TESTAMENTO
ESTADO DE DEMÊNCIA
PRESUNÇÃO
MOMENTO EXCECIONAL E INTERMITENTE DE LUCIDEZ
ÓNUS DA PROVA
Sumário


I- De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, à parte que impugna a validade do testamento compete fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado (o estado de demência do testador em período que abrange o testamento outorgado) - art. 342º, n.º 1, do Código Civil.
II- Feita essa prova é de presumir, sem necessidade de mais, que no momento da feitura do testamento o testador se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária.
III- Nesse caso, incumbia à beneficiária do testamento ilidir essa presunção, demonstrando que, no momento da outorga do testamento, o testador encontrava-se num “intervalo de lucidez” do seu estado de demência.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

J. S. intentou contra C. C. a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, peticionando a declaração de nulidade do testamento por esta outorgado em 07 de dezembro de 2011, no qual foi instituída única e universal herdeira a ré; subsidiariamente, invoca e peticiona a anulabilidade do referido testamento.
Para tanto o autor sustenta a sua pretensão na incapacidade da testadora, reconhecida em ação de interdição que fixou o início da incapacidade em 1 de janeiro de 2008.

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Citada, contestou a Ré, pugnando pela improcedência da ação e tendo deduzido reconvenção, onde peticiona se declare válido o testamento outorgado em 07 de dezembro de 2011 pela Sra D. M. F. e condenando-se o Autor e Reconvindo e os chamados e também reconvindos a reconhecer essa validade (cfr. fls. 198 a 214).
Alegou, em resumo, que a testadora, à data da outorga do testamento, não obstante a decisão vertida nos autos de interdição, estava no pleno uso das suas capacidades intelectuais, cognitivas e volitivas, resultando tal ato de uma vontade livre e esclarecida.
Mais deduziu chamamento dos demais herdeiros da testadora (M. C. e C. J.).
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O autor replicou, pugnando pela inadmissibilidade da reconvenção e do chamamento no que ao interveniente A. P. concerne. No mais, impugnou a factualidade em que a ré estribou a sua pretensão (cfr. fls. 222 a 229).
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A ré exerceu o contraditório, concluindo como na contestação (cfr. fls. 238 a 242).
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Por despacho de fls. 252 e seguintes, foi julgada inadmissível a reconvenção.
Mais foi admitida a intervenção provocada dos chamados como associados do autor, exceção feita quanto a A. P..
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A interveniente M. C. fez seus os articulados do autor (cfr. fls. 268 a 270).
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O interveniente C. J. fez-se representar nos autos (cfr. fls. 269).
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Realizou-se audiência prévia, no âmbito da qual foi elaborado despacho saneador, onde se afirmou a validade e regularidade da instância; foi fixado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova, bem como foram admitidos os meios de prova (cfr. fls. 300 a 304).
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Procedeu-se a audiência de julgamento (cfr. fls. 539, 540, 563, 564 576 a 583 e 594).
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Posteriormente, a Mm.ª Julgadora “a quo” proferiu sentença (cfr. fls. 596 a 608), nos termos da qual:

a) absolveu a ré C. C. do pedido de declaração de nulidade do testamento.
b) julgou procedente o pedido de anulabilidade e, por consequência, anulou o testamento realizado no dia 07 de dezembro de 2011, lavrado a fls. 98 a 98 verso, do livro de testamentos públicos e de escrituras de revogação n.º 3-B, do Cartório Notarial de …, à data a cargo da Dr.ª E. M., no qual a ré C. C. foi instituída única e universal herdeira de M. F..
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Inconformada, a Ré interpôs recurso da sentença (cfr. fls. 609 a 634) e, a terminar as respectivas alegações, formulou as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«I. Nos presentes Autos foi proferida douta sentença, não se conformando a Ré dela recorre, é interposto o presente recurso, que apresenta as seguintes conclusões:
II. Apesar de Ré apelante ter sido apenas parte, onde não consta o seu cônjuge, casados sob o regime de comunhão adquiridos. Com efeito, além da exceção dilatória de conhecimento oficioso que se alega, também a douta sentença proferida padece de nulidade, devendo ser revogada de harmonia com o disposto no art.º 615.º alíneas c) e d) do CPC, para os devidos efeitos legais.

Como veremos:
III. O Tribunal recorrido julgou procedente o pedido de anulabilidade do testamento realizado no dia 07 de dezembro de 2011, no qual a Ré C. C. foi instituída única e universal herdeira de M. F..
IV. Concluindo que: “A Ré induziu a Dª. M. F. a outorgar um testamento que a instituía única e universal herdeira de um vasto património, em detrimento dos familiares, por quem nutria afeto, dos amigos que a acompanhavam a vida inteira, que dela cuidaram e protegeram, e das causas sociais a que se dedicava, pelo que não vê, “qualquer razão para crer que tivesse ocorrido um momento excecional e intermitente de lucidez que permitisse à testadora a formação de uma vontade sã e livre, concordante com a vontade declarada, que não encontra qualquer suporte fáctico, nem se assume como previsível no contexto vivencial da Testadora.
V. Para fundar a sua convicção (a Testadora foi instrumentalizada pela Ré para a outorga do testamento), o Tribunal a quo teve primordialmente em conta vários meios de prova que, analisados e criticados, sumariamente elencou na decisão de anular o testamento.
VI. No entanto a avaliação englobante do contexto probatório”, nomeadamente, da prova documental, declarações de parte e testemunhal, presente nos Autos, se devidamente apreciada, deveria ter levado a que os factos dados como provados e não dados como provados fossem, na integra, por incorretamente julgados, substancialmente diferentes dos elencados na sentença recorrida.
VII. Nomeadamente, o facto dado como provado sob o ponto n.º 37º, “A Ré induziu a outorga do suprarreferido testamento, para a qual a instrumentalizou a falecida – a qual, conduzida e manipulada o subscreveu, sem consciência do alcance e sentido do ato”.
VIII. Não resultando prova desse facto essencial, de tal modo que, no caso dos autos, não se possa afirmar, que no momento em que foi lavrado o testamento, a Testadora não tinha capacidades de entender e querer o sentido da declaração testamentária, como infra se procurará demonstrar.
IX. E por consequência, os factos dados como provados, nos pontos n.ºs: 8º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 25º, 33º, 34º e 37º, que mereciam uma diferente consideração e redação. E os factos não dados como provados, nos pontos n.ºs i a xiii, xvii, xix a xxvi e que deveriam ter sido dados como provados, porquanto, o contexto geral e englobante de toda a prova produzida impunha decisão diferente da adoptada na douta sentença.
X. Em relação à prova Testemunhal, o Tribunal recorrido considerou que “todas as testemunhas indicadas pelo Autor … se nos afiguram sinceras, relatando factos verosímeis, com a adequada razão de ciência … nada abalando, por isso, a credibilidade que mereceram ao Tribunal.”
XI. A. P., sobrinho da Testadora, cujo “depoimento vindo de aludir, que se nos afigurou, sincero, descomprometido, com adequada razão de ciência”, conforme consta na fundamentação da sentença ora recorrida, confirmou “perentoriamente”, constando na fundamentação da sentença, que em setembro de 2011, a tia (Testadora) já não tinha capacidade para atos de disposição de bens.
XII. No entanto, essa mesma testemunha afirmou, em declarações prestadas em audiência final, no dia 11/01/2019, às 09h:55m:19s, minutos 4m:45s a 5m:15s, 6m:00s a 6m:15s e 14m:30s a 14m:40s e conforme consta na fundamentação da sentença, que apenas se encontrou com a tia, pessoalmente, depois de alertado por familiares e amigas da tia do seu estado de saúde, em novembro de 2011.
XIII. O que se afigura que, a testemunha quando falou do ano de 2011, em especial, setembro, assim como nos meses posteriores, estava a falar sem conhecimento do verdadeiro estado da tia, quer mental, quer físico. O mesmo se pode dizer, do estado de saúde da Testadora, antes de 2011, visto que, a testemunha só retomou o contacto com a tia em novembro de 2011.
XIV. Foi esta testemunha que impediu, conforme consta do fato provado ponto 45º, em 09/12/2011, e por ela referido em Tribunal, gravado em sessão de julgamento, minutos 13m:00s a 13m:30s, a Ré de entrar na casa da Testadora, impedindo-a de contactar a Testadora daí em diante, tendo inclusive, internado a tia num Lar de Idosos, no mesmo dia. Sendo que, o seu estado de saúde física/mental entrou, desde essa data numa rápida deterioração, conforme resulta de toda a prova documental e das declarações desta testemunha, minutos 7m:30s a 7m:45s, onde afirma que a partir de novembro de 2011 a 2012, a tia entrou num estado de degradação acelerada, mesmo que, no relatório clínico da testadora datado de 24/11/2011, se afirme que a Testadora se mantinha a orientar bem no espaço e conhece os objetos e pessoas.
XV. Esta testemunha não poderia ser coadjuvante da prova dos factos em que o foi, por não ter contacto frequente, ou sequer, pessoal com a tia, pelo menos até novembro de 2011 e por não ter atestado que a tia, no momento de testar, não estava em condições psíquicas de o fazer, não sendo de todo, “descomprometido e sincero” o depoimento que prestara.
XVI. A testemunha, R. M., coadjuvante da prova dos factos provado e não provados, relatou que visitou a tia no verão (julho/agosto) de 2011, juntamente com a testemunha A. P., em sessão de julgamento do dia 11/01/2011 às 10h:55m:59s horas a 11h:25m:58s, minutos 4m:30s a 5m:10s.
XVII. Parece à recorrente inequívoco, aliás aceite por todos os relatórios clínicos, e até mesmo no parecer junto aos autos, que não se encontram reunidos os requisitos que permitam a anulabilidade do testamento com base no disposto no art.º 2199.º do Cód. Civil, ou seja, com o fundamento da incapacidade acidental.
XVIII. A matéria de facto dada como provada não releva para efeitos de aplicação deste artigo – cuja fattiespecie não estava e continua, manifestamente, a não estar verificada – podendo, quando muito, relevar (o que, contudo, não acontece) para efeitos da aplicação das normas dos art.º 2201.º Cód. Civil (coação moral), ou do art.º 282.º, n.º 1 Cód. Civil.
XIX. Resulta da própria resposta à matéria (veja-se o facto dado como provado sob o ponto 37º - que a Ré induziu a Testadora) mas “não prova” que, a Testadora sofria de qualquer incapacidade (acidental) no momento da aprovação do testamento, o facto de a mesma só ter aprovado o testamento para obedecer à vontade da Ré (é aquilo que o tribunal agora dá, erradamente, como provado) absolutamente nenhum relevo tendo para efeitos de aplicação da norma do art.º 2199.º Cód. Civil.
XX. Ao dar como provado que a Testadora estivesse incapacitada de entender e de querer no momento de aprovação do testamento (não sofrendo de qualquer doença incapacitante, nem tendo sido alegada qualquer outra causa de incapacidade acidental), e, ao mesmo tempo, decidir que a Testadora se encontrava incapacitada (acidentalmente) no momento de aprovação desse testamento, a sentença em causa enferma mesmo em vício de nulidade de harmonia com o disposto no art.º 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC, por existir uma oposição entre os seus fundamentos e a decisão tomada, nulidade esta que nos termos do n.º 4 desta norma, aqui se deixa invocada para os devidos efeitos legais.
XXI. Posto isto, impõe-se balizar a presente demanda à causa de pedir e ao pedido, que no caso sub judice se trata de uma ação constitutiva e de anulação, a decidir sobre o vício da incapacidade acidental, concretamente na anulabilidade do testamento outorgado por Dª. M. F. por incapacidade da Testadora em entender o sentido da declaração e/ou não ter o livre exercício da sua vontade.
XXII. Ademais e consequentemente são os seguintes os TEMAS DA PROVA: Consistiu, claramente, a causa de pedir invocada no vício da incapacidade acidental (art.º 581.º do n.º 4 CPC). Na audiência prévia, de acordo com o disposto no art.º 596.º do n.º 1 do CPC, o tribunal a quo fixou o objecto do litígio e os temas de prova nos seguintes termos: – OBJETO DO PROCESSO - Da anulação do testamento por incapacidade acidental da Testadora. - TEMAS DE PROVA - Com relevo para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, é o seguinte o tema sobre o qual irá incidir a prova: - Saber se, no ato da celebração do testamento de fls. 42 e 43, M. F. se encontrava ou não capaz de entender e de querer o declarado no referido testamento. - Fixados o objeto do processo e os temas da prova, não houve reclamações.
XXIII. São, pois, estas causas de pedir e o pedido – incapacidade acidental – os parâmetros a que se encontra vinculado este tribunal, bem como as instâncias superiores, estando-lhes, assim, vedado conhecer outros possíveis vícios do testamento, até porque não estamos perante matéria que seja do conhecimento oficioso.
XXIV. Sem prejuízo disto e por mera cautela de patrocínio, a decisão da matéria de facto constitui uma enorme violação do direito probatório, maxime nas vertentes de análise, avaliação e valoração da prova produzida nos autos, que pese embora livre, terá necessariamente de protagonizar as regras da experiência das quais o Tribunal faz presunções judiciais não desconsiderando ou desvalorizando factos carreados nos depoimentos das testemunhas credíveis ou até desconsiderando os documentos juntos não impugnados.
XXV. Assim, os atestados médicos juntos aos autos e contemporâneos com a outorga do testamento sub judice, não foram impugnados nem objecto de arguição de falsidade, pelo que gozam de força probatória material (art.º 376.º do Cód. Civil) e de força probatória formal (art.º 374.º do Cód. Civil).
XXVI. Pugna-se, aqui e agora, pela alteração das respostas dadas no sentido de provadas aos seguintes factos: Assim, e se devidamente apreciada, valorada e examinada a prova (documental, testemunhal e das partes) nos termos acima mencionados, os factos provados na sentença ora recorrida e que não se aceitam - pontos n.ºs 8º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 25º, 33º, 34º e 37º, deveriam passar a ter a seguinte redação:
Facto provado n.º 8º – M. F. sofria de síndrome demencial (294.8) segundo a classificação da DSM-IV-TR, (F03) segundo a CID-10, com demência ligeira, pelo menos até 24 de novembro de 2011, que não afectava as funções básicas cognitivas, com excepção da fala e progressivamente lenta no seu desenvolvimento.
Facto provado n.º 10º – Trata-se de uma doença neurodegenerativa intratável e progressiva, sendo que, a partir do internamento de M. F. em fevereiro de 2012, começou a exteriorizar-se e a ser notória para quem de perto lidava com ela.
Facto provado n.º 11º – Em 02/02/2009 M. F. denotava há pelo menos um ano falhas de palavras, que era só de linguagem, não dizendo palavras ao lado, usava circunlóquios, percebia o que lhe diziam, não tinha alterações da personalidade, nem outras alterações cognitivas.
Facto provado n.º 12º – Em 19/02/2009 apresentava um padrão de hipoperfusão cerebral temporal e insular no hemisfério esquerdo sugestivo de afasia primária, progressiva, mas que não era evidente.
Facto provado n.º 13º – Em 20/04/2009 foi-lhe diagnosticada demência ligeira ou como segunda hipótese admitia-se o diagnóstico de Alzheimer, com envolvimento predominante da linguagem.
Facto provado n.º 14º – Em 08/11/2010 aparentava estar melhor, não existia incompreensão de palavras simples, lidava com o dinheiro, não se perdia, mantinha discurso fluente, não tinha agnosia visual pese embora, apresentava muita dificuldade em nomear.
Facto provado n.º 15º – Em 29/07/2011 entrou na consulta a dizer que estava muito bem, conhecia bem os objectos e faces, não sabia era dizer os seus nomes, tinha bom humor, não se perdia e mantinha-se a activa na vida do dia-a-dia.
Facto provado n.º 16º – Em 24/11/2011 a doença de M. F. continuava a ser classificada em termos funcionais, como demência em estado ligeiro, o curso da doença era muito lento, mantinha a orientar-se bem no espaço, reconhecia bem as pessoas e os objectos e ainda fazia uso adequado destes.
Facto provado n.º 17º – Em consulta desse dia foi relatado “comportamento algo mais agressivo, discurso centrado nas intenções que alguns familiares terão demonstrado para a sua interdição/tutoria, sendo que, se mantinha sem actividade alucinatória ou outra delirante detectável.
Facto provado n.º 25º – Durante o referido período a ré acompanhou a M. F. em todos os actos da vida quotidiana que esta lhe pedia para acompanhar.
Facto provado n.º 33º – No verão de 2011 M. F. continuava a ir à missa, a vestir-se, a tomar banho e a comprar pão.
Facto provado n.º 34º – Em novembro de 2011, foi citada da acção de interdição contra ela intentada e de imediato, compreendeu o seu teor e alcance, tendo ficado ciente das consequências.
Facto provado n.º 37º - A outorga do testamento, foi feito de forma lúcida, livre, esclarecida e espontânea vontade por parte da M. F., designando a Ré como herdeira universal de todo o seu património.
XXVII. A prova negativa a estes itens resulta dos Relatórios, depoimentos das testemunhas, nos depoimentos de parte prestados pelo Autor, onde se desmistifica a ligeireza com que se tiraram presunções inconsistentes e desvirtuadas da realidade, tudo com o fito de instrumentalizar no sentido da decisão final encontrada e ora em crise.
XXVIII. Foram naqueles os trechos daqueles depoimentos que se deixaram transcritos nestas alegações. Aliás, reforçando toda a tese destas alegações, o douto parecer como dos Relatórios Médicos da autoria de tão prestigiado, reconhecido e eminente médicos, pecam pela divergência entre o escrito e dizeres nos mesmos e o proferido em audiência de discussão de julgamento, superficialidade e ligeireza perante a realidade existente e assente na prova que agora se espera devidamente corrigida e também pela aplicação no disposto no art.º 2201.º do Cód. Civil, quando o objectivo da presente demanda se cinge ao disposto no art.º 2199.º do mesmo Diploma.
XXIX. Ainda assim, e mais uma vez por mera cautela de patrocínio, nota-se que a matéria de facto dada como provado não se subsume à aplicação do art.º 2199.º Cód. Civil (coação moral), uma vez que nenhum dos respetivos enunciados de facto se refere a ter a Ré / recorrente dirigido à Testadora qualquer tipo de ameaça com vista à obtenção do testamento.
XXX. E, mesmo que se entendesse resultar o contrário daqueles factos, os mesmos sempre estariam em absoluta contradição com a prova produzida, já que nenhuma testemunha ou o Autor alguma vez ouviu a Ré ameaçar a Testadora, e, em particular quer a digna Notária e as testemunhas, para além de não ter ouvido isto, afirmou que a Testadora não se sentiu obrigada a celebrar o testamento, tendo o mesmo sido celebrado porque a mesma quis (tendo essa, na opinião da testemunha, sido realmente a vontade da Testadora) recompensar a Ré.
XXXI. Do mesmo passo, falecendo a possibilidade de aplicação da norma do art.º 282.º, n.º 1 Cód. Civil, seja por nenhum enunciado de facto provado se refere a ter a Ré explorado a situação de fragilidade da Testadora, seja pelo facto não ter sido feita prova nesta ação (por ser irrelevante para o seu objecto) do acervo de bens que compõem a herança, ou sequer do valor dos bens objeto do testamento, sendo, assim, impossível realizar qualquer juízo quanto ao carácter desequilibrado, deste negócio jurídico.
XXXII. Por último, e mais uma vez por mera cautela de patrocínio, não há qualquer base factual para a aplicação do instituto da ofensa aos bons costumes, nos termos consignados no n.º 2 do art.º 280.º do Cód. Civil.
XXXIII. Violou assim a douta sentença recorrida os art.ºs 255.º, 282.º, 287.º, 342.º, 2199.º e 2201.º todos do Cód. Civil, os art.ºs 609.º do n.º 1 e 615.º al. c) e d) do CPC. Como também violou a douta sentença os art.º 18.º, 20.º, 22.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa.

NESTES TERMOS,
E nos demais de Direito deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência:
1. Ser revogada a sentença em causa e declarada a nula de harmonia com o disposto no artigo 615.º alíneas c) e d) do Cód. Proc. Civil, para os devidos efeitos legais;
2. Sem prejuízo, e por mera cautela de patrocínio, deverá ser revogada a decisão da matéria de facto da douta sentença, substituindo-a por outra que julgue não provados os artigos, pontos n.ºs 8º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 25º, 33º, 34º e 37º, dar-se como provados os pontos n.ºs i a xiii, xvii, xix a xxvi;
3. Que julgue improcedente a presente ação e, em consequência, valide o testamento outorgado pela Dª M. F. em 07.12.2011 onde legou, por força da sua quota disponível, à Ré ora recorrente todos os seus bens (imóveis e móveis e de todo o recheio e seus pertences) e saldos bancários;
4. Condenado o Autor nas custas e demais encargos com o processo.
Contudo, Vossas Excelências no sábio julgamento farão sempre a SÃ, SERENA e LIDIMA JUSTIÇA.».
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Contra-alegou o autor (cfr. fls. 657 a 662), bem como os intervenientes (cfr. fls. 664 a 704 e 707 a 728), pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença recorrida.
*
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo (cfr. fls. 749).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Delimitação do objeto do recurso

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do(s) recorrente(s), não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso e não tenham sido ainda conhecidas com trânsito em julgado [cfr. arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho].

