Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
ACÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
DESISTÊNCIA DO PEDIDO
HONORÁRIOS
IVA
Sumário
I- É admissível a desistência, total ou parcial, do pedido no procedimento de injunção e na acção de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato. II- O artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, não constitui uma limitação à desistência do pedido, mas antes uma forma de disciplinar as consequências procedimentais da sua apresentação até à data da dedução da oposição ou, na sua falta, até ao termo do prazo de oposição, ao estabelecer a devolução ao requerente do expediente respeitante ao procedimento injunção. Ocorrendo a desistência de todo o pedido na injunção, em vez de o processo ser remetido à distribuição para o juiz posteriormente homologar a desistência total do pedido, como se pretende uma simplificação processual e uma desjudicialização/desburocratização, o expediente é simplesmente devolvido ao requerente; se desistir do pedido posteriormente à dedução da oposição, o procedimento é necessariamente remetido à distribuição, pois já não é admissível a devolução do expediente ao requerente. III- A emissão da factura é condição legal da exigibilidade do valor do IVA que incide sobre a retribuição dos serviços prestados por advogado na prática de actos próprios da profissão, com a consequente possibilidade de recusa do pagamento desse valor. IV- Não litiga de má-fé o autor que, por sua iniciativa, antes de ser notificado da oposição, confessa ter recebido, anteriormente à propositura da acção, € 2.000,00 do valor global que havia peticionado e reduzido em conformidade o pedido. V- É aplicável a taxa de 6% de IVA aos serviços prestados no exercício da profissão de advogado a pessoa que beneficia de apoio judiciário.
Texto Integral
Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães (1):
I – Relatório
1.1. L. G. intentou procedimento de injunção, posteriormente convolado para acção de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, contra M. A., pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 6.762,30, acrescida de juros de mora contados desde 03.01.2020 e até integral pagamento, tendo computado os vencidos, até à data da entrada do requerimento de injunção, em € 38,48, e da taxa de justiça por si paga, no valor de € 102,00.
Para fundamentar a sua pretensão o Autor alegou que no âmbito da sua actividade como advogado foi mandatado em 04.02.2014 pela Ré para a patrocinar nos autos de inventário nº 247/12.7TBTMC e respectivos apensos, tendo-lhe prestados os serviços que discrimina e suportado as inerentes despesas.
Mais alega que enviou à Ré a respectiva nota de honorários e despesas, interpelando-a para fazer o respectivo pagamento, permanecendo em dívida a quantia de € 6.762,30, de honorários e despesas, uma vez que a Ré só lhe entregou a quantia de € 1.000,00 a título de provisão.
*
A Ré deduziu oposição, confirmando a prestação dos serviços e alegando, por excepção, que o valor dos honorários está parcialmente pago e que só não o está na totalidade por o Autor se recusar a cumprir as suas obrigações fiscais. Em concreto, alega a Ré que já procedeu ao pagamento de uma quantia total de € 4.600,00, paga em 4 ocasiões, num dos escritórios do Autor, na Rua ..., em Torre de Moncorvo, mas sem que tivesse obtido os respectivos recibos ou comprovativos fiscais, e apesar de ser sua intenção pagar o remanescente em dívida, no valor de € 1.000,00, não o irá fazer enquanto não obtiver quitação dos valores já pagos.
Mais requereu condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização a favor da Ré, de valor não inferior a € 3.000,00.
*
Por requerimento apresentado em 06.07.2020, o Autor veio «reduzir o valor peticionado na presente injunção para 4902,78€ (quatro mil novecentos e dois euros e setenta e oito cêntimos), uma vez que por lapso (do qual só agora se apercebeu e do qual se penitencia) indicou que tinha recebido 1000,00€ a título de provisão para honorários e despesas no processo 247/12.7TBTMC, Inventário, quando na verdade já recebeu a quantia de 3000,00€ a título de provisão para honorários e despesas referentes ao mesmo».
Por despacho de 20.09.2020, foi ordenada a notificação do Autor, «com cópia da oposição deduzida, para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, querendo, antecipando-se o direito ao contraditório que poderia exercer no início da audiência de julgamento para este momento», direito que exerceu por requerimento de 07.10.2020, onde, com relevo para o objecto do presente recurso, alegou:
«9º Acontece que, por lapso, do qual o A. se penitencia, juntou uma das aludidas declarações, nomeadamente a de recebimento de 2000,00€ em 11/2/2014, na pasta referente ao Apenso C (acção de honorários), pelo que, 10º Ao elaborar a nota de honorários do Processo de Inventário, não contabilizou tal quantia, por tal informação não constar da pasta referente ao processo de Inventário (até atento o tempo decorrido, quase 6 anos desde a emissão da mesma declaração). Porém, 11º Após a entrada do requerimento de injunção, o A. apercebeu-se do lapso e voluntariamente e de mote próprio, imediatamente (em 06/07/2020) apresentou requerimento nos autos a reduzir o pedido para 4762,30€ a título de dívida principal, 102,00€ de taxa de justiça e 38,48€ a título de outras quantias, atento o facto de ter efectivamente recebido 3000,00€ de provisão para o processo de Inventário, e não 1000,00€. 12º Pelo que o A. não agiu com dolo, nem com intenção de alterar a verdade dos factos, tendo corrigido os valores apresentados logo que se apercebeu do erro; não tendo agido com má fé; 13º Quanto ao alegado no ponto 5 da contestação, apenas corresponde assim à verdade que a requerente já pagou o valor de 2000,00€ em 11/02/2014 e 1000,00€ em 30/11/2018, relativamente aos processos objecto da presente acção de honorários, não correspondendo à verdade o demais aí alegado, pelo que expressamente se impugna, sendo que 14º O valor de 200,00€ foi efectivamente pago, para laudos de honorários, mas devidos no processo proc. 247/12.7TBTMC- C, Acção de Processo Comum (acção de honorários, intentada pelo Dr. A. M., e contestada pelo aqui A., na qualidade de mandatário da aqui R.), processo esse que não é objecto dos autos, daí não ter sido referido no requerimento de injunção;».
Por requerimento de 12.10.2020, a Ré veio requerer o desentranhamento do requerimento apresentado pelo Autor em 07.10.2020, o que foi desatendido por despacho de 04.11.2020.
*
1.2. Realizada a audiência final, proferiu-se sentença a julgar a acção procedente, em cujo dispositivo se decidiu:
«A. CONDENAR a ré M. A. a pagar ao autor a quantia de €4.762,30 (quatro mil setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos), acrescida de IVA à taxa legal de 23% e juros de mora vencidos desde 03.01.2020 e vincendos contados desde a citação e até integral e efectivo pagamento, calculados à taxa legal em vigor. B. JULGAR improcedente o incidente de litigância de má-fé e, em consequência, ABSOLVER o autor do pedido formulado pela ré».
*
1.3. Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«1. A quantia peticionada na Injunção, resultante de uma prestação de serviços e desacompanhada de uma factura (onde consta o IVA em vigor), onde não é indicada um número de faturação ou sequer a referência à sua emissão, revelando imediatamente o incumprimento das obrigações fiscais por parte do requerente, o seu valor não é exigível, como existe fundamento para a aqui recorrente se recusar ao seu pagamento.
2. O Tribunal a quo constando que a Injunção intentada pelo requerente/recorrido não era acompanhado da emissão de um factura a que este era obrigado (com o I.V.A. em vigor), deveria, ab initio declarar a inexigibilidade da divida cumprindo a esse Venerando Tribunal suprir tal lapso absolvendo o aqui recorrente da instância nos termos do artigo 278 do C.P.C. pois a obrigação não estava vencida nem era exigível.
3. Ainda que tivesse sido junta tal factura posteriormente junta aos autos (resposta à oposição) e emitida (2110/2020) por parte do recorrido, nunca esta foi aceite (Vide matéria de facto da Douta Sentença) como nunca foi referido o seu número, o seu valor e a impostos a que esta esteve sujeita.
4. Como nunca foi dada quitação do requerente/recorrido (vulgo recibos) dos valores que foram pagos anteriormente, facto que gerou a renúncia/oposição ao pagamento das quantias exigidas posteriormente por parte da requerida, aqui recorrente.
