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UNIÃO DE FACTO
ALIMENTOS
Sumário
Para beneficiar de uma pensão de sobrevivência por virtude da morte do companheiro ou companheira com quem vivia em união de facto, o ou a companheira sobreviva tem, além de ter vivido mais de dois anos em união de facto, carecer de alimentos e não os podem obter do cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
Em 04.03.18, no Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Gaia – …ª Vara Mista – B…… intentou contra a Herança indivisa de C…… - representada por D……, E…… e F…… - Instituto de Solidariedade e Segurança Social e Caixa Geral de Aposentações, a presente acção declarativa, sob a forma ordinária do processo comum
pedindo
a) a condenação da herança a prestar alimentos à A. em quantia mensal não inferior a € 400,00;
b) em alternativa, o reconhecimento da qualidade de titular das prestações por morte de C……. no âmbito dos regimes de segurança social de que era beneficiário e;
c) a condenação do ISSS e CGA no pagamento das prestações por morte do beneficiário referido, com quem vivia, há mais de dois anos, em condições análogas às dos cônjuges.
alegando
em resumo que
- durante 17 anos e até à morte de C……, beneficiário do ISSS e CGA, com este viveu em condições análogas às dos cônjuges;
- vive actualmente do seu salário e renda de um prédio;
- tendo encargos que se aproximam dos rendimentos, encargos esses que serão acrescidos a partir de 2008, data em que passará a residir, onerosamente, em habitação;
- os seus familiares não lhe podem prestar alimentos;
- ainda não foi efectuada a totalidade da partilha dos bens do falecido que permitem assegurar os seus alimentos.
Contestando
- a Caixa Geral de Aposentações e ISSS impugnaram factos;
- a herança excepcionou a sua ilegitimidade por ausência de herdeiros e impugnou factos.
Proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e elaborada a base instrutória, foi realizada audiência de discussão e julgamento.
Em 05.10.21 foi proferida sentença que julgou a acção improcedente.
Inconformada, a autora deduziu a presente apelação, apresentando as respectivas alegações e conclusões.
Os réus CGA e ISS contra alegaram, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
As questões
Tendo em conta que
- o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil;
- nos recursos se apreciam questões e não razões;
- os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido são os seguintes os temas das questões propostas para resolução:
A – alteração da matéria de facto;
B – anulação da decisão sobre a matéria de facto;
C – omissão de pronuncia;
D – preenchimento dos pressupostos da atribuição de alimentos à autora por parte da herança de C……;
E – preenchimento dos pressupostos da atribuição de uma pensão de sobrevivência à autora por parte da CGA e do ISSS.
Os factos
São os seguintes os factos que foram dados como provados na 1ª instância:
- A A. nasceu no dia 13 de Fevereiro de 1961 e nunca casou (alínea A dos factos assentes).
- C….. divorciou-se por sentença de 22 de Outubro de 1984 e faleceu no dia 30 de Março de 2003 (alínea B).
- C….. era beneficiário nº126535197/00 do CNP e nº23187884-1 da CGA (alínea C).
- A A. é beneficiária nº129049041 do regime da segurança social (alínea D).
- Por escritura pública outorgada em 11.07.2003 foi efectuada a partilha de duas quotas sociais de C….., nos valores nominais de €2.493,99 e € 498,80, na sociedade G……, Lda., ficando a pertencer a D…… uma quota de € 997,60, a E….. duas quotas no valor unitário de € 498,80, e a F…… uma quota no valor de € 997,59 (alínea E).
- Em 11.07.2003, por escritura de unificação, aumento de capital e alteração parcial do contrato a A. passou a ser sócia da sociedade G……, Lda., com uma quota nominal de € 2.170,00 (alínea F).
