HONORÁRIOS
RECURSO
Sumário

I - É recorrível a decisão judicial sobre o valor de honorários a pagar ao patrono nomeado ao assistente.
II - Os honorários devidos ao patrono nomeado ao assistente em processo da competência Juiz Singular que termine antes da audiência por desistência da queixa são os previstos no ponto nº 3.1.1.2 da tabela anexa à Portaria nº 1386/2004, de 10 de Novembro, os quais podem ser reduzidos até metade, nos termos do nº 7 do mesmo diploma legal.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto:

Inconformada com o despacho da senhora juíza do Tribunal Judicial da Maia quanto ao montante dos honorários fixados pela sua intervenção num inquérito, na qualidade de advogada oficiosa do assistente, e à não fixação de honorários pela impugnação da decisão administrativa que indeferiu o pedido de apoio judiciário formulado pelo mesmo assistente, dele recorreu a Ex.mª advogada Dra. B………., tendo concluído a motivação nos termos seguintes:
1 – Por requerimento a fls. dos autos, a Recorrente requereu a fixação de honorários no valor de €244,75, referentes ao patrocínio do assistente em processo crime de competência singular, nos termos do previsto no ponto 3.1.1.2 da tabela de honorários para apoio judiciário, anexa à Portaria n.º1386/04 de 10.11.
2 – Requereu, ainda, nos termos do ponto 3.4.1 da referida tabela de honorários, a fixação de €200,25 a título de honorários pelo recurso ordinário de impugnação do despacho de indeferimento do apoio judiciário do assistente.
3 – Pelo ofício n.º38, a fls. dos autos, a Recorrente acusou a recepção de cheque de liquidação de honorários no valor de €111,25.
4 – Não conformada com o valor liquidado, a Recorrente a fls. dos autos requereu a rectificação dos honorários liquidados, e consequentemente o pagamento do montante em falta de €333,75.
5 – A fls. dos autos, foi decidido no sentido de repor a Recorrente apenas no valor de €66,75, com fundamento da sua intervenção se enquadrar no ponto 13 da referida tabela, e o recurso interposto, se enquadrar na normal actividade processual, por isso nada se devendo fixar a este título.
6 – Pela análise dos autos, constata-se que a intervenção da Recorrente efectivamente enquadra-se no ponto 3.1.1.2 da tabela de honorários para apoio judiciário, anexa à Portaria n.º1386/04 de 10.11.
7 – Isto porque, contrariamente ao decidido, a sua intervenção não se enquadra no ponto 13 da referida tabela, que se aplica a título residual e quando a intervenção do advogado não estiver contemplada em mais nenhum ponto específico – o que não é o caso, já que se trata de assistência não ocasional em processo crime de competência de Tribunal singular.
8 – Acresce que ainda que abstractamente se pudesse justificar a redução dos honorários requeridos na 1.ª conclusão, nos termos do ponto 1 do art. 7.º da referida Portaria, tal previsão não foi invocada na fundamentação da decisão tomada.
9 – E, aí em bom andamento, já que informados os autos que a desistência da queixa resultou do empenho e esforço da Recorrente, que com tal objectivo, realizou inúmeros contactos, atendeu o seu patrocinado em várias consultas, reuniu com o Ex.mº colega mandatado pelo arguido e logrou sucesso na conciliação das partes, despendendo uma manhã na diligência de reconhecimento do arguido, bem como, considerando o demais trabalho efectuado avaliável pela consulta dos autos.
10 – Quanto à não fixação de quaisquer honorários pela interposição de recurso da decisão administrativa de indeferimento do apoio judiciário do assistente, com fundamento desse recurso se enquadrar na normal actividade processual, não é de atender tal justificante, pois que o recurso de uma decisão administrativa nada tem a ver com a normal actividade de um processo crime.
11 – Aliás, a quaisquer recursos sempre são atribuídos os honorários específicos.
12 – Efectivamente, a Recorrente despendeu tempo e empenhou-se na elaboração do referido recurso, vindo, aliás, a merecer provimento, o que traduz a sua utilidade.