5. Pelo que respeitando o princípio do dispositivo deve esse Venerando Tribunal suprir tal lapso absolvendo o aqui recorrente da instância nos termos do artigo 278 do C.P.C. pois a obrigação constante da Injunção não estava vencida nem era exigível à aqui recorrente. (Vide Acórdão do TRC., processo número 162/12.4TBMDA.C1 de 16/12/2015)
6. Mas mesmo que assim não se entenda, que se admita a junção posterior da factura como um facto, o que só por mera hipótese se admite, ou seja admitir a exigibilidade de uma dívida que só surge após ter sido intentada a "acção", o Tribunal a quo, cometeu num erro de apreciação dos factos como na subsunção ao direito aplicável, devendo esse Venerando Tribunal revogar a decisão, condenando em custas processuais o recorrido, bem como os juros, que apenas podem ser contabilizados quando a divida esteja vencida e exigível, o que não aconteceu in casu.
7. O autor intentou uma injunção para pagamento de despesas e honorários devidos no valor de 6 762,30 euros (seis mil, setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos).
8. Em sede de Sentença, o Tribunal a quo decide fixar o valor da causa em €4.762,30 (quatro mil setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos), com a fundamentação de que houve uma redução do pedido por parte do requerente/recorrido, ora "A redução do pedido por parte do autor, não tem qualquer influência no valor da ação, já que, fixado o valor em atenção ao pedido formulado na petição inicial, esse valor processual mantém-se, em princípio, quaisquer que sejam as vicissitudes e ocorrências posteriores, devendo atender-se a esse valor para determinar a relação da causa com a alçada do tribunal." (Acórdão do S.T.J., de 6.4.1990: BMJ. 396°-373.)
9. Sendo certo que, nos termos do artigo 299.° do C.P.C. considera que "Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal."
10. Pelo que se requer e para efeitos do artigo 44.° da Lei 62/2013, que rege em matéria cível a alçada dos Tribunais, afectando diretamente o direito aos recursos jurisdicionais das partes, deve ser fixado por esse Venerando Tribunal o valor à causa em 6 762,30 euros (seis mil, setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos), revogando assim o Douto "despacho-sentença" aqui em crise.
11. A denominada "redução do pedido" feita pelo recorrido/requerente nunca foi do conhecimento da aqui recorrente/requerida ou do seu mandatário para exercício do princípio do contraditório, nunca foi alvo de um despacho da sua admissão por parte do Tribunal a quo, só tendo tido conhecimento a aqui recorrente em sede de Sentença, quando surge em número 3. da Douta Sentença uma "redução do Pedido".
12. Pois foi feita ainda em sede de Injunção em 6/7/2020. depois de conhecer o conteúdo da oposição de 117/2020, praticando o requerente um acto que lhe estava vedado processualmente, "enganando o sistema" e a título de "junção de documentos" vem reduzir o pedido.
13. Contornando o pedido de má fé requerido pela requerida, aqui recorrente, nos termos do artigo 542 do C.P.C., pois com a junção na oposição de declarações assinadas pelo próprio requerente em como recebeu parte dos valores peticionados, veio desmascarar a tentativa vaiada de pedir valores que não lhe eram devidos.
14. Contudo tal peça não lhe era admitida processualmente naquela fase e deveria ter sido mandada desentranhar pelo Tribunal a quo ou mesmo pela Secretaria Nacional de Injunções. Facto que não fez na presente ... ( Vide artigos 1. e seguintes do D.L. 269198 de 1 de setembro)
15. Facto que não foi feito, devendo tal peça processual ser desentranhada, manter-se o valor peticionado de 6 762,30 euros (seis mil, setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos) e apreciando-se a má fé do requerente que acabou por não ser apreciada.
16. Sem prescindir do decaimento, pois, tal mostra-se necessário para efeitos da responsabilidade de custas de parte, taxas de justiça e encargos. (Vide artigo 7. do R.C.P.)
17. Termos em que deve no uso dos poderes que foram conferidos a esse Venerando Tribunal ad quem, mandar desentranhar ou declarar nulo ou anulável o acto praticado pelo recorrido em 06/7/2020, mantendo as restantes peças processuais, nomeadamente o valor do pedido, devendo apreciar-se a boa fé do peticionado, à luz do pedido inicial, mormente dos valores que o requerente/recorrido identifica como não pagos e do qual a recorrente/requerida juntou os respectivos comprovativos de pagamento.
18. Pois na verdade o requerente/recorrido apenas confessa o pagamento alegado pela Ré/recorrente em sede de resposta à oposição, devendo o mesmo, no mínimo decair nesse valor, apreciando-se a má fé em tal comportamento, pois na verdade o requerente alega factos que sabe não serem verdade (não ignora com dolo ou negligência grave), nem constituem a realidade dos factos, procurando com esta posição tentar locupletar-se à conta da aqui recorrida..
19. Violou assim o Tribunal a quo o preceituado no D.L. 269/98 de 1 de setembro ao admitir aquela peça processual, ou caso assim não se entenda, o que só por mera hipóteses se admite, caso se admita não foi respeitado o direito ao contraditório (Vide artigo 3. do C.P.C.) e por consequência deixou de apreciar a conduta do requerente à luz da boa fé processual nos termos do artigo 542 do C.P.C., sem prescindir das consequências em termos da atribuição da responsabilidade das custas e demais nos termos do regulamento das custas processuais.
20. Atento o invocado nesta peça processual (recurso), apesar de uma confissão posterior do requerido do pagamento parcial (depois da oposição do aqui recorrente e em sede de resposta à oposição), entendemos que, procedente-se à alteração do valor da causa para o valor inicial, não se pode deixar de apreciar a conduta do requerente/recorrido à luz do artigo 542 do C.P.C., pois resulta dos autos que;
- o requerente peticionou créditos como não pagos, quando este sabia e tinha conhecimento direto que tais valores não eram devidos, pois subscreveu três declarações em que assume ter recebido parcialmente o crédito peticionado.
21. Isto só se pode imputar a título de dolo directo, pois o requerente/recorrido tem conhecimento directo e pessoal dos factos, sendo que a título de negligência resulta manifestamente improvável, atento a que o requerente exerce a atividade de advocacia e não se consta que o mesmo tenha lapsos tão graves de memória.
22. Conduta que não é apreciada porque o juiz do Tribunal a quo, com o devido respeito, não soube apreciar a matéria carreados para os autos de forma critica e apurada, devendo ter condenado numa multa o requerente/recorrido em má fé processual nos termos do artigo 524 do C.P.C., pois faz usos de um poder processual manifestamente reprovável, pois trata-se de factos que o requerente não devia ignorar.
23. Pelo que, nos usos dos poderes que lhe foram conferidos pelos artigos 652 e seguintes do C.P.C. deve o Venerando Tribunal ad quem revogar a decisão e subsequentemente à alteração do valor da causa, apreciar a má fé do requerente e condenar o mesmo num valor não inferior a 1 000 00, euros nos termos do artigo 543 do C.P.C.
24. Em sede de resposta à oposição veio o requerente alegar (penitenciar-se) que em sede de Injunção tinha calculado o IVA a 23%, quando na verdade o IVA "é de apenas 6% nos termos do disposto no ponto 2.11 do Anexo I do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, pelo que a mesma só será devedora de L V. A. à taxa legal de 6%" (Vide artigo 31 da resposta à oposição)
25. Contudo assim não entendeu o Tribunal a quo, fazendo com o devido respeito "tábua rasa" do alegado e "confessado" pelo requerente, como do artigo 18.0 do C.LV.A., condenando a requerida/recorrente à taxa de 23%;
26. Pelo que, nesta parte e sem prejuízo do demais alegado, requer-se que seja revogada a Douta Sentença em que, toda e qualquer quantia a que seja condenada a aqui recorrente (o que só por mera hipótese se admite), esteja sujeita à tributação de 6% de I.V.A. nos termos al. a) do n.º 1 do artigo 18.º do C.I.V.A.
27. Sem prescindir que o recorrido/requerente juntou aos autos em sede de resposta à oposição, uma factura com IVA a 6%, colocando de novo a decisão em causa o vencimento e a exigibilidade do seu pagamento, obrigando o requerente à sua anulação e a nova emissão, devendo esse Venerando Tribunal revogar a decisão e determinar a seu vencimento ou a sua exigibilidade após a emissão de nova factura, gerando por isso mais uma vez a absolvição da instância da aqui recorrente nos termos do artigo 278 do C.P.C..
Nestes termos e sempre com o V. mui Venerando suprimento, deve a decisão de 10 instância, ser revogada a tout court, absolvendo-se a requerida da instância, ou caso assim não se entenda, revogada a decisão em crise, alterando-se o capital, juros e I.V.A., bem como condenar em má fé e em custas o recorrido, fazendo-se assim a justa, perfeita e sem mácula justiça que aqui severamente se apela!».
