PENA DE MULTA
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PRAZO DE PAGAMENTO
MULTA
Sumário

I - Porque a pena de multa aplicada diretamente não perde a sua natureza de pena principal (ver o regime previsto no artigo 47.º do Código Penal) é que, apesar de, em caso de incumprimento poder ser (na altura própria), convertida em prisão subsidiária, nos termos do artigo 49.º, n.º 2, do mesmo Código «o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.»
II - A prisão subsidiária a que se refere o artigo 49.º, n.º 1, do Código Penal, para além de não ser uma “pena de substituição”, não se confunde com a pena de prisão enquanto pena principal, apesar de a sua execução poder ser suspensa, nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal (e não do disposto no artigo 50.º do mesmo Código).
III - O prazo estabelecido no artigo 489.º, n.º 2, do Código de Processo Penal é perentório (artigo 139.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), devendo ter-se presente que a prorrogabilidade dos prazos tem de estar prevista na lei (ver artigo. 141.º deste Código).
IV - O facto de outras normas preverem e admitirem, em caso de incumprimento no prazo do pagamento (como sucede com as etapas previstas nos artigos 491.º e 491.º-A do Código de Processo Penal) a possibilidade de haver ainda pagamento voluntário em qualquer momento posterior (por exemplo, na etapa do processo executivo, quando se trata da cobrança coerciva da multa ou, posteriormente, na fase de execução da prisão subsidiária) não impede que se considere como perentório o prazo estabelecido no artigo. 489.º, nº 2, desse Código.

Texto Integral

Processo comum coletivo n.º 746/16.1PWPRT do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal do Porto - Juiz 1

Relatora – M. do Carmo Silva Dias
Adjunto – Ernesto Nascimento

Acordam, em conferência,
na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
I.1. No processo supra identificado foi proferida em 12.10.2020, a seguinte decisão judicial:
“Antes de mais, tendo em conta o teor de fls. 316 e 319 e informação policial de fls. 332 sobre a situação económica do arguido, notifique o mesmo por intermédio de autoridade policial para, em 10 dias, liquidar a pena de multa que lhe foi aplicada nos presentes autos no montante de €700,00, requerer o seu pagamento em prestações ou mediante trabalho a favor da comunidade, sob a cominação de nada requerendo poder ter que cumprir 93 dias de prisão subsidiária.
D.N.”
I.2. Não se conformando com essa decisão, o Ministério Público interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. O arguido foi condenado na pena de 140 dias de multa, à taxa diária de 5€, tendo sido notificado para proceder ao pagamento da pena de multa até 10/12/2019, através de ofício remetido a 22/11/2019.
2. Tal notificação foi recebida pelo arguido em 26/11/2019.
3. O arguido não liquidou a pena de multa no prazo voluntário, não requereu o pagamento em prestações nem a sua substituição por trabalho.
4. A Mma. Juiz em 12/10/2020, determinou a notificação do arguido para proceder ao pagamento da pena de multa em dez dias e, ainda, requerer o pagamento em prestações ou requerer trabalho.
5. Assim, podemos concluir que a Mmª. Juiz ao dar a possibilidade de o arguido poder, ainda, quase volvido ano, pagar em prestações ou requerer trabalho, considerou que o prazo estabelecido no artigo 489º, nº 2, do CPP não tem natureza peremptória.
6. Ao contrário deste entendimento, parece-nos que o referido prazo tem natureza peremptória, por força do artigo 107º, nº 2, do CPP.
7. A circunstância do ordenamento processual regular a forma e o tempo de exercício do direito previsto no artigo 48º, nº 1, do CP em nada colide com os parâmetros estabelecidos por este dispositivo nem com a natureza de ultima ratio das penas de prisão, consagrada, entre outros, no artigo 49º, nº 2, do CP.
8. Pelo contrário, a pena de multa só sobreviverá como alternativa credível às penas de prisão de curta duração enquanto a aplicação dos dias de prisão subsidiária for uma possibilidade real, não passível de ser afastada por eventuais manobras processuais de arguidos relapsos.
Termina pedindo “que, por violar o disposto nos artigos 489º, nºs 1 e 2, 490º, nº 1 e 491º, 1, todos do CPP, deve o despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que apenas notifique o arguido para proceder ao pagamento da pena de multa, sob a cominação de não o fazendo poder ter que cumprir 93 dias de prisão subsidiária.”