No caso, por ordem lógica da sua apreciação, apresentam-se as seguintes questões a decidir:
i) - Da(s) nulidade(s) da sentença e da verificação de exceção dilatória de conhecimento oficioso;
ii) - Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.
iii) - Da (in)verificação dos requisitos de que depende a anulação do testamento por incapacidade acidental da testadora.
*
III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

a) - A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:
1. M. F., faleceu no dia -/01/2016, com 78 anos, no estado de viúva, não tendo ascendentes vivos, nem descendentes.
2. Sobreviveram-lhe três irmãos: J. S., C. J. e M. C..
3. No dia 1 de setembro de 2011 foi intentada ação especial de interdição por anomalia psíquica de M. F., que correu termos sob o n.º 5570/11.5TBBRG, no 3.º Juízo Cível do Tribunal de Braga.
4. Em 06/10/2011 o Ministério Público deu parecer favorável à decisão provisória de interdição.
5. A interposição da ação foi publicada no jornal do Minho em 15 e 16/10/2011.
6. Em 09/12/2011 que declarada a interdição provisória da referida M. F. e nomeado tutor, pro-tutor e vogal do Conselho de Família provisórios.
7. Naqueles autos foi proferida sentença, transitada em julgado em 31/01/2014, na qual foi decretada a interdição definitiva de M. F., fixando o início da sua incapacidade em 01/01/2008 (1).
8. M. F. sofria de síndrome demencial (294.8) segundo a classificação da DSM-IV-TR, (F03) segundo a CID-10, com grave limitação das suas funções cognitivas, desde 2008.
9. Padecia de demência semântica, desde o início de 2008.
10. Trata-se de doença neurodegenerativa intratável e progressiva.
11. Em 26/01/2009 M. F. denotava, desde há cerca de 1 ano, perda progressiva da memória para factos recentes e perda do vocabulário mais comum.
12. Em 19/02/2009 apresentava um padrão de hipoperfusão cerebral temporal e insular no hemisfério esquerdo do cérebro sugestivo de afasia primária progressiva.
13. Em 20/04/2009 foi-lhe diagnosticada demência ligeira dominada por efeito da linguagem do tipo semântico, e apresentava defeito de cálculo e compromisso da memória episódica global do raciocínio abstrato visual.
14. Em 08/11/2010 apresentava muita dificuldade em nomear, discurso fluente e sem agnosia visual.
15. Em 29/07/2011 mantinha afasia sensitiva, com anomia severa.
16. Em 24/11/2011 M. F. não ia autonomamente ao banco, não lidava com cartões ou dinheiro, não era capaz de cozinhar, apresentava desagregação semântica da linguagem, compromisso evidente de funções como gestão fiduciária e patrimonial e afetação funcional nas atividades da vida diária de média-alta e alta complexidade.
17. Em consulta desse dia foi relatado “comportamento algo mais agressivo, discurso centrado nas intenções que alguns familiares terão demonstrado para a sua interdição/tutoria”.
18. M. F. esteve internada na Casa de Saúde do … entre 07/02/2012 e 07/03/2012, enviada por intermédio do Serviço de Urgência Psiquiátrica do Hospital de ….
19. Apresentava então um quadro clínico em que sobressaíam défices cognitivos e alterações comportamentais.
20. Em 31/05/2012 não era capaz de responder à maioria das questões efetuadas em contexto de consulta médica. Não sabia precisar a idade e apresentava discurso pobre, escasso, a maioria das vezes impercetível.
21. Em 30/12/2012 M. F. aparentava idade superior à real; não reconhecia os familiares; apresentava discurso desconexo e incoerente; hipoacusia; eutimia; não apresentava sintomas psicóticos evidentes; não reconhecia o dinheiro, nem o valor do mesmo; não conseguia fazer operações aritméticas; estava dependente dos cuidados de terceiros para todas as atividades da vida diária como higiene, vestimenta, alimentação e toma de medicação; não saia à rua sozinha; apresentava franca diminuição de todas as funções cognitivas.
22. No dia 07/12/2011, foi lavrado testamento de fls.98 a fls.98-v, do livro de testamentos públicos e de escrituras de revogação n.º 3-B, do Cartório Notarial de …, na data a cargo da Dr.ª E. M., no qual M. F. declarou revogar qualquer outro testamento anteriormente feito e instituir sua única e universal herdeira C. C., ora ré.
23. C. C. iniciou funções como empregada doméstica não residente, ao serviço da ré, no início de janeiro de 2009.
24. Manteve tais funções até dezembro de 2012.
25. Durante o referido período a ré acompanhou M. F. em todos os atos da vida quotidiana.
26. Designadamente, às consultas de neurologia, com o Dr. A. M..
27. Utilizava o seu cartão multibanco e procedia a levantamentos em dinheiro da conta bancária de M. F..
28. Acompanhava-a nas deslocações ao banco.
29. Atendia os telefonemas que lhe eram dirigidos.
30. Acompanhava as visitas que M. F. recebia na sua residência. 31. Conduzia-a nas deslocações em automóvel.
32. Cozinhava e atendia à porta.
33. No verão de 2011 M. F. apresentava-se apática, deambulava e não desenvolvia conversa com os seus familiares.
34. Em novembro de 2011 apresentava-se emagrecida, com aspeto desleixado (cabelo e roupa) e fraca higienização (cheirava a urina).
35. M. F., por escritura celebrada no dia 07/12/2010, declarou vender à ré um prédio pelo preço de 150.000,00€.
36. M. C., intentou ação contra a aqui ré e marido P. F., para anulação da compra e venda referida no número anterior, na qual foi celebrada transação, homologada por sentença transitada em julgado, na qual as partes aceitaram a anulação do contrato de compra e venda, contra o pagamento da quantia de 22.500,00 €.
37. A ré induziu a outorga do supra referido testamento, para a qual instrumentalizou a falecida - a qual, conduzida e manipulada o subscreveu, sem consciência do alcance e sentido do ato.
38. M. F. foi pessoalmente citada para a ação de Interdição no dia 16/11/2011, por oficial de justiça.
39. A ré fez a transação referida em 36 consciente de que o negócio tinha sido simulado.
40. A ré foi inicialmente contratada para adjuvar no tratamento e cuidado da mãe da testadora e nas lides domésticas.
41. Entretanto adoeceu também a anterior empregada doméstica, Maria, que há mais de cinquenta anos se achava ao serviço de M. F..
42. Após a morte da mãe de M. F., a ré continuou ao seu serviço, para lhe prestar apoio nas lides domésticas e no tratamento daquela empregada doméstica e dela própria.
43. A testadora era pessoa afetuosa.
44. A ré acompanhou M. F. a consulta de neurologia no Hospital ... em 24/11/2011.
45. Em 09/12/2011 A. P. impediu a ré de entrar na casa de M. F..
*
b) - E deu como não provados os seguintes factos:
i) As advogadas a quem M. F., após a citação, outorgou procuração inteiraram-se previamente de que ela se achava no pleno uso das suas faculdades mentais e que o fazia livremente.
ii) M. F., quando outorgou o testamento estava no pleno uso das suas capacidades intelectuais, cognitivas e volitivas.
iii) Sabia, muito bem, o que queria e manifestou, livremente e sem constrangimentos de qualquer ordem, à Senhora Notária perante quem outorgou o seu testamento a vontade que era a sua relativamente ao destino da sua herança quando se finasse.
iv) E a Senhora Notária não teve qualquer dúvida da integridade intelectual e volitiva da testadora.
v) Que soube exprimir, com segurança e sem margem para quaisquer dúvidas, a sua vontade de instituir sua única e universal herdeira a ré.
vi) Que nem sequer soube, previamente, da outorga desse testamento. Aliás estranhou que a D. M. F. no dia 7 de Dezembro de 2011 tivesse saído de casa, com uma pessoa amiga, sem lhe dizer nada e tivesse almoçado fora de casa.
vii) Acontece que a D. M. F. ficou muito incomodada quando tomou conhecimento de que os seus irmãos J. A. e M. C. pretendiam e intentaram, judicialmente, interditá-la.
viii) E com o comportamento de seu irmão mais novo, C. J., em quem tinha confiado e que descobriu, através de denúncia dos outros dois irmãos, estava a prejudicá-la.
ix) Formou, então, o propósito de deserdar os irmãos, propósito de que deu conta a algumas pessoas com quem privava, designadamente à ré.
x) A ré cumpria horário das 9H00 às 18H00, de segunda a sábado, mas muitas vezes mais tarde, folgando normalmente aos domingos.
xi) A ré acompanhava a D. M. F. apenas quando ela isso lhe ordenava.
xii) Quando a contestante saía, ao fim do dia (às 18H00 ou mais tarde), deixava a mesa posta e a comida feita, que a D. M. F. aquecia, se necessário, no forno micro-ondas.
xiii) Aos domingos a contestante, normalmente, ia, por volta do meio dia, a casa da D. M. F. levar-lhe a refeição do meio dia, que cozinhava em sua casa e, por via de regra, a patroa convidava-a, e ao seu marido e ao filho, a acompanhá-la na refeição.
ix) Em todo o tempo em que serviu como empregada doméstica, não residente, da D. M. F. nunca esta permitiu que a contestante controlasse o que fazia ou deixava de fazer e nunca a contestante pretendeu exercer qualquer tipo de controlo sobre a vida e atividade diária da D. M. F. e nunca o fez.
x) Era esta que regia a sua casa, que lidava com os inquilinos que tinha, que movimentava os seus dinheiros, que controlava e movimentava as suas contas bancárias, o que fazia de acordo com a sua vontade e necessidades.
xi) Era ela que, quando julgava necessário, procedia à alienação de alguns dos seus bens, o que só passou a acontecer depois que, já em finais de 2010, deixou de confiar no irmão mais novo, C. J., que antes tratava da administração do seu património imobiliário e lhe revogou a procuração que para o efeito lhe havia outorgado.
xii) Sendo empregada dedicada, eficiente e solícita, a contestante conseguiu, com o tempo, ganhar a consideração e as boas graças da sua patroa, que nela confiava, mas não se deixava por ela dominar, nem isso a contestante queria ou intentou conseguir.
xiii) M. F. criou com a ré e até com os seus familiares relações de amizade e afetividade, mas nunca de dependência.
xiv) O sobrinho da testadora, Dr. A. P. sabia da marcação da consulta referida em 44 e ali se encontrava, não a deixou assistir à consulta e o médico, amigo dele e com ele acordado, elaborou os relatórios médicos e as informações clínicas que vieram a ser juntas ao processo de interdição acima referido e foram determinantes no decretamento da interdição da D. M. F..
xv) Consciente de que esses relatórios e informações clínicas do Dr. A. M. não eram corretas, a D. M. F. consultou vários outros médicos, designadamente, neurologistas, procurando fazê-lo fora da cidade de Braga, porque temia a influência do sobrinho Dr. A. P..
xvi) E todos os médicos consultados deram pareceres e fizeram diagnósticos dissonantes com aqueles que o Dr. A. M. fez chegar ao processo de interdição.
xvii) Foi a revolta pela intenção de a interditarem, bem como a tomada de consciência de que o irmão mais novo, C. J., em quem antes confiava, a estava a prejudicar gravemente, que levou a D. M. F. à sua decisão de deserdar os irmãos e de instituir universal herdeira a ré.
xviii) Propósito que confidenciou a algumas pessoas sua amigas e à ré, que, no entanto, não chegou a saber, senão depois da morte da D. M. F., alertada, aliás, por um filho do Autor, da efetiva outorga do testamento.
xix) A verdade é que a D. M. F. era, à data em que escolheu um cartório notarial de … (e não em Braga com receio de que os familiares acabassem por descobrir) para outorga do seu testamento, previamente marcou data para o fazer e na data em que o fez, perfeitamente capaz e tinha plena consciência do que fez.
xx) De sua livre, ponderada e espontânea vontade.
xxi) Vontade que manifestou à Senhora Notária perante quem outorgou o seu testamento de forma segura, perfeitamente lúcida, inteiramente consciente do significado do seu ato, livre de quaisquer constrangimentos ou influencias, designadamente da ré, que nem sequer a acompanhou ou soube do que a testadora se propôs fazer.
xxii) Após o referido em 45, A. P. passou a impedir a ré de contactar M. F..
xxiii) Que passou a manter incomunicável e privada da sua liberdade.
xxiv) O isolamento e privação de liberdade em que o sobrinho, Dr. A. P., passou a mantê-la após o dia 16 de Janeiro de 2012 agravou e precipitou em sentido negativo a saúde física e mental da D. M. F..
xxv) E preparando a sua completa alienação mental, esse sobrinho fê-la internar, no dia 7 de Fevereiro de 2012, na Casa de Saúde … e submeter a tratamentos que precipitaram essa alienação mental.
xxvi) Fazendo-a reduzir, desde então, a uma situação de mera vida vegetativa.
xxvii) O Dr. D. J. agiu conluiado com o Dr. A. P. e o Dr. A. M..
xxviii) O Dr. A. P. impediu M. F. de frequentar a terapia da fala que lhe foi prescrita.
xxix) M. F. sempre se manteve lúcida e capaz de reger os seus atos e de curar do seu património.
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V. Fundamentação de direito.

1. Nulidade(s) da sentença com fundamento nas als. c) e d) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
1.1. Como é sabido, é através da sentença, conhecendo das pretensões das partes – pedido e causa de pedir –, que o juiz diz o direito do caso concreto (arts. 152º, n.º 2 e 607º, ambos do CPC).
Pode, porém, a sentença estar viciada em termos que obstem à eficácia ou validade do pretendido dizer do direito.
Assim, por um lado, nos casos em que ocorra erro no julgamento dos factos e do direito, do que decorrerá como consequência a sua revogação, e, por outro, enquanto ato jurisdicional que é, se atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação, ou ainda contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, caso este em que se torna, então sim, passível do vício da nulidade nos termos do artigo 615.º do CPC (2).
As nulidades de decisão são, pois, vícios intrínsecos (quanto à estrutura, limites e inteligibilidade) da peça processual que é a própria decisão (trata-se, pois, de um error in procedendo), nada tendo a ver com os erros de julgamento (error in iudicando), seja em matéria de facto, seja em matéria de direito (3).
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (art. 613º, n.º 3 do CPC) são as que vêm taxativamente enumeradas no n.º 1 do art. 615º do CPC.

Nos termos do n.º 1 do art. 615º do CPC, a sentença é nula (entre o mais) quando:

«c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível».
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

No tocante à nulidade prevista na al. c) – oposição entre os fundamentos e a decisão ou ocorrência de alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível –, trata-se de um vício lógico da sentença/decisão que a compromete; «se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença» (4). Não se trata de um simples erro material (em que o juiz, por lapso, escreveu coisa diversa da que pretendia escrever - contradição ou oposição meramente aparente), mas de um erro lógico-discursivo, em que os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, direção diferente (contradição ou oposição real) (5). O que não é, também, confundível com o chamado erro de julgamento, isto é, com a errada subsunção dos factos concretos à correspondente previsão normativa abstrata, nem, tão pouco, a uma errada interpretação desta, vícios estes só sindicáveis em sede de recurso jurisdicional (6). Na verdade, quando, embora indevidamente, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, está-se perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já se o raciocínio expresso na fundamentação apontar para determinada consequência jurídica e na conclusão for tirada outra consequência, ainda que esta seja juridicamente correta, verifica-se a apontada nulidade (7).
Subjacente a esta causa de nulidade está a ideia de que a sentença deve constituir um silogismo judiciário, em que a norma jurídica constitui a premissa maior, os factos provados a premissa menor e a decisão será a consequência lógica de tais premissas, não devendo, pois, existir qualquer contradição ou oposição entre os fundamentos e a decisão (8).
Esta nulidade substancial está para a decisão do tribunal como a contradição entre o pedido e a causa de pedir está para a ineptidão da petição inicial, posto que em ambos os casos falta um nexo lógico entre as premissas e a conclusão (9) (art. 186º, nºs 1 e 2, al. b) do CPC).
Por sua vez, como vício de limites, a nulidade de sentença/decisão enunciada na al. d) do n.º 1 do art. 615º do CPC divide-se em dois segmentos, sendo o primeiro atinente à omissão de pronúncia e o segundo relativo ao excesso de pronúncia ou de pronúncia indevida. O juiz conhece de menos na primeira hipótese e conhece de mais do que lhe era permitido na segunda.
Como regra geral, o tribunal deve resolver todas e apenas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
Verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de conhecer, sem prejudicialidade, de todas as questões que devesse apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada (10).
Doutrinária (11) e jurisprudencialmente (12) tem sido entendido de que só há nulidade quando o juiz não se pronuncia sobre verdadeiras questões não prejudicadas invocadas pelas partes, e não perante a argumentação invocada pelas partes. Por questões não se devem considerar as razões ou argumentos apresentados pelas partes, mas sim as pretensões (pedidos), causa de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer. O que “não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido (…)” (13).
O juiz não tem, por isso, que esgotar a análise da argumentação das partes, mas apenas que apreciar todas as questões que devam ser conhecidas, ponderando os argumentos na medida do necessário e suficiente (14).
Por sua vez, o excesso de pronúncia gerador da nulidade «só tem lugar quando o juiz conhece de pedidos, causas de pedir ou exceções de que não podia tomar conhecimento» (15).
Isto porque se encontra vedado ao juiz conhecer de causas de pedir não invocadas ou de exceções que estão na exclusiva disponibilidade das partes e que estas não invocaram. Ou seja, proíbe-se ao juiz ocupar-se de questões que as partes não tenham suscitado, a menos que a lei lho permita ou lhe imponha o conhecimento oficioso (cfr. art. 608.º, n.º 2, do CPC).
*
Aduz a recorrente, nas conclusões da apelação, que:
II. Apesar de Ré apelante ter sido apenas parte, onde não consta o seu cônjuge, casados sob o regime de comunhão adquiridos. Com efeito, além da exceção dilatória de conhecimento oficioso que se alega, também a douta sentença proferida padece de nulidade, devendo ser revogada de harmonia com o disposto no art.º 615.º alíneas c) e d) do CPC, para os devidos efeitos legais.
XX. Ao dar como provado que a Testadora estivesse incapacitada de entender e de querer no momento de aprovação do testamento (não sofrendo de qualquer doença incapacitante, nem tendo sido alegada qualquer outra causa de incapacidade acidental), e, ao mesmo tempo, decidir que a Testadora se encontrava incapacitada (acidentalmente) no momento de aprovação desse testamento, a sentença em causa enferma mesmo em vício de nulidade de harmonia com o disposto no art.º 615.º, n.º 1 alínea c) do CPC, por existir uma oposição entre os seus fundamentos e a decisão tomada, nulidade esta que nos termos do n.º 4 desta norma, aqui se deixa invocada para os devidos efeitos legais.
Reportando-nos à invocada nulidade da sentença objeto do item II, sustenta a recorrente a verificação duma exceção dilatória de conhecimento oficioso, qual seja a preterição de ilegitimidade conjugal passiva (arts. 34º, 576º, n.º 2, 577º, al. e) e 578º, todos do CPC), cujo conhecimento terá sido omitido pelo tribunal “a quo”.
Conforme resulta dos autos, o fundamento da acção é a incapacidade acidental de que padeceria a testadora na ocasião em que o testamento foi exarado, tendo sido peticionada a anulação do testamento.
A ação foi instaurada unicamente contra a ré/recorrente e, agora, em sede de apelação, defende esta que o seu cônjuge, casados que são no regime de comunhão adquiridos, deveria ter sido também demandado.
Desde já se diga não lhe assistir razão.
Relativamente à questão da legitimidade processual o Tribunal “a quo” pronunciou-se em dois momentos distintos.
No despacho saneador, aquando da aferição dos pressupostos objetivos e subjetivos da instância, a Mmª Juíza “a quo” tabelarmente considerou as partes dotadas de legitimidade (cfr. fls. 301).
Ulteriormente, na sequência da junção aos autos pela ré, em audiência de julgamento, da sua certidão de casamento o autor/apelado deduziu o incidente de intervenção provocada do marido da ré, P. F., pretensão essa que foi indeferida pelo despacho datado de 3/10/2019 (cfr. fls. 587 a 589).