*
O Recorrido apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
*
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
**
1.4. Questões a decidir
Tendo presente que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente (cfr. artigos 635º, nºs 2 a 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são questões a decidir:
i) Erro na fixação do valor da causa;
ii) Inadmissibilidade do requerimento do Autor de 06.07.2020;
iii) Não exercício do contraditório relativamente à redução do pedido;
iv) Inexigibilidade da dívida decorrente de incumprimento de obrigações fiscais;
v) Falta de emissão de factura e recibos enquanto motivo justificado da recusa de pagamento (excepção de não cumprimento do contrato);
vi) Vencimento e exigibilidade de juros (a resolver aquando da apreciação dos pontos iv e v);
vii) Litigância de má-fé do Autor;
viii) Valor do IVA;
ix) Responsabilidade pelas custas judiciais da acção.
***
II – FUNDAMENTOS
2.1. Fundamentos de facto 2.1.1. Na decisão recorrida consideraram-se provados os seguintes factos:
«1. O autor, que também usa o nome profissional de L. G., é Advogado de profissão. 2. No exercício dessa profissão, em 04.02.2014, entre o autor e a ré foi celebrado um acordo no âmbito do qual a ré confiou ao autor, mediante pagamento, a realização, em nome e no interesse daquela, de vários actos jurídicos no âmbito do processo de inventário n.º 247/12.7TBTMC [e apensos C, D e E], assumindo o primeiro a obrigação de praticar esses actos. 3. No âmbito do processo de inventário n.º 247/12.7TBTMC o autor prestou os seguintes serviços em nome e no interesse da ré: i. Consulta inicial com a cliente sobre o assunto pendente; ii. Contacto com o anterior mandatário, para substabelecimento; Junção aos autos de substabelecimento sem reserva (11.02.2014); iii. Estudo do assunto; iv. Elaboração e junção aos autos de aditamento à relação de bens (16.03.2014); v. Elaboração e envio à interessada M. P. de carta registada com A/R a solicitar cópia da chave do prédio urbano registado na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …; vi. Recepção de notificação de 28.04.2014 e estudo dos ofícios da Caixa ...; vii. Elaboração e junção aos autos de requerimento de 12.05.2014 (pronúncia sobre o ofício da Caixa ...); viii. Recepção estudo de despacho judicial de 02.06.2014 (ref. 670204); ix. Recepção e estudo de ofício da Caixa ... de 29.10.2014 e junto aos autos a 03.11.2014; x. Elaboração e junção aos autos de requerimento de 18.11.2014 (pronúncia sobre o ofício da Caixa ...); xi. Recepção e estudo do despacho judicial de 19.01.2015; xii. Elaboração e junção aos autos de requerimento de 19.02.2015; xiii. Recepção e estudo dos ofícios da Companhia de Seguros X, S.A., de 03.06.2015 e da Caixa ... de 28.05.2015; xiv. Elaboração e junção aos autos de requerimento de 23.06.2015; xv. Elaboração e junção aos autos de requerimento de 06.07.2015 (pronúncia sobre os requerimentos da interessada M. P. de 22.06.2015 (ref.ª 19966481) e 06.07.2015 (ref.ª 20095021); xvi. Recepção e estudo de notificação para os termos do disposto no artigo 151.º do CPC; xvii. Recepção e estudo do despacho de 13.11.2015; xviii. Presença na audiência de inquirição de testemunhas de 12.01.2016, com inquirição de várias testemunhas e apresentação de requerimento; xix. Recepção e estudo do ofício das Finanças de 22.01.2016; xx. Elaboração e junção aos autos de requerimento probatório de 09.02.2016; xxi. Presença na inquirição de testemunhas de 11.02.2016, com inquirição de várias testemunhas; xxii. Recepção e estudo de informação da Conservatória do Registo Civil, Predial e Comercial, datada de 18.02.2016; xxiii. Presença na audiência de inquirição de testemunhas de 24.02.2016, com apresentação de requerimento; xxiv. Elaboração e junção aos autos de requerimento de 03.03.2016 (pronúncia sobre o requerimento da interessada M. P. de 18.02.2016, ref.ª 21879816, de junção de dois documentos: 1.º, extracto de conta 0492012806900 referente ao período de 01.11.2008 até 30.11.2008; 2.º, factura relativa ao funeral do inventariado em 15.09.2011; xxv. Presença na audiência de inquirição de testemunhas de 17.03.2016 (que acabou por ser adiada); xxvi. Recepção e estudo do despacho de 15.04.2016, que designou data para continuação da inquirição de testemunhas; xxvii. Presença na audiência de inquirição de testemunhas de 28.04.2016, com inquirição de testemunhas e apresentação de alegações finais; xxviii. Recepção e estudo de documentos/informações juntos aos autos em 08.09.2016 pela Companhia de Seguros X, S.A.; xxix. Recepção e estudo da sentença do incidente de reclamação à relação de bens, datada de 15.10.2018 e da data designada para conferência de interessados de 05.12.2018; xxx. Elaboração e junção aos autos de requerimento em 07.11.2018; xxxi. Elaboração e junção aos autos de alegações de recurso em 08.11.2018; xxxii. Recepção e estudo do despacho judicial de 28.11.2018; xxxiii. Presença na conferência de interessados de 05.12.2018, tendo apresentado reclamação ao valor atribuído à verba n.º 15 (anterior verba n.º 5) da relação de bens de A. A. e concordando com o valor atribuído pela interessada M. P. às verbas 7 e 8; xxxiv. Recepção e estudo da notificação para pagamento de encargos com o perito, tendo informado/alertado telefonicamente a secretaria judicial que a cabeça-de-casal litiga com apoio judiciário; xxxv. Recepção e estudo de relatório pericial junto aos autos em 15.02.2019; xxxvi. Recepção e estudo do despacho judicial datado de 13.03.2019; xxxvii. Elaboração e junção aos autos de requerimento datado de 18.03.2019; xxxviii. Recepção estudo do despacho judicial de 20.03.2019, com marcação de diligência; xxxix. Presença na conferência de interessados de 02.04.2019, com aceitação do passivo, licitações e adjudicação de bens, recepção e estudo do despacho judicial de 24.04.2019; xl. Recepção e estudo do mapa informativo de 30.04.2019; xli. Recepção estudo do mapa de partilha datado de 04.06.2019 e do despacho judicial de 06.06.2019; xlii. Recepção e estudo da sentença datada de 28.06.2019; xliii. Elaboração e junção aos autos de alegações de recurso em 18.07.2019; xliv. Recepção e estudo de despachos judiciais de 13.08.2019 e 21.08.2019; xlv. Recepção e estudo do acórdão proferido pela Relação de Guimarães em 05.12.2019; xlvi. Recepção e estudo de cerca 15 requerimentos e duas alegações da interessada M. P.. xlvii. O autor teve ainda despesas no valor de €134,00, correspondentes à capa do processo (€1,50), registo postal (€3,50), telefone (€30,00), papel, tinta, electricidade e internet (€100,00). 4. No âmbito do processo de inventário n.º 247/12.7TBTMC-E o autor prestou os seguintes serviços em nome e no interesse da ré: i. Consulta inicial com a cliente e várias consultas posteriores; ii. Elaboração e envio à interessada M. P. de carta registada com A/R datada de 14.03.2019; iii. Elaboração e junção aos autos de petição inicial (01.05.2019); iv. Recepção de notificação datada de 27.06.2019, acompanhada de contestação e estudo da mesma; v. Elaboração e junção aos autos de resposta (31.07.2019); vi. Recepção e estudo de despacho judicial de 21.09.2019; vii. Elaboração e junção aos autos de requerimento de 10.10.2019; viii. Recepção e estudo de despacho judicial de 16.10.2019; ix. Diligência realizada em 04.11.2019 na Conservatória do Registo Civil para obtenção de assento de casamento de I. J.; x. Elaboração e junção aos autos de requerimento de 04.11.2019 (junção aos autos do aludido assento de casamento); xi. Recepção e estudo do despacho judicial de 20.11.2019, que admitiu a intervenção principal provocada de I. J.. xii. O autor teve ainda despesas no valor de €124,80, correspondentes à capa do processo (€1,50), registo postal (€3,30), certidão de casamento (€20,00), papel, tinta, electricidade e internet (€100,00). 5. Em 27.12.2019 o autor elaborou a nota de honorários, a qual remeteu à ré [recebida em 03.01.2020], para pagamento, através de carta com aviso de recepção, no valor de €6.762,30. 6. A ré, no âmbito do processo identificado em 3, entregou uma provisão ao autor no valor de €1.000,00 e procedeu ao pagamento de €2.000,00 por conta da quantia aludida em 5. 7. A ré admitiu que apenas é devedora da quantia de €1.000,00 por conta do aludido em 5.».
