque Matos (“Seguros de grupo”, in: António Pinto Monteiro (coord.), O contrato na gestão do risco e na garantia da equidade, Coimbra, Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2015, pp. 135-136), que, “além da maior aproximação entre a entidade patronal e os seus trabalhadores, e do reforço da credibilidade e prestígio social da empresa, o recurso aos seguros de grupo podem ainda permitir a obtenção aos entes empresariais de benefícios fiscais, ou a diminuição de encargos de ordem social. Conquanto tais regalias possam ser apenas meramente eventuais, e assumam, por isso mesmo, uma natureza meramente conjuntural, certo é, que uma vez efectivadas, não deixam de assumir uma particular relevância para a organização e o funcionamento das empresas”.
[4] No artigo 27.º do DL n.º 176/95 dispõe-se que “[a]s disposições constantes do presente diploma [se] aplica[m] a todos os contratos novos e aos renovados a partir dessa data”.
[5] Uma grande parte das disposições do DL n.º 176/95 (os artigos 1.º a 5.º e 8.º a 25.º) foi revogada pelo referido DL n.º 72/2008, de 16.04. Sucede que, como se disse, este último se aplica apenas aos contratos de seguro celebrados após a sua entrada em vigor (1.01.2009) e ao conteúdo de contratos de seguro celebrados anteriormente que subsistam à data da sua entrada em vigor, com certas especificidades (cfr. artigo 2.º do DL n.º 72/2008). Sobre o alcance destas ressalvas cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.11.2017, Proc. 608/14.7TVLSB.L1.S1.
[6] No homólogo artigo 76.º do DL n.º 72/2008 dispõe-se, algo diversamente, que o seguro de grupo “cobre riscos de um conjunto de pessoas ligadas ao tomador do seguro por um vínculo que não seja o de segurar”. Sobre este preceito cfr. Filipe Albuquerque Matos, “Seguros de grupo”, cit., pp. 134 e s.
[7] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.05.2012, Proc. 7615/06.1TBVNG.P1.S1. Veja-se, em alternativa, a descrição do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.05.2018, Proc. 261/15.0T8VIS.C1.S2: “O contrato de seguro de grupo – com definição legal no art. 1.º, al. g), do DL n.º 176/95, de 26-07 – apresenta uma particular estruturação: (i) a fase estática – de celebração do contrato entre a seguradora e o tomador do seguro; e (ii) a fase dinâmica – em que o tomador do seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo, constituindo-se uma relação trilateral entre a seguradora, o tomador do seguro e o aderente”.
[8] Diz Filipe Albuquerque Matos (“Seguros de grupo”, cit., pp. 137-138) que é possível “identificar dois momentos capitais na vida dos seguros de grupos: um momento inicial marcado pela relação estabelecida entre o tomador de seguro e a seguradora, e um momento subsequente, no qual podemos identificar a relação entre o tomador do seguro, a seguradora e cada um dos aderentes (mebros do grupo”. E mais adiante (p. 141): “Cumpre então, desde já, evidenciar que nos encontramos perante uma estrutura contratual trilateral, e no tocante à respetiva formação, podemos apelidá-la de complexa. Com efeito, e como na exposição anterior já deixámos mencionado, podemos identificar no iter formativo dos seguro de grupo dois momentos fundamentais: um primeiro momento em que intervêm o tomador e a seguradora, e no qual se definem os termos em que se vão garantir os riscos respeitantes a um grupo de pessoas, e um outro momento subsequente, e que se regista a adesão dos membros do grupo cujos riscos são cobertos”.
