IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA DECISÃO QUE INDEFERIU O PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
ACTO ADMINISTRATIVO
Sumário

I - Embora o ato administrativo tácito não constitua propriamente um ato voluntário da administração (já que, desde logo, se baseia na inércia) é, para todos os efeitos, um ato administrativo, que pode ser revogado, suspenso, confirmado, alterado, interpretado ou substituído.
II - A impugnação judicial da decisão administrativa denegatória do pedido de protecção jurídica é o meio processual próprio para discussão de todas as questões relativas à sua validade e correcção, a qual deve ser apresentada no serviço da segurança social que apreciou essa pretensão, podendo essa entidade revogar a decisão de indeferimento ou mantê-la.
III - Significa isto que a impugnação judicial, com todos os fundamentos em que poderá assentar, não pode ser suscitada na própria acção a que se destina o apoio judiciário, nem esse é o lugar próprio para discutir qualquer questão sobre os eventuais fundamentos para a sustentar.

Texto Integral

Processo nº 2466/19.6T8AVR-A.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro,
Aveiro – Juízo de Comércio, Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
1. RELATÓRIO
B… intentou o presente processo especial requerendo a declaração de insolvência de C…, fazendo acompanhar a petição inicial de comprovativo do requerimento de protecção jurídica que apresentou nos serviços da Segurança Social, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a ser proferida decisão que declarou os tribunais portugueses internacionalmente incompetentes para a preparação e julgamento da ação.
Tal decisão transitou em julgado, sendo que em 20.10.2020 foi a requerente notificada para “vir aos autos juntar a decisão proferida a respeito do pedido de apoio judiciário formulado em 11.07.2019, caso já tenha sido proferida e comunicada ao seu constituinte, afim de se proceder à eventual contagem dos autos”.
Em resposta, em 22.10.2020, a requerente apresentou requerimento com o seguinte teor: “notificada que foi para juntar aos autos decisão a respeito do pedido de apoio judiciário formulado em 11-07-2019, vem informar que ainda não foi proferida e/ou comunicada qualquer decisão.
Uma vez que já passaram bem mais de 30 dias para a conclusão do procedimento administrativo considera-se tacitamente deferido e concebido o pedido de protecção jurídica por força do art. 25º n.ºs 1 e 2 L.A.D.T.
Termos em que se requer que seja reconhecida a formação do acto tácito”.
Em 23.10.2020 foi solicitado ao Centro Distrital de Segurança Social de … - Núcleo de Apoio Jurídico informação no sentido de saber se já existia decisão sobre o pedido de apoio formulado.
Em 2.11.2020, foi o mandatário da requerente notificado, por missiva datada de 28.10.2020, de que “o pedido de apoio judiciário que deu entrada nestes serviços em 11-07-2019, em nome de B…, foi indeferido nos termos dos artigos 8.º-B, n.ºs 3 e 4 e 23.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.”, aí se acrescentando que “de acordo com o n/ofício n.º 218487 datado de 30-10-2019, a requerente dispunha de 10 (dez) dias úteis para se pronunciar quanto ao nosso pedido de informações complementares, sob pena de indeferimento do pedido no 1º dia útil seguinte ao termo do respectivo prazo de resposta, nos termos dos artigos 8.ºB, n.ºs 3 e 4 e 23.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.”
Em 9.11.2020 a requerente apresentou nos autos requerimento com o seguinte teor: “notificada da decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, vem expor e requerer nos termos e com os fundamentos seguintes:
O pedido de apoio judiciário apresentado, em nome de B…, foi apresentado por representante legal, como aliás resulta do pedido de apoio que consta dos autos.
No entanto, o ISS não dirigiu a putativa notificação de audiência prévia ao representante da requerente da concessão de apoio, pelo que são nulas e não produzem nenhum efeito por violação dos artigos 67º e 161º/ 2 al. d) do Código de Procedimento Administrativo e dos artigos 2º e 20º da CRP.
A consequência de o Advogado da recorrente, representante da requerente no procedimento de pedido de concessão de apoio judiciário não ter sido notificado das vicissitudes desse procedimento redundou num indeferimento do pedido de apoio apresentado, sem o competente exercício do direito de audição da interessada requerente, na pessoa do seu legal representante.
O que, terá como consequência, a extinção da lide por falta de meios económicos por parte da Requerente para proceder ao pagamento da taxa de justiça, impedindo-a de se defender e de defender os seus interesses, pois não tem rendimentos susceptíveis de com eles fazer face às taxas de justiça.