I.3. Admitido o recurso, após ser notificado o arguido não respondeu ao recurso.

II.1. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido do provimento do recurso.

II.2. No exame preliminar a relatora pronunciou-se no sentido de nada obstar ao conhecimento do recurso do Ministério Público.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.
III. Fundamentação
III.1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação (art. 412.º, n.º 1, do CPP).
Assim, a única questão colocada pelo recorrente/Ministério Público, prende-se com a decisão de 12.10.2020, na parte em que ao indeferir a sua promoção (quando promoveu a realização de diligências para averiguar sobre a existência de bens para eventual cobrança coerciva da pena de multa em que o arguido fora condenado, uma vez que a não pagara voluntariamente), considerou o prazo estabelecido no art. 489.º, n.º 2, do CPP, como não tendo natureza perentória, na medida em que lhe deu de novo a possibilidade (passado quase um ano após o prazo do pagamento voluntário, que terminara em 10.12.2019) de, em 10 dias, liquidar a pena de multa em que fora condenado, requerer o seu pagamento em prestações ou mediante trabalho a favor da comunidade, sob a cominação de nada requerendo poder ter de cumprir 93 dias de prisão subsidiária. Importa, por isso, saber, se o prazo estabelecido no art. 489.º, n.º 2, do CPP, tem ou não natureza perentória.