Na respetiva fundamentação desse despacho exarou-se, entre o mais, que:
«(…)
No caso, como vimos, o marido da ré não só não é titular da relação material controvertida, atenta a causa de pedir em que os autores sustentam os pedidos formulados, como nenhum interesse direto tem em contradizer, posto que nenhum direito próprio ou comum lhe incumbe defender.
Aqui chegados, resta concluir que a legitimidade das partes, afirmada, no saneador tabelar se confirma, na íntegra, não carecendo a ré de estar na presente ação acompanhada pelo marido, nem se verificando, in casu, qualquer situação litisconsorcial que imponha ponderar a intervenção desse terceiro”.
E rematou o despacho com a seguinte decisão: “Por tudo o exposto, não se admite a requerida intervenção principal provocada. (…)”.
O referido despacho não foi objeto de apelação autónoma imediata (art. 644º, n.º 1, al. a), do CPC (16)), pelo que transitou em julgado.
E incindindo sobre uma questão de carácter processual formou-se caso julgado formal (art. 620º, n.º 1, do CPC).
O caso julgado formal, por oposição ao caso julgado material – que, além de uma eficácia intraprocessual, é suscetível de valer num processo distinto daquele em que foi proferida a decisão transitada (eficácia extraprocessual), impedindo que o mesmo ou outro tribunal, ou qualquer outra autoridade, possa definir em termos diferentes o direito concreto aplicável à relação material litigada (arts. 619º, n.º 1 e 621.º, ambos do CPC) –, só tem força obrigatória dentro do próprio processo em que a decisão é proferida (eficácia estritamente intraprocessual), obstando a que o juiz possa, na mesma ação, alterar a decisão proferida, mas não impedindo que, noutra ação, a mesma questão processual concreta seja decidida em termos diferentes pelo mesmo tribunal, ou por outro, entretanto, chamado a apreciar a causa (art. 620º, n.º 1, do CPC).
O caso julgado tem uma função negativa e uma função positiva.
A função negativa encontra-se na finalidade de impedir que a questão que foi objeto da decisão proferida e inimpugnável possa voltar a ser, ela própria, na sua essencial identidade, recolocada à apreciação de qualquer tribunal (mesmo aquele que proferiu a decisão); se tal ocorrer, por força da figura da exceção dilatória de caso julgado, que visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art. 580º, n.º 2 do CPC), deve o juiz abster-se de voltar a apreciar a matéria ou questão que se mostra já jurisdicionalmente decidida, em termos definitivos, como objeto de uma anterior ação (art. 576º, n.º 2 do CPC).
A função positiva, traduzindo essencialmente a autoridade do caso julgado, consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior. O efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. Com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior.
Nas decisões que têm por objeto a relação processual, o efeito positivo é estritamente processual; já nas decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material – a sentença é título bastante de efeitos materiais (17).
O efeito positivo interno do caso julgado tem por objeto os enunciados decisórios contidos na parte dispositiva de um despacho ou de uma sentença (cf. art. 607.º, n.º 3, in fine, do CPC). Assim, numa decisão de improcedência, trata-se dos enunciados de improcedência do pedido, qualquer que ele seja.
É a parte dispositiva que vincula tanto os destinatários, como o tribunal.
Regra geral, o caso julgado não tem por objeto os fundamentos, de facto ou de direito, do despacho ou sentença;
No entanto, a parte dispositiva constitui a conclusão decorrente de silogismos internos de uma decisão, nos quais os fundamentos de facto ou de direito são as premissas”.
Por isso, e sem prejuízo da enunciada regra, “tem-se entendido que a parte dispositiva vincula enquanto conclusão dos fundamentos respetivos. Assim, se o réu for condenado a pagar 10 000 ao autor, sê-lo-á nos termos do crédito reconhecido nos fundamentos da decisão; não por qualquer outra razão.
Em suma: apenas à luz dos fundamentos de uma decisão se pode dar a qualificação jurídica à parte dispositiva. O título jurídico de onde emanam efeitos para a esfera do destinatário da decisão é, assim, a parte dispositiva nos termos dos fundamentos”.
Acrescenta o mencionado autor que vimos citando que “esta força obrigatória do enunciado em que o tribunal julga procedente ou não procedente o pedido não se cinge apenas às decisões que, por conhecerem do mérito, fazem caso julgado material. Também as decisões sobre a relação processual são dotadas de efeito positivo interno quanto ao respetivo objeto” (18).
Toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito) de modo que o respectivo caso julgado se encontra referenciado a certos fundamentos: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão (19).
Revertendo ao caso objeto dos autos constata-se que o pressuposto ou fundamento da decisão de não admissão da requerida intervenção principal provocada radicou precisamente na falta de legitimidade do marido da ré.
Esse concreto fundamento da decisão, por força do efeito positivo interno do caso julgado formal quanto ao respetivo objeto processual, impõe-se tanto às partes, como ao tribunal, nestes autos.
Sendo assim, está-nos vedado reapreciar a referida questão da (i)legitimidade do cônjuge da ré/recorrente, porquanto aquele concreto fundamento que serviu de base à decisão de improcedência do incidente de intervenção principal provocada do marido da ré, não podendo dissociar-se daquela parte dispositiva, bem ou mal, tornou-se vinculativo nos quadros dos presentes autos em que aquela decisão foi proferida, impondo-se às partes e ao Tribunal.
Significa isto que, ao contrário do propugnado pela recorrente, inexistiu qualquer omissão de pronúncia referente à referida exceção dilatória, além de não se divisar em que termos a sentença recorrida enferma de oposição entre os fundamentos e a decisão ou de ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível.
De qualquer modo, para o caso de assim não se entender – o que se concebe para efeitos de exposição argumentativa –, sempre se dirá, sucintamente, inexistir a apontada exceção dilatória.
Como se explanou no despacho da 1ª instância datado de 3/10/2019, que indeferiu o incidente de intervenção provocada do marido da ré, “no caso, os direitos relativos à herança a que a ré concorre, como herdeira testamentária, postos em crise como efeito da eventual procedência da ação, são direitos próprios da ré, posto que adquiridos, depois do casamento e por sucessão testamentária. Quando a esta, veja-se o disposto no artigo 1729.º do CC, nos termos do qual “Os bens havidos por um dos cônjuges por meio de doação ou deixa testamentária de terceiro entram na comunhão, se o doador ou testador assim o tiver determinado; entende-se que essa é a vontade do doador ou testador, quando a liberalidade for feita em favor dos dois cônjuges conjuntamente.”
Volvendo ao caso dos autos, como resulta inequívoco do testamento visado anular na presente ação, que apenas a ré mulher foi nele instituída herdeira universal, afastando a interpretação da vontade do testador, de acordo com o critério emergente do n.º 2 do artigo 2187.º do CC, qualquer outra possibilidade, que a existir, teria de encontrar no contexto um mínimo de correspondência, ainda que imperfeitamente expressa.
Assim se conclui que, por efeito da eventual procedência da presente ação, o direito afetado tem como único titular a ré mulher. De outro modo, a vingar o testamento, o acervo hereditário transmitido à ré por via da sucessão, passará a integrar o seu património próprio.
E mais adiante acrescenta-se, no caso, “o marido da ré não só não é titular da relação material controvertida, atenta a causa de pedir em que os autores sustentam os pedidos formulados, como nenhum interesse direto tem em contradizer, posto que nenhum direito próprio ou comum lhe incumbe defender”.
Subscrevendo na íntegra tal fundamentação, a verificar-se a apontada nulidade da sentença – o que não é o caso, reitere-se –, sempre seria de concluir pela inverificação da exceção dilatória de preterição de ilegitimidade conjugal passiva.
Igualmente por referência à conclusão XX, a sentença impugnada não padece do vício que lhe foi apontado pela recorrente, uma vez que os fundamentos de facto e de direito nela aduzidos se encontram em harmonia com a decisão proferida.
A sentença recorrida deu como provado que a ré induziu a outorga do referido testamento, para a qual instrumentalizou a falecida - a qual, conduzida e manipulada o subscreveu, sem consciência do alcance e sentido do ato -, tendo consequentemente decidido que se verificavam demonstrados os pressupostos da incapacidade acidental da testadora estabelecidos no art. 2199º, motivo por que julgou procedente o pedido de anulabilidade e, por consequência, anulou o testamento realizado no dia 07/12/2011.
Os fundamentos de facto não apresentam, pois, qualquer ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, além de que a decisão alcançada na sentença recorrida está em perfeita sintonia lógica com os fundamentos que lhe servem de suporte, inexistindo qualquer oposição entre o segmento decisório e a respetiva fundamentação.
Quando muito poderá estar em causa um eventual erro de julgamento na apreciação da prova produzida, o que não é subsumível à previsão normativa prescrita do art. 615º, n.º 1, al. c), do CPC.
Sendo assim, o alegado vício da decisão da matéria de facto poderia, eventualmente, reconduzir-se à previsão especial do art. 662º, do CPC, mas não fere de nulidade a sentença. Dito por outras palavras, a possibilidade de anulação da decisão da matéria de facto decorre da alínea c), do n.º 2, e da alínea b), do n.º 3, do art. 662º do CPC, sendo que nenhuma delas respeita a erros de julgamento, sejam da matéria de facto, sejam da de direito (20).
A errada apreciação da prova produzida, podendo determinar a alteração dos factos dados como provados e não provados, não é confundível com a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão (art. 615º, n.º 1, al. c), do CPC).
Trata-se de circunstâncias, de vícios e de regime completamente diversos do da nulidade da sentença.
Como se disse, as nulidades da sentença estão típica e taxativamente previstas no art. 615º do CPC e nenhuma destas se refere à decisão da matéria de facto naquela contida.
Nesta conformidade, não se vislumbrando qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão, é de concluir pela manifesta improcedência da segunda nulidade da sentença arguida pela recorrente com fundamento na al. c) do n.º 1 do art. 615º do CPC.
*
2. Da impugnação da decisão da matéria de facto.

2.1. Em sede de recurso, a apelante impugna a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal de 1.ª instância.
Para que o conhecimento da matéria de facto se consuma, deve previamente o/a recorrente, que impugne a decisão relativa à matéria de facto, cumprir o (triplo) ónus de impugnação a seu cargo, previsto no artigo 640º do CPC, o qual dispõe que:

1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.».

Aplicando tais critérios ao caso, constata-se que a recorrente indica quais os factos que pretende que sejam decididos de modo diverso, inferindo-se por contraponto a redação que deve ser dada quanto à factualidade que entende estar mal julgada, como ainda o(s) meio(s) probatório(s) que na sua ótica o impõe(m), incluindo, no que se refere à prova gravada em que fazem assentar a sua discordância, a indicação dos elementos que permitem a sua identificação e localização, procedendo inclusivamente à respectiva transcrição de excertos dos depoimentos testemunhais que considera relevantes para o efeito, pelo que podemos concluir que cumpriu suficientemente o triplo ónus de impugnação estabelecido no citado art. 640º.
*
2.2. Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto”, preceitua o art. 662.º, n.º 1, do CPC, que «a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa».
Aí se abrangem, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão sobre a matéria de facto feita pelo recorrente.

O âmbito da apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se, resumidamente, de acordo com os seguintes parâmetros (21):

- só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo recorrente;
- sobre essa matéria de facto impugnada, tem que realizar um novo julgamento;
- nesse novo julgamento forma a sua convicção de uma forma autónoma, de acordo com o princípio da livre apreciação das provas, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não apenas os indicados pelas partes).
- a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação tem que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância.
- a intervenção da Relação não se pode limitar à correção de erros manifestos de reapreciação da matéria de facto, sendo também insuficiente a menção a eventuais dificuldades decorrentes dos princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação das provas.
- ao reapreciar a prova, valorando-a de acordo com o princípio da livre convicção, a que está também sujeita, se conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, uma convicção segura acerca da existência de erro de julgamento da matéria de facto, deve proceder à modificação da decisão.
- se a decisão factual do tribunal da 1ª instância se basear numa livre convicção objetivada numa fundamentação compreensível onde se optou por uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, a fonte de tal convicção - obtida com benefício da imediação e oralidade - apenas poderá ser afastada se ficar demonstrado ser inadmissível a sua utilização pelas mesmas regras da lógica e da experiência comum.
*
2.3. Por referência às suas conclusões, extrai-se que a Ré/recorrente pretende:

i) - A modificação/alteração de redação da resposta positiva aos pontos n.ºs 8º, 10º, 11º, 12º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 25º, 33º, 34º e 37º dos factos provados da decisão recorrida.

Defende a recorrente que tais factos deveriam passar a ter a seguinte redação:
«Facto provado n.º 8º – M. F. sofria de síndrome demencial (294.8) segundo a classificação da DSM-IV-TR, (F03) segundo a CID-10, com demência ligeira, pelo menos até 24 de novembro de 2011, que não afectava as funções básicas cognitivas, com excepção da fala e progressivamente lenta no seu desenvolvimento.
Facto provado n.º 10º – Trata-se de uma doença neurodegenerativa intratável e progressiva, sendo que, a partir do internamento de M. F. em fevereiro de 2012, começou a exteriorizar-se e a ser notória para quem de perto lidava com ela.
Facto provado n.º 11º – Em 02/02/2009 M. F. denotava há pelo menos um ano falhas de palavras, que era só de linguagem, não dizendo palavras ao lado, usava circunlóquios, percebia o que lhe diziam, não tinha alterações da personalidade, nem outras alterações cognitivas.
Facto provado n.º 12º – Em 19/02/2009 apresentava um padrão de hipoperfusão cerebral temporal e insular no hemisfério esquerdo sugestivo de afasia primária, progressiva, mas que não era evidente.
Facto provado n.º 13º – Em 20/04/2009 foi-lhe diagnosticada demência ligeira ou como segunda hipótese admitia-se o diagnóstico de Alzheimer, com envolvimento predominante da linguagem.
Facto provado n.º 14º – Em 08/11/2010 aparentava estar melhor, não existia incompreensão de palavras simples, lidava com o dinheiro, não se perdia, mantinha discurso fluente, não tinha agnosia visual pese embora, apresentava muita dificuldade em nomear.
Facto provado n.º 15º – Em 29/07/2011 entrou na consulta a dizer que estava muito bem, conhecia bem os objectos e faces, não sabia era dizer os seus nomes, tinha bom humor, não se perdia e mantinha-se a activa na vida do dia-a-dia.
Facto provado n.º 16º – Em 24/11/2011 a doença de M. F. continuava a ser classificada em termos funcionais, como demência em estado ligeiro, o curso da doença era muito lento, mantinha a orientar-se bem no espaço, reconhecia bem as pessoas e os objectos e ainda fazia uso adequado destes.
Facto provado n.º 17º – Em consulta desse dia foi relatado “comportamento algo mais agressivo, discurso centrado nas intenções que alguns familiares terão demonstrado para a sua interdição/tutoria, sendo que, se mantinha sem actividade alucinatória ou outra delirante detectável.
Facto provado n.º 25º – Durante o referido período a ré acompanhou a M. F. em todos os actos da vida quotidiana que esta lhe pedia para acompanhar.
Facto provado n.º 33º – No verão de 2011 M. F. continuava a ir à missa, a vestir-se, a tomar banho e a comprar pão.
Facto provado n.º 34º – Em novembro de 2011, foi citada da acção de interdição contra ela intentada e de imediato, compreendeu o seu teor e alcance, tendo ficado ciente das consequências.
Facto provado n.º 37º - A outorga do testamento, foi feito de forma lúcida, livre, esclarecida e espontânea vontade por parte da M. F., designando a Ré como herdeira universal de todo o seu património».
ii) - A alteração da resposta negativa para positiva dos pontos n.ºs i a xiii, xvii, xix a xxvi dos factos não provados da decisão recorrida.

Resumidamente, as objeções colocadas pela recorrente elencam-se nos termos seguintes:

- As testemunhas indicadas pelo Autor, na sua generalidade, eram familiares, amigas da família, de alguma forma participaram na ação especial de interdição por anomalia psíquica da testadora, sendo, de todo, parciais e muitas vezes contraditórias entre si e com a restante prova junta aos autos;
- O depoimento da testemunha A. P. “não poderia ser coadjuvante da prova dos factos, nomeadamente, dos factos nos pontos n.ºs 8º a 11º e 33º por nessa data, (…), não ter contacto frequente, ou sequer, pessoal com a tia, pelo menos até novembro de 2011, não sendo de todo, “descomprometido e sincero” o depoimento que prestara”, “mas também, dos restantes, nomeadamente, do facto no ponto n.º 37º, por não ter atestado que a tia, no momento de testar, não estava em condições psíquicas de o fazer”;
- A deterioração acelerada da doença degenerativa da testadora, que a testemunha A. P. refere, deveu-se, na sua essência, ao facto de a testadora ter sido afastada da Ré e de ter sido internada, em momento imediatamente posterior, coisa que a aquela temia que a família viesse a fazer e, que de facto fez;
- O Relatório Clínico da testadora datado de 24/11/2011 refere que, nessa data, a testadora ainda se mantinha a “orientar-se bem no espaço, reconhece bem as pessoas e os objectos, ainda usa adequadamente os objetos”;
- O depoimento da testemunha R. M. está em contradição com o que disse a testemunha A. P., não podendo as mesmas ser valoradas para aferir da condição psíquica, motora ou higiénica em que vivia a testadora no verão de 2011, mas também, em novembro desse ano, ou em dezembro de 2011, data do testamento, por tais declarações, estarem, desde logo, feridas de contradições e interesses pessoais, sendo de todo, irrazoável ter estado com a tia nessas datas.
- Os depoimentos das “amigas” da testadora, M. A., M. M., M. R. e M. V., apesar de contraditórios e inquinados, dado não serem imparciais, demonstram bem que a testadora, apesar da ação de interdição, tinha momentos lúcidos, senão mesmo, momentos de insanidade em tempos de lucidez, que lhe permitiram, em períodos, mais ou menos longos, determinar o que realmente queria ou não para a sua vida, pelo que não deveriam ter tido a preponderância que tiveram para serem coadjuvantes da prova dos factos em que o foram;
- As testemunhas indicadas pela Ré, J. C., A. L., A. S. e M. P., por imparciais e por terem privado com a testadora na data do testamento deveriam ter merecido um juízo de credibilidade por parte do tribunal, pois, ao contrário do que refere a sentença recorrida, os elementos médicos juntos aos autos, mostram que as limitações que a senhora Dª. M. F. apresentava em 24 de novembro de 2011, eram notórias em exame clínico, ao nível da fala, mas não impossibilitavam a testadora de dispor dos seus bens de forma consciente e livre, nomeadamente na data em que testou.
- A testemunha, E. M., Notária que presidiu à outorga do testamento, dotada de fé pública e essencial para averiguar da capacidade da testadora no momento da outorga não mereceu do Tribunal a relevância e a credibilidade que lhe deveria ter sido dada.
- A simples presença da Notária, que é uma funcionária especializada que goza de fé pública, aditada à das testemunhas que, segundo o art. 67.º, n.ºs 1, al. a) e 3, do Código do Notariado, devem presenciar o acto, é uma primeira e qualificada garantia de que a testadora gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade.
- Esta testemunha, E. M., juntamente com as testemunhas, J. C. e A. S., foram as únicas testemunhas a fazer prova directa do facto essencial, de que no dia de testar a Dª. M. F. estava em perfeitas condições de o fazer,
- O Oficial de Justiça que procedeu à citação da Dª. M. F., no processo de interdição, confirmou que a testadora entendeu o conteúdo da citação, demonstrando que nessa fase (final de 2011) ainda se encontrava em condições de entender o teor da mesma, mesmo que tivesse privado “um curto lapso de tempo” com a citanda.
- Os depoimentos dos médicos, D. J. e A. M., não poderiam ter a preponderância que tiveram para aferir das capacidades da testadora na hora de testar, pois, se, por um lado, o Dr. J. só a viu uma vez, por outro lado, o relatório clínico de 24/11/2011 elaborado pelo Dr. A. M. refere que a testadora não estava num estado de incapacidade geral que este (em contradição com o que escrevera) e aquele descreveram como muito provável à data da outorga do testamento.
- Em relação às declarações de parte, mais uma vez o Tribunal “a quo” usou “dois pesos e duas medidas”, dando mais preponderância aos irmãos da testadora em detrimento da ré, mesmo que se tenham mostrado mais incoerentes do que a ré ao longo de todo o processo, não se mostrando o Tribunal recorrido, de todo, imparcial.
Cumpre, pois, analisar das razões de discordância invocadas pela apelante e se as mesmas se apresentam de molde a alterar a facticidade impugnada, nos termos por si invocados.
Antes, porém, de iniciarmos a nossa análise sobre se a discussão probatória fundamentadora da decisão corresponde, ou não, à prova realmente obtida, importa deixar consignado que, com vista a ficarmos habilitados a formar uma convicção autónoma, própria e justificada, procedemos à audição integral da gravação dos depoimentos (de parte e testemunhais) prestados na audiência de julgamento, não nos tendo restringido aos trechos parcelares e/ou truncados (de tais depoimentos) invocados na apelação como justificadores da impugnação da decisão da matéria de facto.
Para além disso, foram analisados todos os documentos referenciados.
Dada a natureza e a particularidade da matéria fáctica em discussão nos autos – aferição do quadro clínico da testadora desde 2008 e se, à data da outorga do testamento, a mesma tinha (ou não) capacidade de entender e querer o sentido da declaração testamentária, posto que o fundamento da ação é a incapacidade acidental de que padeceria a testadora M. F. na ocasião em que o testamento foi exarado –, iniciaremos a nossa análise pela apreciação dos depoimentos das testemunhas que demonstraram ter conhecimentos médicos e que, por razões profissionais, lidaram com a testadora.
Sobreleva, desde logo, o depoimento da testemunha D. J., médico psiquiatra a exercer funções em Braga, o qual confirmou o teor da perícia médico-legal que efetuou no âmbito da ação de interdição n.º 5570/11.5TBBRG instaurada em relação à testadora (cuja cópia consta de fls. 29 a 32), que correu termos sob o n.º 5570/11.5TBBRG, no 3.º Juízo Cível do Tribunal de Braga, esclarecendo que o diagnóstico prévio foi recolhido com base nos elementos clínicos a que teve acesso, sendo que a observação a que procedeu o reforçou, encontrando a examinada com um síndrome demencial evoluído. A fixação do início da incapacidade (desde 2008) baseou-se na análise documental dos elementos clínicos e na entrevista familiar a que procedeu. Explicou as características da doença de que a testadora padecia, designadamente que o síndrome demencial pode ser anterior ao início dos sintomas e que é progressivo e irreversível.
Concretizando, referiu que “o síndrome demencial tem vários sintomas. Tem agnosia, tem a prásia, tem uma falta de memória que pode ser, dependendo do início, mais afetada a nível da memória recente, ou a memória remota, tem uma dificuldade nas tarefas do dia a dia”. Quando a observou, a 20/12/2012 – ou seja, (apenas) 44 dias após a outorga do testamento impugnado –, a testadora “efetivamente não conhecia os familiares, não conhecia o dinheiro, não tinha um discurso minimamente com uma lógica coerente, por isso não” teve “muitas dúvidas para” se “pronunciar da incapacidade, e mesmo do início, que foi 2008”, levando também em consideração o facto de ela ser já seguida e acompanhada “em neurologia e psiquiatria pelo quadro de” “demência”, há quatro anos.
No tocante a qualquer comportamento da testadora a partir de 2008, referiu que “em princípio”, ela não tinha capacidade.
E, instado sobre a possibilidade de existência de um momento lúcido da testadora, respondeu ter “muitas dúvidas”, tendo em conta que se tratava de uma “doente que não conhece o dinheiro, (…) que não reconhece os familiares”, mais referindo que “eu garanto que desde 2008 a senhora não tinha as capacidades”.
Relevante é igualmente o depoimento da testemunha A. M., médico neurologista, que exerce funções no Hospital ... desde 2003, o qual acompanhou a testadora desde 2 de fevereiro de 2009.
Confirmou o teor dos registos e relatórios clínicos que subscreveu, nomeadamente o relatório datado de 21/09/2011 (cuja cópia consta de fls. 326 v.º/370vº). Explicou detalhada e em termos acessíveis a doença que afetava a testadora, a sua evolução e sintomatologia, concluindo estar seguro de que, em 2011, a mesma não era capaz de perceber o ato que praticou.
Dada a sua relevância e clarividência para se poder apreender devidamente a evolução do estado de saúde da testadora, justifica-se a reprodução parcial do seu depoimento.
Explicitou a indicada testemunha que “a demência semântica é uma variante de uma demência relativamente rara, (…), que é a demência frontotemporal. Um dos subtipos da demência frontotemporal designa-se por demência semântica, e nela o que acontece é uma dissolução do conhecimento semântico. Ou seja, (…) por exemplo, quando nós ouvimos a palavra “gato”. A palavra “gato” está revestida de uma série de conhecimento semântico que lhe é relacionado. Nós sabemos como é que se comporta um gato, como é que é o gato, que tem quatro patas, tem um rabo, tem bigodinhos, que mia, que gosta de biscoitos. Nós temos uma série de conhecimento ressonante com aquela palavra, e esse conhecimento é seguido, quer seja pela modalidade, como eu disse agora, auditiva, não é? De ouvirmos a palavra “gato”, pela modalidade visual o gato, como pela modalidade tátil, quando passamos a mão no pelo do gato com os olhos fechados e ele ronrona, não é? Nós sabemos que os gatos ronronam, nós sabemos isso tudo acerca do gato. (…) O que acontece na demência semântica é que este conhecimento semântico se vai dissolvendo ao longo do tempo, de uma forma inexorável, progressiva e intratável, até ao momento, até a data de hoje. Portanto, as pessoas deixam de ter as palavras, deixam de invocar conhecimento. Deixam de ter representação simbólica. (…) É como se de repente as outras pessoas estivessem a falar outro idioma sobre cujas palavras nós não temos conhecimento semântico algum”.