- Por escritura pública de 29.01.2004 foi efectuada a partilha por óbito de C…… ficando a pertencer a D…… o prédio urbano sito no Lugar de …., …, Vila do Conde, composto de casa térrea, destinada a habitação, com quintal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº92, e a F…. ficou a pertencer a fracção autónoma designada pelas letras “BU”, correspondente ao 1º andar direito, destinada a habitação, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no nº…. da Avenida da …., …., Vila Nova de Gaia, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Gaia sob o nº4500 (alínea G).
- Por testamento celebrado por escritura pública em 17.12.1990, C….. declarou que legava, pela quota disponível, em partes iguais, o seu estabelecimento de comércio e indústria de móveis, sito na Avenida da ….., número …., em Vila Nova de Gaia, a F….., seu filho, H….., I….. e a A., seus colaboradores na sua actividade comercial e industrial (alínea H).
- Por escritura pública de 27.03.1985, J….. e C….. declararam que o prédio urbano composto por casa de 3 pavimentos e quintal, destinada a habitação, sita no nº100 da Rua ….., Bonfim, Porto, descrito sob o nº57550 na Conservatória do Registo Predial do Porto, propriedade daqueles na constância do seu matrimónio era dividido, ficando a pertencer à primeira metade da plena propriedade do mesmo e o direito de habitação sobre a restante metade e ao segundo pertenceria a metade da raiz indivisa daquele prédio (alínea I).
- A A. nunca teve filhos (artigo 2º da base instrutória).
- Desde Janeiro de 1986 e até à data do óbito de C……, a A. e aquele viveram como marido e mulher, habitando a mesma residência onde eram visitados por amigos comuns, pelos filhos do C…… e por pessoas do seu relacionamento, onde recebiam a correspondência, pernoitavam juntos, tomavam as refeições em conjunto, que a A. confeccionava, e iam às compras juntos (artigo 3º).
- A A. aufere unicamente o montante de € 440,23 de salário e o montante de € 399,04 de renda do imóvel sito na Rua ….., …, …º andar, …., Vila Nova de Gaia, num total de rendimentos anuais de € 10.951,70 (artigo 4º).
- O volume de despesas mensais fixas relativas ao condomínio do prédio que habita, telefone, electricidade, água, gás, condomínio do prédio de que é senhoria, contribuição autárquica, segura de incêndio, seguro do veículo automóvel, seguro de saúde, seguro de vida e IRS, e suportadas pela A. traduz-se, anualmente, no valor de € 6.547,85 (artigo 5º).
- A A. poderá habitar gratuitamente a casa do falecido C……, sita na Avenida da …., …., …º direito, …., Vila Nova de Gaia, até ao ano de 2008 (artigo 6º).
- A partir de tal data terá de arrendar uma casa para viver ou abdicar da renda referida no artigo 4º (artigo 7º).
- A sociedade referida na alínea F cessou a sua actividade pelo que não tem quaisquer rendimentos (artigo 8º).
- À data do seu óbito C….. tinha mais bens do que aqueles que foram objecto das partilhas referidas nas alíneas E e G, nomeadamente um estabelecimento comercial e industrial, sito na Avenida da …., nº…, no valor de € 46.641,81 e metade da raiz de um prédio urbano composto por casa de 3 pavimentos e quintal, destinada a habitação, sita no nº…. da Rua …., …, Porto, descrito sob o nº57550 na Conservatória do Registo Predial do Porto (artigo 9º).
- A A. é filha de pai incógnito e como únicos parentes tem a sua mãe, L….., e dois irmãos uterinos, M….. e N….. (artigo 10º).
- A mãe da A. é solteira, vive em casa arrendada, pagando a renda mensal de € 54,50, está reformada por velhice, auferindo como único rendimento a reforma de € 255,36 (artigo 11º).
- O irmão da A., N….., é casado e tem dois filhos de tenra idade, e os rendimentos do agregado ascendem a € 16.600,00 liquidando, também anualmente, a quantia de € 8.000,00 a título de empréstimo para habitação (artigo 12º).