[9] Afirma, no quadro da lei vigente, Filipe Albuquerque Matos (Seguros de grupo”, cit., pp. 156-157) que o regime geral em matéria de deveres de informação no âmbito dos contratos de seguro (artigos 18.º a 21.º do DL n.º 72/2008) tem necessariamente de sofrer adaptações no âmbito dos seguros de grupo em virtude da estrutura trilateral dos mesmos, sendo uma das maiores diferenças “deslocação da esfera jurídica do segurador para a do tomador do seguro dos encargos informativos” (sublinhados nossos). Explica o autor que “enquanto num comum contrato de seguro, o tomador assume a posição de destinatário e credor das informações que lhes são prestadas pelo segurador, no âmbito do seguro de grupo o tomador toma a posição contrária, ou seja, encontra-se investido no papel do devedor”. E continua: “[a]tenta a relação de maior proximidade entre o tomador e os membros do grupo de pessoas seguradas, bem como as implicações inerentes à eficácia relativa dos contratos, compreende-se que seja o tomador e não o segurador a transmitir as informações alusivas ao contrato de seguro por ele negociado, podendo, de algum modo, equiparar-se a sua posição à de distribuidor ou mediador de seguros” (sublinhados nossos).
[10] Cfr., entre tantos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2010, Proc. 294/06.8TBOAZ.P1, de 13.01.2011, Proc. 1443/04.6TBGDM.P1.S1, de 29.05.2012, Proc. 7615/06.1TBVNG.P1.S1, de 25.07.2013, Proc. 24/10.0TBVNG.P1.S1, de 27.03.2014, Proc. 2971/12.5TBBRG.G1.S de 9.07.2014, Proc. 841/10.0TVPRT.L1.S1, de 20.05.2015, Proc. 17/13.5TCGMR.G1.S1, de 5.04.2016, Proc. 36/12.9TBALD.C1-A.S1, de 5.05.2016, Proc. 690/13.4TVPRT.P1.S1, de 17.01.2017, Proc. 317/14.7TBEVR.E1.S1, de 30.03.2017, Proc. 4267/12.3TBBRG.G1.S1, de 30.11.2017, Proc. 608/14.7TVLSB.L1.S1, e de 12.07.2018, Proc. 3016/15.9T8CSC.L1.S1.
[11] Cfr., entre tantos outros, os Acórdãos do STJ de 12.10.2010, Proc. 646/05. OTBAMR G.1.S.1, de 29.05.2012, Proc. 7615/06.1TBVNG.P1.S1, e de 15.04.2015, Proc. 385/12.6TBBRG.G1.S1, de 17.01.2017, Proc. 317/14.7TBEVR.E1.S1, e de 30.05.2019, Proc. 532/17.1T8VIS.C1.S1.
[12] Destaque-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.05.2019, Proc. 532/17.1T8VIS.C1.S1, onde, no sumário, se diz: “Num contrato de seguro do 'Ramo Vida Grupo', o incumprimento, por parte do banco tomador do seguro, do dever de informar os segurados da cláusula de exclusão da cobertura do seguro não compromete a aplicação desta mesma cláusula nas relações litigiosas entre a seguradora e os segurados, podendo aquela opor a estes a cláusula não comunicada. Adopta-se, também aí, o pressuposto de que é inaplicável o regime das cláusulas contratuais gerais. Discorre-se na fundamentação: “Com efeito, estando totalmente regulado no regime jurídico especial do contrato de seguro o dever de informar, inexiste fundamento para a aplicação, nesta matéria, do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, designadamente do disposto nos arts 5º e 6º do Dl nº 446/85, de 25.10, alterado pelos Dl nº 220/95, de 31.08, Dl nº 249/99, de 07.07 e Dl nº 323/91, de 17.12”.
[13] Cfr. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.2015, Proc. 294/2002.E1.S1, de 29.11.2016, Proc. 1274/15.8T8GMR.S1, e de 10.05.2018, Proc. 261/15.0T8VIS.C1.S2.