Mais acrescentou:
Ela consegue articular as palavras. O que acontece com o tempo é que (...) as palavras, o vocabulário vai faltando. Há uma dissolução do vocabulário, se quisermos, para ser mais simplistas. É como se o dicionário que a pessoa tem fosse desaparecendo, e, portanto, as pessoas vão usando cada vez mais termos genéricos, como “coiso”, “isto” e “aquilo”, porque as palavras deixam de estar lá. Deixam de estar lá, de ter significado”.
“(…) esta doença começa com uma coisa que nós em neurologia chamamos anomia (…). Com uma grande dificuldade em dar o nome em particular, e da mesma forma em entender palavras isoladas. Há palavras que surgem como lacunas. Isso muito no início da doença consegue ser compensado pelo contexto linguístico (…). Como nós, se não percebermos, nós muitas vezes conseguimos ler na diagonal, e não é propriamente na diagonal, mas lemos muito por contexto. E muitas vezes, mesmo erros ortográficos passam-nos despercebidos porque nós entendemos perfeitamente o contexto, e é isso que é o fundamental. O que acontece em seguida na doença é que as palavras vão-se perdendo a um ritmo muito grande, e então a maior parte dos doentes com esta doença são incapazes de perceber, as outras pessoas parecem-lhe falar em estrangeiro (…). Falam outra língua que não entendem, e da mesma forma, quando falam, falam em Português, no nosso caso, (…), mas é um português que embora gramaticalmente correto, é desprovido de significado. É uma algarviada. Aquilo que nós designamos como uma afasia transcortical sensitiva. Estes doentes acabam mudos habitualmente, perto da morte ficam mudos, incapazes de perceber e de falar o que quer que seja, exceto repetido. É isso que define uma afasia transcortical sensitiva. São capazes de repetir a última palavra que ouviram, em particular a última palavra que ouviram, (…), fazem como se fosse uma espécie de eco da última palavra, mas (…) linguisticamente não percebem nada. (…)”.
Questionada sobre se, em 2011, a testadora tinha capacidade para fazer um testamento, a referida testemunha respondeu peremptoriamente: “Seguramente que não. Provavelmente em 2011 já não era capaz de perceber a palavra “testamento” (…)”.
Mais declarou: “(…) eu acho inacreditável alguém ter feito um testamento (…)”.
E à pergunta: “Portanto, neste quadro concreto de Setembro de 2011 que o Sr. Dr. traça e caracteriza, (…), com os conhecimentos que tem e com o índice de confiança que referiu, é impensável a pessoa ter capacidade para fazer um testamento daí a três meses?”, respondeu: “- Para mim é”.
Convergindo integralmente com os referidos depoimentos testemunhais, assinale-se a posição manifestada pelo consultor técnico nomeado nos autos, Dr. J. G., médico psiquiatra.
Questionado se discordava de tais depoimentos, respondeu que não, acrescentando que “a doente à data estava incapacitada” para fazer o testamento.
Disse compreender que, quem não conhecendo a testadora e a tenha visto pela primeira vez, não conhecendo nada da sua capacidade cognitiva, “possa por momentos, ter sido enganada por ela ou, pelo menos, não perceber que ela estava gravemente doente, porque esses doentes em certas fases, como não se lembram das coisas, como não se compreendem, introduzem material novo, como fabulagens, e que às vezes encaixa como se fosse uma frase normal, gramaticalmente correta. E no contacto de 10/20 minutos isto pode passar despercebido. Até porque os doentes com uma grande reserva cognitiva, como esta senhora que era uma mulher inteligente e culta, a degradação às vezes é ser mais dissimulada (…)”. Acredita “que, em certos momentos e em certas alturas, ela possa ter parecido não estar tão mal assim. Mas não há dúvidas nenhumas que estaria”.
Mais referiu que esta demência “é uma variante da fronto temporal”, em que, por vezes, “as pessoas começam a ficar paranoicas, mais desconfiadas, são mais facilmente manipuláveis. Isso também existe neste contexto nesta demência. Embora aqui o elemento principal foi a perda de vocabulário e da compreensão do vocabulário. Claro que a senhora que não se lembra de uma palavra diz “coisa”, isso pode passar na frase. Mas há uma falha. Ou diz uma coisa qualquer, em vez de dizer gato diz coelho. E um coelho é parecido com um gato e pode passar. Há momentos em que pode parecer que não estar tão mau assim. Momentos curtos. Por isso acredito que possa ter passado despercebido a quem não conhecer a senhora, de aparência para o terceiro. Se falar dez minutos com uma pessoa é capaz, essa pessoa se for leiga, se não entender bem, e se facilitar um bocado, se passar despercebido. Mas não deixa de estar gravemente doente e incapaz de avaliar o que está a fazer. Como diz o colega, ela se calhar nem sabia o que quer dizer testamento. Embora pudesse pronunciar a palavra”, não sabia o significado.
Relegamos para momento ulterior a valoração de tais depoimentos.

Ao nível da prova documental importa destacar os seguintes elementos clínicos:
- Informação clínica do Hospital ... (cfr. fls. 333 a 347/363 a 370), compreendendo o período de 16/01/2009 a 11/06/2014, com variadas consultas de psiquiatria e de neurologia, sendo que logo na primeira consulta, de medicina interna, foi reportado tratar-se de doente que desde há cerca de um ano vem denotando perda progressiva de memória para factos recentes e perda de vocabular mais comum, tendo sido pedida consulta de neurologia-Memórias e análises de rotina (o que corrobora a resposta ao ponto 11 dos factos provados).
Na primeira consulta em Neurologia, em 02/02/2009, o exame feito pelo Dr. A. M. descreveu:
Há pelo menos 1 ano começou a ter falhas de palavras, dizem que é só linguagem não dirá «palavras ao lado», usa circunlóquios, perceberá o que lhe dizem. Sem alteração da personalidade. Sem outras alterações cognitivas. Dorme e come bem”.
E nele se concluiu: “discurso com fluência razoável, mas entrecortado por falhas, não consegue nomear, dificuldade em repetir, sem apraxia orofacial, restante normal” (cfr. fls. 346).
- Em 20/04/2009, foi-lhe diagnosticada demência ligeira dominada por defeito da linguagem do tipo semântico, apresentando ainda defeito de cálculo e compromisso da memória episódica (global) do raciocínio abstrato visual (o que serve de suporte à resposta ao ponto 13 dos factos provados).
- Em 08/11/2010, apresentava muita dificuldade em nomear, discurso fluente e sem agnosia visual (em conformidade com a resposta ao ponto 14 dos factos provados).
- Em 29/07/2011, mantinha afasia sensitiva, com anomia severa (alicerçando a resposta ao ponto 15 dos factos provados).
- Na consulta de 24/11/2011 consta:
- “Doente de 74 anos que sigo em consulta, trazida pela cuidadora.
Início há cerca de 3 anos com dificuldades de linguagem, não conseguia dizer os nomes dos objectos, com discurso, embora fluente, entrecortado por pausas anómicas. Progressão lenta.
Mantém orientar-se bem no espaço, reconhece bem as pessoas e os objectos, ainda usa adequadamente os objectos.
Comportamento algo mais agressivo, discurso centrado nas intenções que alguns familiares terão demonstrado para a sua interdição/tutoria.
“Funcionalmente: não vai ao banco, nem lida com cartões de crédito ou dinheiro, não é capaz de cozinhar, embora ainda consiga por comida a aquecer no micro-ondas, veste-se, lava-se e cuida da sua higiene, ainda sai de casa para ir á missa ou comprar o pão”.
“Desagregação semântica na linguagem com início há 3 anos”; “(…) trata-se de doença neurodegenerativa, sem tratamento e de progressão inevitável”; parece “evidente haver compromisso de funções mais complexas, incluindo gestão fiduciária e patrimonial”; “em termos funcionais, como as atividades de vida diária de média-alta e alta complexidade estão atingidas, a doença seria classificável como demência em estado ligeiro (Global Deterioration Scale 4)” (suportando em parte as respostas aos pontos 16 e 17 dos factos provados).
- Cintigrafia Cerebral, de 19/02/2009, realizada no Centro de Imagem Molecular, na qual se conclui: “O padrão de hipoperfusão cerebral temporal e insular no hemisfério esquerdo tem sido relatado na literatura como sugestivo de Afasia Primária Progressiva. A assimetria talâmica pode estar relacionada com patologia vascular concumitante” (cfr. fls. 357 ou 375) (relevante para efeitos da demonstração do ponto 12 dos factos provados).
- Relatório de Estudo Neuropsicólogico, datado de 06/04/2009, que diagnosticou: “Estudo Neuropsicológico compatível com Demência (ligeira) dominada por defeito de linguagem do tipo semântica; apresenta ainda defeito de cálculo, compromisso da memória episódica (global) do raciocínio abstracto visual. Diagnóstico provável de Demência Semântica em fase ligeira (sem agnosia visual); como segunda hipótese admite-se o diagnóstico de DA com envolvimento predominante da linguagem. Sugere-se controlo evolutivo” (cfr. fls. 353 a 355).
- Relatório clínico referente à testadora, datado de 21/09/2011, elaborado pelo Dr. A. M., médico neurologista, que diagnosticou à doente demência semântica, sendo que os sintomas haviam tido início cerca de um ano antes (cfr. fls. 370 vº).
Nele se refere que o diagnóstico clínico e neuropsicológico foi suportado por estudos de imagem: ressonância magnética mostrando atrofia temporal esquerda e tomografia com emissão de positrões mostrando hipoperfusão na mesma localização.
Mais refere tratar-se de doença neurodegenerativa intratável e inexoravelmente progressiva que incapacita a doente para todas as atividades de vida diária de média e alta complexidade, entre elas a gestão dos próprios bens, sendo que esta incapacidade é manifesta desde a primeira observação da doente (coadjuvante das respostas aos pontos 8 a 11 dos factos provados).
- TAC Cerebral, de 20/12/2011, que, entre o mais, relata: “Exuberantes sinais de leucoencefalopatia isquémica, predominando nas regiões peritrigonais e nas regiões frontais (…) Não há evidente atrofia lobar indicativa de demência degenerativa. Se houver défices cognitivos admite-se que a causa mais provável seja vascular” (cfr. fls. 312).
- Exame psiquiátrico médico legal, elaborado a 30/12/2012, pelo perito psiquiatra Dr. D. J., no âmbito da acção de interdição (proc. 5570/11.5TBBRG), no qual o perito médico concluiu que a testadora sofria de “síndrome demencial (294.8) segundo a classificação da DSM-IV-TR, (F03) segundo a CID-10, desde 2008 (…)” (cfr. fls. 29 a 32) (coadjuvante das respostas aos pontos 8 a 10 dos factos provados).
O referido exame é consentâneo com a existência de uma incapacidade reportada ao ano de 2008.
- Relatório médico, de 11/05/2017, elaborado pelo médico psiquiatra Dr. J. D., que presta serviços na Casa de Saúde ..., no qual se atesta que a testadora esteve internada nessa Casa de Saúde entre 7/02/2012 e 7/03/2012, tendo sido enviada para internamento por intermédio do serviço de Urgência Psiquiátrica do Hospital ..., apresentando um quadro clínico em que sobressaiam défices cognitivos e alterações comportamentais. Teve alta melhorada no âmbito comportamental, tendo sido orientada para continuação do tratamento em regime ambulatório nas especialidades médicas de psiquiatria e de neurologia (cfr. fls. 328).
De realçar que o referido internamento da testadora ocorreu (apenas) dois meses após a outorga do testamento impugnado.
Enfrentando desde já uma objeção apontada pela recorrente no tocante à suposta falta de credibilidade do depoimento testemunhal dos dois referidos médicos, Dr. D. J. e Dr. A. M., por alegadamente se mostrar contraditado ou infirmado pelo teor do relatório clínico de 24/11/2011, elaborado pelo Dr. A. M., do qual não resulta que a testadora estava num estado de incapacidade geral que ambos descreveram como muito provável à data da outorga do testamento, dir-se-á ser insubsistente a apontada contradição.
No referido relatório elaborado pelo neurologista Dr. A. M. é feita expressa referência ao facto de ser “evidente haver compromisso de funções mais complexas, incluindo gestão fiduciária e patrimonial”, circunstância essa já anteriormente afirmada pelo referido médico no relatório clínico, datado de 21/09/2011, no qual, após diagnosticar à doente/testadora demência semântica, explicitou tratar-se “de uma doença neurodegenerativa intratável e inexoravelmente progressiva que incapacita a doente para todas as atividades de vida diária de média e alta complexidade”, entre elas “a gestão dos próprios bens”, sendo essa incapacidade manifesta desde a primeira observação da doente.
Acresce que os aludidos médicos, inquiridos como testemunhas em audiência de julgamento, alicerçando o seu depoimento nas respetivas razões de ciência já indicadas, depuseram de um modo objectivo, pormenorizado, e desinteressado, tendo traçado um quadro circunstanciado do estado de saúde da testadora. Prova disso é que responderam cabalmente a todas as questões colocadas, independentemente da sua proveniência, não enveredando por respostas evasivas ou laterais, sendo certo que o Ilustre mandatário da ré/recorrente teve oportunidade de os confrontar e instar sobre todas as dúvidas/questões que entendeu por pertinentes tendentes à defesa dos interesses da sua constituinte.
Por outro lado, ainda que fosse de admitir a alegada contradição entre o referido relatório clínico e o teor dos depoimentos de tais médicos prestados em audiência de julgamento – o que se concebe para efeitos meramente argumentativos –, a verdade é que, no caso sub júdice, sempre seria de sobrelevar os depoimentos de viva voz prestados em julgamento pelos referidos médicos, sujeitos ao contraditório e acobertados com todas as garantias da produção de prova e de defesa que assistem aos interessados na lide, em detrimento de um parco e exíguo relatório médico, cuja elaboração não foi feita em função do litígio em discussão nos autos.
Em reforço da validade probatória dos referidos depoimentos, acrescente-se, também, o facto de as referidas testemunhas não terem qualquer interesse no desenlace da causa.
Acresce que, como se referiu, os relatórios médicos foram consentâneos com a existência de uma incapacidade intelectual e volitiva da testadora reportada ao ano de 2008.
Por último, mas não de somenos importância, a corroborar e a credibilizar os supra referidos depoimentos testemunhais, temos a posição explicitada pelo consultor técnico nomeado pelo Tribunal nos autos, Dr. J. G., médico psiquiatra, o qual, como se disse, após ter analisado os documentos clínicos juntos aos autos e assistido presencialmente à prestação de tais depoimentos, atestou e validou integralmente os pressupostos e as considerações dos mencionados depoimentos testemunhais.
Sem embargo das conclusões antecedentes – atinentes à confirmação da credibilidade de tais depoimentos testemunhais, em conjugação com a enunciada prova documental clínica –, vejamos, de seguida, o que resulta dos demais meios de prova invocados pela recorrente para fundar a impugnação da decisão da matéria de facto.
A testemunha A. P., médico de medicina interna e sobrinho da testadora (filho da interveniente M. C.), viveu com a tia/testadora desde o nono ano de escolaridade até cerca dos seus 20 anos. Durante a adolescência passava com ela todos os fins-de-semana. Tendo deixado de ter contactos com a tia durante alguns anos, reatou o contacto com ela em 2011, a pedido das amigas desta, que o alertaram para o facto de a mesma já não se encontrar capaz. Encontrou-se com a tia numa pastelaria, em Braga, em novembro de 2011, estando também presentes três amigas da tia, tendo constatado que a mesma se encontrava numa situação de franca incapacidade mental. Segunda a sua perceção, a testadora reconheceu-o, mas não era capaz de dizer o seu nome, apresentando um discurso muito básico, dando respostas de “sim” ou “não” e acenando com a cabeça. A tia estava de chapéu, que nunca costumava usar, que lhe foi arranjado para dissimular o mau estado do cabelo e estava a olhar para o chão constantemente.
A partir daí, esteve pessoalmente com a testadora quase todos os dias a fim de a ajudar e olhar por ela.
A primeira vez que a visitou em casa, após o reencontro na pastelaria, a tia estava em péssimas condições de higiene, cheirava bastante mal e estava emagrecida. Constatou que a casa estava desarrumada e por limpar, os sofás tinham um odor a urina e não havia nada na cozinha. A tia patenteava certa agressividade em face de certas imposições, como seja quanto ao banho. Não era capaz de articular ideias completas, nem sobre as coisas mais simples, nem exprimia necessidades básicas como fome, sede, frio ou calor.
Ela reconhecia-o mas não era capaz de verbalizar o seu nome. Tinha uma incapacidade de falar e de pronunciar o nome dele.
Desde o reatamento dos contatos (novembro de 2011) a janeiro de 2012, o estado da tia foi-se degradando de tal forma que careceu de ser internada no hospital psiquiátrico de Braga, onde esteve sensivelmente um mês e meio e a partir daí esteve sempre em contexto de lar.
Fez uma comparação com o estado anterior da testadora, que era uma pessoa briosa, com cuidados estéticos (que inclusive fez cirurgias estéticas, usava os melhores cremes e perfumes), tendo ficado chocado com o cenário que presenciou.
Durante cerca de 20 anos a tia foi coordenadora do voluntariado na Cruz Vermelha no Hospital …, cargo que abandonou por já não ter capacidade para exercê-lo. Antes da doença era uma pessoa culta, apreciava artes e espetáculos culturais, frequentava bailes, teatro, ópera, ballet da Gulbenkian, privava com artistas, organizava festas, investia em antiguidades, dedicando-se a causas beneméritas, gostava muito de ler, pintava, era muito comunicativa, tendo um discurso agradável e fluente. Era uma pessoa muito seletiva nas suas relações.
A tia não tinha qualquer denominador comum (ao nível cultural e de gostos) com a ré. Gostava de ajudar os outros, mas não era pródiga, gerindo o seu dinheiro de forma contida.
Deslocou-se ao Banco com a tia, tendo sido informado pela gestora de conta da existência de movimentos estranhos na conta (levantamentos de 400,00 € por dia), razão por que a gestora passou a exigir a presença da tia no balcão, tanto mais que a sua assinatura foi-se degradando.
Confrontou a ré com tais levantamentos, que ela negou ter feito, apesar de ter na sua posse o cartão bancário da tia, tendo-lhe exigido a sua imediata entrega. A partir de então impediu-a de entrar em casa da tia e providenciou por contratar os serviços duma empresa que dela cuidasse. Referiu que, em setembro de 2011, a tia já não tinha capacidade para atos de disposição dos bens dela e que, por força das características da demência de que padecia o seu estado de saúde piorou nos meses subsequentes.
De salientar que as referências antecedentes a novembro de 2011 não se basearam no seu conhecimento direto e pessoal, mas sim no reporte feito por terceiros [que, inclusivamente, motivaram que a testemunha se reaproximasse da tia e passasse a adotar um papel ativo em prol da salvaguarda do bem estar e dos interesses da sua tia, quer ao nível do seu estado de saúde, assistência médica e medicamentosa, e outros cuidados primários (alimentação, higiene, vestuário, habitação, etc.), bem como acautelando o seu património] e nos exames médicos por si ulteriormente analisados (sendo que, por ser médico, possuía conhecimentos técnicos que o habilitavam a interpretar tais elementos clínicos).
Confirmou que, por referência a dezembro de 2011, a tia não conseguia sozinha chamar um táxi que a levasse a algum sítio, não conseguia sequer andar sozinha na rua, nem pegar no telefone e fazer uma chamada, não conseguindo escrever. A tia tinha uma assinatura toda desenhada, que ela treinava quase diariamente e no final da sua vida, nas últimas assinaturas que viu dela, eram umas rasuras.
Atestou por último que, apesar dela não estar mentalmente capaz, dado o seu estado deplorável, ainda assim logrou que ela outorgasse uma procuração a conceder-lhe os direitos para a testemunha ter acesso às contas bancárias dela e assim impedir que a ré continuasse a aceder à referida conta. Num tom emocionado, referiu que, apesar da tia não ter nenhuma consciência do ato da outorga da procuração em favor da testemunha, a verdade é que não foi colocado nenhum entrave à referida outorga, em especial quanto à incapacidade da conferente de poderes. Como expressamente reconheceu, essa foi, porém, a via expedita encontrada para acautelar os interesses da sua tia, não obstante ter plena consciência de que a mesma não estava em condições de entender e querer o acto em causa.
Na confluência do depoimento anterior, importa também destacar o depoimento da
R. M., filho do autor e sobrinho da testadora. Confirmou que de 2009 em diante não manteve contacto próximo com a tia. Tem conhecimento, porém, que, no verão de 2011, a D.ª R. (reportando-se à testemunha M. R.), amiga da tia, ligou para os seus pais revelando preocupação com a saúde mental dela e relatando a manipulação de que era vítima por parte da ré. Acompanhou a sua mãe numa conversa que esta teve com a referida amiga, a qual reafirmou tais preocupações. Falaram com a advogada e ponderaram a instauração de uma ação de interdição. Mais referiu que, nessa sequência, ainda no verão de 2011, visitou a tia juntamente com o primo A. P. e ficou chocado com o que viu. Tal como se refere na motivação da sentença recorrida, «[e]ncontrou a tia – que era uma pessoa refinada – muito desleixada, denotando falta de higiene, reservada, deambulando de um lado para o outro, com uma expressão amedrontada. O quarto onde dormia era partilhado com a empregada Maria e apresentava-se desarrumado. Não teve dúvidas de que era necessária a sua interdição, atento o quadro que constatou. Depois dessa visita, regressou por duas vezes, sem que a ré estivesse presente. Ficou com a sensação que a tia não o reconheceu, posto que teve de se apresentar, e ainda assim abriu-lhe a porta. Dessas vezes encontrou-a com um olhar apático, assustada e incapaz de estabelecer conversa com ele, denotando o agravamento da situação que constatara no verão de 2011. Descreveu a tia como uma pessoa culta, com intervenção cívica, elitista. Do que dela conhecia faria muito mais sentido doar o seu património à Cruz Vermelha e imortalizar o seu nome, ou mesmo à empregada de uma vida inteira como foi a Maria, do que beneficiar a ré, com quem não tinha qualquer história ou afinidade».