- O irmão M….. é casado, tem duas filhas, auferindo anualmente o agregado familiar a quantia de € 35.600,00, despendendo, anualmente, o montante aproximado de € 4.900,00 no empréstimo destinado à aquisição da habitação (artigo 13º).
Os factos, o direito e o recurso
A) - Alteração da matéria de facto
A autora entende que à resposta ao quesito 4º devia ser acrescentado o esclarecimento que actualmente e já anteriormente há bastante tempo, não está a auferir os rendimentos referidos no aludido quesito, provenientes de um salário e de uma renda de um imóvel, baseando-se para tal em que documentos por si juntos – “cópias da demonstração do IRC e cópias dos Mod. 22 do IRC de vários anos, da firma G….. Lda.” – conjugados com os depoimentos das testemunhas I……, H….. a O….., a isso conduziriam.
Cremos que não tem razão.
A resposta ao quesito em causa fundamentou-se nos depoimentos das referidas testemunhas, da testemunha P….. e em diversos documentos.
Os documentos invocados pela apelante são documentos particulares – cfr. artigo 363º do Código Civil.
Ora, mesmo admitindo a força probatória do documento - cfr. art.376º do mesmo diploma - havia que se demonstrar que o seu conteúdo correspondia à verdade.
É que, sendo certo que nos termos do disposto no n.º2 do art.376º do Código Civil os documentos particulares fazem prova plena quanto aos factos compreendidos na declaração, na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, também é certo que essa eficácia probatória apenas respeita à materialidade dessas declarações e não também à exactidão das mesmas.
Na verdade, as declarações só vinculam o seu autor se forem verdadeiras, não estando o seu autor inibido de provar que as mesmas não correspondem à verdade.
Ora sendo assim, não podem os documentos referidos pela apelante, só por si, fazer prova plena dos factos que a mesma pretende ver demonstrados.
Mas será que conjugados com os depoimentos das testemunhas a isso conduzirão?
O art. 655° n.º1 do Código de Processo Civil consagra o denominado sistema da prova livre, por contraposição ao regime da prova legal: o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
Quer isto dizer que a prova é apreciada segundo critérios de valoração racional e lógica do julgador, pressupondo o recurso a conhecimentos de ordem geral das pessoas, normalmente inseridas na sociedade do seu tempo, a observância das regras da experiência e dos critérios da lógica, tudo se resolvendo, afinal, na formação de raciocínios e juízos que, tendo subjacentes as ditas regras, conduzem a determinadas convicções reflectidas na decisão dos pontos de facto em avaliação.
Assim, como escreveu o Prof. Alberto dos Reis, “prova livre quer dizer prova apreciada pelo julgador segundo a sua experiência, sem subordinação a regras ou critérios formais preestabelecidos, isto é, ditados pela lei” – Código de Processo Civil Anotado CPC, Vol. IV, p.570.
A essas regras de apreciação não escapa a prova testemunhal, como expressamente se dispõe no art. 396° do Código Civil, sendo que, dada a sua reconhecida falibilidade, se impõe uma especial avaliação crítica com vista a uma valoração conscienciosa e prudente do conteúdo dos depoimentos e da sua força probatória.
Importam aqui, sobremaneira, as relações pessoais da testemunha com as partes e a razão de ciência do depoente.
De referir ainda, pela sua relevância, que a prova produzida deve ser considerada globalmente, conjugando todos os elementos produzidos no processo e atendíveis, independentemente da sua proveniência - princípio da aquisição processual (art. 515°do Código de Processo Civil).
Finalmente, não pode esquecer-se que, no âmbito e aplicação dessa valoração das provas no seu conjunto, poderá o julgador lançar mão de presunções naturais, de facto ou judiciais, isto é, o juiz, no seu prudente arbítrio, poderá deduzir de certo facto conhecido um facto desconhecido, porque a experiência ensina que aquele é normalmente indício deste - art. 351 ° Código Civil (ob. cit., III, 249).