[14] Argumenta-se ainda que faz pouco sentido ou é mesmo injustificado que o segurado / aderente, parte mais débil no contrato, sofra as consequências económicas de uma falta cometida pelo tomador do seguro, com quem a seguradora negociou o clausulado contratual apresentado ao aderente para subscrição (cfr., para este argumento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.11.2016, Proc. 1274/15.8T8GMR.S1). E que não é imaginável que, com o disposto no artigo 4.º do DL n.º 176/95, legislador pudesse ter a intenção de diminuir as garantias do segurado, devendo, portanto, concluir-se que o regime do DL n.º 176/95 acresce à (e não substitui a) protecção que lhe é conferida, designadamente, pelo regime jurídico das cláusulas contratuais gerais no confronto com a sua contraparte no contrato de seguro (cfr., para este argumento, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10.05.2018, Proc. 261/15.0T8VIS.C1.S2).
[15] Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.04.2015, Proc. 294/2002.E1.S1, amplamente reproduzido na sentença ora recorrida e, aliás, ocupando grande parte do espaço reservado à fundamentação.
[16] No quadro do DL n.º 72/2008, precisa Margarida Lima Rego (Contrato de seguro e terceiros – Estudo de direito civil, cit., p. 670) que “[n]ão são seguros contributivos aqueles em que, na relação com o segurador, o subscritor aparece como o pagador integral do prémio, mas em que vem a descobrir-se que, sem conhecimento relevante do segurador, aquele faz de algum modo repercutir nos participantes, no todo ou em parte, os custos que suportou com o seguro”.
[17] Recorde-se que, segundo este preceito, “[n]os seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.º 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação”.
[18] No quadro da lei vigente não existe uma disposição homóloga, prevendo-se expressamente que quem tenha o dever de informar, independentemente de quem seja, possa ser responsabilizado por incumprimento nos termos gerais (cfr. artigo 79.º do DL 72/2008). A verdade é que não só se continua a discriminar entre os seguros contributivos e os não contributivos como a discriminação tem um alcance maior do que antes, aplicando-se aos primeiros, além do regime comum (cfr. artigos 76.º a 85.º do DL n.º 72/2008), um regime especial (cfr. artigos 86.º a 90.º do DL n.º 72/2008). Cfr., sobre este ponto, Filipe Albuquerque Matos, “Seguros de grupo”, cit., p. 143 (nota 22). No presente contexto, merece destaque o facto de a lei prever, no artigo 87.º do DL n.º 72/2008, no âmbito dos seguros contributivos, um dever de informação adicional ao previsto no artigo 78.º do DL n.º 72/2008.
[19] Cfr. Margarida Lima Rego, Contrato de seguro e terceiros – Estudo de direito civil, cit., pp. 638 e s. Chama a atenção para esta posição Filipe Albuquerque Matos, “Seguros de grupo”, cit., pp. 143 e s. Lembra este último que o seguro por conta de outrem era admitido no artigo 428.º §2.º do Código Comercial e que o critério para o identificar residia no facto de os segurados serem os exclusivos titulares do interesse na celebração do contrato. Este último autor contesta a adequação deste critério, sustentando que o facto de o tomador do seguro também ter interesse não prejudica a qualificação como seguro de grupo / contrato por conta de todos.
[20] Mas mesmo autores como Filipe Albuquerque Matos (Seguros de grupo”, cit., p. 159), que não levam a distinção tão longe (não retiram dela a “desqualificação” como seguros de grupo), entendem que ela é importante. Notando, no contexto da lei actual, que o regime do dever de informação é mais exigente no âmbito dos seguros contributivos, sugere o autor que é o facto de, nestes seguros, se cumularem na pessoa do tomador as qualidades de beneficiário e de mediador que justifica a emergência do dever adicional de informar previsto no artigo 87.º do DL n.º 72/2008.