Confirmou que a testadora e os irmãos tinham, entre si, uma relação complexa, sendo normal zangarem-se.
Tal como assinala a recorrente, é certo haver uma desconformidade entre o referido depoimento e o da testemunha A. P. quanto à data referente ao ano de 2011 em que efetivamente se deslocaram, pela primeira vez, a casa da testadora: se em novembro de 2011 (como referido pela testemunha A. P.) ou, ao invés, ainda no verão (como indicado pela testemunha R. S.) ?
Depreende-se, porém, um elemento que inculca o firme convencimento de que tal ocorreu, efetivamente, no verão de 2011, e não em novembro desse ano. Isto porque a instauração do aludido processo de interdição em 1/09/2011 pelo pai da testemunha R. S. ocorreu já após este se ter inteirado do (débil) estado de saúde da sua tia, o que nos leva a concluir que a referida visita deu-se necessariamente em data anterior à propositura da referida ação.
Seja como for, a verdade é que a apontada incongruência temporal de modo algum é apta a retirar credibilidade aos dois depoimentos testemunhais em apreço, pois o que sobreleva é que a coincidência presencial da deslocação das duas testemunhas a casa da testadora ocorreu inequivocamente em data anterior à outorga do testamento impugnado. Ademais, as referências antecedentes a novembro de 2011 sobre o estado mental da testadora foram também reportados e atestados por outras testemunhas (sem prejuízo dos elementos clínicos já explicitados).

Para o efeito, urge destacar os seguintes depoimentos testemunhais:
- M. A., amiga da testadora durante 50 anos, que conhecia a família da testadora.
Confirmou que, em 2008, a testadora foi convidada para o casamento do seu filho e, nessa altura, era já notório o seu descontrolo, pois “faltavam-lhe as palavras”. Falavam todos os dias ao telefone e passou a notar que lhe faltavam os termos e que se esquecia das coisas. Aconselhou-a a ir ao médico por estar muito esquecida. A partir de 2009/2010, o estado da sua amiga foi piorando. Fez parte do Conselho de Família no âmbito da ação de interdição relativa à testadora. Declarou que quando o referido processo foi instaurado já a D. M. F. não tinha capacidade intelectual alguma e estava descontrolada. Andava mal arranjada e cheirava mal, o que, no seu perfeito juízo, nunca ocorreria.
Chegou a levar-lhe comida aos sábados. Nessas ocasiões, a testadora chegou a referir-lhe, reportando-se à ré, que “ela quer mandar em mim” e “até me trata por tu”, tratamento este que, antes, seria inaceitável, posto que a D. M. F. era muito exigente com as empregadas e nunca admitiria uma tal proximidade. Descreveu-a como tendo um porte aristocrático. Tanto assim é que a própria testemunha e a testadora, amigas há longa data, não se tratavam por tu.
Mais reportou que, em 2009, a testadora passou a apresentar comportamentos anómalos em público, como abraçar pessoas que não conhecia, mas julgando conhecê-las. E passou a queixar-se de que não tinha dinheiro e que lhe tiraram tudo.
Antes da degradação do seu estado de saúde, a testadora confidenciou-lhe que gostava de deixar a casa a uma fundação, com o nome de J. L., de quem recebeu a herança e que era o tio e padrinho.
Na perceção da testemunha, a ré impedia-a de falar com a sua amiga, desligando-lhe o telefone de noite, controlando a vida da D. M. F. e a sua disponibilidade para as amigas.
A testadora fazia-lhe queixas da ré.
- Em sentido convergente aponta o depoimento da testemunha M. M., que conheceu a testadora, pelo menos, desde 1990, por força das funções que ambas desempenhavam na Cruz Vermelha. Descreveu-a como sendo uma senhora distinta, muito comunicativa, com muito gosto a vestir-se, asseada (“não era uma senhora feita à pressa”), apreciadora de arte, confirmando o quadro geral de cultura referido pelas testemunhas antecedentes. Foi com muita tristeza que observou a sua progressiva degradação, destacando um facto ocorrido na primavera de 2011, quando assistiram juntas a um casamento, sendo que então a D. M. F. não conseguia vestir-se autonomamente de forma apropriada e tinha conversas sem nexo. Noutra ocasião, viu-a no hospital e ficou com dó dela, pois não sabia o nome, não conhecia a família dela. Noutra ocasião ainda, ocorrida já em 2008, acompanhou-a a uma feira em Barcelos na altura das Festas das Cruzes e apercebeu-se que ela ao adquirir uma carteira já tinha perdido a noção dos preços e do dinheiro. Foi o primeiro episódio em que denotou que ela não estava no pleno das suas capacidades mentais.
Quando se deslocava a Braga e ia buscá-la para lanchar (e a conversa já não era normal) apercebeu-se que a ré dificultava os contactos diretos com a D. M. F., o que era notório e abusivo (“achava estranho”), ficando com a “nítida” perceção de que a D. M. F. tinha medo dela. Ela já tinha as faculdades mentais muito afectadas. Referiu que a testadora falava de um sobrinho que tratava por “o meu menino” - Dr. A. P. -, por quem tinha grande estima e a quem destinara a casa da Póvoa.
Mais referiu que ela começou a piorar e nunca mais melhorou (“foi quase uma coisa relâmpago”). Era uma pessoa tão ativa, tão janota, tão bem vestida, depois foi um decair muito rápido. A partir daí não lhe viu momentos lúcidos.
- Destaca-se também o depoimento da testemunha M. R., amiga de infância da D. M. F., professora primária aposentada, com 82 anos.
Após um afastamento motivado pelas suas vidas pessoais que durou cerca de 20 anos, reatou o contacto com a D. M. F. em fevereiro de 2009. Assistiu ao funeral da mãe da amiga, em 2009, tendo estranhado o discurso que ela fez (pois faltavam-lhe termos, quando antes ela falava e escrevia muito bem). Passou a visitá-la na casa dela e via-a mal tratada, cheirava a urina e não tinha alimentação adequada (“aquele tratamento não era humano, não estava a ser bem tratada”). Inclusivamente, viu a antiga empregada (Maria), que com ela continuou a residir, com a dentadura a cair, “mal amanhada”. Chegou a levar-lhe comida, que ela ingeria de forma sôfrega. Depois do verão de 2009, viu papeis espalhados na mesa, com assinaturas manuscritas (como se estivesse a treinar a assinatura). Por entender que a D. Maria e a sua antiga empregada estavam a ser exploradas e vítimas de maus tratos participou tais factos à GNR, tendo ainda avisado os seus familiares e amigas de tal situação (o que coincide com a versão dada pelas testemunhas A. P. e R. S.).
Descreveu-a como pessoa culta (nos termos referidos pelas anteriores testemunhas).
A partir do verão de 2010, a degradação da amiga foi enorme. Referiu que a testadora tinha momentos em que parecia estar bem (no primeiro contacto parecia efusiva), mas outras vezes não tinha sequência na conversa. Ela não conseguia lidar com o dinheiro e quando a visitava em casa ela estava completamente dependente. “Agora a M. J. não dava ordens; dantes sim” (antes tinha pose de aristocrata). Mais referiu que tentava visitá-la quando a ré não estivesse presente e a D. M. F. tinha conversas vagas, mostrava-se apática, sem poder de decisão e amedrontada (ficou com a perceção de que a testadora tinha medo da Ré). A ré cortava-lhe o telefone para não falar com as pessoas.
Confirmou que os irmãos da testadora estavam todos zangados entre si.
- A testemunha M. V., amiga da D. M. F., visitava-a todas as semanas. Em 2009, juntamente com uma amiga, acompanhou-a a uma consulta de neurologia, porquanto a D. Maria dizia não estar bem (não lidava bem com o dinheiro e tinha esquecimentos) e carecer de ajuda. No final da consulta o médico (dr. J. A.) falou com a testemunha em privado, referindo-lhe que a amiga ia precisar de muito apoio e suspeitava que tivesse Alzheimer, entregando-lhe uma carta a fim de entregar ao sobrinho dela (dr. A. P.). Aquando do pagamento da consulta médica (80€) ela já não atinava com o dinheiro, e foi a testemunha e a amiga que pagaram.
Ao princípio, a testadora dizia-lhe que a ré a tratava muito bem e que era muito simpática. Depois passou a queixar-se muito dela. Dizia “ela está morta que eu morra”, “trata-me mal”, “já me trata por tu”, o que noutros tempos ela nunca admitiria, pois ela tinha muito personalidade e era muito independente. Ela já não tinha capacidade para tratar de si. Era uma pessoa chique e ultimamente não. Dava impressão de desmazelo. Fazia impressão de vê-la na rua.
A amiga foi piorando e, em 2011, já não estava em condições de tratar e gerir os negócios; não conseguia sozinha tomar os medicamentos, nem tinha autonomia.
A testemunha passou a levar-lhe comida aos fins de semana, para ela e a empregada se alimentarem. Posteriormente, como se começou a falar e com receio, a Ré também passou a levar-lhe comida ao fim-de-semana.
Referiu que a amiga se queixou que a ré lhe tirou a agenda pessoal onde registara os contactos das suas amigas (“até a agenda me tirou”), denotando-se uma relação de medo com a ré.
- Por fim, do rol apresentado pelo autor, temos ainda o depoimento da testemunha M. E., que foi funcionária bancária durante 40 anos (inicialmente, colaboradora subordinada da União de Bancos e, posteriormente, por força das fusões, do Banco …), estando reformada há 5 anos. Durante cerca de 20 anos foi gestora da conta da D. M. F.. Declarou que, inicialmente, ela era muito decidida, sabia bem o que havia de dizer o que queria e noutras vezes não era tão fixa. O estado mental dela era muito variável e, por vezes, encontrava-a muito baralhada. Denotou alterações na sua apresentação, posto que aparecia menos cuidada (até no cabelo). Referiu que quando a ré começou a trabalhar com a D. M. F., esta passou a deslocar-se ao banco sempre acompanhada daquela para fazer levantamentos (alterando o padrão anterior de efetuar tais deslocações sempre sozinha), facto que a deixou desconfiada, por ser permeável a influências (de pessoas amigas). Referiu que, numa dessas deslocações, lhe transmitiu pretender fazer um crédito para ajudar uma amiga que tinha perdido dinheiro no casino, tendo-a a testemunha desaconselhado.
Confirmou que a D. M. F. foi ao banco com o Dr. A. P. e foram outorgar uma procuração ao Notário. Ela aí já tinha percepção de não se encontrar muito bem.
- Do lado da ré, regista-se o depoimento da testemunha J. C., solicitador, que declarou não ter acompanhado a D. Maria ao Cartório Notarial para outorga do testamento, mas ter sido ele quem tratou do processo preliminar do testamento, a pedido dela. Esta compareceu pessoalmente para o efeito no seu escritório, mediante recomendação dum cliente e amigo, Sr. A. L., que a acompanhou, nas duas vezes que com ela contactou.
Nesses contactos, a testadora apresentou-se asseada, bem vestida e com bom aspeto (senhora distinta). Mais declarou não recordar quem lhe pagou o serviço ou forneceu a identificação das testemunhas, sendo que os documentos necessários foram-lhe fornecidos pela D. M. F.. Mais referiu não ter qualquer dúvida que ela estava bem, tinha discurso fluído, coerente (não se apercebeu de deficiências semânticas). Não lhe foi referida a pendência de qualquer ação de interdição, posto que, se o tivesse sido, não avançaria com os procedimentos.
Confirmou que a ré também era cliente do seu escritório desde 2008/2009/2010.
Anteriormente, também já tinha tratado da escritura de compra e venda entre a testadora e a ré.
- No tocante à testemunha A. L., aposentado da GNR, declarou ser amigo da D. M. F., para quem prestava serviços como motorista, mantendo com ela contacto próximo a partir de 2009. Mais declarou que, em 2010, aquela lhe confidenciou que pretendia fazer um testamento a favor da ré, queixando-se de ser maltratada pelos seus familiares e estar de mal com toda a família. Em novembro de 2011, apresentou-a a um solicitador para o efeito, a quem ela expôs a sua pretensão, solicitando-lhe que lhe arranjasse as testemunhas, pessoas que deveriam ser desconhecidas, verbalizando ter receio de aparecer morta. Referiu que, de 2009 a 2011, não notou qualquer alteração no comportamento da D. M. F.. Era uma pessoal normal, com alguma dificuldade em dizer nomes. Ela não se esquecia do que dizia, tinha um discurso lento, pausado, mas coerente, nunca notou deficiência nenhuma. Ela saía autonomamente para lanchar e ir à missa.
Foi a testemunha quem arranjou as duas testemunhas para intervirem na outorga do testamento.
Qualificou como normal o negócio de compra e venda do colégio, da testadora à ré, realizado em 7/12/2010, pelo preço de 150,000€.
Mais referiu que, ultimamente, a D. M. F. era uma pessoa magoada, porque não tinha família, referindo-lhe que eram todos uns traidores. Mais dizia que a Ré era uma pessoa boa, que era humana e era a pessoa que ela encontrou para o fim da vida dela.
- Quanto à testemunha A. S., interveio a mesma como testemunha no testamento, a solicitação do A. L., seu vizinho. Apenas por essa ocasião conheceu a D. M. F., referindo que esta falava corretamente (“para mim estava correta e inteligente”) e transmitiu-lhe querer fazer um testamento à ré que era da sua confiança e que tinha muita queixa da família, por ter sido agredida e insultada.
Teve já intervenção como testemunha noutros testamentos, afirmando ser muito prestável nestes assuntos
- A testemunha M. L., contabilista, referiu que das vezes que contactou pessoalmente com a D. M. F. (uma primeira vez em 2010, quando lhe adquiriu duas lojas, por intermédio da Imobiliária ..., e a segunda vez em casa da D. M. F., quando já corria o processo de interdição) ela encontrava-se com saúde, estando normal. Ela nunca lhe falou mal da Ré. Via-as sempre juntas e parecia darem-se bem, nunca lhe tendo feito queixa dela.
- A testemunha Manuel, oficial de justiça, foi quem procedeu à citação da D. M. F. na ação de interdição. Declarou que na casa da testadora, onde se deslocou com aviso prévio, encontravam-se presentes dois advogados (a drª A. e o dr. M.). Mais referiu ter lido e explicado à citanda o teor da citação, que ela entendeu, tendo-lhe dito de que ia falar sobre o assunto com um advogado e que não sabia qual dos dois advogados iria escolher. No período em que esteve com ela – cerca de 20/30 minutos – não denotou qualquer patologia.
Como assertivamente anotou a Mmº Juíza “a quo”, tendo a testemunha anunciado a sua ida a casa da D. M. F., tal circunstância “retirou a espontaneidade própria de um ato imprevisível, potenciando a preparação da citanda para a diligência. Tanto assim foi que no dia, hora e local da citação encontravam-se presentes dois advogados”. Acresce que, “o curto lapso de tempo em que privou com a citanda, o procedimento adotado – que coloca o enfoque na atuação do oficial de justiça de ler e explicar o conteúdo e efeitos da citação – e o desconhecimento do padrão de normalidade da citanda, tornam verosímil que a sua patologia não fosse, nesse curto momento, detetada”.
Por fim, temos o depoimento da testemunha E. M., Notária, que celebrou o testamento mencionado nos autos. Declarou não manter memória do caso concreto ou da testadora, limitando-se a descrever o procedimento comum que adotava na realização desses atos. Tudo o que vai além do teor literal do que consta da escritura disse não se recordar de nada.
Pois bem, no tocante à alegada falta de credibilidade dos depoimentos das testemunhas arroladas pelo autor [A. P., R. S., M. A., M. M., M. R., M. F. e M. E.], na sua generalidade familiares e/ou amigas da família, embora se aceite que a existência de uma relação de familiaridade ou de amizade entre as testemunhas e as partes possa constituir uma circunstância impeditiva da prestação, em juízo, de um depoimento isento e credível, pois, como é sabido, um familiar ou um amigo próximo de uma das partes poderá mais facilmente ser tentado a faltar à verdade no intuito de beneficiar ou favorecer pessoa com a qual mantém tal tipo de relações, dada a existência de interesse no resultado da lide, a verdade é que a existência dessas relações não é, nos termos legais, motivo de impedimento ou de inabilidade para depor como testemunha (arts. 495º e 496º do CPC). Contudo é de rejeitar a ideia de que porque uma testemunha é familiar, amiga ou inimiga de uma das partes irá necessariamente mentir em juízo ou apresentar o seu depoimento do modo que julgue mais conveniente para beneficiar ou prejudicar a parte. Acresce que, no caso sub júdice, dada a razão de ciência revelada, nomeadamente a relação de proximidade e de contacto regular que mantinham com a testadora, nalguns casos há longos anos, sendo conhecedores do seu quotidiano e com ela tendo privado proximamente, acompanhando de um modo presente a evolução do seu estado de saúde, sobretudo quando a partir de 2008 começaram a manifestar-se os primeiros sinais de demência, os depoimentos desses familiares e/ou amigos apresentam o relevo bastante para (juntamente com a valoração de outros meios de prova) habilitarem o Tribunal a formar uma convicção segura e fundada sobre as exteriorizações do estado de incapacidade (físico e psíquico) da pessoa em causa. Nomeadamente, se no dia a dia a testadora adotava comportamentos que revelavam estar, ou não, destituída da sua capacidade de gerir a sua pessoas e bens, mais concretamente de entender o sentido da sua declaração testamentária, por alturas da elaboração do testamento.
E para colocar em causa a credibilidade de tais depoimentos não basta a mera alegação genérica da menção das relações familiares ou de amizade que tais testemunhas têm – ou tiveram – com uma das partes da causa. Esta circunstância, no caso dessas relações, foi desde logo confirmada pelas enunciadas testemunhas aquando do juramento e interrogatório preliminar nos termos e para os efeitos do disposto no art. 513º, n.º 1 do CPC, não deixando certamente de ser tomada em consideração aquando da valoração da globalidade dos meios de prova produzidos.
Trata-se, por outro lado, de testemunhas que, por com ela terem privado durante largos anos, conheciam bem a vitalidade física e mental, a forte personalidade, a veia cultural e a independência da testadora, qualidades estas que a diferenciavam das demais pessoas e que se foram “a olhos vistos” desvanecendo quando o estado clínico demencial e degenerativo das suas capacidades de percepção e compreensão começou a evoluir progressiva e irreversivelmente, não se tratando de circunstâncias fortuitas ou temporárias. Para o efeito, nos termos supra enunciados indicaram detalhadamente comportamentos quotidianos da vida da testadora reveladores da elevada deterioração das suas faculdades físicas e mentais [intelectuais e volitivas – designadamente o declínio proeminente na capacidade de linguagem, quer ao nível do discurso, escolha de palavras, nomeação de objetos ou compreensão de palavras, dificuldade em lidar com o dinheiro, perda de autonomia e dependência], acompanhado da desorganização da personalidade e deterioração de hábitos. Essa perda de faculdades mentais, que começou de um modo insidioso, foi progredindo crescente e irreversivelmente (o que foi relevante para coadjuvar na demonstração dos pontos 11, 14, 16, 33 e 34 dos factos provados). De igual modo, indicaram as circunstâncias que conduziram à outorga pela testadora do testamento objeto dos autos (contribuindo para sustentar as respostas aos pontos 16, 25 e 37 dos factos provados).
Não se vê, pois, que os depoimentos das aludidas testemunhas se mostrem “inquinados, com contradições estranhas ou careçam de objectividade, como pretende a recorrente; ao invés, nos termos supra exarados a indicação da degradação gradual, crescente e firme do estado mental da testadora, que se refletiu em múltiplos e variados aspetos da sua vida quotidiana desde 2008, mostra-se inequivocamente suportada nos registos clínicos carreados aos autos, estando comprovado, inclusivamente, que a mesma chegou a ser declarada interdita. E tais exteriorizações da incapacidade de facto da testadora desde 2009 mostram-se igualmente em consonância com o juízo médico uniforme proclamado pelos médicos inquiridos em audiência de julgamento (seja na qualidade de testemunhas, seja o consultor técnico nomeado pelo Tribunal).
Já o mesmo não se poderá concluir das testemunhas arroladas pela Ré, as quais limitaram a sua razão de ciência a contatos episódicos ou fugazes com a testadora.
Pretendendo transmitir a ideia de que a testadora se tratava de uma pessoa lúcida, com um discurso coerente e fluído, determinada e esclarecida na sua vontade de deserdar os seus familiares, a verdade é que tais depoimentos são direta e frontalmente contrariados pelos elementos médicos juntos aos autos (bem como pelos médicos inquiridos em julgamento), dos quais decorrem inequivocamente as limitações que a D. M. F. apresentava e que, em 2011, eram notórias no exame clínico.
De facto, como bem salientou a Mm.ª Juíza “a quo” na motivação da sentença recorrida, as limitações que a testadora patenteava em dezembro de 2011, quer ao nível da linguagem, quer ao nível da falta de autonomia, quer quanto à sua apresentação, não são compatíveis com os testemunhos produzidos por tais testemunhas.
Acrescenta-se: “a descrição que foi feita da personalidade e do modo como se relacionava socialmente da D. M. F., quando no pleno uso das suas capacidade mentais, é incompatível, por recurso às regras de experiência comum, com a intimidade que a testemunha A. L. quis fazer crer que existia entre ambos – ao ponto de elegê-lo como confidente único dos assuntos relativos à sucessão patrimonial, em detrimento das amigas de longa data – e com a exposição da sua vida pessoal relatada pela testemunha A. S., sendo quanto a este contraditório que pretendendo manter sigilo quanto à outorga do testamento, tivesse relatado a uma pessoa que não conhecia a motivação a ele subjacente e os conflitos familiares latentes, fornecendo desse modo informações que podiam potenciar a veiculação do ato que pretendia esconder”.
Que credibilidade pode merecer uma testemunha (A. S.), que não conhecendo sequer a testadora, aceita, a pedido dum vizinho (A. L.), deslocar-se de Vila Verde a Amares para testemunhar na outorga de um testamento, tendo como contrapartida um lanche? Desde logo não tinha o mesmo contacto suficiente com a testadora para poder afirmar o que afirmou.
Assim, por mais prestável que possa ser para intervir como testemunha em testamentos – como referiu –, a sua credibilidade para atestar as efetivas capacidades mentais da testadora para testar são nulas.
De igual modo, que credibilidade se pode conferir a uma testemunha (A. L.) que classifica como normal um negócio de compra e venda do colégio, da testadora à ré, pelo preço de 150,000€, celebrado em 7/12/2010, quando, na verdade, o referido negócio não envolveu o pagamento de qualquer preço pela “compradora” em beneficio da “vendedora”, ao ponto de ter sido objeto de anulação por transação homologada no âmbito duma ação judicial intentada para o efeito (pontos 35 e 36 dos factos provados) ?
Tal negócio jamais poderia ser considerado como normal, pois, além de simulado, logo a seguir à sua realização a Ré cuidou de colocar o referido prédio à venda, por intermédio da Imobiliária ..., pelo preço de 750.000,00€ (facto este reconhecido pela Ré em sede de declarações de parte).
Como se compreende que a testemunha A. L. ateste que a testadora estava no seu perfeito juízo mental e em condições de testar e seja o próprio a recusar-se a intervir como testemunha na outorga do testamento, providenciado antes por “arregimentar” dois vizinhos para intervir nessa qualidade no ato do testamento, quando estes, ao contrário daquele, nem sequer conheciam a testadora ?
E como explicar que referindo inicialmente que se disponibilizou ajudar a testadora sob a condição desta lhe pagar todas as despesas inerentes ao referido ato notarial, posteriormente tenha manifestado a sua admiração quando após a outorga do testamento ela lhe entregou 200,00€, afirmando que, afinal, não pretendia nenhuma contrapartida pela sua intervenção ?
E como aceitar que, por causa da sua “intervenção” no acto de testamento, do qual nem sequer é beneficiário, o referido A. L. tenha comprometido uma genuína amizade com a testadora que perdurava há mais de sete anos ?
Além de que não é verosímil a versão por si apresentada de apenas em 2011 ter apresentado a testadora ao solicitador J. C. aquando da preparação do testamento, posto que já em 2010 aí tinha estado juntamente com a testadora a fim daquele preparar e instruir a escritura de venda do prédio à Ré, que viria a ser efetivada em 7/12/2010.
São múltiplas as dúvidas e contradições que tais depoimentos nos suscitam, que apontam em sentido contrário aos elementos clínicos e aos depoimentos testemunhais dos médicos que examinaram e acompanharam (desde 2009, no caso do Dr. A. M.) a testadora, o que nos leva sem margem de dúvida a afastar a sua credibilidade.
De igual modo, o depoimento da testemunha E. M., notária, é imprestável com vista à pretendida alteração da matéria de facto.
Desde logo releva o facto de nem sequer se recordar da testadora, tendo-se limitado a indicar o procedimento comum que costumava seguir em casos similares tendo em vista apurar, previamente ao acto notarial, das faculdades mentais e da autenticidade da vontade manifestada pelo testador.
Não se ignora que a circunstância do testamento ter sido exarado perante um notário [funcionário especializado investido de fé pública que, nos termos da lei, poderá fazer intervir no acto peritos médicos para abonar a sanidade mental do testador], aliada à intervenção obrigatória de duas testemunhas que devem presenciar o acto [art. 67.º, n.ºs 1, al. a), e 3, do Código do Notariado] e à imperatividade do acto notarial ter de ser lido e explicado ao testador [art. 46.º, n.º 1, al. l), e 50.º do Código do Notariado], por si só, constitui uma forte presunção de que o testador se encontra intelectualmente capaz de querer e entender aquilo que declarou (22).
No entanto, a circunstância da notária não ter tido quaisquer razões para suspeitar da ausência da capacidade volitiva da testadora, razão pela qual procedeu à realização do acto, sem fazer intervir nele qualquer perito médico, bem como de não mencionar no testamento quaisquer elementos que atestem a capacidade intelectual da testadora, por si só, não faz prova plena da ausência da qualquer perturbação volitiva.
Com efeito, nos termos dos arts. 362.º, 363.º, n.º 2, 369.º e 371.º, n.º 1, do CC, a força probatória plena associada aos documentos autênticos, como no caso de testamentos, restringe-se às percepções neles afirmadas pela autoridade ou oficial público documentador, mas já não à sinceridade, genuinidade, verdade ou autenticidade volitiva das declarações dos intervenientes ou a factos que não possam por ele ser comprovados cientificamente, razão pela qual nada obsta a que, por via da prova testemunhal ou pericial, se possa, posteriormente, demonstrar a falta ou vícios da vontade declarada e naquele acto documentada (23). Dito por outras palavras, os factos relativos à liberdade da declaração e ao entendimento do seu sentido não são cobertos pela força probatória plena do documento, podendo a sua impugnação fazer-se, independentemente da arguição de falsidade, pelos meios gerais, visto a lei não estabelecer qualquer norma especial para a sua prova (24).
Assim, contrariamente ao que defende a recorrente, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova testemunhal consagrado no art. 396º do CC, nada impede que, na análise crítica da prova, se tenha valorizado mais os depoimentos das testemunhas D. J. e A. M. – em função da sua razão de ciência e em conjugação com a posição do consultor técnico nomeado e dos elementos clínicos juntos aos autos –, do que o depoimento da testemunha E. M., notária, já que, como se referiu, as declarações efectuadas por aquela no instrumento (escritura de testamento) de que este “foi lido e explicado o seu conteúdo aos intervenientes”, não fornecem qualquer prova de que a testadora se encontrava em condições de testar. De facto, e salvo o devido respeito pela opinião contrária, este depoimento prestado pela testemunha E. M. não é suficiente para infirmar o aludido juízo médico, quando declarou que não detectou ou suspeitou da sanidade mental da testadora.
Relativamente à hipótese aventada por todas as testemunhas arroladas pela recorrente no sentido da incapacidade intelectual da testadora não ser percetível no período em que com ela privaram, importa aqui reiterar a explicação apresentada pelo consultor técnico nomeado, Dr. J. G., médico psiquiatra, o qual disse compreender que, quem não conhecendo a testadora e a tenha visto pela primeira vez, não conhecendo nada da sua capacidade cognitiva, “possa por momentos, ter sido enganada por ela ou, pelo menos, não perceber que ela estava gravemente doente, porque esses doentes em certas fases, como não se lembram das coisas, como não se compreendem, introduzem material novo, como fabulagens, e que às vezes encaixa como se fosse uma frase normal, gramaticalmente correta. E no contacto de 10/20 minutos isto pode passar despercebido. Até porque os doentes com uma grande reserva cognitiva, como esta senhora que era uma mulher inteligente e culta, a degradação às vezes é ser mais dissimulada (…)”. Acredita “que, em certos momentos e em certas alturas, ela possa ter parecido não estar tão mal assim. Mas não há dúvidas nenhumas que estaria”.
Mais acrescentou que: “Há momentos em que pode parecer não estar tão mau assim. Momentos curtos. Por isso acredito que possa ter passado despercebido a quem não conhecer a senhora, de aparência para o terceiro. Se falar dez minutos com uma pessoa é capaz, essa pessoa se for leiga, se não entender bem, e se facilitar um bocado, se passar despercebido. Mas não deixa de estar gravemente doente e incapaz de avaliar o que está a fazer. Como diz o colega, ela se calhar nem sabia o que quer dizer testamento. Embora pudesse pronunciar a palavra”, não sabia o seu significado.
Secundando tal justificação, fica assim esbatida a argumentação da recorrente no sentido de que, independentemente da (alegada) aparência sã e lúcida da testadora para terceiros, não estava a mesma impossibilitada de entender e querer o sentido e alcance da declaração.
Por fim, as declarações de parte da própria recorrente apresentam-se manifestamente inócuas ou insuficientes tendo a vista a demonstração dos factos impugnados, posto a mesma ter-se limitado a reproduzir a versão por si alegada nos autos, sem que esta se mostre solidamente alicerçada nos demais meios de prova produzidos.
À míngua de melhores argumentos, socorremo-nos mais uma vez da fundamentação explicitada na motivação da sentença recorrida para atestar a falta de credibilidade do referido meio probatório.