III. 2. Cumpre apreciar e decidir.

III. 2.1. Com interesse para a decisão deste recurso, importa ter em atenção o seguinte:

III. 2.1.1. Por sentença lida em 19.02.2019, o arguido foi condenado:
- como autor material, de dois crimes de injúrias agravadas, p.e p. pelos arts. 181.º, n.º 1, 184.º, do Cód. Penal, por referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), do Cód. Penal, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de €5,00, num total de €250,00 por cada um dos crimes.
- em autoria material, de um crime de dano, p. e p. pelo art. 212.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante 350,00 euros;
- em cúmulo jurídico, nos termos do art. 77.º, n.º1, do Código Penal, na pena única de 140 dias de multa, à taxa diária de €5,00, o que perfaz o montante 700,00 euros.
III. 2.1.2. Essa sentença transitou em julgado em 21.03.2019.
III. 2.1.3. O arguido foi notificado através de ofício remetido a 22/11/2019, para proceder ao pagamento da pena de multa no valor de 700,00€, cujo prazo de pagamento terminava em 10/12/2019.
III. 2.1.4. Face ao não pagamento voluntário do arguido, a secção, oficiosamente, entre junho e julho de 2020 providenciou pela averiguação de bens.
III. 2.1.5. Aberta vista ao Ministério Público, este exarou em 15/07/2020 a seguinte promoção, com vista à melhor averiguação de bens:
“O arguido foi condenado na pena de multa na quantia de 700€ a pagar até 10/12/2019 – cfr. fls. 309.
Não procedeu ao pagamento de qualquer quantia.
Promovo que:
1. se solicite ao BdP que informe se o condenado é titular de conta bancária e, em caso afirmativo, quais os bancos, devendo a secção solicitar o saldo;
2. oficiar ao serviço de finanças a solicitar o envio da última declaração de IRS do condenado, com os respectivos anexos e a indicação dos bens imóveis de que é titular.”
III. 2.1.6. Foi no momento de apreciar essa promoção que foi proferida em 12.10.2020 a decisão judicial acima transcrita, objeto de recurso.
III. 2.1.7. Posteriormente, por despacho de 20.01.2021, foi substituída a pena de multa em que o arguido foi condenado nos presentes autos, por 140 horas de trabalho a favor da comunidade. Não consta que o MP tivesse recorrido desse despacho.
III. 2.1.8. Até 14.06.2021 não foi este TRP informado que o arguido tivesse iniciado a execução da prestação de trabalho e igualmente não existia nos autos qualquer comunicação da DGRSP.
III. 3. Vejamos então.
A sentença que condenou o arguido em pena principal de multa, enquanto decisão penal condenatória, tem força executiva desde o seu trânsito em julgado (art. 467.º do CPP).
A execução da pena principal de multa está prevista nos arts. 489.º a 491.º-A do CPP, articulados com os arts. 47.º a 49.º do CP.
O legislador penal e processual penal, no âmbito dos seus poderes de conformação, quis que a execução da pena principal de multa tivesse uma tramitação própria, que expressamente regulamentou, fazendo-a passar por diversas etapas sucessivas no caso de ser necessário, por se verificar incumprimento no prazo de pagamento, tendo em vista preferencialmente a sua execução enquanto pena não privativa de liberdade e, só em último recurso, a execução pela via da prisão subsidiária, tendo sempre presente que a aplicação da pena de multa, enquanto pena principal[1], como aqui sucedeu, não se confunde com a pena de substituição de multa (cujo regime está previsto no art. 45.º, n.º 1 e n.º 2 do CP), nem tão pouco perde a sua natureza (de pena de multa principal) quando é convertida (nos termos do art. 49.º, n.º 1, do CP) em prisão subsidiária.
Quanto à distinção em relação às penas de substituição (que não estão expressamente previstas como penas principais) basta pensar que as mesmas “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas” radicam “tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas de liberdade”[2].
Percebe-se, por isso, até o diferente regime seguido pelo legislador para a pena de multa não paga, consoante se trate de multa de substituição (art. 45.º, n.º 2, do CP) ou de multa principal (art. 49.º do CP).
Por outro lado, precisamente porque a pena de multa aplicada diretamente, como foi o caso dos autos, não perde a sua natureza de pena principal (ver regime previsto no art. 47.º do CP) é que, apesar de, em caso de incumprimento poder ser (na altura própria), convertida em prisão subsidiária, nos termos do art. 49.º, n.º 2, do CP, “o condenado pode a todo o tempo evitar, total ou parcialmente, a execução da prisão subsidiária, pagando, no todo ou em parte, a multa a que foi condenado.”
Decorre, pois, do art. 49.º, n.º 2, do CP que mesmo que o arguido estivesse a cumprir a prisão subsidiária, podia pagar a todo o tempo a multa principal em que fora condenado que estivesse em dívida.
Isto para dizer que a dita conversão em prisão subsidiária não altera a natureza da pena de multa enquanto pena principal, distinta da pena de prisão.
Por seu turno, também podemos acrescentar que a prisão subsidiária a que se refere o art. 49.º, n.º 1, do CP (a qual só é fixada como ultima ratio, esgotados todos os meios legais para o cumprimento da pena de multa, o que sucede quando ainda em prazo a multa não for substituída por trabalho, nem for paga voluntariamente ou, havendo incumprimento também não se conseguir a cobrança coerciva nos termos e prazos previstos na lei), para além de não ser uma “pena de substituição”, não se confunde com a pena de prisão enquanto pena principal, apesar da sua execução poder ser suspensa, nos termos do n.º 3 da mesma disposição legal (e não do disposto no art. 50.º do CP).