Agravado pelo facto de a Seg. Social ao receber a notificação devolvida nem sequer indagou para que fosse esclarecido o motivo da devolução, pelo que não se pode considerar a notificação como devidamente efectuada, para efeitos da audiência prévia, a qual acabou assim por não ocorrer.
O que relativamente a direitos fundamentais integra nulidade absoluta nos termos da al. d) do n.º2 do art. 161º do CPA.
A notificação a que alude o ofício do ISS de 29-10-2019 constitui violação pelo que não poderia produzir qualquer efeito, o que redunda no reconhecimento do deferimento tácito do pedido de apoio judiciário nos termos do n° 2 do artigo 25° da Lei 34/2004 por ter decorrido um prazo superior ao regulado no n° 1 desse artigo sem que tenha havido decisão sobre o procedimento.
Termos em que se requer que seja reconhecida a formação do acto tácito”.
Por despacho proferido em 24.11.2020 foi determinada a notificação dos “competentes serviços da Segurança Social, para esclarecerem o que tiverem por conveniente quanto à invocação da formação de ato tácito pela requerente”.
Em resposta os serviços da Segurança Social, por email datado de 22.01.2021, informaram que “o pedido de proteção jurídica à margem referido, formulado em 11-07-2019 por B…, foi objecto de proposta de indeferimento em sede de audiência prévia, sem que tenha sido apresentada resposta, pelo que aquela proposta se converteu em decisão definitiva de indeferimento em 27-01-2020, nos termos do art. 23.º, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, pela Lei n.º 40/2018, de 08 de Agosto e pelo Decreto-Lei n.º 120/2018, de 27 de Dezembro”.
Foi então prolatado, em 8.02.2021, despacho com o seguinte teor: «Requerimentos apresentados pelo requerente a 11.07.2019 e a 27.01.2020 e pela Segurança Social a 22.01.2021:
Determina o artigo 26.º, n.º 2, da Lei n.º Lei n.º 34/2004, de 29 de julho que a decisão sobre o pedido de proteção jurídica não admite reclamação nem recurso hierárquico ou tutelar, sendo suscetível de impugnação judicial nos termos dos artigos 27.º e 28.º.
Por seu lado, o referido artigo 27.º, n.º 1, estabelece que a impugnação judicial pode ser intentada diretamente pelo interessado, não carecendo de constituição de advogado, e deve ser entregue no serviço de segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica, no prazo de 15 dias após o conhecimento da decisão.
Além disso, o seu n.º 3 prevê que recebida a impugnação, o serviço de segurança social dispõe de 10 dias para revogar a decisão sobre o pedido de proteção jurídica ou, mantendo-a, enviar aquela e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente.
Finalmente, o artigo 28.º, n.º 1, do diploma em referência, determina que é competente para conhecer e decidir a impugnação o tribunal da comarca em que está sedeado o serviço de segurança social que apreciou o pedido de proteção jurídica ou, caso o pedido tenha sido formulado na pendência da ação, o tribunal em que esta se encontra pendente.
Assim, para o que, no caso importa, a decisão de indeferimento do pedido de protecção jurídica era suscetível de impugnação judicial, a qual deveria ter sido dirigida aos competentes serviços de Segurança Social que apreciou o pedido.
Do exposto decorre que os fundamentos invocados a 09.11.2020 pela requerente junto deste Tribunal, a 09.11.2020, deveriam ter constituído, em tempo, fundamento para impugnação da decisão de indeferimento do pedido de proteção jurídica, proferida a 27.01.2020, o que não sucedeu.
Com efeito, não tendo a requerente impugnado, em tempo e pelo meio próprios, a decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário, os requerimentos apresentados a 22.10.2020 e 09.11.2020 não se mostram idóneos para o efeito – sob pena de, a não ser assim, se preterirem totalmente os trâmites legalmente estabelecidos.
Com fundamento no exposto, vai indeferida a requerida declaração de deferimento tácito do pedido de apoio judiciário».
Inconformada com tal ato decisório, veio a requerente interpor o presente recurso, que foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentou alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
a) Em 11 de Julho de 2019 o signatário na qualidade de legal representante da Requerente assinou e entregou Requerimento de Protecção Jurídica aos Serviços da Segurança Social.
b) Nos 30 dias seguintes aqueles serviços não decidiram nem comunicaram qualquer decisão ao Ilustre Mandatário.
c) Em 22 de Outubro de 2020 o mandatário juntou aos autos o requerimento que havia apresentado e pediu o reconhecimento da formação do acto tácito, nos termos do art.º 25º nº 1 nº 2 da L.A.D.T. e consequentemente concedido o pedido de apoio formulado.