Assim:
- A descrição feita quanto ao estado físico e mental da falecida M. F. é incompatível com os elementos clínicos juntos aos autos, posto deles emergir que “a falecida padecia de uma demência semântica desde 2008, doença neurodegenerativa progressiva, que, como dos aludidos registos clínicos consta, se foram agravando, pelo que mal se compreende que uma pessoa que lidava diariamente com a falecida não se tivesse apercebido quer das limitações que já eram evidentes (e que a própria falecida relatou em 16/01/2009 ao clínico – cfr. fls. 370), quer do seu agravamento (repare-se que em 02/02/2009 já era patente um discurso entrecortado por falhas, sem capacidade de nomear, com dificuldade em repetir – cfr. fls. 369 verso; dificuldades em nomear e repetir que se mantinham em 20/04/2009 e 08/11/2010– cfr. fls. 369; e em 24/11/2011 foi relatado ao clínico que a falecida já não ia ao banco, nem lidava com cartões ou dinheiro, não era capaz de cozinhar e revelava desagregação semântica da linguagem– cfr. fls. 367 verso)”.
- A referência feita pela ré à indignação da falecida quanto às diligências encetadas pelos seus familiares com vista à sua interdição, não é, por recurso às regras da experiência comum, consentânea com a ausência de contestação daquela ação, muito menos considerando que no acto da citação estava assessorada por dois advogados.
- A “ré referiu que a D. M. F. tomava medicamentos para os ossos e um protetor gástrico, quando dos registos clínicos resulta terem-lhe sido prescritos, em 20/04/2009, um antidepressivo (Sertalina – cfr. fls. 345-346), em 08/11/2010, um antiagregante plaquetário (Tromalyt – cfr. fls. 345) e um psicanalético usado no tratamento de alterações cognitivas (Dizil – cfr. fls. 345), em 29/07/2011 um medicamento usado para o tratamento sintomático das alterações das funções cognitivas (Donepezilo – cfr. fls. 344), que mantinha em 16/08/2011 e 24/11/2011 (cfr. fls. 343 e 342). Daí que se possa concluir que ou a ré mentiu – ocultando deliberadamente a menção dos medicamentos que poderiam infirmar a sua tese – ou a D. M. F. não tomava a medicação que lhe era prescrita ou a ré encontrava-se alheada dos seus cuidados de saúde – o que contraria a versão apresentada de que era uma empregada dedicada e afeiçoada”.
- As “circunstâncias em que ocorreu o negócio do colégio não convenceram o Tribunal suscitando a dúvida quanto ao aproveitamento pessoal nele visado. Com efeito a ré justificou que consentiu na anulação do negócio contra o pagamento da quantia relativa aos seus salários vencidos. Sucede que, de acordo com a sua versão, o seu salário era de 400 € mensais e desde que contratada apenas recebeu tal quantia no primeiro mês. O que vale por dizer que, estariam vencidos à data do acordo, considerando que a própria ré referiu ter sido despedida em janeiro de 2012, pelo menos, 36 meses de salário (de fevereiro de 2009 a janeiro de 2012). Ainda que acrescendo a remuneração por férias, e subsídio de Natal e mesmo indemnização por despedimento, o valor recebido pela ré é superior, o que denota que a intenção da ré no dito acordo, ao contrário do por ela transmitido, não se limitou a ressarci-la dos direitos que lhe eram devidos. Mas tal negócio suscita, considerando a tese da ré, uma outra perplexidade. Por hipótese de raciocínio, consideremos que a D. M. F. tenha proposto dar à ré o colégio em troca do seu trabalho doméstico e do cuidado dela e da empregada Maria. Tal significaria que entendeu ajustado o valor do imóvel para a contraprestação que exigia. Ora, neste pressuposto, não se concebe como tendo transmitido o imóvel em 07-12-2010 (cfr. fls. 369), fazendo integrar no património da ré um imóvel com valor de 750.000,00 € (valor este que a ré assumiu ter sido aquele que a Imobiliária ... atribuiu para a sua comercialização), em 07/11/2011 viesse a presenteá-la com um direito sucessório exclusivo num património de cerca de 3.000.000,00 €. Tentou a ré justificar que a D. M. F. tinha afeição pelo seu filho e que inclusivamente lhe anunciara que ele iria ficar bem. A ser verdade, em termos lógicos, instituiria seu herdeiro o filho da ré, o que não sucedeu”.
- O Tribunal também “não acreditou no relatado desconhecimento pela ré da realização [d]o testamento. Note-se que o testamento identifica a ré não só pelo nome como pelo estado civil, regime de casamento, naturalidade e cartão de cidadão emitido em setembro de 2011. O que vale por dizer que a D. M. F. teve acesso a tais elementos pessoais. Inexiste contrato de trabalho escrito de onde pudessem ter sido parcialmente recolhidos, sendo certo que a data da emissão recente do cartão de cidadão indica que tal documento lhe foi acessível em data próxima da realização do testamento. Ora o cartão de cidadão é um documento pessoal e intransmissível, pelo que apenas se concebe que a D. M. F. a ele acedesse se a ré lho forneceu e não é credível que o tenha feito sem questionar a que se destinaria. Outrossim, recorde-se que, de acordo com a tese da ré, a concretização do negócio do colégio foi intermediada por um solicitador de Vila Verde, onde a ré se deslocou, e precisamente o mesmo que viria a ter intervenção na marcação do testamento, o que se perfila como uma coincidência demasiado conveniente, sendo certo que já o primeiro negócio foi assumidamente simulado”.
- Acresce que “a ré relatou manter com a D. M. F. uma relação que se pode caracterizar como meramente profissional. Confirmou que não eram confidentes e caracterizou-a como pessoa autónoma, na plena posse das suas capacidades mentais (ao contrário, como vimos, de toda a vasta prova documental junta aos autos). Ora, uma relação de tal jaez não se compadece, por exemplo, com a procuração que refere ter sido feita a seu favor, que sequer se revelou de qualquer utilidade emergente, posto que nunca terá sido usada”.
- A “própria ré assumiu que a D. M. F. assumia um papel social de relevo, ligada a causas sociais. Toda a prova produzida caracterizou-a como pessoa algo elitista, culta e altiva. Daí que as regras da experiência comum não corroboram que a testadora, no sobredito contexto de relacionamento profissional com a ré, de personalidade e projeção social, na plena posse das suas capacidades mentais, elegesse a ré – pessoa que conhecia há pouco mais de dois anos e com quem não tinha qualquer afinidade intelectual – como sua única e universal herdeira, descurando, os seus familiares e as causas sociais a que se dedicava.
Em suma, não se convenceu o Tribunal nem da ausência de participação da ré na elaboração do testamento, nem da sua ignorância quanto aos seus termos, e muito menos na capacidade física e intelectual da testadora para dele se ocupar, para o que contribuiu a valoração de toda a prova documental relativa à situação clínica da testadora e a prova testemunhal indicada pelo autor (…).
Antes se nos afigurou que a ré, apercebendo-se das fragilidades de que a D. M. F. padecia e do vasto património que detinha, logrou induzi-la a outorgar o testamento em seu benefício”.
Como se disse, subscrevem-se na íntegra tais criteriosas e ponderadas considerações, por as mesmas corresponderem a uma valoração adequada e ajustada do meio de prova em causa, salientando-se a conjugação e articulação feita pela Mmª Juíza “a quo” com os demais meios de prova produzidos.
Com efeito, atento tudo o que se deixou dito, a degradação aos mais diversos níveis (físico, intelectual e psíquico) a que a doença diagnosticada conduziu a testadora no período subsequente a 2009, e a total dependência desta em relação à Ré, outra coisa não se pode concluir, face às regras da experiência e da normalidade, senão possuir a Ré um ascendente sobre a mesma, dele fazendo efetivo uso, como resulta dos depoimentos das testemunhas A. P., R. S., M. A., M. M., M. R. e M. F. (ponto 37 dos factos provados).
Para terminarmos a nossa análise aos meios de prova produzidos importa voltar ao ponto de partida para reafirmar que os depoimentos dos médicos, dr. D. J. e dr. A. M., que mereceram a concordância do consultor técnico nomeado nos autos, Dr. J. G., apontam univocamente no sentido de que “a doença de que a testadora padecia, porque evolutiva e irreversível, teria de ter manifestações evidentes à data da outorga do testamento e, nela, afetava as suas capacidades cognitivas e a sua funcionalidade, designadamente a compreensão dos conceitos e a sua expressão verbal, de molde a poder concluir-se que, nessa data, mercê da patologia de que sofria e das suas afetações psíquicas e físicas, a testadora não possuía capacidade e lucidez bastante para gerir ou dispor livre e autonomamente do seu património, de um modo esclarecido e que lhe permitisse alcançar o sentido e efeitos das declarações que prestou perante a notária”.
Não podia, pois, o Tribunal “a quo”, nem este Tribunal superior, “levianamente colocar em crise o que decorre [dos] elementos clínicos ou o declarado pelos médicos que, com adequada razão de ciência, são dotados de conhecimentos técnico-científicos que o Tribunal não possui e que, devidamente assessorado, viu confirmados. O que vale por dizer que tais elementos e conhecimentos suplantam a perceção que algumas das testemunhas podem ter relatado de uma normalidade que, a existir, apenas poderia ter sido aparente. Todavia, se esse vislumbre de normalidade aparente possa ser entendível quanto a pessoas que não privavam amiúde com a testadora, já não se aceita que o real estado físico e psíquico da testadora fosse ignorado pela ré, que com ela contactava diariamente. Neste particular, convenceu-se o Tribunal que a ré faltou à verdade, tal o prejuízo que lhe poderia advir caso admitisse a realidade que vivenciou. Cremos que a ré viu na testadora uma oportunidade única de alcançar um património que, de outro modo, com uma vida de trabalho, não seria expectável que alcançasse e, na prossecução desse objetivo, encontrou na testadora um terreno fértil para a manipulação, levando-a a outorgar o testamento em causa nos autos em seu favor. A idade da testadora e a fragilidade associada à demência permitiram-lhe, de acordo com as regras da experiência comum, estruturar um cenário – quiçá exacerbando o medo do abandono a que são votados tantos idosos neste país – que induziu a D. M. F. a outorgar um testamento que a instituía única e universal herdeira de um vasto património, em detrimento dos familiares, por quem nutria afeto, dos amigos que a acompanharam a vida inteira, que dela cuidaram e protegeram, e das causas sociais a que se dedicava”.
Tais depoimentos foram coadjuvantes da prova da factualidade inserta, entre o mais, nos pontos 8º a 17º e 37 e da infirmação da facticidade referida em i) a iii), v), xix), xx) e xxi).
A enunciada valoração efetuada pelo tribunal recorrido, como já dissemos, merece-nos a nossa integral adesão, dada a judiciosa ponderação feita em conformidade com os elementos probatórios produzidos nos autos, as regras da experiência comum e as condições de normalidade.
Resta dizer que da análise da enunciada fundamentação das respostas dadas pelo tribunal na sentença resulta exame crítico e valorativo das provas em que alicerçou a sua convicção, mais do uma simples identificação dos meios de prova que teve por relevantes. O tribunal concatenou exaustiva e circunstanciadamente as declarações de parte, as prestações testemunhais produzidas em audiência e os documentos produzidos, e, discutindo as suas posições, apelando aos conhecimentos, à experiência e à razão de ciência de cada uma, tirou conclusões que se mostram integralmente condizentes com a leitura por nós efetuada da prova produzida.
Nesta conformidade, por referência à prova produzida nos autos, não se evidenciam razões concretas e circunstanciadas capazes de infirmar a apreciação crítica feita pelo tribunal recorrido sobre os pontos de facto impugnados.
É, por isso, de concluir não ser viável a este Tribunal superior extrair uma qualquer conclusão que infirme ou divirja da convicção daquele tribunal quanto àqueles concretos pontos de facto.
De facto, a fundamentação que serviu de base a essas conclusões dadas pela 1.ª instância – que subscrevemos, nos termos explicitados –, baseando-se na livre convicção e sendo uma das soluções permitidas pela razão e pelas regras de experiência comum, revela-se convincente e sustentada à luz da prova auditada e não se mostra fragilizada pela argumentação probatória da impugnante, não se impondo decisão sobre o referido ponto da matéria de facto diversa da recorrida (art. 640º, n.º 1, al. b) do CPC).
Nesta conformidade, coincidindo integralmente a convicção deste Tribunal quanto aos factos impugnados com a convicção formada pelo Mm.ª Juíza “a quo”, impõe-se-nos confirmar na íntegra a decisão da 1ª instância e, consequentemente, concluir pela total improcedência da impugnação da matéria de facto, mantendo-se inalterada a decisão sobre a matéria de facto fixada na sentença recorrida.
*
3 - Da reapreciação da decisão de mérito.

3.1 – Da (in)verificação dos requisitos de que depende a anulação do testamento por incapacidade acidental da testadora.