A apreciação da prova na Relação envolve "risco de valoração" de grau mais "elevado" que os que se correm em 1ª instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade, já que a "oralidade indirecta", através da gravação, não permite colher, por intuição, tudo aquilo que o julgador pode apreender, quando tem a testemunha ou o depoente diante de si.
Quando o Juiz tem diante de si a testemunha ou o depoente de parte, pode apreciar as suas reacções, do entusiasmo, das hesitações, do nervosismo, das reticências, das insinuações, da excessiva segurança ou da aparente imprecisão, da sua convicção e da espontaneidade, ou não, do depoimento, do perfil psicológico de quem depõe; em suma, daqueles factores que são decisivos para a convicção de quem julga que, afinal, é fundada no juízo que faz acerca da credibilidade dos depoimentos.
Socorremo-nos das doutas palavras que, acerca da imediação, escreve Antunes Varela, “in” Manual de Processo Civil , 2a edição, pág. 657:
"Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar".
De tudo isto se conclui que da reanalise das provas produzidas só pode surgir uma alteração da matéria de facto decidida na 1ª instância se tiver havido um erro notório na apreciação da matéria de facto, ou seja, quando se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face ao elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas.
Ora não é isso o que se passa no caso concreto em apreço.
Analisados os depoimentos prestados sobre a matéria em causa, não vemos como tenha existido por parte do tribunal “a quo” esse erro.
A testemunha I….., amiga da autora há 26 anos e empregada de escritório na G….., actualmente também sócia da sociedade, afirmou, em resumo, que
- a autora não tem filhos;
- frequentava a casa do casal com muita habitualidade;
- processa os salários da referida sociedade;
- a autora aufere um salário na mesma no montante de cerca de 400€;
- a autora tem uma casa arrendada de sua propriedade, sendo a renda de cerda de 400 € mensais;
- a arrendatária tem dificuldades em pagar as rendas, havendo o risco de deixar da a pagar;
- em Agosto de 2004, a citada sociedade recomeçou a funcionar;
- da sociedade fazem parte a autora e a testemunha;
- actualmente tem prejuízos, mas vai-se tentando sobreviver;
- as obras do Metropolitano prejudicaram o negócio, mas com o final das mesmas vai-se ver se aumenta a movimento;
A testemunha H….., amigo da autora há cerca de 17 anos, também sócio da G……, afirmou que
- trabalha na firma;
- a autora recebe da sociedade o salário de 400 € mensais;
- tem uma casa que arrendou, recebendo a renda de 70 a 80 contos mensais;
- a inquilina tem dificuldades em pagar a renda;
- a G….. tem dificuldades porque a situação da economia está má;
- as obras do Metro criaram mais dificuldades;
A testemunha O….., amiga da autora há mais de 20 anos, contabilista da G….., afirmou que
- a autora tem uma casa arrendada, recebendo a renda de 400 € mensais;
- a autora recebe da sociedade cerca de 450 € de salário;
- a sociedade G….. tem prejuízos;
- deve salários;
- não sabe se deve salários à autora.
De todos estes depoimentos pode-se retirar que efectivamente a autora tem o rendimento referido no quesito, embora a empresa de que é sócia e de onde retira rendimentos se encontre em situação difícil e a inquilina tenha dificuldades em pagar a renda.
Mas não se retira que a autora não aufere actualmente esses rendimentos.
Não há, assim, que alterar matéria de facto.
B - Anulação da decisão sobre a matéria de facto
Entende a apelante que na “reposta à matéria de facto existem deficiências que não permitem uma clara e objectiva apreciação dos factos e por isso se impõe a anulação da decisão do tribunal da primeira instância, conforme o disposto no n.º4 do artigo 712º do Código de Processo Civil”.
Conforme se deduzirá do que adiante se dirá acerca das restantes questões, não existe qualquer deficiência, aliás não apontada concretamente pela apelante.