A prisão subsidiária (que sucedeu à anteriormente designada “prisão alternativa”, embora com um regime diverso) é, como diz Jorge de Figueiredo Dias[3], uma “prisão sucedânea (…) isto é, uma prisão resultante do não pagamento de uma pena de multa”, na qual transparece “a sua vertente de sanção (penal) de constrangimento, conducente à realização do efeito preferido do pagamento da multa”.
Daí que a prisão subsidiária não seja uma pena autónoma, nem dela se pode deduzir que, a referida “conversão” (da pena de multa não paga em prisão subsidiária) tem a virtualidade de alterar a espécie da pena principal imposta na sentença condenatória.
Ou seja: a prisão subsidiária não pode ser equiparada à pena de prisão, nem ser qualificada como uma “pena da mesma espécie da prisão”[4]; além disso, o próprio despacho que fixa a prisão subsidiária não é complementar da sentença.
Acresce que, nos termos do artigo 49.º, n.º 3, do CP, “se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa, por um período de um a três anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro. Se os deveres ou as regras de conduta não forem cumpridos, executa-se a prisão subsidiária; se o forem, a pena é declarada extinta.”
Assim, percebe-se melhor que o legislador teve sempre presente a natureza imutável da pena principal da multa aplicada na sentença, razão pela qual mesmo o despacho que em face da impossibilidade da cobrança voluntária e da cobrança coerciva dessa multa, aplica a prisão subsidiária e depois suspende a sua execução ao abrigo do art. 49.º, n.º 1 e n.º 3 do CP, não significa uma nova e distinta sanção da aplicada na sentença, e, portanto, não se traduz numa modificação superveniente do conteúdo da sentença transitada em julgado.
Ora, o prazo de pagamento voluntário da pena principal de multa em que o arguido foi condenado, após trânsito da sentença, sem o condenado entrar em incumprimento, é o estabelecido no art. 489.º, nº 2, do CPP, sendo nesse prazo fixado na lei que o condenado apresenta requerimento para pagamento da multa em prestações ou para diferimento do seu pagamento em determinado prazo (art. 47.º, n.º 3, do CP), ou para substituição da multa por dias de trabalho (art. 490.º, n.º 1, do CPP).
Portanto, diríamos que independentemente da divisão jurisprudencial existente na matéria (referido em sede de recurso[5]), é dentro do prazo de 15 dias a contar da notificação que lhe é feita para o efeito do pagamento da multa, após trânsito da decisão condenatória, sem acréscimos de quaisquer adicionais (art. 489.º, n.º 1 e n.º 2, do CPP), e, de qualquer modo, antes de entrar em incumprimento, que o condenado, querendo, apresenta os requerimentos acima referidos [para pagamento integral da multa ou, apresentando a respetiva fundamentação, requerendo o pagamento da multa em prestações ou requerendo o diferimento do seu pagamento em determinado prazo ou requerendo a substituição da multa por dias de trabalho, mas sempre antes de entrar em incumprimento – ver, ainda, a esse propósito o acórdão do STJ nº 7/2016[6], onde se defende que o cumprimento da multa em dias de trabalho (art. 48.º do CP) deve ser requerido pelo condenado “antes de entrar em incumprimento (cf. artigo 490.º, do CPP e artigo 489.º, n.º 2, do CPP; caso tenha sido autorizado anteriormente o pagamento em prestações poderá requerer o pagamento em dias de trabalho antes de expirar o prazo para o pagamento da prestação, ou enquanto não ocorrer uma situação de mora).”]
O pagamento dentro do prazo legal, que é fixado por lei (e não por despacho do juiz) é o que em regra é cumprido pelos condenados, desde que notificados nos termos do art. 489.º, n.º 2, do CPP, após trânsito da sentença, sem entrarem em incumprimento (e sem prejuízo do disposto no art. 139.º, n.º 3, do CPC, ou seja, sem prejuízo de poder ser praticado o ato fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo, aplicáveis em processo penal, nos termos do art. 4.º do CPP conjugado também com o disposto no art. 107.º-A do CPP; diferentes são as situações de incumprimento, em que pode vir a ocorrer o pagamento voluntário terminado o prazo legal do pagamento, por exemplo, na fase do processo executivo, ou seja, na etapa da cobrança coerciva da multa ou na fase da execução da prisão subsidiária, que funciona também como etapa final, prevista no art. 49.º, n.º 2 do CP, que permite igualmente o pagamento voluntário para evitar a execução da prisão subsidiária).
Note-se que, o facto de outras normas preverem e admitirem, em caso de incumprimento no prazo do pagamento (como sucede com as etapas previstas nos arts. 491.º e 491.º-A do CPP) a possibilidade de haver ainda pagamento voluntário em qualquer momento posterior (por exemplo, na etapa do processo executivo, quando se trata da cobrança coerciva da multa ou, posteriormente, na fase de execução da prisão subsidiária) não impede que se considere como perentório o prazo estabelecido no art. 489.º, nº 2, do CPP.
E percebe-se o entendimento do legislador (que é razoável e adequado) porque o arguido teve conhecimento da pena de multa em que foi condenado (por sentença transitada em julgado), como sucedeu neste caso e, no prazo legal, não a pagou voluntariamente, nem requereu (como podia) a substituição por trabalho, não podendo desconhecer as consequências dessa sua conduta (no sentido de não sendo paga voluntariamente, entrava em incumprimento, ficando sujeito a que fosse cobrada coercivamente a multa ou não sendo tal possível a consequência era a da conversão da multa não paga em prisão subsidiária como “sanção de constrangimento”), não podendo invocar a ignorância da lei para a falta do seu cumprimento (artigo 6º do Código Civil); nessa perspetiva, é linear que a pena de multa torna-se exigível a partir do momento em que a sentença condenatória transitou em julgado, não podendo o arguido desconhecer as consequências do seu não pagamento voluntário dentro do prazo legal e, por isso, também não fazendo sentido que, sem fundamento legal, o juiz repita procedimentos e, por essa forma, lhe conceda, quase duplicando, novo prazo, para praticar um ato que o condenado não quis praticar ou requerer (no caso liquidar a multa em que fora condenado, requerer o pagamento em prestações ou requerer a substituição da multa por dias de trabalho), apesar de ter tido a oportunidade de o fazer atempadamente.