*
2.1.2. Factos não provados:
O Tribunal a quo considerou que «não se provou que: I. A ré tenha procedido ao pagamento total da quantia aludida em 5. II. Em 12.03.2015 tenha entregue a quantia de €1.600,00 ao autor. III. A entrega aludida em II tenha sido realizada em dinheiro pela ré e pelo seu filho num dos escritórios do autor na Rua ..., Torre de Moncorvo. IV. O autor se recusava a passar recibos quando as quantias eram recebidas».
**
2.2. Do objecto do recurso 2.2.1. Valor da causa – conclusões 7ª-10ª
Em conformidade com o disposto no artigo 306º, nº 2, não comportando o presente processo despacho-saneador, o valor da causa foi fixado na sentença «em €4.762,30 (quatro mil setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos)», invocando-se que tal valor correspondia «às quantias peticionadas pelo autor, acrescidas de juros de mora vencidos».
A Recorrente impugna tal decisão, sustentando que o valor da causa deve ser fixado «em 6 762,30 euros (seis mil, setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos)», revogando-se nessa parte a decisão.
Por sua vez, o Recorrido alega que «andou bem o Tribunal a quo ao fixar o valor da causa nos aludidos 4762,30€» e que «a recorrente não reclamou perante o juiz de 1.ª instância da nulidade que agora vem “reclamar” junto do Tribunal ad quem».
É perfeitamente evidente a razão da Recorrente, embora o valor da causa deva ser fixado em valor superior ao por si indicado.
A norma da qual emerge directamente a solução é a do artigo 299º, nº 1, do CPC: «Na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta, excepto quando haja reconvenção ou intervenção principal». Portanto, tendo o Autor peticionado no requerimento de injunção a condenação da Ré no pagamento da quantia global de € 6.902,78, é esse o valor da causa, fixado por referência à data da propositura do procedimento e ao pedido então formulado, em conformidade com o disposto no artigo 297º, nºs 1 (quanto às quantias peticionadas) e 2 (quanto aos juros vencidos), do CPC.
Frisa-se, para que não existam dúvidas, que o valor da causa não poderia ser fixado em € 6.762,30, pois esse é apenas o montante correspondente ao capital (v. requerimento injuntivo na parte em cujo pedido se descrimina, no formulário, «Capital: € 6 762,30»), não incluindo nem os juros de mora vencidos nem as demais quantias peticionadas.
A redução do pedido efectuada por requerimento de 06.07.2020 é juridicamente inoperante na alteração do valor da causa: não tem qualquer repercussão no valor da causa. É assim no actual CPC e já o era nos dois anteriores.
Basta recorrer a um dos autores clássicos: segundo Alberto dos Reis (2), «é permitido ao autor, em qualquer altura, desistir do pedido (art. 298º). Pois bem: estas alterações não exercem influência alguma sobre o valor da causa. Embora o litígio se tenha modificado, embora a utilidade económica do pleito tenha sofrido aumento ou diminuição, a acção conserva o mesmo valor processual que tinha no início».
Recorrendo agora a autores actuais, referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe P. Sousa (3) que «a lei define o momento a considerar para determinar esse valor: é aquele em que a acção é proposta (art. 259º, nº 1), sendo irrelevantes as modificações posteriores, tais como a redução, a ampliação ou a alteração do pedido (STJ 11-5-11, 1071/08), o indeferimento liminar parcial, a absolvição da instância ou a desistência quanto a algum dos pedidos formulados».
Alega o Recorrido que a Recorrente deveria ter “reclamado” da decisão que fixou o valor da causa, por estar em causa uma nulidade.
O valor da causa foi “fixado na sentença”, como impunha o artigo 306º, nº 2, in fine, do CPC e, ao assim proceder, não se cometeu qualquer nulidade, mas sim um erro de julgamento, contido na sentença.
Por isso, não era caso para “reclamação”, mas sim para interposição de recurso do assim decidido, tal como expressamente previsto no artigo 629º, nº 2, al. b), do CPC, a integrar no recurso da decisão final (art. 644º, nºs 1 e 3, do CPC).
Consequentemente, nenhum obstáculo se suscita quanto à apreciação do recurso da sentença, que é admissível, devendo ser apreciadas todas as questões que a Recorrente suscita nas suas conclusões.
Termos em que se fixa o valor da causa em € 6.902,78 (seis mil, novecentos e dois euros e setenta e oito cêntimos).
*
2.2.2. Inadmissibilidade do requerimento do Autor de 06.07.2020 – conclusões 12ª-19ª
Sustenta a Recorrente que o requerimento do Autor, apresentado em 06.07.2020, era «um acto que lhe estava vedado processualmente», pelo que «deveria ter sido mandado desentranhar pelo Tribunal a quo».
O requerimento invocado pela Recorrente foi apresentado em 06.07.2020 e nele o Autor veio «reduzir o valor peticionado na presente injunção para 4902,78€ (quatro mil novecentos e dois euros e setenta e oito cêntimos), uma vez que por lapso (do qual só agora se apercebeu e do qual se penitencia) indicou que tinha recebido 1000,00€ a título de provisão para honorários e despesas no processo 247/12.7TBTMC, Inventário, quando na verdade já recebeu a quantia de 3000,00€ a título de provisão para honorários e despesas referentes ao mesmo».
A questão suscitada pela Recorrente consiste em saber se no âmbito de um procedimento de injunção, posteriormente convolado para acção de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, é admissível ao requerente reduzir o pedido. Se se concluir que é admissível a redução do pedido, necessariamente que tal redução tem de ser corporizada num acto pelo qual opere no processo, ou seja, através de requerimento, pelo que este será admissível.
São duas as normas relevantes para a apreciação da enunciada questão. Por um lado, nos termos do artigo 283º, nº 1, do CPC, o autor pode, em qualquer altura, desistir de todo o pedido ou de parte ele. Por outro, de harmonia com o disposto no artigo 286º, nº 2, do CPC, a desistência do pedido é livre.
Portanto, o demandante pode em qualquer altura, unilateralmente e sem depender da aceitação da contraparte, desistir do pedido ou de parte dele, em conformidade com o princípio do dispositivo, sobretudo na vertente da disponibilidade da tutela jurisdicional.
Em consequência da desistência, extingue-se o direito na exacta medida do objecto da desistência – artigo 285º, nº 1, do CPC.
A redução do pedido configura uma desistência parcial do pedido, isto é, de uma parte dele, pelo que o objecto processual fica reduzido à parte que resistiu à extinção do direito operada pelo autor.
Assente que o demandante pode em geral desistir de parte do pedido, reduzindo-o, importa agora verificar se no âmbito do procedimento de injunção ou do processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato existe alguma disposição que obste àquela desistência.
Além de a Recorrente nem sequer invocar qualquer concreta disposição legal que sustente a sua argumentação, verifica-se que inexiste um preceito a proibir, limitar ou, por qualquer outra forma, obstar à desistência parcial do pedido tanto no procedimento de injunção como na acção declarativa com processo especial.
Quanto à injunção, é o próprio artigo 15º-A (4) do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, a prever a possibilidade de desistência de desistência do pedido, estabelecendo como limite temporal a dedução de oposição ou, na sua falta, o termo do prazo de oposição (5).
Porém, do estabelecimento do referido limite temporal não resulta nenhuma impossibilidade de desistência do pedido após a dedução da oposição. Isto pela singela razão de que a apresentação de oposição acarreta a necessária convolação do procedimento de injunção em acção declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato (v. art. 16º, nº 1) e, no âmbito desta, é livre a desistência do pedido, por lhe ser aplicável, sem qualquer restrição, o disposto nos artigos 283º, nº 1, e 286º, nº 2, ambos do CPC.
Pelo exposto, inexiste qualquer fundamento legal para ordenar o desentranhamento do requerimento apresentado pelo Autor em 06.07.2020, pelo que improcedem as respectivas conclusões da Recorrente.