C - Omissão de pronúncia
Entende a apelante que na sentença recorrida cometeu-se um nulidade prevista na alínea d) do n.ºº1 do aviso de recepção 668º do Código de Processo Civil, ao não se pronunciar sobre um dos requisitos para lhe ser atribuídos os alimentos peticionados – a impossibilidade dos seus parentes mais próximos os prestarem.
Não tem razão.
E não tem razão porque enunciados os requisitos cumulativos para que os alimentos fossem atribuídos à autora e previstos no artigo 2020º do Código Civil, o tribunal “a quo” considerou não ocorrer um deles – a necessidade dos alimentos por parte da autora – pelo que pode considerar-se prejudicando o conhecimento dos outros.
Assim e embora nada obstasse a que se pronunciasse sobre os outros requisitos, não estava obrigado o tribunal recorrido a essa pronúncia.
Não foi cometida, assim, a nulidade invocada.
D - Preenchimento dos pressupostos da atribuição de alimentos à autora por parte da herança de C…….
Na sentença recorrida entendeu-se que se é certo que está demonstrado que a autora viveu em união da facto com o C…… há mais de dois anos, não está demonstrado, no entanto, que tivesse necessidade de alimentos, uma vez que tinha uma receita mensal de 839,27 € proveniente do trabalho e de rendimentos prediais não tinha qualquer pessoa a seu cargo, não tem custos de habitação até, pelo menos até 2008, e tem despesas fixas anuais de 6.547,85 €,
A apelante entende, ao contrário, que do facto demonstrado de a partir de 2008 ter arrendar outra casa ou abdicar da renda da que tem arrendada, do facto demonstrado de a sociedade G…… ter cessado a sua actividade e do facto presumido que com o óbito do C…… ter havido uma ruptura substancial dos rendimentos da autora, se podia concluir que necessitava de alimentos.
Cremos que não tem razão e se decidiu bem.
Para que a um companheiro sobrevivo de união de facto seja concedido o direito a exigir alimentos da herança do companheiro falecido é necessitaria a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) que o membro da união de facto falecido não seja casado à data da sua morte ou que, sendo o caso, se encontre nessa altura separado de pessoas e bens;
b) que o requerente de alimentos tivesse vivido maritalmente há mais dois anos, à data da morte do heriditando, com este;
c) que a convivência marital entre eles se tenha processado em condições análogas à dos conjugues;
d) que o requerente não tenha passibilidade de obter os alimentos de que carece, nem do seu cônjuge ou ex-cônjugue, nem dos seus descendestes, ascendentes ou irmãos;
e) que o requerente tenha necessidade de alimentos.
Está em causa este último requisito.
Ora e conforme referem Pires e Lima e Antunes Varela “in” Código Civil Anotado, em anotação ao referido artigo 2020º, a necessidade do alimentado companheiro em união de facto refere-se aos “meios de subsistência estritamente necessários para sobreviver e não para manter o padrão de vida que a requerente e o falecido mantiveram durante a união de facto, como se depreende da simples localização sistemática da norma – colocada, não nas adjacências do direito matrimonial ou à sombra do recíproco dever de assistência conjugal, mas no coração do titulo do Código que trata de “alimentos”, no sentido técnico jurídico da expressão”.
O fim genérico da obrigação de alimentos é o de garantir a satisfação das necessidades primárias da vida da pessoa desprovida de condições bastantes para viver.
Ora e conforme foi sublinhado na sentença recorrida, os rendimentos que a autora aufere – 839,27 € mensais – conjugados com a sua idade – 45 anos – com o facto de actualmente e até 2008 não ter despesas com a habitação e com o facto de entre as suas despesas se encontrarem despesas indicadoras de algum desafogo económico – despesas com o seguro de um veículo automóvel, com um seguro de saúde e com um seguro de vida – leva-nos à conclusão que a autora tem satisfeitas as suas necessidades primárias de vida e, portanto, não necessita actualmente de alimentos da herança.