Aliás, para além de não fazer sentido essa duplicação e repetição do procedimento, que ficaria apenas dependente da subjetividade de este ou daquele juiz, era tal decisão até ilícita (art. 130.º do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP) por traduzir-se na prática de um ato inútil (já tinha sido cumprido aquele procedimento, não havendo suporte legal para a sua repetição), além de contender com a tramitação normal do processo, assim pondo igualmente em causa a própria celeridade esperada dos autos.
Pode, pois, concluir-se que o prazo estabelecido no art. 489.º, n.º 2, do CPP é perentório (art. 139.º, n.º 3 do CPC), devendo ter-se presente que a prorrogabilidade dos prazos tem de estar prevista na lei (ver art. 141.º CPC), o que não sucede no caso em apreço, razão pela qual a Srª. Juiz também não podia conceder novo prazo como fez no despacho impugnado (não havia norma legal que permitisse a prorrogação do prazo aludido no art. 489.º do CPP citado).
Com efeito, o referido prazo estabelecido na lei (art. 489.º, também aplicável quando o condenado requer o pagamento em dias de trabalho, nos termos do art. 490.º, n.º 1, do CPP), pelo legislador, considerando toda a filosofia e tramitação subjacente à execução da pena de multa (que começa pelo prazo de pagamento voluntário, a qual não sendo conseguida e, portanto, entrando o condenado em incumprimento, passa para a cobrança coerciva, a qual sendo insuficiente ou impossível, então passa para a conversão da multa em prisão subsidiária com eventual suspensão da sua execução, verificados os pressupostos previstos no art. 49.º, n.º 3 do CP), funciona em benefício do condenado, que pode dele dispor como entender, não tendo sido transferido para o MP (enquanto Magistrado que promove a execução das penas, nos termos do art. 469.º do CPP), nem para o Juiz, a possibilidade de o prorrogarem, voltando a conferir novo prazo ao condenado que dele não quer beneficiar.
Caso contrário, também se poderia sustentar que a alteração desse prazo pelo juiz, que é um interprete da lei, significava que o mesmo estava a extravasar os seus poderes cognitivos e a usurpar os poderes do legislador, o que não pode ser, desde logo, face ao princípio da separação de poderes.
E, repare-se que, o legislador, teve em atenção alternativas razoáveis e ajustadas para o caso de não ser possível alcançar o pagamento da pena de multa dentro do prazo legal após trânsito em julgado da sentença, prevendo as fases subsequentes da execução da pena de multa em caso de incumprimento, a saber, a cobrança coerciva e, na insuficiência ou impossibilidade desta, a prisão subsidiária, a qual ainda pode ser suspensa na sua execução, desde que verificado o condicionalismo legal (que se traduz na ausência de culpa do condenado no não pagamento/cumprimento da multa).
Em suma, diremos que não existe norma legal que dê cobertura ao despacho da Sr. Juiz a quo quando decidiu, em vez de se pronunciar sobre a promoção (relativa à fase da cobrança coerciva da multa não paga voluntariamente aludida no art. 489.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP), voltar a dar ao condenado (duplicando e repetindo) um prazo que já se esgotara naquela fase em que se faziam diligências para apurar se o MP ia ou não enveredar pela cobrança coerciva da multa não paga.
Assim sendo, impõe-se revogar o despacho impugnado e ordenar a sua substituição por outro que se pronuncie sobre a promoção do MP, a qual se relaciona com a fase da eventual cobrança coerciva da multa não paga voluntariamente (importava ainda apurar se havia ou não bens para cobrar coercivamente a multa e, só depois de ultrapassada essa eventual fase - o que depende de pronúncia do MP - é que se pode avançar para a fase subsequente, da conversão da multa não paga em prisão subsidiária, sem prejuízo de previamente ouvir-se o condenado para, se for o caso, fazer-se uso do disposto no art. 49.º, n.º 3 do CP).
Isto significa que o recorrente ao pedir a revogação do despacho impugnado nos moldes em que o fez (embora, na nossa perspetiva, e salvo o devido respeito por opinião contrária, tivesse sido mais coerente com a sua posição que igualmente tivesse recorrido do despacho subsequente proferido em 20.01.2021) também de alguma forma se precipitou e, contraditoriamente, “saltou” uma etapa, uma vez que ainda não se pronunciou sobre se vai ou não passar para a fase da cobrança coerciva da pena de multa, sendo de qualquer modo, previamente necessário, que o Sr. Juiz se pronuncie sobre a promoção que deu origem ao despacho impugnado.
Em conclusão: procede o recurso, embora nos termos acima expostos (portanto, em parte, com fundamentação diversa, tendo em atenção a fase em que se encontrava o processo quando foi interposto o recurso) e sem prejuízo de eventual alteração superveniente das circunstâncias que deram causa ao conhecimento do recurso (v.g. eventual posterior cumprimento da pena de multa pelo condenado).
IV. DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, embora em parte com fundamentação diversa, e, consequentemente, revoga-se a decisão impugnada (proferida em 12.10.2020), bem como atos posteriores dele dependentes, devendo em substituição a Srª. Juiz se pronunciar sobre a promoção de 15.07.2020, tudo sem prejuízo de eventual alteração superveniente das circunstâncias como acima foi referido.
Sem custas.