*
2.2.3. Não exercício do contraditório relativamente à redução do pedido e omissão de decisão – conclusão 11ª
Argumenta a Recorrente que a redução do pedido «nunca foi do conhecimento da aqui recorrente/requerida ou do seu mandatário para exercício do princípio do contraditório, nunca foi alvo de um despacho da sua admissão por parte do Tribunal a quo, só tendo tido conhecimento a aqui recorrente em sede de Sentença, quando surge em número 3. da Douta Sentença uma "redução do Pedido"».
Em rigor, a Recorrente suscita duas questões, que interliga entre si. Por um lado, que não lhe foi dada oportunidade de exercer o contraditório relativamente à redução do pedido e, por outro, que o Tribunal a quo, não se pronunciou sobre essa desistência parcial do pedido, apenas constando no relatório da sentença.
Examinados os autos, verifica-se que o requerimento apresentado pelo Autor em 06.07.2020 não foi notificado à Ré, pois, à data, encontrava-se ainda na secretaria dos procedimentos de injunção.
Porém, também se constata que o Autor, em requerimento de 07.10.2020, expressamente invocou ter reduzido o pedido, dizendo que «após a entrada do requerimento de injunção, o A. apercebeu-se do lapso e voluntariamente e de mote próprio, imediatamente (em 06/07/2020) apresentou requerimento nos autos a reduzir o pedido para 4762,30€ a título de dívida principal, 102,00€ de taxa de justiça e 38,48€ a título de outras quantias, atento o facto de ter efectivamente recebido 3000,00€ de provisão para o processo de Inventário, e não 1000,00€» (v. art. 11º desse requerimento, transcrito em 1.1. deste acórdão). Tendo este requerimento sido notificado à Ré, tomou necessariamente conhecimento de que o Autor havia desistido parcialmente do pedido e dos termos em que o fez. Aliás, é de notar que a Ré pronunciou-se sobre aquele requerimento e requereu o seu desentranhamento.
Estando em causa um acto unilateral do autor que dispõe directamente sobre a situação jurídica material que é objecto do pedido, extinguindo o direito na medida da amplitude da desistência (v. art. 285º, nº 1, do CPC), e cuja eficácia não depende da aceitação do réu, a homologação da desistência do pedido não carece de exercício do contraditório pelo réu. Para além de isso resultar da própria natureza da desistência do pedido, que não é um acto receptício (6), também o artigo 290º, nº 3, do CPC, evidencia que a homologação não depende de o acto ser previamente levado ao conhecimento do réu, ao dispor que efectuada a desistência (“lavrado o termo ou junto o documento”) é logo examinado o seu objecto e a qualidade da pessoa que nele intervém, sem qualquer acto prévio, para verificar da sua validade e «assim é declarado por sentença».
O problema é outro: percorrido todo o processo, em lado algum encontramos o acto judicial previsto no artigo 290º, nº 3, do CPC, isto é, a homologação pelo juiz da desistência parcial do pedido. Não o encontramos no despacho proferido em 20.09.2020, que após a distribuição do processo ordenou a notificação do Autor para se pronunciar sobre a matéria de excepção constante da oposição, nem no despacho de 04.11.2020, que indeferiu o requerido desentranhamento do requerimento de 22.09.2020, e nem sequer na sentença, que se limitou à afirmação, no relatório, de que foi apresentado o «requerimento datado de 06.07.2020», em que se reduziu o pedido, sem que daí se tenha retirado qualquer consequência na fundamentação de direito ou, como se impunha, no dispositivo.
Aliás, constitui inequívoca constatação da ausência de apreciação da desistência parcial do pedido o facto de a Ré ter sido condenada na totalidade das custas da acção, quando na parte em que o Autor desistiu do pedido, com o correspondente decaimento, as custas deviam ter ficado a cargo da parte desistente.
Portanto, ocorreu uma nulidade por omissão de pronúncia (art. 615º, nº 1, al. d), do CPC) sobre uma questão colocada por uma parte e que incumbia resolver (art. 608º, nº 2, do CPC).
Consequentemente, em virtude da regra da substituição ao tribunal recorrido, deve esta Relação conhecer da apontada questão e homologar a desistência parcial do pedido, uma vez que válida face ao seu objecto e à qualidade da pessoa que subscreveu o requerimento de 06.07.2020.
Termos em que procede parcialmente a apelação quanto a esta questão.
*
2.2.4. Inexigibilidade da dívida decorrente de incumprimento de obrigações fiscais – conclusões 1ª, 2ª, 3ª, 5ª, 6ª e 27ª
Alega a Recorrente que a quantia peticionada, «resultante de uma prestação de serviços e desacompanhada de uma factura (onde consta o IVA em vigor), onde não é indicad[o] um número de faturação ou sequer a referência à sua emissão, revelando imediatamente o incumprimento das obrigações fiscais por parte do requerente, (…) não é exigível, [assim] como existe fundamento para a aqui recorrente se recusar ao seu pagamento».
Conclui que esta Relação deve absolver a Recorrente da instância.
Efectivamente, o requerimento de injunção não integrava qualquer factura relativa à prestação de serviços. A factura só veio a ser emitida no decurso do presente processo, em 02.10.2020, conforme documentado no requerimento que o Autor apresentou em 07.10.2020.
Por isso, deve começar-se por apurar se a inicial falta de emissão da factura acarreta a inexigibilidade da dívida emergente dos serviços prestados pelo Autor enquanto advogado, ou seja, dos “honorários”, entendidos como a retribuição dos serviços profissionais prestados por advogado na prática de actos próprios da profissão.
Liminarmente, estamos perante duas questões jurídicas diferentes, uma de natureza civil e outra de natureza tributária: a exigibilidade dos honorários terá de ser apreciada à luz do convencionado e dos preceitos legais aplicáveis; já a constituição da obrigação de pagamento de IVA e respectiva repercussão do imposto deve ser apreciada em conformidade com as regras do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).
Apreciada a matéria de facto, verifica-se que as partes não convencionaram que a emissão e apresentação da factura relativa aos honorários constituiria condição da exigibilidade e do vencimento de toda a dívida, ou seja, tanto da parte remuneratória como do montante do imposto que acresce àquela. Sendo assim, as partes não subordinaram à apontada condição a exigibilidade do pagamento dos honorários.
Portanto, a questão do vencimento e exigibilidade da dívida tem de ser resolvida com base nas disposições legais que disciplinam o contrato em causa, atenta a falta de convenção das partes sobre tal matéria.
Tal como correctamente se enquadrou na sentença, entre Autor e Ré foi celebrado um contrato de mandato forense, regulado pelas regras gerais previstas no Código Civil (CCiv.) – artigo 1157º e segs. – e pelo Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA).
Mediante o referido contrato, o Autor obrigou-se a prestar à Ré, em sua representação, os actos jurídicos inerentes ao patrocínio judiciário nos processos identificados na factualidade apurada e, em contrapartida, esta obrigou-se a pagar àquele os respectivos honorários e despesas (v. artigo 1167º, als. b) e c), do CCiv.), uma vez que está fora de dúvida que se trata de um mandato oneroso (art. 1158º, nº 2, do CCiv.).
Com relevo sobre a retribuição, dispõe o nº 1 do artigo 105º do EOA que «os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efectivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa», acrescentando o seu nº 2 que, «na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respectiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados». Está ainda expressamente prevista, no artigo 103º, nº 1, do EOA, a possibilidade de o advogado «solicitar ao cliente a entrega de provisões por conta dos honorários ou para pagamento de despesas».
Prestados os serviços, o que a lei directamente impunha ao Autor era a apresentação à Ré da conta (vulgo “nota”) de honorários, com a correspondente interpelação para pagar o respectivo valor, como o mandatário fez por carta que foi recepcionada pela mandante em 03.01.2020. A conta de honorários é ainda regulada exaustivamente no artigo 5ºdo Regulamento dos Laudos de Honorários – Regulamento nº 40/2005 da Ordem dos Advogados, de 29.04.2005, publicado no DR, 2ª série, nº 98, de 20.05.2005 (7).
Por conseguinte, existe um preceito legal, que é o artigo 105º, nº 2, do EOA, a estabelecer a forma como um advogado deve exigir do cliente o valor dos seus honorários, que é através da apresentação da «conta de honorários». Daí decorre que o vencimento da inerente obrigação de pagamento dos honorários depende apenas da apresentação de tal conta e da respectiva interpelação para efectuar o pagamento. Em lado algum a lei estabelece que o envio da factura constitui condição de exigibilidade da dívida de honorários. Havendo disposição expressa a regular a situação, não pode o intérprete “criar”, de forma perfeitamente subjectiva, uma norma a impor que a emissão e apresentação da factura é condição do vencimento e exigibilidade da própria retribuição pela prestação do serviço de advocacia.