13 – Por outro lado, ainda que não fosse enquadrável no ponto requerido, isto é, a título de recurso ordinário, pelo menos deveria ter sido enquadrado no ponto 13 da referida tabela.
14 – Ao não entender neste sentido, o despacho recorrido fez incorrecta aplicação dos pontos 3.1.1.2, 3.4.1 e 13 da tabela de honorários para apoio judiciário, anexa à Portaria n.º1386/04 de 10.11, devendo ser substituído por outro que reponha a nota de honorários da Recorrente no valor de €333,75.

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Terminou pedindo a procedência do recurso.
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Na 1.ª instância não houve resposta.
Neste tribunal, o Ex.mº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido de que não é admissível recurso do despacho recorrido, por o valor em causa ser inferior ao da alçada do tribunal de 1.ª instância.
Cumprido o disposto no n.º2 do art. 417.º do C. P. Penal, não houve resposta.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas delimitam o seu objecto, são duas as questões suscitadas pela recorrente a merecerem apreciação e que consistem em saber se: a) tendo a sua intervenção ocorrido apenas na fase do inquérito, os honorários devidos são os fixados no ponto 3.1.1.2 da tabela anexa à Portaria n.º1386/04, de 10/11, ou os fixados no seu ponto 13; b) a impugnação judicial da decisão que indeferiu o pedido de apoio judiciário enquadra-se na normal actividade processual de patrono nomeado ou é remunerável nos termos do ponto 3.4.1 da referida tabela ou, pelo menos, nos termos do seu ponto 13.
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Dos autos, com interesse para a decisão, constam os seguintes elementos:
A recorrente foi nomeada mandatária do assistente num inquérito que terminou com a desistência da queixa e impugnou judicialmente a decisão administrativa de indeferimento do pedido de apoio judiciário formulado por aquele assistente.
Na sequência de tais intervenções processuais, requereu a fixação de honorários pela intervenção no inquérito nos termos do ponto 3.1.1.2 da tabela anexa à Portaria n.º1386/04, de 10/11, e pela impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, nos termos do ponto 3.4.1 da mesma tabela, bem como o pagamento das despesas efectuadas com papel, fotocópias, telefonemas e faxes.
Pelo senhor juiz de instrução foi proferido despacho a ordenar o pagamento dos honorários nos termos peticionados e de acordo com a tabela anexa à Portaria em vigor, bem como o pagamento de €3,00 a título de despesas, vindo a ser liquidados os honorários de €111,25, acrescidos de €3,00 de despesas.
Notificada da liquidação, requereu a recorrente a sua rectificação com vista à fixação dos honorários nos termos dos pontos da tabela acima referidos, bem como o pagamento do montante correspondente à diferença.
Tendo sido ordenada a remessa dos autos à senhora secretária judicial do tribunal recorrido, a fim de se pronunciar sobre o pedido de rectificação, pela mesma foi prestada uma informação no processo no sentido de que, quanto à intervenção no inquérito, na tabela anexa à Portaria n.º1386/2004 não está prevista a intervenção em processo que termine em fase de inquérito, como é o caso dos autos, acrescendo que o crime não foi classificado como colectivo, singular ou outro, pelo que se lhe afigurava que seria de aplicar o ponto 13 da referida tabela, e de que, quanto à impugnação judicial da decisão que não admitiu o pedido de apoio judiciário, se lhe afigurava que a mesma não se enquadra em qualquer dos recursos previstos na mesma tabela, enquadrando-se na normal actividade processual, pelo que, se assim fosse entendido, faltaria pagar à recorrente a quantia de €66,75.
Concordando com tal informação, pelo senhor juiz do tribunal recorrido foi proferido despacho a ordenar o pagamento à recorrente da quantia referida na informação e a rectificação da nota de honorários em conformidade.
Na motivação do recurso a recorrente informa que no inquérito em causa foi deduzida acusação na qual foi imputada ao arguido a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. nos termos do n.º1 do art. 143.º do Código Penal, que terminou com desistência da queixa devido à sua intervenção.
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Questão prévia da inadmissibilidade do recurso suscitada pelo Ex.mº Procurador-Geral Adjunto.