E isto tendo em atenção que, como acima ficou dito, os alimentos a que a autora teria direito a exigir da herança não se destinavam a manter o mesmo nível de vida que tinha com o falecido companheiro, mas antes a prover à sua subsistência.
Com a fruição gratuita da casa e com os rendimentos que aufere – mesmo considerando as despesas – não se pode considerar que a autora, actualmente, necessite de alimentos.
Concluindo.
Não tendo a autora necessidade de alimentos da herança, não pode ser-lhe reconhecido o direito de os exigir a ela.
Ficando prejudicado, por desnecessário, o conhecimento dos restantes requisitos
E) - Preenchimento dos pressupostos da atribuição de uma pensão de sobrevivência à autora por parte da CGA e do ISSS.
Nos termos da alínea e) do artigo 3º da Lei 2/2001, de 11.05, que regula a situação jurídica de duas pessoas, independentemente do sexo, que vivam em união de facto há mais de dois anos, estas pessoas “nas condições previstas” naquele Lei, têm direito a “protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei”.
O regime de acesso às prestações por morte está previsto no artigo 6º da citada Lei, que determina o seguinte:
“1- Beneficia dos direitos estipulados nas alíneas e), f) e g) do aviso de recepção 3º, no caso de uniões de facto previstas na presente lei, quem reunir as condições constantes do artigo 2020º do Código Civil, decorrendo a acção perante os tribunais civis.
2- Em caso de inexistência ou insuficiência de bens da herança, ou no caso referido no número anterior, o direito às prestações efectiva-se mediante acção proposta contra a instituição competente para a respectiva atribuição”.
A questão que se põe consiste em saber se a atribuição de uma pensão de sobrevivência a quem tivesse vivido em união de facto durante mais de dois anos com um beneficiário da Segurança Social entretanto falecido estava dependente apenas da demonstração de vivência comum análoga aos dos conjugues durante dois anos, ou estava dependente também da prova de outros requisitos – o de não poder obter alimentos e da necessidade deles.
A questão não é pacífica.
Na doutrina, o Dr. França Pitão entende que “(…) ao estabelecer-se o acesso a prestações sociais pretende-se tão só permitir ao beneficiário um complemento para a sua subsistência, decorrente do “aforro” que foi efectuado pelo seu falecido companheiro, ao longo da sua vida de trabalho, mediante descontos mensais depositados à ordem da instituição de segurança social. Por isso, a esta é indiferente saber se o potencial beneficiário tem ou não meios de subsistência próprios, já que as referidas prestações resultam de um direito que lhe assiste incondicionalmente, mas das próprias necessidades comprovadas do seu titular. - “in” União de Facto no Direito Português, página 190, reafirmado em face da Lei 7/01, em Uniões de Facto e Economia Comum, página 282.
E Rita Lobo Xavier “in” Uniões de facto e pensão de sobrevivência” “in” Jurisprudência Constitucional, 3, Julho/Setembro 2004, páginas 17 e seguintes, admite o tratamento diferenciado entre a situação do conjugue sobrevivo – para o qual a sua habilitação à pensão de sobrevivência se bastava com a prova da qualidade de conjugue – da situação do companheiro sobrevivo – para o qual a sua habilitação à pensão de sobrevivência dependia de se encontrar nas condições do artigo 2020º do Código Civil.
Sustenta que “uma união de facto não implica forçosamente solidariedade patrimonial, logo não basta a prova dessa relação para se considerar verificada a diminuição da capacidade económica que é pressuposto da tributação da pensão”
Na jurisprudência, pode-se ver, além de outros acórdãos aí referidos, o acórdão do Tribunal Constitucional de 05.05.03 “in” DR n.º49, II série, de 05.08.04, que admitiu como constitucional e obedecendo aos princípios da igualdade e da proporcionalidade o tratamento mais favorável do cônjuge sobrevivo em relação ao companheiro em união de facto sobrevivo uma vez que era adequado “à prossecução do fim de incentivo à família fundada no casamento, que não é constitucionalmente censurável – e antes recebe até (pelo menos numa certa leitura particular) cobertura no texto constitucional”.