Por isso, a questão tributária tem de ser resolvida de harmonia com as normas do CIVA, de forma autónoma, como faremos infra, onde concluiremos que a emissão de factura não é condição de exigibilidade dos honorários, mas sim do valor do IVA que incide sobre o valor daqueles. Acresce que o acórdão citado pela Recorrente (8) não versa sobre uma situação de falta de pagamento de honorários, mas sobre outro tipo de prestação de serviços.
Consequentemente, a partir de 03.01.2020, tendo sido interpelada para pagar o valor da conta de honorários e despesas correspondente aos serviços já prestados, constituía obrigação da Ré efectuar o respectivo pagamento, em conformidade com o disposto nos artigos 1167º, als. b) e c), 762º, nº 1, e 805º, nº 1, todos do CCiv.
Nesta conformidade, a obrigação de pagamento dos honorários e despesas venceu-se em 03.01.2020.
A exigibilidade é a qualidade substantiva da obrigação que deva ser cumprida de modo imediato e incondicional após interpelação ao devedor (9).
Estando verificado o facto do qual depende o cumprimento, traduzido na prestação dos serviços e na ocorrência da interpelação, a obrigação de pagamento da retribuição era exigível quando foi instaurado o procedimento de injunção, carecendo de fundamento a tese da Recorrente sobre a inexigibilidade.
Tendo a Ré faltado ao cumprimento da sua obrigação, tornou-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor (art. 798º do CCiv.), cuja culpa se presume (art. 799º, nº 1) e não foi afastada face ao que consta dos factos provados. Os prejuízos atendíveis, para efeitos de indemnização por mora (art. 804º, nºs 1 e 2), são aqueles que advêm ao credor pelo retardamento no cumprimento da prestação. Como é uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros (arts. 805º, nº 1, e 806º, nº 1), à taxa legal aplicável aos juros civis (art. 806º, nº 2), a contar do dia da constituição em mora, ou seja, de 03.01.2020 e até integral pagamento, sobre o montante dos honorários e despesas em que o Autor incorreu no exercício do mandato e que se encontram ainda em dívida.
Questão diferente da exigibilidade da dívida de capital, e dos juros sobre esta, é a da exigibilidade do montante do IVA sobre o valor dos honorários.
É sujeito passivo, contribuinte de direito desse imposto, o Autor, que se dedica à prestação de serviços de advocacia, nos termos do disposto no artigo 2º, nº 1, al. a) do CIVA. É um quantitativo que, devendo ser entregue pelo advogado que prestou os serviços – enquanto sujeito passivo do imposto – à administração tributária, tem o direito de haver da cliente a quem foram os serviços prestados, devedora dos honorários.
A propósito da sua exigibilidade, dispõe o artigo 7º, nº 1, al. b), do CIVA, que «o imposto é devido e torna-se exigível nas prestações de serviços, no momento da sua realização». A realização da prestação de serviços é, assim, o facto constitutivo do imposto, enquanto ocorrência da situação sujeita à tributação. Prestado o serviço e constituída, por isso, a obrigação de pagamento da retribuição devida ao mandatário, gera-se igualmente a obrigação de pagamento do IVA. Podemos, pois, falar num negócio jurídico subjacente, que é fonte da obrigação de pagamento do IVA.
Porém, devendo o aludido imposto ser cobrado pelo Autor, para posteriormente proceder à sua entrega à Autoridade Tributária, sobre si recaía, nos termos do artigo 29º, nº 1, al. b), do CIVA, a obrigação de «emitir obrigatoriamente uma factura por cada transmissão de bens ou prestação de serviços, tal como vêm definidas nos artigos 3º e 4º, independentemente da qualidade do adquirente dos bens ou destinatário dos serviços, ainda que estes não a solicitem, bem como pelos pagamentos que lhes sejam efectuados antes da data da transmissão de bens ou da prestação de serviços».
Ainda com algum relevo, estipula o artigo 37º, nº 1, do CIVA, que «a importância do imposto liquidado deve ser adicionada ao valor da factura, para efeitos da sua exigência aos adquirentes dos bens ou destinatários dos serviços».
A emissão da factura, enquanto condição legal da exigibilidade do valor do IVA à mandante, constitui uma obrigação impreterível, uma vez destinada a evitar a evasão fiscal, traduzida na cobrança do valor do IVA e na sua não entrega à administração fiscal.
Em conformidade com o disposto no artigo 36º, nº 1, al. a), do CIVA, a factura deveria ser emitida até ao «5º dia útil seguinte ao do momento em que o imposto é devido nos termos do artigo 7º».
Daqui decorre que o valor correspondente ao IVA não era exigível à Ré antes da emissão da factura.
Constata-se que a factura, em violação do disposto no artigo 36º, nº 1, al. a), do CIVA, só veio a ser emitida na pendência da presente acção, em 02.10.2020, pelo que desde então o respectivo valor é exigível, sendo manifestamente improcedente a conclusão 3ª, na medida em que é irrelevante se a Ré aceita ou não a emissão da factura, a qual é suficiente por si, e a exigibilidade do IVA depende da simples emissão.
A situação subsumia-se, inicialmente (aquando da instauração do procedimento de injunção), à hipótese prevista no artigo 610º, nºs 1 e 2, al a), do CPC: à data, a obrigação não era exigível por não ter sido emitida a factura.
Tendo posteriormente sido emitida e apresentada a factura, a obrigação correspondente ao IVA venceu-se no decurso da causa, pelo que a Ré é condenada a realizar a prestação, mas, na parte correspondente, o Autor suportará as custas, em conformidade com o disposto no nº 3 do artigo 610º do CPC.
Também os juros de mora só incidem sobre o valor do IVA a partir da data da apresentação da factura – 07.10.2020.
*
2.2.5. Excepção de não cumprimento do contrato – falta de emissão de facturas e recibos – conclusões 1ª, 4ª, 5ª e 27ª
Nas conclusões das suas alegações, sustenta que «existe fundamento para a aqui recorrente se recusar ao seu pagamento».
Na motivação das suas alegações, a Recorrente invocava que a recusa do pagamento do valor peticionado se alicerçava tanto na falta de emissão de recibos das quantias já adiantadas como na não emissão de factura pela prestação de serviços.
Quanto aos recibos, a versão da Recorrente não resultou demonstrada, pois deu-se como não provado, no ponto IV, que «o autor se recusava a passar recibos quando as quantias eram recebidas». Por isso, não se tendo provado o facto que constituía o pressuposto da aludida recusa, é irrelevante a apreciação de uma recusa sem fundamento, que, nessa parte, é uma mera falta de cumprimento culposo da respectiva obrigação. Aliás, no que respeita aos recibos a Recorrente nem sequer invocava qual a disposição legal violada, limitando-se à afirmação de que podia recusar a prestação.
Quanto à factura, já atrás abordamos tal questão na perspectiva da inexigibilidade da prestação decorrente do não cumprimento de uma obrigação fiscal por parte do Recorrido.
Resta apreciar a alegada licitude da recusa da prestação relativa ao valor dos honorários por o Recorrido não ter emitido a factura antes de 02.10.2020, já na pendência da acção.
A este propósito dispõe o artigo 428º, nº 1, do CCiv.:«Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo».
A exceptio non rite adimpleti contractus tem lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra. É o que se verifica nos contratos tradicionalmente chamados bilaterais ou sinalagmáticos. Nos contratos não sinalagmáticos é através, designadamente, do direito de retenção que a lei tutela algumas vezes o interesse de um deles no cumprimento oportuno das obrigações do outro.
Segundo João José Abrantes (10), tal exceptio consiste na faculdade que cada um dos contraentes tem de subordinar a execução da sua prestação ao cumprimento da contraprestação pelo seu comparte, pelo que um dos requisitos para a oponibilidade de tal meio de defesa é precisamente o da exigibilidade do crédito do excipiente. Daí que, «se um dos contraentes não cumpre sua obrigação na época do vencimento (sendo o cumprimento ainda possível, com satisfação do interesse do credor) e, apesar disso, reclama a contraprestação, o devedor desta pode, legitimamente, recusá-la enquanto subsistir este estado de coisas» (11).