d) Em 02 de Novembro de 2020 foi notificado pelo Tribunal de que o pedido de apoio judiciário por si entregue em 11/07/2019, em nome da Requerente, tinha sido indeferido, por se não ter pronunciado quanto ao ofício de pedido de informações complementares datado de 30/10/2019.
e) Estupefacto com tal notificação logrou apurar que aquela notificação não lhe tinha sido feita a si, mas à pessoa da sua mandante não residente em Portugal e por isso foi devolvida aos respectivos Serviços.
f) Apesar dessa devolução os Serviços da Segurança Social nem cuidaram de ver o erro, nem o repararam, notificando o mandatário, legal representante da Requerente, pessoa que não havia apresentado o pedido.
g) Não se pode assim considerar que tenha ocorrido uma notificação válida para efeitos de completar o pedido, quanto mais para efeitos do exercício do contraditório e do direito de audição.
h) Pelo que a decisão de indeferimento é nula e de nenhum efeito, seja pela nulidade por ausência de notificação ao autor do pedido, seja porque também o autor do pedido não foi ouvido para efeitos do direito de audição/audiência prévia.
i) E consequentemente pela falta de decisão válida não existe lugar a impugnação judicial, já que a nulidade é grosseira.
j) A falta da notificação devida integra nulidade absoluta nos termos do art.º 67º e da al. d) do nº 2 do art.º 161º do C.P.A. e dos arts.º 2 e 20º da C.R.P., não podendo produzir qualquer efeito.
k) A Mmª. Juiz a quo deveria por isso ter reconhecido a formação do acto tácito do deferimento do Requerimento de Protecção Jurídica, apresentado em 11/07/2019, que ocorreu 30 dias depois da apresentação do pedido.
l) Já que a formação do acto tácito ocorreu muito antes da notificação feita para a pessoa que não subscreveu o pedido.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Remetidos os autos a este Tribunal foi proferida decisão singular que julgou improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Inconformada com esse ato decisório, veio agora a recorrente apresentar a presente reclamação para a conferência requerendo que seja proferido acórdão sobre a matéria da decisão.
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Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA RECLAMAÇÃO
São as seguintes as questões a apreciar na presente reclamação:
. da formação de ato tácito de deferimento do pedido de apoio judiciário formulado pela apelante/reclamante e da possibilidade de os serviços da Segurança Social emitirem subsequentemente ato expresso de indeferimento desse pedido;
. da nulidade da decisão denegatória do pedido de apoio judiciário.
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III- FUNDAMENTOS DE FACTO
A materialidade a atender para efeito de apreciação do objeto da presente reclamação é a que dimana do antecedente relatório.
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IV - FUNDAMENTOS DE DIREITO
A reclamante insurge-se contra a decisão singular que julgou improcedente a apelação por si interposta, limitando-se a requerer que “sobre a respectiva matéria recaia um acórdão”.
Não se nos afigura, contudo, que a decisão sumária do relator mereça censura, posto que as questões que nela foram decididas obtiveram solução jurídica que reputamos acertada.
Como assim, renovamos e fazemos nossos os argumentos em que se ancorou a aludida decisão singular e que se passam a transcrever:
«Como emerge dos autos, por requerimento apresentado em 11 de julho de 2019, a requerente e ora apelante solicitou a concessão de protecção jurídica, na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Sustenta a apelante que, em virtude de os serviços da Segurança Social não terem decidido ou comunicado qualquer decisão nos 30 dias seguintes à apresentação desse requerimento, se formou ato tácito de deferimento da pretensão aí aduzida, razão pela qual, quando notificada para “vir aos autos juntar a decisão proferida a respeito do pedido de apoio judiciário formulado em 11.07.2019”, requereu ao tribunal, em 22.10.2020, que fosse “reconhecida a formação do ato tácito”, pedido que renovou com o requerimento apresentado em 9 de novembro desse mesmo ano, onde igualmente sustenta que o procedimento administrativo de apoio judiciário – que veio a culminar com a decisão de indeferimento do pedido de protecção jurídica que havia formulado - enferma de vício de nulidade por não ter sido notificada, nem o seu mandatário, para exercer o seu direito de audição em momento anterior à prolação dessa decisão.
Pronunciando-se sobre tais questões, o juiz a quo indeferiu a requerida declaração de deferimento tácito do pedido de apoio judiciário, sustentando igualmente que “os fundamentos [de nulidade do procedimento administrativo] invocados pela requerente deveriam ter constituído, em tempo, fundamento para impugnação da decisão de indeferimento do pedido de protecção jurídica”.