Porto, 23.06.2021
Maria do Carmo Silva Dias
Ernesto Nascimento
________________
[1] Sendo a pena de prisão e a pena de multa as únicas penas principais previstas no Código Penal Português.
[2] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, pp. 91 e 146.
[3] Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., pp. 289 e 147.
[4] Como se diz no Ac. do TRP de 9.2.2011, proferido no processo nº 972/07.4GBVNG.P1 (relatado por Melo Lima), no caso da prisão subsidiária “não está em causa a execução de uma pena originariamente privativa da liberdade”.
[5] Consta da Motivação de Recurso: “Neste sentido, temos como mais recentes os Acórdãos do TRG de 13-07-2020, proferido no proc. nº 33/17.8GBPRG-B.G1, de 20/02/2018, proferido no proc. nº 102/16.1GTVRL.G1, do TRC de 26/06/2019, proferido no proc. nº233/17.0GEACB-A.C1, de 17/10/2018, proferido no processo 33/11.GBALD-A.C1, de 27/11/2019, proferido no processo 679/15.9T9ACB-A.C1, e de 30/01/2019, proferido no processo 239/17.0GCACB-A.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.”
[6] O acórdão do STJ nº 7/2016, in DR I Série de 21.03.2016, fixou a seguinte jurisprudência: Em caso de condenação em pena de multa de substituição, nos termos do artigo 43.º, n.º 1, do CP, pode o condenado, após o trânsito em julgado daquela decisão, requerer, ao abrigo do disposto no artigo 48.º, do CP, o seu cumprimento em dias de trabalho, observados os requisitos dos arts. 489.º e 490.º do CPP.

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado eletronicamente pela própria e pelo Senhor Juiz Desembargador Adjunto.