No caso dos autos, já concluímos que não era exigível à Ré a entrega do valor do IVA enquanto o Autor não emitisse a respectiva factura (em rigor, a obrigação de entrega ao prestador do serviço do valor correspondente ao IVA só se constitui com a emissão da factura), com a consequente possibilidade de recusa do pagamento desse valor.
Relativamente ao pagamento do valor dos honorários, tendo o Autor prestado os serviços contratados, não se vislumbra fundamento para a invocação da excepção de não cumprimento por parte da Ré, a qual não pode recusar realizar a sua prestação quando já beneficiou da realizada pelo Autor. Falta, por isso, o pressuposto da “faculdade de recusar a sua prestação”, traduzido no “outro não efectuar a que lhe cabe”: se já cumpriu a sua obrigação, o Autor tem o direito de reclamar a contraprestação que lhe é devida, não sendo legítimo à Ré recusá-la.
Por isso, é ilegítima a recusa do pagamento do valor dos honorários devidos pela prestação de serviços de advocacia.
*
2.2.6. Litigância de má-fé do Autor – conclusões 17ª, 18ª e 20ª-23ª
A Recorrente propugna pela revogação da sentença na parte em que não condenou o Recorrido como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
Sustentaque «o requerente alega factos que sabe não serem verdade (não ignora com dolo ou negligência grave), nem constituem a realidade dos factos, procurando com esta posição tentar locupletar-se à conta da aqui recorrida», uma vez que «o requerente peticionou créditos como não pagos, quando este sabia e tinha conhecimento direto que tais valores não eram devidos, pois subscreveu três declarações em que assume ter recebido parcialmente o crédito peticionado».
O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa garante a todos o acesso ao direito e à tutela judicial efectiva. Em contraposição, tem de haver limites à forma como se exercem o direito de acção e o direito de defesa no âmbito do processo civil ou noutros ramos de direito adjectivo. Nem tudo pode ser tolerado no processo, pois o exercício de um direito deve ser compatibilizado com os direitos dos outros. Quem desrespeita de forma intolerável os direitos dos outros deve ser responsabilizado pela sua actuação.
Para assegurar o aludido desiderato e um correcto uso dos direitos processuais surge, a par de outros (12), o instituto da litigância de má-fé.
Partindo de um fundamento ético que deve presidir à exercitação dos direitos, a litigância de má-fé tem subjacente o interesse público na correcta administração da justiça, pois a actuação abusiva dos direitos processuais, traduzida na instrumentalização do direito processual, tem influência no resultado final do processo, ou seja, na justa composição do litígio. É um instituto processual, de tipo público e que visa o imediato policiamento do processo (13).
É possível descortinar no seu recorte normativo uma vertente sancionatória (v. o artigo 542º, nº 1, do CPC e o artigo 27º, nº 3, do Regulamento das Custas Processuais) e outra tendencialmente indemnizatória ou reparadora (v. artigo 543º do CPC).
Nos termos do nº 2 do artigo 542º do CPC, litiga de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
«a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
É indiscutível que o Autor reclamou nestes autos o pagamento do montante de € 6.762,30, por honorários e despesas que alegou estarem em dívida pela Ré, acrescido de juros de mora e demais quantias, perfazendo o total de € 6 902,78, sem levar em linha de conta que a Ré, além dos € 1.000,00 que no requerimento injuntivo confessara ter recebido, já havia procedido ao pagamento de mais € 2.000,00.
Em abstracto, tal conduta subsume-se objectivamente ao disposto na al. a) do nº 2 do artigo 542º do CPC, ou seja, à dedução de pretensão cuja falta de fundamento, ainda que parcial, não devia ignorar. Noutra perspectiva, omitiu o facto de ter ocorrido o apontado pagamento parcial, apenas mencionado o referente à quantia de € 1.000,00.
Porém, ao lado desse elemento objectivo, exige a lei, no artigo 542º, nº 2, do CPC, um elemento subjectivo: é indispensável a verificação de uma actuação com dolo ou negligência grave.
Age com dolo a parte que sabe que a sua pretensão ou oposição não tem fundamento e que ainda assim decide utilizar o meio processual que a introduz em juízo. O conceito de negligência está sempre associado à violação de um dever de prudência ou de diligência devida. Porém, exige-se que a violação do dever de prudência ou de diligência seja grave. Na litigância de má-fé considera-se que existe inobservância do dever de diligência exigível quando a generalidade das pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de deduzir a pretensão ou oposição.
Não existe rigorosamente qualquer elemento que permita afirmar o dolo e é duvidoso que estejam reunidos os pressupostos da negligência grave, concedendo-se que a questão é de fronteira.
Para a situação de dúvida contribui a circunstância de o Autor, antes de ter sido notificado da oposição (14), em 06.07.2020, ter vindo aos autos «reduzir o valor peticionado na presente injunção para 4902,78€ (quatro mil novecentos e dois euros e setenta e oito cêntimos), uma vez que por lapso (do qual só agora se apercebeu e do qual se penitencia) indicou que tinha recebido 1000,00€ a título de provisão para honorários e despesas no processo 247/12.7TBTMC, Inventário, quando na verdade já recebeu a quantia de 3000,00€ a título de provisão para honorários e despesas referentes ao mesmo».
Ora, como sempre temos defendido, a consideração da parte como litigante de má-fé tem de assentar num substrato factual e jurídico sólido, em que não exista margem para qualquer interpretação diversa, atenta a especial gravidade que deve revestir a conduta necessária para o preenchimento da previsão legal (15).
E isso, salvo o devido respeito, não se verifica no caso dos autos.
Por um lado, o Autor, por sua iniciativa, antes de ser notificado da oposição, confessou ter recebido mais € 2.000,00 e reduziu em conformidade o pedido. Invocou que se tratou de um lapso e penitenciou-se do mesmo, numa postura de auto-reconhecimento da sua deficiente actuação.
Por outro lado, no mais, como se colhe na matéria de facto, a versão do Autor resultou integralmente demonstrada.
Termos em que se conclui pela inexistência de fundamento para condenar o Autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização.
*
2.2.7. Valor do IVA – conclusões 24ª-26ª
Não existe dissídio entre as partes sobre se acresce IVA ao valor dos honorários devidos pelos serviços prestados pelo Autor.
Apenas está suscitada a questão sobre se a taxa é de 6%, como defende a Recorrente, ou de 23%, como se decidiu na sentença. Aliás, no seu requerimento de 22.09.2020, o próprio Autor veio aos autos reconhecer que a taxa aplicável é de 6%, ao contrário do que tinha peticionado inicialmente, dizendo que «ao emitir a factura que se junta, referente aos serviços prestados, o A. se apercebeu que a R. goza de apoio judiciário no processo de Inventário, pelo que a taxa de IVA é de apenas 6%, nos termos do disposto no ponto 2.11 do Anexo I do Código do Imposto Sobre o Valor Acrescentado, pelo que a mesma só será devedora de IVA à taxa legal de 6%, mas o Tribunal oportunamente decidirá sobre a taxa de IVA a aplicar in casu».
Não obstante a concordância das partes sobre a taxa do IVA ser de 6%, o Tribunal recorrido entendeu que a «obrigação resulta do disposto no artigo 113.º da Diretiva IVA que sucede ao Artigo 28.º da Sexta Diretiva e regula o regime transitório do IVA, sujeitando a generalidade dos serviços prestados por Advogado à taxa de 23%. Neste sentido, sobre a quantia de €4.762,30, devida pela ré, acresce o pagamento do respectivo IVA à taxa legal de 23%».
Consequentemente, condenou a Ré a pagar ao Autor a «quantia de €4.762,30 (quatro mil setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos), acrescida de IVA à taxa legal de 23%».
Está em causa o reflexo civil de uma questão que é na sua origem de natureza tributária.
No artigo 18º do CIVA, prevêem-se as três diferentes taxas do imposto, sendo que, nos termos da alínea a) do seu nº 1, a taxa é de 6% «para as importações, transmissões de bens e prestações de serviços constantes da lista I anexa a este diploma».
Nessa Lista I estão descritos os bens e serviços sujeitos a taxa reduzida de 6% e verifica-se que a verba 2.11 respeita a «prestações de serviços, efectuadas no exercício das profissões de jurisconsulto, advogado e solicitador a desempregados e trabalhadores no âmbito de processos judiciais de natureza laboral e a pessoas que beneficiem de assistência judiciária».