Estabelece o n.º2 do art. 400.º do C. P. Penal que, sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa a indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada.
O valor dos honorários em causa é inferior ao do valor da alçada do tribunal recorrido.
Acontece que aquela disposição legal, como decorre do seu teor, tem aplicação quando está em causa o decaimento de um pedido cível, ou seja, tem em vista a interposição de recurso de uma sentença em que a decisão quanto ao pedido cível é desfavorável para o recorrente em valor superior a metade da alçada do tribunal recorrido.
Nos termos do art. 399.º do C. P. Penal, é permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei.
Estabelece esta disposição legal o princípio geral da admissibilidade de recurso das sentenças e dos despachos judiciais, sempre que a irrecorribilidade não esteja prevista na lei, como assinala Maia Gonçalves no Código de Processo Penal, 9.ª edição, pág. 699, em anotação àquele artigo.
A decisão recorrida não se enquadra em qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º1 do art. 400.º daquele código como não admitindo recurso, não lhe sendo aplicável o seu n.º2 e não estando a sua irrecorribilidade prevista em qualquer outra disposição legal.
Trata-se, quanto a nós, de uma situação semelhante àquelas em que há discordância quanto ao montante da taxa de justiça fixada, em caso de condenação, quanto à taxa de justiça devida pela interposição de um recurso ou quanto à não justificação de uma falta e consequente condenação em multa. Em tais situações, é admissível recurso independentemente do valor das quantias que estão em causa.
Entendemos, por isso, que a decisão é recorrível, pelo que vamos conhecer do recurso.
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a) Tendo o processo terminado na fase do inquérito, apesar de já depois de ter sido deduzida acusação pela prática de um crime de ofensas corporais simples, como refere a recorrente, os honorários devidos pela sua intervenção no processo são os previstos no ponto 3.1.1.2 da tabela anexa à Portaria n.º 1386/04, mas que podem ser reduzidos até metade nos termos do n.º7, pontos 1 e 2, daquela Portaria.
Vejamos.
Refere-se no preâmbulo daquela Portaria que “Aproveita-se, ainda, para alterar a regra relativa ao valor dos honorários a pagar em caso de superação do litígio por transacção judicial, agora alargada aos casos em que haja desistência, confissão, transacção ou impossibilidade superveniente da lide antes do fim da audiência de julgamento, introduzindo-se, a este nível, maior equidade e eficácia”.
Assim, em conformidade com a intenção expressa pelo legislador de resolver questões como esta, estabelece o n.º7, ponto 1, daquela Portaria que, nos casos em que o processo termine antes do fim da audiência de julgamento por desistência, confissão, transacção ou impossibilidade superveniente da lide, os honorários podem ser reduzidos até metade, por decisão do juiz, ponderado o trabalho efectuado.
O preceituado nestes número e ponto é aplicável, por força do seu ponto 2, aos casos em que o patrono ou defensor nomeado comprovadamente alcance a resolução do litígio por meios alternativos durante a pendência da acção judicial, designadamente através da mediação ou da arbitragem.
Não fazem aquelas normas qualquer distinção entre processos cíveis e penais, pelo que, quanto a nós, se aplicam a ambos, para além do mais porque no ponto 2 do n.º7 se faz referência a patrono ou defensor nomeado. Se fosse intenção do legislador que aquelas normas se aplicassem apenas aos processos cíveis, não faria qualquer sentido a referência a defensor, que apenas é nomeado ao arguido em processo penal ou equiparado. Nos demais casos trata-se de patrono.
Estando a situação prevista expressamente naquelas normas, não lhe é aplicável o ponto 13 da tabela, que se refere a “Outras intervenções de patronos oficiosos”, aplicável, portanto, às situações nela não previstas expressamente.
Em conformidade com o exposto, os honorários a atribuir à recorrente são os fixados no ponto 3.1.1.2, que podem ser reduzidos até metade tendo em atenção o trabalho por si efectuado.