[21] Como precisa Margarida Lima Rego (in: Margarida Lima Rego (coord.), Temas de direito dos seguros. A propósito da nova lei do contrato de seguro, Coimbra, Almedina, 2012, p. 325) que “[n]a verdade, o regime dos seguros contributivos aplica-se, não só aos verdadeiros seguros de grupo, mas também – e sobretudo – aos restantes seguros coletivos, designadamente aos que correspondem a relações contratuais complexas compostas por um contrato-quadro e por uma sucessão de contratos individuais de seguro celebrados pelos próprios segurados, ou pelo tomador em nome dos segurados, de que são tomadores os próprios segurados. Pertencerá a essa categoria a grande maioria dos seguros contributivos. Na verdade, muito dificilmente se configuram hipóteses em que os segurados, não obstante assumirem perante o segurador o compromisso do pagamento da totalidade ou mesmo de parte do prémio – nos casos em que o fazem – continuem a qualificar-se simplesmente como terceiros e não como partes na sua relação individual de seguro. A própria lei parece pressupor que, nos seguros contributivos, os segurados serão necessariamente partes, e não terceiros, ao referir a «proposta de adesão» a emitir por cada um dos segurados. Mas não é forçoso que o sejam, não sendo inteiramente clara a extensão do conceito de seguro contributivo de que a lei faz uso. Da análise da definição legal resulta que a lei pressupõe que o prémio é «devido pelo tomador do seguro». Contudo, em muitos dos casos regulados por este regime legal o tomador limitar-se-á a celebrar um contrato-quadro com o segurador, muitas vezes não se responsabilizando de todo pelo pagamento dos prémios, mas apenas pela sua cobrança, e por vezes nem isso. Tipicamente, os deveres do tomador perante o segurador revestem, nestes casos, natureza essencialmente administrativa, no sentido de que respeitam ao seu papel de gestor dos contratos celebrados ao abrigo dos contratos-quadros. O seu papel é na verdade o de um mediador de seguros”.
[22] Como adverte Ana Filipa Morais Antunes (Comentário ao Código Civil – Direito das obrigações – Das obrigações em geral, Lisboa, Universidade Católica Editora, 2018, p. 1032), “[o]dever de acuar com boa-fé tem de ser compreendido em concreto, ponderado o tipo de ato jurídico, a natureza e a modalidade de vínculo intersubjetivo”.
[23] Esta disposição está, aliás, reflectida no preceituado do artigo 9.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31.07).
[24] Cfr. Nuno Manuel Pinto Oliveira, “O princípio da boa fé e o princípio da proporcionalidade — o problema das cláusulas abusivas nos contratos com os consumidores entre direito privado e direito público”, in: Revista do Direito da Universidade de Santa Cruz do Sul, 2017, n.º 53, p. 148. Para maiores desenvolvimentos sobre esta matéria, em particular o desequilíbrio significativo e a contrariedade ao princípio da boa fé, cfr. Ricardo Pazos Castro, El Control de las Cláusulas Abusivas en los Contratos com Consumidores”, Cizur Menor (Navarra), Thomson Reuters – Aranzadi, 2017 (esp. pp. 487 e s.).
[25] Antes daquela Acórdão, Joaquim de Sousa Ribeiro (“A boa fé como norma de validade”, in: Ars Ivdicandi – Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves, volume II, Coimbra, Coimbra Editora, 2008, pp. 718-719) enaltecia o papel da boa fé nos seguintes termos: “a boa fé, longe dos seus canônes aplicativos tradicionais, está funcionalmente associada à ideia de equilíbrio e equidade contratual: as cláusulas abusivas são-no porque gravosamente inequitativas, sem mais, porque significativamente desequilibradoras das posições contratuais”.
[26] Recorde-se que a ré seguradora recusou o pagamento da indemnização com o fundamento de que (…) a apólice a que aderiu não garante a invalidez resultante de doenças do foro psicológico e psiquiátrico. Desta forma, excluindo o grau de desvalorização relativo a doença psiquiátrica, considerado no Atestado Médico de Incapacidade Multiusos, a desvalorização a considerar para efeitos de seguro é de 62,2%, ou seja, inferior aos 66.6% exigidos contratualmente (…)” (cfr. facto provado 56). Fez a mesma alegação nas conclusões de revista mas a verdade é que não conseguiu provar o grau de desvalorização relativo a doença psiquiátrica descontado o qual o autor não atingiria os 66,6% de desvalorização exigidos contratualmente.