No caso dos autos, os serviços foram prestados pelo Autor no exercício da profissão de advogado, o que preenche o requisito relativo ao tipo de prestador, e teve como destinatária a Ré, que beneficia de apoio judiciário (matéria que é regulada na Lei nº 34/2004, de 20 de Julho), pelo que também está preenchido o segundo requisito previsto na mencionada verba 2.11 da Lista I anexa ao CIVA.
Portanto, é devido IVA à taxa de 6% e não de 23%.
Embora as aludidas disposições sejam de interpretação linear no sentido apontado, se porventura houvesse dúvidas sobre a aplicabilidade da taxa reduzida de IVA ao caso dos autos, bastaria consultar a “informação vinculativa nº 17256”, de 14.05.2020, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, onde se concluiu que «a prestação de serviços efectuada por jurisconsulto, advogado ou solicitador a uma pessoa que beneficia de assistência judiciária nos termos referidos, enquadra-se na verba 2.11 da Lista I anexa ao CIVA, sendo, assim, sujeita a imposto à taxa reduzida (6%), prevista na al. a) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA».
Nestes termos, procedem as conclusões formuladas quanto a esta questão.
*
2.2.8. Responsabilidade pelas custas da acção – conclusões 16ª
Na sentença condenou-se a Ré na totalidade das custas da acção, invocando-se o disposto no «artigo 527.º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e artigo 6.º e tabela I-A do Regulamento das Custas Processuais».
Na conclusão 16ª a Recorrente impugna tal decisão, afirmando o seguinte: «Sem prescindir do decaimento, pois, tal mostra-se necessário para efeitos da responsabilidade de custas de parte, taxas de justiça e encargos. (Vide artigo 7. do R.C.P.)».
Em caso algum a Ré poderia ser condenada na totalidade das custas da acção, na medida em que, desde logo, o Autor desistiu parcialmente do pedido, pelo que nessa parte, correspondente à redução do pedido no valor de € 2.000,00, as custas são inequivocamente a seu cargo, pois a elas deu causa (art. 527º, nº 2, do CPC), ao intentar o procedimento de injunção relativamente a uma quantia que já anteriormente lhe havia sido paga.
Já no âmbito do presente recurso, em consequência da sua parcial procedência, com reflexo nas custas da acção, o Autor também ficou vencido no que respeita à taxa de IVA (peticionou 23% e tem somente direito a cobrar 6%) e ao momento a partir do qual é devida a quantia correspondente a esse imposto, que é apenas a partir da data em que documenta nos autos a emissão da factura, ou seja, 07.10.2020.
Já as custas do recurso serão suportadas na proporção do respectivo decaimento das partes.
**
2.3. Sumário
1 – É admissível a desistência, total ou parcial, do pedido no procedimento de injunção e na acção de processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato. 2 – O artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, não constitui uma limitação à desistência do pedido, mas antes uma forma de disciplinar as consequências procedimentais da sua apresentação até à data da dedução da oposição ou, na sua falta, até ao termo do prazo de oposição, ao estabelecer a devolução ao requerente do expediente respeitante ao procedimento injunção. Ocorrendo a desistência de todo o pedido na injunção, em vez de o processo ser remetido à distribuição para o juiz posteriormente homologar a desistência total do pedido, como se pretende uma simplificação processual e uma desjudicialização/desburocratização, o expediente é simplesmente devolvido ao requerente; se desistir do pedido posteriormente à dedução da oposição, o procedimento é necessariamente remetido à distribuição, pois já não é admissível a devolução do expediente ao requerente. 3 – A emissão da factura é condição legal da exigibilidade do valor do IVA que incide sobre a retribuição dos serviços prestados por advogado na prática de actos próprios da profissão, com a consequente possibilidade de recusa do pagamento desse valor. 4 – Não litiga de má-fé o autor que, por sua iniciativa, antes de ser notificado da oposição, confessa ter recebido, anteriormente à propositura da acção, € 2.000,00 do valor global que havia peticionado e reduzido em conformidade o pedido. 5 – É aplicável a taxa de 6% de IVA aos serviços prestados no exercício da profissão de advogado a pessoa que beneficia de apoio judiciário.
***
III – DECISÃO
Assim, nos termos e pelos fundamentos expostos, acorda-se em conceder parcial provimento à apelação e, em consequência, decide-se:
a) Fixar o valor da causa em € 6.902,78 (seis mil, novecentos e dois euros e setenta e oito cêntimos).
b) Atento o objecto disponível e a qualidade do desistente, julgar válida a desistência parcial do pedido formulada no requerimento de 06.07.2020, que se homologa, absolvendo-se a Ré dessa parte do pedido.
c) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 4.762,30 (quatro mil, setecentos e sessenta e dois euros e trinta cêntimos), acrescida de IVA à taxa legal de 6%, bem como de juros de mora a contar de 03.01.2020 sobre a quantia € 4.762,30 e a contar de 07.10.2020 sobre a quantia correspondente ao IVA, à taxa legal, tudo até integral pagamento.
d) Estabelecer que o Autor suportará as custas da acção na parte correspondente à redução do pedido, ao seu decaimento quanto à taxa do IVA e à data em que se tornou exigível a quantia correspondente ao valor daquele imposto e os juros de mora sobre tal montante, suportando a Ré as custas na parte restante.
e) Confirmar no mais a sentença recorrida.
Custas do recurso na proporção do decaimento.
Joaquim Boavida (relator)
Paulo Reis (1º adjunto)
Joaquim Espinheira Baltar (2º adjunto)
1. Utilizar-se-á a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.
2. Comentário ao Código de Processo Civil, vol. 3º, Coimbra Editora, pág. 650.
3. Código de Processo Civil, vol. I, Almedina, pág. 347.
4. Preceito aditado pelo DL nº 107/2005, de 1 de Julho.
5. A referida disposição não constitui sequer uma limitação à desistência do pedido, mas antes uma forma de disciplinar as consequências procedimentais da sua apresentação até à data da dedução da oposição ou, na sua falta, até ao termo do prazo de oposição, ao estabelecer a devolução ao requerente do expediente respeitante ao procedimento injunção. Quer isto dizer que, em vez de o processo ser remetido à distribuição para o juiz posteriormente homologar a desistência total do pedido, como se pretende uma simplificação processual e uma desjudicialização/desburocratização, o expediente é simplesmente devolvido ao requerente. Se o requerente desistir do pedido posteriormente à dedução da oposição o procedimento é necessariamente remetido à distribuição, pois já não é admissível a devolução do expediente ao requerente.
6. Os seus efeitos não se produzem apenas a partir do momento em que a declaração de desistência do pedido é recebida pelo réu ou que chega ao conhecimento deste.
7. «1 - A conta de honorários deve ser apresentada ao cliente por escrito, mencionar o IVA que for devido e ser assinada pelo advogado ou por ordem e responsabilidade do advogado ou da sociedade de advogados. 2 - Os honorários devem ser fixados em euros, sem prejuízo da indicação da sua correspondência com qualquer outra moeda. 3 - A conta deve enumerar e discriminar os serviços prestados. 4 - Os honorários devem ser separados das despesas e encargos, sendo todos os valores especificados e datados. 5 - A conta deve mencionar todas as provisões recebidas. 6 - O advogado não pode agravar a conta apresentada ao cliente no caso de não pagamento oportuno ou de cobrança judicial, embora possa, querendo, exigir a indemnização devida pela mora nos termos legais».
8. Ac. da Relação de Coimbra, de 16.12.20215, proferido no processo 162/12.4TBMDAC1, relatado por Barateiro Martins, disponível em www.dgsi., tais como todos os demais que se citarem sem indicação da respectiva fonte.
9. Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL, pág. 230.
10. A Excepção de Não Cumprimento do Contrato, 2ª edição, Almedina, pág. 47.
11. Ob. cit., pág. 45.
12. Por exemplo, o abuso do direito de acção.
13. António Menezes Cordeiro, Litigância de Má-Fé, Abuso do directo de acção e Culpa “In Agendo”, Almedina, pág. 28.
14. A oposição foi notificada ao Autor por comunicação electrónica de 23.09.2020 e não há rigorosamente qualquer elemento nos autos que permita afirmar que teve conhecimento daquela peça processual antes de tal notificação.
15. Tendo subjacente a sua natureza, a condenação por litigância de má-fé deve alicerçar-se numa segura imputação à parte de um grave desvalor da sua conduta processual.