Antes de mais, importa assinalar três notas prévias:
i) Apesar da Lei n.º 49/2018, de 14/08, que criou o regime jurídico do maior acompanhado, eliminando os institutos da interdição e da inabilitação, previstos no Código Civil (abreviadamente CC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47 344, de 25 de novembro de 1966, ter entrado em vigor em 14 de fevereiro de 2019, tal circunstância em nada altera a subsunção jurídica a efetuar, uma vez que a lei só dispõe para o futuro (art. 12º, n.º 1, do CC), sendo ainda certo que, quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial (incluindo a capacidade) de quaisquer factos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos (art. 12º, n.º 2, 1ª parte, do CC), havendo, pois, que se aferir da validade do testamento pela lei vigente ao tempo em que o mesmo foi outorgado.
ii) Sustenta a recorrente que a matéria de facto dada como provada não se subsume à aplicação do art. 255.º do CC (coação moral) (25), além de não haver fundamento para aplicação do disposto no art. 282.º, n.º 1 Cód. Civil, bem como do instituto da ofensa aos bons costumes, nos termos consignados no n.º 2 do art. 280.º do Cód. Civil (conclusões XXIX a XXXII).
Compulsada, porém, a fundamentação da sentença recorrida constata-se que a decisão de anulação do testamento não vem fundada no regime estabelecido nos arts. 255.º, 282.º, n.º 1, e 280.º, n.º 2, do CC, mas antes na prova da incapacidade acidental da testadora aquando da outorga do testamento, nos termos e ao abrigo do regime geral da incapacidade testamentária consagrado no art. 2199º do mesmo Código.
Conclui-se, assim, que a pretensão da recorrente não pode ser reequacionada por aquela via, mas apenas com fundamento na alegada falta de prova da incapacidade, o que corresponde às demais questões objeto do recurso.
iii) Considerando que não foi ao abrigo da previsão do n.º 1 do art. 149º do CC que o testamento foi anulado, não se fundando a sentença recorrida nos efeitos da decisão proferida no processo de interdição, mas sim no instituto da incapacidade acidental testamentária prevista no art. 2199º do CC, tanto basta para se afirmar a irrelevância, para a resolução das questões objeto do presente recurso, da problemática doutrinal e jurisprudencial em torno da natureza e âmbito dos efeitos da decisão que põe termo a um processo de interdição.
Conclui-se, assim, que a pretensão da recorrente apenas pode ser reequacionada com fundamento na alegada falta de prova da incapacidade acidental da testadora.
O art. 2179.º, n.º 1, do Código Civil (CC) define testamento como «o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou de parte deles”.
Acrescenta o n.º 2 do citado normativo que “as disposições de carácter não patrimonial que a lei permite inserir no testamento são válidas se fizerem parte de um acto revestido de forma testamentária, ainda que nele não figurem disposições de carácter patrimonial”.
O testamento caracteriza-se por ser um negócio jurídico unilateral, mortis causa, não receptício, pessoal, individual, livremente revogável e formal ou solene (arts. 2181º, 2182º, 2184º, 2204º e 2311º do CC) (26).
No testamento, o consentimento deve ser perfeito, quer no sentido de ser completamente declarada a vontade de testar, quer igualmente no sentido de a vontade declarada estar em conformidade com a vontade real. Aplicam-se-lhe, além das regras específicas previstas nos arts. 2200º e 2201º do CC, as regras gerais relativas à falta de vontade (arts. 244º a 249º do CC), ou seja, “o consentimento no testamento deve outorgar-se sem vícios na formulação da vontade” (27).
No que respeita à capacidade testamentária ativa, ou seja, à capacidade de exercício para testar, o princípio geral é o de que podem testar todos os indivíduos que a lei não declare incapazes de o fazer (art. 2188º do CC).
Sendo a regra a capacidade, constitui a incapacidade uma exceção, devidamente delimitada no art. 2189º do mesmo Código.

Diz-nos o citado normativo quem é incapaz de testar:
- os menores não emancipados pelo casamento (arts. 122º, 130º e 132º do CC); e
- os interditos por anomalia psíquica, o mesmo é dizer aqueles que através de uma decisão judicial transitada em julgado tenham sido interditados por anomalia psíquica.
Fora dos enumerados casos todos têm capacidade para testar.
A capacidade do testador determina-se pela data do testamento (art. 2191º do CC).
No caso de anomalia psíquica (a situação que para os autos releva), haverá que distinguir entre os interditos (atualmente maiores acompanhados) e aqueles que, mesmo sendo portadores de anomalia, não estejam interditos.
No caso da interdição está-se perante uma incapacidade de gozo e como tal não suprível, sendo a nulidade a sanção para o testamento feito por incapaz (art. 2190º do CC).
Não existindo interdição, e uma vez que relativamente ao testamento só os interditos por anomalia psíquica são diretamente considerados incapazes, não há incapacidade testamentária.
Poderá, contudo, o testamento ser anulado verificando-se a chamada incapacidade acidental (a incapacidade de entender e de querer).
Atenta a especificidade do testamento, como negócio jurídico unilateral não receptício e estranho ao comércio jurídico, a lei contempla regulamentação própria no art. 2199º do referido diploma.
Sob a epígrafe a epígrafe “Incapacidade acidental”, o citado normativo estipula que «é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória».

Por sua vez, também com a epígrafe “Incapacidade acidental”, o art. 257.º do CC dispõe:
«1. A declaração negocial feita por quem, devido a qualquer causa, se encontrava acidentalmente incapacitado de entender o sentido dela ou não tinha o livre exercício da sua vontade é anulável, desde que o facto seja notório ou conhecido do declaratário.
2. O facto é notório, quando uma pessoa de normal diligência o teria podido notar».
Em comentário ao art. 2199º do CC, Pires de Lima e Antunes Varela (28) afirmam o seguinte:
«A primeira destas regras específicas, constante do artigo 2199.º, refere-se à incapacidade (tomada a expressão no sentido rigoroso próprio da falta de aptidão natural) para entender o sentido da declaração ou da falta do livre exercício do poder de dispor mortis causa dos próprios bens, por qualquer causa verificada no momento em que a disposição é lavrada.
A disposição legal refere-se expressamente ao carácter transitório que pode ter a falta de discernimento ou de livre exercício da vontade de dispor, por parte do testador, para significar que o vício contemplado nesta norma é a deficiência psicológica que comprovadamente se verifica no preciso momento em que a disposição é lavrada. É por conseguinte o mesmo tipo de deficiência psicológica que o artigo 257º considera em relação aos actos entre vivos em geral. Na área das disposições testamentárias, trata-se de uma situação de crise essencialmente distinta da abrangida na alínea b) do artigo 2189º (incapacidade de testar baseada na interdição por anomalia psíquica). A nulidade do testamento feito pelo interdito baseia-se na presunção do estado ou situação de incapacidade, juris et de jure, criada pela sentença, desde que é proferida até ao momento em que a interdição é levantada. A anulação decretada, a requerimento do interessado, com base no artigo 2199º, assenta pelo contrário na falta alegada e comprovada de capacidade do testador, no preciso momento em que lavrou o testamento, fosse para entender o sentido e alcance da sua declaração, fosse para dispor, com a necessária liberdade de decisão, dos bens que lhe pertenciam».
Conforme refere Cristina Pimenta Coelho (29), «encontramos nos arts. 2199.° e ss. um regime específico da falta e vícios de vontade no testamento. A questão que se coloca é a de saber se podemos recorrer, subsidiariamente, às normas da parte geral, parecendo-nos que a resposta deve ser afirmativa, embora devamos adaptá-las às características e às especificidades do negócio testamentário. Com efeito, as normas que encontramos na parte geral e que se referem à matéria da falta e vícios da vontade têm em consideração a posição do declaratário, a ideia da tutela da confiança, logo, temos de adaptar essas regras tendo em conta que o negócio testamentário tem natureza não recetícia.
(…) O regime do art. 2199.° apresenta diferenças significativas quando confrontado com o contido no art. 257.°, n.ºs 1 e 2. Em primeiro lugar, o art. 257.º vem exigir que a incapacidade seja notória ou conhecida do declaratário, exigência que não se encontra no art. 2199.º, dado o caráter não recetício do negócio testamentário. Em segundo lugar, deve ter-se em conta que o instituto da incapacidade acidental previsto neste artigo vai ter uma importância maior que a incapacidade acidental prevista na parte geral do CC, uma vez que as incapacidades de testar são menos rigorosas, mais restritas, que as incapacidades gerais. Recorde-se que os inabilitados por anomalia psíquica podem testar mas também podem facilmente não ter consciência do ato que praticam e logo ser-lhes aplicado o regime da incapacidade acidental. Por outro lado, tenha-se em vista que as situações de interdição são excecionais e que, muitas vezes, existe uma situação de demência não reconhecida pelo direito, mas uma demência permanente e também nestes casos se vai aplicar este regime».

Por sua vez, em comentário ao aludido art. 2199.º do CC escreve Anabela Gonçalves (30):
«O art. 2199º estabelece a anulabilidade do testamento celebrado com incapacidade acidental, por quem não estava incapacitado de entender e querer o sentido da declaração efetuada ou que, por qualquer causa, ainda que transitória, não tinha o livre exercício da sua vontade para poder dispor dos seus bens para depois da morte, no momento em que a declaração negocial é prestada. Tal como para efeitos do art. 257º, estarão em causa episódios que afetam a compreensão e a vontade do testador, como situações de embriaguez, situações de consumo de estupefacientes, surtos psicóticos provocados por anomalias psíquicas, estados de delírio, ou demência permanentes que não tenham gerado ainda uma decisão de interdição do testador. Assim sendo, esta norma pode abranger situações acidentais, esporádicas e transitórias, como surtos psicóticos momentâneos, que diminuam momentaneamente o discernimento e o livre exercício da vontade de dispor. Pode abarcar ainda situações permanentes, como por exemplo, uma "doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente" (Ac. de 11/4/2013 (1565/10.4TJVNF.Pl.S1), www.dgsi.pt […], podendo justificar uma ação de interdição que não existe. Ainda assim, é necessário que essa incapacidade se verifique no momento da feitura do testamento. Nestes casos, considera-se que a pessoa não está em condições mentais de entender e querer o conteúdo da sua declaração no momento em que lavrou o seu testamento. Assim, a incapacidade acidental deve ser aferida no momento da outorga do testamento […].
Note-se, porém, que a pessoa pode ter alguma lesão cerebral ou doença mental, e esta não afetar o discernimento da pessoa para querer e entender o alcance do ato que está a praticar (assim decidido pelo Ac. STJ 26/05/1964 ([…]), ou seja, a incapacidade acidental não será um efeito automático de qualquer doença mental, sendo necessário ter em conta as circunstâncias do caso concreto e que a doença em causa tenha toldado a capacidade do testador de compreender o alcance da disposição testamentária que fez (…). Até porque a mesma pessoa pode fazer o testamento num intervalo lúcido, sendo este testamento válido. Da mesma forma, o facto de o testador ter um vício, como o abuso de bebidas alcoólicas ou de estupefacientes, que lhe cause uma situação de dependência, não é prova suficiente para demonstrar que, no momento da outorga do testamento, o autor do mesmo se encontrava numa situação de discernimento reduzido que não lhe permitia compreender e querer o alcance das disposições testamentárias feitas (assim decidido pelo Ac. STJ 02-05-2012 ([…]), sendo necessário demonstrar a existência desse discernimento reduzido aquando da elaboração do testamento.
No art. 257º estabelece-se a anulabilidade dos negócios celebrados, desde que estejam reunidos dois requisitos: do lado do declarante é necessário que este se encontre acidentalmente incapacitado de compreender o sentido da declaração ou que não tenha o livre exercício da sua vontade; do lado do declaratário exige-se que o facto seja notório ou conhecido. Ou seja, há dois requisitos a preencher: a incapacidade acidentaI por parte do declarante; e a cognoscibilidade ou conhecimento dessa incapacidade do lado do declaratário. Por um lado, o regime do art. 257º pretende proteger o declarante que não compreende o sentido da sua declaração e os efeitos da mesma. Mas, por outro lado, ao exigir que o facto seja notório ou conhecido do declaratário, o regime do art. 257º procura salvaguardar os interesses do declaratário que negoceia com quem tem capacidade de exercício e, assim, tutelar a segurança do tráfego jurídico geral. (…).
Por contraposição, o art. 2199º, tendo em conta que estamos perante um negócio unilateral de natureza pessoal (art. 2182º), que produzirá efeitos após a morte do testador, em que é necessário garantir que a pessoa tem discernimento para a prática daquele ato e que compreende os efeitos que dele resultam, estabelece apenas requisitos do lado do declarante: ou seja, este está incapacitado de entender a sua declaração ou não tem o livre exercício da sua vontade e isso coloca-o numa situação de inferioridade que necessita de proteção do legislador. Há, pois, uma proteção unilateral da vontade real e livre do testador, até porque não existem interesses do tráfico jurídico geral a proteger. Por esta razão, Pereira Coelho apelida o testamento como um negócio estranho ao comércio jurídico, pois "(…) não surge aquela oposição entre os interesses do declarante, por um lado, e, por outro lado, os interesses do declaratário e os interesses gerais da contratação" (COELHO, Pereira, ob. cit., p. 334)».
Para Rabindranath Capelo de Sousa (31) o “art. 2199º deve conciliar-se com o art. 2189º, al. b). Assim, se o afectado por anomalia psíquica se não encontra interdito e tem capacidade para entender e querer no momento da feitura do testamento, não lhe pode ser vedado testar (…). Mas um demente notório (cfr. art. 1601º, al. b)) não interdito, que no momento de testar não tem capacidade de entender e de querer o sentido da declaração testamentária está ferido de incapacidade acidental (art. 2199º), a não ser que esteja num intervalo lúcido e tenha esta capacidade”.
A incapacidade acidental tanto pode respeitar à falta de entendimento como de querer e tanto pode ser transitória como duradoura. Essencial para a sua verificação é que a mesma origine uma falta de entendimento, não entendendo o testador o que declara ou emitindo a declaração sem o livre exercício da sua vontade, sendo certo que em condições de normalidade não quereria a mesma coisa (32). No momento da prática do ato, o declarante deverá mostra-se incapaz de entender o alcance do seu ato e/ou de determinar a sua vontade de acordo com um pré-entendimento que tivesse.
Como se afirma no recente Acórdão desta Relação de 6/05/2021 (relatora Fernanda Proença Fernandes), citando o Ac. da RP de 04-05-2015, disponível in www.dgsi.pt.: “Segundo cremos, o essencial, para efeitos do disposto no art. 2199º do Código Civil, não é saber se o falecido poderia ou não ter querido dispor dos seus bens, por morte, da forma como fez, não fosse a afecção mental de que sofria (o que, vendo bem, apenas pode conjecturar-se), mas sim, se, no momento da feitura do testamento, o mesmo se encontrava ou não privado de uma vontade sã (o que não significa que a razoabilidade da disposição de última vontade do testador não constitua um elemento a ter em atenção na avaliação da capacidade do mesmo para querer e entender o alcance do seu acto)”.
Devem considerar-se «como não estando em seu perfeito juízo aqueles que, em virtude de qualquer perturbação ou desarranjo mental, quer de natureza permanente, quer passageira, careçam de vontade própria ou da percepção necessária para compreenderem o alcance e o sentido do negócio da última vontade. […]. Não se exige, para se poder afirmar que o testador não está em seu perfeito juízo, que ele seja demente ou mentecapto; basta que ele tenha juízo não perfeito ou seja fraco de espírito» (33).
Com efeito, “não é qualquer psicopatia que tira ao indivíduo a possibilidade de dispor dos seus bens: a doença mental há-de obnubilar-lhe a inteligência ou enfraquecer-lhe de tal jeito a vontade, que possa afirmar-se que não entendeu o que disse ou, em condições normais, não quereria o que declarou” (34).
O testamento só pode ser anulado quando o testador não estiver em condições de entender o sentido daquilo que declare no testamento ou não tenha o livre exercício da sua vontade. A existência de doenças, tais como a senilidade e a arteriosclerose não é, por si só, suficiente para afastar a capacidade testamentária ativa, tornando-se necessário, para tal, que, ao tempo da feitura do testamento, o testador não tenha podido entender a sua declaração constante do mesmo testamento (35).
É indispensável que o testador tenha a «consciência do seu acto e dos efeitos deste; que tenha uma ideia justa da extensão do bem de que dispõe; que esteja em estado de compreender e de apreciar os direitos que vão nascer da sua disposição de ultima vontade, e, especialmente, com relação a este último objecto, que nenhuma perturbação de espírito envenene as suas afeições, ou perverta o seu sentimento do justo, ou ponha obstáculo ao exercício das suas faculdades naturais; que nenhum delírio influencie a sua vontade, quando dispõe da sua fortuna, ou o arraste a fazer um uso dela que não faria, se estivesse em plena integridade do seu espírito» (36).
A norma do art. 2199º do CC trata especialmente de situações episódicas que não constituam fundamento para interdição (art 138º do CC) ou que, revestindo-se embora das mesmas características, ainda não tenham dado lugar ao seu decretamento, pois o pressuposto desta – “incapacidade de governar sua pessoa e bens” por anomalia psíquica – traduzido por “deficiências de intelecto, de entendimento ou de discernimento, como as deficiências da vontade e da própria afectividade ou sensibilidade”, não divergirá, na realidade e materialmente, do exigido naquela. A diferença consiste em que o portador de anomalia psíquica determinante de incapacidade para governar a sua pessoa e bens e, portanto, fundamentadora de interdição mas ainda não decretada, pode testar validamente num “intervalo lúcido”, enquanto que a incapacidade do art. 2199.º contempla o acto praticado por pessoa normalmente capaz, mas acidentalmente incapacitada para entender o sentido da sua declaração ou despojada do livre exercício da sua vontade”.
A questão é que, naquele caso, se prove o estado de lucidez episódica e, neste, o de incapacidade acidental. Mas, em ambos, por referência ao momento de testar (37).
O ónus da prova dos factos reveladores de uma situação de incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento, para efeitos do art. 2199.º, recai sobre o interessado na anulação do testamento em conformidade com o estatuído no art. 342.º, n.º 1, ambos do CC (38).
A incapacidade para entender e querer, no momento da feitura do testamento, não tem necessariamente de estar afirmada por uma sentença que declare a interdição do testador, o que pressupõe um estado continuado, permanente, de incapacidade volitiva, essa incapacidade pode ser meramente ocasional, transitória, desde que seja contemporânea da declaração volitiva plasmada no testamento (39).
A demonstração dos fundamentos de anulação assenta na descrição de factos que traduzam manifestações de que o testador não tinha o discernimento nem a vontade suficiente para testar, denunciando como se comportava e que falhas acusava, de maneira a permitir que o julgador, perante os factos apurados fique apto a valorar tais circunstâncias à luz dos pressupostos do art. 2199º do CC (40).
Como decidiu o Ac. do STJ de 5/07/2001 (relator Garcia Marques) (41), “a permanência da situação de incapacidade não é incompatível com a existência de intervalos lúcidos por parte da pessoa demente, cabendo ao interessado na manutenção do acto jurídico em causa a prova dessa lucidez aquando da realização do acordo”.
Em apoio desta interpretação o citado aresto louva-se, entre outros, no parecer de Galvão Teles (42), nos termos do qual, «provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez» (43).

Tendo por suporte o referido acórdão, os nossos tribunais superiores têm vindo a tomar igual posição em casos similares (44), como se exemplifica:
- Acórdão do STJ de 24/05/2011 (relator Marques Pereira), in www.dgsi.pt.:
Para efeitos do disposto no art. 2199.º do Código Civil, o essencial é determinar se, no momento da feitura do testamento, o testador se encontrava ou não privado de uma vontade sã. Se, à data do testamento, o testador sofria de esquizofrenia paranóide, em contínua atividade e progressão, tendo entrado numa fase crónica e irreversível, encontrando-se num verdadeiro estado de demência paranóide, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquele se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária. Naquela hipótese, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do testamento, apesar da esquizofrenia paranóide de que sofria, o testador não foi influenciado pelo concreto estado demencial em que se encontrava.
- Acórdão do STJ de 11/04/2013 (relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt.:
«Compete ao peticionante da anulabilidade do ato jurídico de disposição post mortem, a prova dos factos conducentes à verificação do estado de incapacidade que obnubilaria a sã capacidade de dispor dos seus bens e o discernimento quanto às consequências decorrentes do ato ditado.
(…) Ao peticionante da anulabilidade do ato jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente suscetível de afetar a sua capacidade de perceção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer ato de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente. Tratando-se de uma doença que no plano clínico e cientifico está comprovada a degenerescência evolutiva e paulatina das condições de percepção, compreensão, raciocínio, gestão dos actos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstracto e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e factores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, o peticionante da anulabilidade de um acto jurídico praticado por uma pessoa portador deste quadro patológico apenas estará compelido a provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais».
- Acórdão da RC de 30/06/2015 (relator Jaime Ferreira), in www.dgsi.pt.:
IV - Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando – testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
V - Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez.
VI - No entanto, sempre recai sobre o interessado na anulação o ónus de alegar e provar o estado de doença em período que abrange o acto anulado e que essa doença pela sua natureza e características impede o testador de entender o sentido da sua declaração ou o livre exercício da sua vontade”.
- Acórdão da RG de 29-06-2017 (relator José Amaral), in www.dgsi.pt.:
- Cabe ao interessado na anulabilidade do acto o ónus de alegar e provar o estado de demência em período dele abrangente, presumindo-se, neste caso, naturalmente, que tal estado se mantinha no respetivo momento. Cabe ao interessado na validade o ónus de alegar e provar que, não obstante aquele estado, o testador estava, no acto de testar, em estado lúcido e capaz (lucidez episódica).
- Ainda que o testamento tenha sido outorgado no período que vai desde a data fixada na sentença de interdição como sendo a do começo da incapacidade até à data daquela, tal declaração apenas constitui princípio de prova (presunção simples ou da experiência) no sentido da incapacidade do testador favorável ao interessado na sua invalidade, não estando este dispensado de completar a prova da incapacidade real. Cabe, neste caso, ao interessado na validade do testamento alegar e provar que, no momento da outorga, apesar daquela presunção, o testador estava perfeitamente lúcido e capaz de entender o sentido da sua declaração e de exercitar livremente a sua vontade, ou, pelo menos, produzir contraprova sobre a prova produzida pelo interessado na validade do acto destinada a tornar duvidosos os respetivos factos.
- Ac. da RG de 04/10/2017 (relator Pedro Damião da Cunha), in www.dgsi.pt., no qual se sumariou:
“I- Em princípio, o ónus da prova dos factos demonstrativos da incapacidade acidental do testador, no momento da feitura do testamento- cfr. art. 2199º do CC-, recai sobre o interessado na anulação do testamento, nos termos do artigo 342, n.º 1 do Código Civil;
II- No entanto, logrando o interessado na anulação do testamento provar que a testadora padecia de doença de alzheimer com anterioridade ao período que abrange o acto anulando – testamento -, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
III- Assim, se, á data do testamento, se mostra atestado medicamente que a Testadora sofria da referida doença de alzheimer, em contínua actividade e progressão, e que estava totalmente dependente de terceiros, é de concluir que, no momento da feitura do testamento, aquela se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária;
IV- Nestes casos, provando-se a referida situação de demência, incumbia à beneficiária do testamento fazer a prova de que, no momento da feitura do mesmo, apesar da referida doença de que sofria, a testadora não foi influenciada pelo concreto estado demencial em que se encontrava”.
- Ac. da RG de 09/04/2019 [(relatora Margarida Sousa, com intervenção como adjuntos do ora relator e do primeiro adjunto)], in www.dgsi.pt.:
Numa situação de incapacidade acidental decorrente de um estado clínico demencial ou de doença evolutiva e degenerescente das capacidades de perceção, compreensão e intelecção do mundo circundante e vivencial, não deve exigir-se de quem visa a anulação do ato a prova que no exato momento em que o declarante materializou o acto jurídico ajuizado, o estado de incapacidade acidental se mantinha ou era verificável, porque é próprio de um quadro crónico e irreversível de uma doença mental com tais características que as incapacidades a tal doença associadas se mantenham contínua e permanentemente, não necessitando, pois, os interessados na anulação, de provar o estado de incapacidade no exato momento de feitura do testamento de demonstração (id quod plerum accidit), pelo que, nessas situações, incumbirá a quem pretende manter os efeitos do ato (a Ré) demonstrar a existência da referida “janela de lucidez”.
- Ac. da RG de 6/05/2021 (relatora Fernanda Proença Fernandes), in www.dgsi.pt.:
«(…) Provado o estado de demência em período que abrange o testamento outorgado, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção.
(…) À outra parte caberá ilidir a presunção, demonstrando que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez».
Em suma, a distribuição do ónus da prova entre a parte que impugna a validade do testamento e a parte que defende essa validade, em obediência aos princípios normativos consagrados no art. 342º, nºs 1 e 2, do CC, deve fazer-se do modo seguinte: À primeira cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado (a incapacidade do testador no acto de testar) e à segunda cabe fazer prova dos factos extintivos do direito invocado (encontrar-se o testador, no momento da outorga do testamento, num “intervalo lúcido” do seu estado de demência) (45).