A apelante rebela-se contra o aludido sentido decisório sustentando que a decisão de indeferimento proferida pelos serviços da Segurança Social é nula e de nenhum efeito por inobservância do direito de audição prévia, não existindo, por isso, “lugar a impugnação judicial, já que a nulidade é grosseira”, sendo certo que a formação do ato tácito de deferimento do pedido de protecção jurídica que havia formulado ocorreu muito antes de ser proferida aquela decisão de indeferimento.
Que dizer?
Preceitua o nº 1 do art. 25º, nº 1 da Lei nº 34/2004, de 29 de julho[1] (doravante, LAJ) que “[o] prazo para conclusão do procedimento administrativo e decisão sobre o pedido de proteção jurídica é de 30 dias, é contínuo, não se suspende durante as férias judiciais”; por seu turno, o seu nº 2 diz-nos que decorrido aquele prazo “sem que tenha sido proferida uma decisão, considera-se tacitamente deferido e concedido o pedido de proteção jurídica”.
O último inciso transcrito estabelece, no domínio específico do apoio judiciário[23[2], um ato ficcionado (deferimento tácito), através do qual se concede ao particular o correspondente à sua pretensão na sequência do decurso de um lapso de tempo sem que os serviços da Segurança Social se tenham pronunciado sobre a mesma.
Como afirma FREITAS DO AMARAL[3], neste tipo de casos, “a lei atribui ao silêncio da Administração o significado de acto tácito positivo: perante um pedido de um particular e decorrido um certo prazo sem que o órgão administrativo competente se pronuncie, a lei considera que o pedido feito foi satisfeito. O silêncio vale como manifestação tácita de vontade da Administração em sentido positivo para o particular.”
Portanto, pressuposto da formação do acto tácito é o silêncio ou abstenção da administração, isto é, a falta de decisão desta no prazo fixado na lei.
É certo que, no caso vertente, a referida entidade administrativa[4] não proferiu decisão (positiva ou negativa) relativamente ao pedido de protecção jurídica que a requerente apresentara em 11 de julho de 2019 nos 30 dias subsequentes, o que, primo conspectu, implicaria a formação de ato tácito de deferimento.
No entanto, embora o ato administrativo tácito não constitua propriamente um ato voluntário da administração (já que, desde logo, se baseia na inércia) é, para todos os efeitos, um ato administrativo, que pode ser revogado, suspenso, confirmado, alterado, interpretado ou substituído[5].
Daí que, mesmo que se considere estar-se em presença de formação de ato tácito, sempre a autoridade administrativa o poderia substituir nos moldes em que veio a decidir a pretensão de proteção jurídica formulada pela respetiva requerente, constituindo esse ato posterior um ato administrativo anulatório nos termos estabelecidos no art. 165º do Código do Procedimento Administrativo.
Advoga, contudo, a apelante que essa decisão administrativa enferma de vício de nulidade por inobservância da audição/audiência prévia em momento anterior à prolação da mesma, não tendo sequer conhecimento da decisão denegatória da pretensão que havia formulado.
Como resulta dos autos, em 2.11.2020, foi o mandatário da requerente notificado, por missiva datada de 28.10.2020, de que “o pedido de apoio judiciário que deu entrada nestes serviços em 11-07-2019, em nome de B…, foi indeferido nos termos dos artigos 8.º-B, n.ºs 3 e 4 e 23.º, n.º 2 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto.” Portanto, pelo menos, desde esse momento, a requerente não ignorava que a Segurança Social indeferira o pedido de protecção jurídica que havia formulado e, de forma implícita, que não reconhecia ter ocorrido o deferimento tácito dessa pretensão.
Ora, se não concordava com essa decisão a requerente deveria tê-la impugnada judicialmente, posto que quer a arguição de vício de nulidade no procedimento administrativo por alegada omissão de formalidade essencial, quer a apreciação da questão respeitante à possibilidade ou não de a Segurança Social emitir ato expresso de indeferimento do pedido de apoio judiciário após o decurso do prazo previsto no art. 25º, nº 1 da LAJ, tinha de ser invocada através do meio processual a que se alude nos arts. 26, nº 2, 27º e 28º desse diploma legal.
Na verdade, para além da autonomia do procedimento de protecção jurídica consignada no art. 24º da LAJ, convém ter também presente que - conforme tem sido recorrentemente sublinhado pela jurisprudência[6] - a impugnação judicial da decisão administrativa é o meio processual próprio para discussão de todas as questões relativas à sua validade e correcção, a qual deve ser apresentada no serviço da segurança social que apreciou o pedido de protecção jurídica, podendo essa entidade revogar a decisão de indeferimento ou mantê-la. Significa isto que a impugnação judicial, com todos os fundamentos em que poderá assentar[7], não pode ser suscitada na própria acção a que se destina o apoio judiciário, nem esse é o lugar próprio para discutir qualquer questão sobre os eventuais fundamentos para a sustentar.