Atendendo a que a recorrente, no âmbito da sua intervenção como advogada do assistente, deduziu acusação e, para isso, teve necessariamente de contactar e conferenciar com ele, entendemos que os honorários devem ser reduzidos a ¾ dos fixados no ponto 3.1.1.2 da tabela anexa à Portaria n.º1386/2004.
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b) Para a decisão da questão enunciada sob esta alínea importa determinar se a impugnação da decisão administrativa que indeferiu o pedido de apoio judiciário formulado pelo assistente se enquadra ou não na normal actividade processual de patrono nomeado e, em caso negativo, se os honorários devidos são os fixados no ponto 3.4.1 da tabela anexa à Portaria n.º1386/04, de 10/11, ou seja, se constitui um recurso ordinário em processo penal ou, para o caso de assim não ser entendido, os fixados no ponto 13 daquela tabela.
Nos termos das als. a) e c) do art. 19.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, a protecção jurídica pode ser requerida pelo interessado na sua concessão ou por advogado, advogado estagiário ou solicitador, em representação do interessado.
Estabelece o n.º2 do art. 26.º do mesmo diploma legal que a decisão sobre o pedido de protecção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo susceptível de impugnação judicial nos termos dos arts. 27.º e 28.º
Nos termos do art. 27.º do referido diploma legal, a impugnação judicial pode ser intentada pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, deve ser escrita mas não carece de ser articulada.
Porque não prevista nem sujeita às formalidades estabelecidas no Código de Processo Penal e no Código de Processo Civil (no que diz respeito às condições exigíveis para a concessão do apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono ou defensor, bem como às formalidades para o seu pedido, a lei não faz qualquer distinção entre processos penais ou cíveis), a impugnação judicial da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário não constitui nem é equiparável aos recursos previstos naqueles códigos.
Com efeito, a simplicidade da sua formulação, decorrente dos arts. 26.º a 28.º da Lei n.º34/2004, não é comparável às formalidades exigidas para os recursos previstos naqueles códigos. Assim, ao contrário do que sucede com aqueles, pode ser intentada directamente pelo interessado e, consequentemente, por pessoas sem formação jurídica. Trata-se, na verdade, de uma situação muito semelhante à das impugnações judiciais das decisões das autoridades administrativas que aplicam coimas.
Nem por isso, porém, se pode considerar como normal actividade processual de patrono nomeado. Trabalho normal de patrono nomeado consistiria, no caso, na formulação do pedido de apoio judiciário, na dedução de acusação e de pedido cível e na sustentação dos mesmos em julgamento. Se tivesse havido julgamento e o assistente discordasse da decisão e interpusesse recurso, no caso de este ser admissível, pela sua interposição, à recorrente, para além da remuneração fixada no ponto 3.1.1.2 da tabela, era devida a remuneração fixada nos termos do ponto 3.4.1. Assim, tal como a interposição do recurso, a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que indeferiu o pedido de apoio judiciário é uma actividade extra relativamente à normal intervenção que era exigida à recorrente na qualidade de advogada oficiosa nomeada ao assistente, devendo, por isso, ser remunerada separadamente.
Não lhe sendo aplicável a remuneração prevista na tabela anexa à Portaria n.º1386/2004 para os recursos em processo penal e em processo civil, porque não prevista nos respectivos códigos ou em quaisquer outros diplomas legais, nem sendo equiparável aos recursos neles previstos, nomeadamente a recurso ordinário em processo penal, como defende a recorrente, a sua remuneração deve ser a fixada no ponto 13 daquela tabela – outras intervenções de patronos oficiosos.
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Deste modo, concede-se provimento ao recurso e, em consequência:
a) Pela intervenção da recorrente no processo, na qualidade de advogada do assistente, fixam-se os honorários constantes do ponto 3.1.1.2 da tabela anexa à Portaria n.º1387/04, reduzidos a ¾ (três quartos);
b) Pela impugnação da decisão que indeferiu o pedido de apoio judiciário fixam-se os honorários estabelecidos no ponto 13 da tabela referida na alínea anterior.
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Sem tributação.
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Porto, 19 de Abril de 2006
David Pinto Monteiro
José João Teixeira Coelho Vieira
António Gama Ferreira Gomes