Revertendo ao caso dos autos, está apurado que:
- No dia 07/12/2011, foi lavrado testamento de fls. 98 a fls.98-v, do livro de testamentos públicos e de escrituras de revogação n.º 3-B, do Cartório Notarial de …, na data a cargo da Dr.ª E. M., no qual M. F. declarou revogar qualquer outro testamento anteriormente feito e instituir sua única e universal herdeira C. C., ora ré.
- M. F. sofria de síndrome demencial (294.8) segundo a classificação da DSM-IV-TR, (F03) segundo a CID-10, com grave limitação das suas funções cognitivas, desde 2008.
- Padecia de demência semântica, desde o início de 2008.
- Trata-se de doença neurodegenerativa intratável e progressiva.
- Em 26/01/2009, M. F. denotava, desde há cerca de 1 ano, perda progressiva da memória para factos recentes e perda do vocabulário mais comum.
- Em 19/02/2009, apresentava um padrão de hipoperfusão cerebral temporal e insular no hemisfério esquerdo do cérebro sugestivo de afasia primária progressiva.
- Em 20/04/2009, foi-lhe diagnosticada demência ligeira dominada por efeito da linguagem do tipo semântico, e apresentava defeito de cálculo e compromisso da memória episódica global do raciocínio abstrato visual.
- Em 08/11/2010, apresentava muita dificuldade em nomear, discurso fluente e sem agnosia visual.
- Em 29/07/2011 mantinha afasia sensitiva, com anomia severa.
- Em 24/11/2011, M. F. não ia autonomamente ao banco, não lidava com cartões ou dinheiro, não era capaz de cozinhar, apresentava desagregação semântica da linguagem, compromisso evidente de funções como gestão fiduciária e patrimonial e afetação funcional nas atividades da vida diária de média-alta e alta complexidade.
- Entre 07/02/2012 e 07/03/2012, esteve internada na Casa de Saúde ..., por intermédio do Serviço de Urgência Psiquiátrica do Hospital ..., apresentando então um quadro clínico em que sobressaíam défices cognitivos e alterações comportamentais.
- Em 31/05/2012, não era capaz de responder à maioria das questões efetuadas em contexto de consulta médica, não sabia precisar a idade e apresentava discurso pobre, escasso, a maioria das vezes impercetível.
- Em 30/12/2012, M. F. aparentava idade superior à real; não reconhecia os familiares; apresentava discurso desconexo e incoerente; hipoacusia; eutimia; não apresentava sintomas psicóticos evidentes; não reconhecia o dinheiro, nem o valor do mesmo; não conseguia fazer operações aritméticas; estava dependente dos cuidados de terceiros para todas as atividades da vida diária como higiene, vestimenta, alimentação e toma de medicação; não saia à rua sozinha; apresentava franca diminuição de todas as funções cognitivas.
- A ré induziu a outorga do referido testamento, para a qual instrumentalizou a falecida - a qual, conduzida e manipulada o subscreveu, sem consciência do alcance e sentido do ato.

Ora, como se afirmou na sentença recorrida, o enquadramento factual apurado «é demonstrativo do quadro evolutivo próprio da demência diagnosticada à testadora em 2009, já então instalada e com sintomatologia dominante. Sendo a demência uma patologia irreversível, progressiva, incurável, atenta a perda das faculdades mentais que lhe são próprias, a idade avançada da testadora, e o comprovado estado em que se encontrava fevereiro de 2012 (dois meses volvidos sobre a data do testamento) e em maio de 2012 (já sem discurso percetível), há que concluir que à data da outorga do testamento – 07/12/2011, se mantinha a evolução e degenerescência das suas capacidades de perceção, compreensão e inteleção do mundo circundante e vivencial, as perdas cognitivas, o desmemoriamento e a incapacidade de verbalização do pensamento real (realce-se que a sua demência principiou por ser semântica, caracterizada por prejuízos importantes na compreensão de palavras e na nomeação, bem como no reconhecimento do significado de perceptos visuais). Em suma, encontrava-se a testadora, mercê do estado demencial, privada da capacidade de entender o sentido da sua declaração, o que torna legitima a anulação do testamento que, nessas condições, outorgou».
O mesmo é dizer que pelo Autor (e intervenientes) demonstrado foi que, à data do testamento, a testadora padecia de doença – síndrome demencial – que se desenvolvia desde, pelo menos, 2009 e cujos efeitos de degradação, física e psíquica, eram percetíveis no seu dia-a-dia e aos mais diversos níveis, num quadro que se pode caracterizar como irreversível, progressivo, incurável, doença aquela que, pela sua natureza e características, a impedia de entender o sentido da disposição de última vontade contida no testamento e de livremente exercer a sua vontade em relação a tal ato. Na verdade, quando outorgou o testamento, em 07/12/2011, a testadora não estava nas suas faculdades intelectuais para poder dispor dos seus bens, como bem se concluiu na sentença recorrida. Devido àquela demência, não detinha, nessa ocasião, faculdades mentais necessárias à compreensão do acto que praticava e para manifestar conscientemente a sua vontade.
Como se sublinha no Ac. da RL de 16/12/2003 (relator Abrantes Geraldes), “o estado de demência (onde se inclui a demência senil) revela-se através de uma diversidade de sintomas, de que constituem exemplos a alteração profunda da inteligência, afectando a memória, o juízo e o raciocínio, a perda de capacidade de autocrítica ou a alteração da linguagem”, ali se enfatizando ainda, com toda a propriedade e em consonância, aliás, com o que nos dizem as regras da experiência, que nos quadros de demência senil que afete a testadora no período em que foi exarado o testamento, se situam “os principais focos de aproveitamento do estado psíquico do indivíduo para extrair benefícios”.
Podemos, pois, concluir que, demonstrando que a testadora padecia, em período que abrangia o ato praticado, de doença mental que a tornava incapaz de entender e de querer o testamento, satisfez o Autor e os intervenientes o ónus probatório que sobre eles recaía.
Assim não sucedeu com a Ré, que não logrou provar aquilo que estava compelida a provar, na medida em que não demonstrou que o testamento tivesse sido realizado num momento excecional e intermitente de lucidez, não tendo demonstrado que, aquando da outorga do testamento em 07/12/2011, a ali testadora, M. F., se mostrasse no pleno uso das suas capacidades intelectuais, cognitivas e volitivas, que sabia, muito bem, o que queria e manifestou, livremente e sem constrangimentos de qualquer ordem, à Senhora Notária perante quem outorgou o seu testamento a vontade que era a sua relativamente ao destino da sua herança quando se finasse, sabendo exprimir, com segurança e sem margem para quaisquer dúvidas, a sua vontade de instituir sua única e universal herdeira a ré.
Tão pouco logrou a Ré provar que, em todo o tempo em que serviu como empregada doméstica, não residente, da D. M. F. nunca esta permitiu que a contestante controlasse o que fazia ou deixava de fazer e nunca a contestante pretendeu exercer qualquer tipo de controlo sobre a vida e atividade diária da D. M. F. e nunca o fez; era esta que regia a sua casa, que lidava com os inquilinos que tinha, que movimentava os seus dinheiros, que controlava e movimentava as suas contas bancárias, o que fazia de acordo com a sua vontade e necessidades; era ela que, quando julgava necessário, procedia à alienação de alguns dos seus bens, o que só passou a acontecer depois que, já em finais de 2010, deixou de confiar no irmão mais novo, C. J., que antes tratava da administração do seu património imobiliário e lhe revogou a procuração que para o efeito lhe havia outorgado; todos os médicos consultados pela D. M. F. deram pareceres e fizeram diagnósticos dissonantes com aqueles que o Dr. A. M. fez chegar ao processo de interdição; foi a revolta pela intenção de a interditarem, bem como a tomada de consciência de que o irmão mais novo, C. J., em quem antes confiava, a estava a prejudicar gravemente, que levou a D. M. F. à sua decisão de deserdar os irmãos e de instituir universal herdeira a ré; propósito que confidenciou a algumas pessoas sua amigas e à ré, que, no entanto, não chegou a saber, senão depois da morte da D. M. F., alertada, aliás, por um filho do Autor, da efetiva outorga do testamento; foi a D. M. F. que, de sua livre, ponderada e espontânea vontade escolheu um cartório notarial de … (e não em Braga com receio de que os familiares acabassem por descobrir) para outorga do seu testamento, previamente marcou data para o fazer e na data em que o fez, perfeitamente capaz e tinha plena consciência do que fez; vontade que manifestou à Senhora Notária perante quem outorgou o seu testamento de forma segura, perfeitamente lúcida, inteiramente consciente do significado do seu ato, livre de quaisquer constrangimentos ou influencias, designadamente da ré, que nem sequer a acompanhou ou soube do que a testadora se propôs fazer; após o referido em 45, A. P. passou a impedir a ré de contactar M. F., que passou a manter incomunicável e privada da sua liberdade; o isolamento e privação de liberdade em que o sobrinho, Dr. A. P., passou a mantê-la após o dia 16 de Janeiro de 2012 agravou e precipitou em sentido negativo a saúde física e mental da D. M. F.; e preparando a sua completa alienação mental, esse sobrinho fê-la internar, no dia 7 de Fevereiro de 2012, na Casa de Saúde … e submeter a tratamentos que precipitaram essa alienação mental, fazendo-a reduzir, desde então, a uma situação de mera vida vegetativa; o Dr. D. J. agiu conluiado com o Dr. A. P. e o Dr. A. M.; o Dr. A. P. impediu M. F. de frequentar a terapia da fala que lhe foi prescrita; M. F. sempre se manteve lúcida e capaz de reger os seus atos e de curar do seu património.
Donde se subscreva o aduzido na sentença recorrida no sentido de a ré não ter «logrado demonstrar qualquer intervalo de lucidez que afastasse a conclusão a que chegamos. E, no estado evolutivo em que a doença se encontrava e se exprimia, não vemos qualquer razão para crer que tivesse ocorrido um momento excecional e intermitente de lucidez que permitisse à testadora a formação de uma vontade sã e livre, concordante com a vontade declarada, que não encontra qualquer suporte fáctico, nem se assume como previsível no contexto vivencial da testadora».
Na ausência de demonstração de uma “janela de lucidez”, impõe-se afirmar que a testadora se encontrava efetivamente incapacitada de entender o sentido da sua declaração e de formar livremente a sua vontade no momento da feitura do testamento.
Verificam-se, assim, factos concretos suficientes para integrar a incapacidade acidental determinante da anulação do testamento como foi decretada.
Termos em que improcede a apelação da Ré, sendo de confirmar a sentença recorrida.
*
As custas do recurso, mercê do princípio da causalidade, são integralmente da responsabilidade da recorrente, atento o seu integral decaimento (art. 527º do CPC).
*
Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, n.º 7 do CPC):

I - De acordo com as regras de distribuição do ónus da prova, à parte que impugna a validade do testamento compete fazer a prova dos factos constitutivos do direito invocado (o estado de demência do testador em período que abrange o testamento outorgado) - art. 342º, n.º 1, do Código Civil.
II - Feita essa prova é de presumir, sem necessidade de mais, que no momento da feitura do testamento o testador se encontrava numa situação de incapacidade natural de entender e de querer o sentido da declaração testamentária.
III - Nesse caso, incumbia à beneficiária do testamento ilidir essa presunção, demonstrando que, no momento da outorga do testamento, o testador encontrava-se num “intervalo de lucidez” do seu estado de demência.
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VI. Decisão

Perante o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente (art. 527.º do CPC).
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Guimarães, 15 de junho de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)


1. Por força da rectificação do lapso de escrita objeto do despacho datado de 2/02/2021 (cfr. fls. 747).
2. Cfr. Ac. da RP de 24/01/2018 (relator Nélson Fernandes), in www.dgsi.pt. e Paulo Ramos Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, vol. I, 2ª ed., 2014, Almedina, pp. 598/601.
3. Cfr. Ac. do STJ de 17/10/2017 (relator Alexandre Reis), Acs. da RG de 4/10/2018 (relatora Eugénia Cunha) e de 5/04/2018 (relatora Eugénia Cunha), todos disponíveis in www.dgsi.pt. e Ac. do STJ de 1/4/2014 (relator Alves Velho), Processo 360/09, Sumários, Abril/2014, p. 215, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2014.pdf.
4. Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, 3ª ed., Almedina, p. 736.
5. Cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, 1984, Coimbra Editora, p. 141 e Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra Editora, 1985, p. 690.
6. Cfr. Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, p. 371.
7. Cfr. José Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil, 4ª ed., Gestlegal, 2017, p. 383.
8. Cfr. Helena Cabrita, A fundamentação de facto e de Direito da Decisão Cível, Coimbra editora, p. 258/259.
9. Cfr. Luís Correia de Mendonça/Henriques Antunes, Dos Recursos (regime do Dec. Lei n.º 303/2007), Quid Iuris, 2009, p. 117.
10. Cfr. Ac. do STJ de 28/02/2013 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
11. Cfr., entre outros, Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, obra citada, p. 371 e António Júlio Cunha, Direito Processual Civil Declarativo, 2ª ed., Quid Juris, p. 364.
12. Cfr. Ac. do STJ de 8/11/2016 (relator Nuno Cameira), in www.dgsi.pt.
13. Cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, obra citada, p. 713.
14. Cfr. Ac. do STJ de 30/04/2014 (relator Mário Belo Morgado), in www.dgsi.pt. e Cardona Ferreira, obra citada, pp. 69/70.
15. Cfr. Ac. do STJ de 6/12/2012 (relator João Bernardo), in www.dgsi.pt.
16. Como refere Abrantes Geraldes, no segmento decisão que ponha termo a incidente processado autonomamente compreende-se, entre outros, a intervenção de terceiros (cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, p. 193).
17. Cfr. Rui Pinto, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, pp. 6/7, in file:///C:/Users/Alcides/Downloads/20181126-ARTIGO-JULGAR-Exce%C3%A7%C3%A3o-e-autoridade-do-caso-julgado-Rui-Pinto.pdf., cuja fundamentação seguiremos de perto na exposição que segue.
18. Cfr. Rui Pinto, estudo citado, pp. 18/19.
19. Cfr. Ac. da RL de 24/03/2021 (relator Leopoldo Soares), in www.dgsi.pt.
20. Cfr. Ac. da RG de 30/03/2017 (relator José Amaral), in www.dgsi.pt.
21. Cfr., na doutrina, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2017 – 4ª ed., Almedina, pp. 271/300, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova testemunhal, 2017 – reimpressão, Almedina, pp. 384 a 396; Miguel Teixeira de Sousa, em anotação ao Ac. do STJ de 24/09/2013, Cadernos de Direito Privado, n.º 44, Outubro/dezembro 2013, p. 33 e Francisco Manuel Lucas Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, Almedina, pp. 462 a 469; na jurisprudência, Acs. do STJ de 7/09/2017 (relator Tomé Gomes), de 24/09/2013 (relator Azevedo Ramos), de 03/11/2009 (relator Moreira Alves) e de 01/07/2010 (relator Bettencourt de Faria); Acs. da RG de 11/07/2017 (relatora Maria João Matos), de 14/06/2017 (relator Pedro Damião e Cunha) e de 02/11/2017 (relator António Barroca Penha), todos consultáveis em www.dgsi.pt.
22. Cfr., neste sentido, Ac. da RC de 29/05/2012 (relator António Beça Pereira), Ac. da RL de 26/05/2009 (relator Roque Nogueira) e Ac. da RL de 16/06/09 (relator Abrantes Geraldes), in www.dgsi.pt.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. VI, Coimbra Editora, p. 336.
23. Cfr. neste sentido, Acs. do STJ de 19/01/2016 (relator Fonseca Ramos) e de 8/03/2018 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt. e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., Coimbra Editora, p. 342. Como refere Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, anotação ao artigo 371º, Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2014, “[n]ão é sempre a mesma a força material de um documento autêntico: depende da razão de ciência invocada. Assim, ficam plenamente provados os factos que nele se referem como tendo sido praticados pela entidade documentadora, autora do documento (que conferiu a identidade das partes, ou que lhes leu o documento…), ou que nele são atestados com base nas suas percepções (por ex., as declarações que ouviu ou os actos que viu serem praticados); mas os meros juízos pessoais do documentador (que a parte se encontrava no pleno uso das faculdades mentais ou semelhante) ficam sujeitos à regra da livre apreciação pelo julgador”.
24. Cfr. Ac. do STJ de 24/03/2011 (relator Orlando Afonso), in www.dgsi.pt..
25. Embora, por lapso de escrita, tenha feito menção ao art. 2199º do CC.
26. Cfr. Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, vol. I, 4.ª ed. Coimbra Editora, 2012, pp. 49/50 e Pereira Coelho, Direito das Sucessões, Lições ao Curso de 1973-1974, Coimbra, 1992, pp. 330/335.
27. Cfr. Rabindranath Capelo de Sousa, obra citada, pp. 175/176.
28. Cfr. Código Civil Anotado, vol. VI, Coimbra Editora, 1998, p. 323.
29. Cfr. Código Civil Anotado, Volume II (Coordenação de Ana Prata), Almedina, 2017, p. 1090, em anotação ao art. 2199.º do C.C.
30. Cfr. Código Civil Anotado, Livro V (Direito das Sucessões), sob coordenação de Cristina Araújo Dias, Almedina, 2018, pp. 298-229.
31. Cfr. obra citada, p. 184, nota 413.
32. Cfr. Ac. do STJ de 25/02/2003 (relator Pinto Monteiro), in www.dgsi.pt.
33. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 5.ª edição, volume II, p. 384.
34. Cfr. AC. da RP de 14/03/1973, BMJ, n.º 226, p. 279.
35. Cfr. Ac. do STJ de 24/01/1991 (relator Solano Viana), in www.dgsi.pt).
36. Cfr. Ac. do STJ de 11/04/2013 (relator Gabriel Catarino), in www.dgsi.pt.
37. Cfr. Ac. do STJ de 11/04/2013 (relator Gabriel Catarino) e Ac. da RG de 29/06/2017 (relator José Fernando Cardoso Amaral), in www.dgsi.pt.
38. Cfr. Ac. do STJ de 1/10/2019 (relator Fernando Samões), Ac. da RP de 19/11/2020 (relator Aristides Rodrigues de Almeida) e Ac. da RL de 20/12/2018 (relator José Capacete), in www.dgsi.pt.
39. Cfr. Ac. do STJ de 19/01/2016 (relator Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt.
40. Cfr., António Pais de Sousa e Carlos Frias de Oliveira Matias, Da Incapacidade Jurídica dos Menores Interditos e Inabilitados – no Âmbito do Código Civil, 2ª edição, revista e atualizada, Coimbra, Almedina, 1983, p. 262; Na jurisprudência, entre outros, Ac. STJ 11/04/2013 (relator Gabriel Catarino), disponível em www.dgsi.pt.
41. Cfr. CJSTJ, Ano IX, Tomo II, pp. 151-164.
42. Cfr. Revista dos Tribunais, ano 72, p. 268.
43. Segundo a regra id quod plerum accidit “o que é evidente não necessita de demonstração”, pelo que “incumbirá a quem argui um desvio a um padrão de normalidade, a demonstração da verificação in casu dos factos atípicos” [cfr. Rute Teixeira Pedro, “A Responsabilidade Civil do Médico - Reflexões sobre a Noção de Perda de Chance e a Tutela do Doente Lesado”, Coimbra Editora, 2008, pp. 338/339, apud. Ac. da RG de 09/04/2019 (relatora Margarida Sousa, com intervenção como adjuntos do ora relator e do primeiro adjunto, in www.dgsi.pt).].
44. Na doutrina, Luís Filipe Pires de Sousa, Prova por Presunção, 3ª ed., Almedina, 2017, pp 304 e 305.
45. Cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 17/10/2019 (relatora Maria da Graça Trigo), in www.dgsi.pt., que confirmou o citado Ac. da RG de 09/04/2019 (relatora Margarida Sousa), este com intervenção como adjuntos do ora relator e do primeiro adjunto.