Assim, mesmo admitindo que a apelante não foi notificada, no devido tempo, da proposta de decisão de indeferimento do pedido de apoio judiciário que deduziu, a verdade é que, como resulta dos autos, teve conhecimento dessa decisão, pelo menos, na sequência da notificação que lhe foi efetuada pelos serviços da Segurança Social em 2 de novembro de 2020, ao que reagiu por mero requerimento dirigido ao tribunal de 1ª instância, invocando a referida falta de notificação e a formação de ato tácito de deferimento.
Ao reagir dessa forma, a ora apelante preteriu formalidades legais indispensáveis, não tendo apresentado uma verdadeira impugnação judicial com observância das condições legalmente previstas, designadamente, entregando-a no serviço da segurança social que apreciou o pedido de proteção jurídica, no prazo de 15 dias a contar do conhecimento da decisão. Preterindo esta formalidade, impediu aquele serviço administrativo de a reapreciar, revogando-a ou mantendo-a, neste caso, enviando a impugnação e cópia autenticada do processo administrativo ao tribunal competente para apreciação (art. 27º, nºs 1 e 3 da LAJ). Levou indevidamente, por forma imprópria, a questão para o tribunal recorrido. Não reagiu à posição daqueles serviços na forma processual adequada e chamou diretamente a decidir sobre a questão a entidade com competência apenas para apreciar, de forma irrecorrível, tal matéria através da impugnação judicial (art. 28º, nº 5 da LAJ).
Nessas circunstâncias, se não deitou mão do meio próprio para se opor à aludida decisão da Segurança Social, não poderia conseguir decisão sobre a questão (da concessão ou não do benefício do apoio judiciário) no tribunal a quo e, muito menos, a reapreciação da mesma através de recurso para esta Relação. Se assim fosse obteria nesta instância decisão sobre matéria que a mesma jamais poderia ser chamada a decidir em condições normais por via de recurso, atento o disposto no citado nº 5 do art. 28 da LAJ.»
Atentas as razões alinhadas na decisão singular e ora transcritas, não se vislumbra razão válida para divergir do sentido decisório nela acolhido relativamente às concretas questões que nela foram objeto de apreciação.
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V- DECISÃO
Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em não atender a reclamação, mantendo, pois, a decisão singular que julgou improcedente a apelação.
Custas a cargo da reclamante, fixando-se a respectiva taxa de justiça em três Ucs.

Porto, 24.05.2021
Miguel Baldaia de Morais
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
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[1] Na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 47/2007, de 28.08.
[2] Em termos gerais, o nº 1 do art. 130º do Código do Procedimento Administrativo (aprovado pelo DL nº 4/2015, de 7.01) postula existir “[d]eferimento tácito quando a lei ou regulamento determine que a ausência de notificação da decisão final sobre pretensão dirigida a órgão competente dentro do prazo legal tem o valor de deferimento.
[3] In Direito Administrativo, vol. III, 1989, pág. 262.
[4] Que, nos termos do art. 20º da LAJ, detém competência exclusiva para decidir sobre a concessão ou não da protecção jurídica, competindo-lhe também cancelar ou verificar a caducidade da proteção jurídica concedida (arts. 10º, nº 3 e 11º).
[5] Cfr., sobre a questão, FREITAS DO AMARAL, ob. citada, págs. 273 e seguintes.
[6] Cfr., por todos, acórdãos desta Relação de 14.07.2020 (processo nº 2114/19.1T8MTS.P1) e de 18.10.2012 (processo nº 6672/10.0YYPRT-A.P1) e acórdãos da Relação de Guimarães de 14.11.2019 (processo nº 185/19.2T8VCT-A.G1), de 2.07.2013 (processo nº 4149/10.3TBGMR-D.G1) e de 12.05.2011 (processo nº 4483/09.5TBGMR-A.G1), acessíveis em www.dgsi.pt.
[7] De acordo com o regime jurídico plasmado nos arts. 27º e 28º da LAJ, a impugnação judicial aí prevista destina-se à eliminação ou correção da decisão administrativa que se mostre inquinada de vício formal ou substancial; por conseguinte, esse meio de impugnação assume natureza de reexame ou reponderação, no qual o tribunal se vai preocupar fundamentalmente com a averiguação da legalidade ou ilegalidade da decisão recorrida.