Também no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.07.06 “in” Colectânea de Jurisprudência/Supremo Tribunal de Justiça, 2005, II, 163 (Oliveira Barros) se entendeu que a interpretarão do n.º1 do artigo 6º da Lei 135/99, de 28.08, tal como as disposições idênticas da Lei 7/01, de que a referência ao artigo 2020º do Código Civil se limitava à demonstração da união de facto, não tinha em conta que essa referência se estendia a todo o artigo e, consequentemente, à remessa para os artigos 2009º e 2004º, do mesmo diploma, ou seja, que o direito a prestações por morte do beneficiário da Segurança Social por parte de quem vivia com ele em união de facto dependia da verificação dos pressupostos estabelecidos no citado artigo 2020º, a saber, a carência de alimentos por parte do companheiro sobrevivo e não os poder obter das pessoas referidas no n.º1 das alíneas a) a d) do referido artigo
No entanto, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.04.20 “in” Colectânea de Jurisprudência/Supremo Tribunal de Justiça, 2004, II, 30 (Sousa Leite) entendeu-se que “os requisitos exigíveis ao membro sobrevivo da união de facto para que possa aceder às prestações sociais decorrentes do óbito de um beneficiário de um qualquer regime público de Segurança Social, reconduzem-se, apenas, à prova relativa do estado civil do beneficiário solteiro, viúvo ou separado pessoalmente de pessoas e bens – e à circunstância de o respectivo interessado ter vivido em união de facto, há mais de dois anos, com o falecido”.
Pelas razões acima aduzidas nesse sentido, propendemos para o primeiro entendimento, ou seja, que para beneficiar de uma pensão de sobrevivência por virtude de morte do companheiro com quem vivia em união de facto, o ou a companheira sobreviva tem, além de ter vivido mais de dois anos em união de facto, de carecer de alimentos e não os poder obter do cônjuge ou ex-cônjuge, descendentes, ascendentes e irmãos.
Na verdade e assente a constitucionalidade da diferenciação entre o regime conjugal e o regime da união de facto – conforme o acórdão do Tribunal Constitucional acima referido – entendemos que essa diferenciação resulta claramente do regime estabelecido para a união de facto pelos citados artigos 3º, alínea e) e 6º da Lei 7/2001, pois as condições previstas nessa lei para o companheiro sobrevivo de união de facto estão aí referidas
- o falecido companheiro/a, no momento da morte, não ser casado ou separado judicialmente de pessoas e bens – referência expressa;
- o companheiro sobrevivo viver com o falecido há mais de dois anos em condições análogas à dos cônjuges – referência expressa;
- não puder obter os alimentos do cônjuge, ex-cônjugue, descendentes, ascendentes ou irmãos – por remissão para as alíneas a) a d) do artigo 2009º do Código Civil;
- o companheiro sobrevivo necessitar de alimentos – remissão deste artigo para o artigo 2003º do mesmo diploma.
Ora e voltando ao caso concreto em apreço e conforme se decidiu na questão anterior, da matéria dada como provada não se pode concluir que a autora tenha necessidade de alimentos
Sendo assim, conforme os não pode exigir à herança – por falta do requisito da carência de alimentos – também os não pode exigir à Segurança Social – por falta do mesmo requisito.
Não merece, assim, censura a decisão recorrida.
A decisão
Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedente a presente apelação e assim, em confirmar a sentença recorrida.
Custas pela apelante.
Porto 20 de Abril de 2006
Fernando Manuel de Oliveira Vasconcelos
Gonçalo Xavier Silvano
Fernando Manuel Pinto de Almeida