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NOTA JUSTIFICATIVA
CUSTAS DE PARTE
RECLAMAÇÃO
ENCARGOS
DOCUMENTO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
Sumário
1. Os encargos a que se referem os arts. 533º, al. b), do CPC, e 26º, nº 3, al. b), do RCP não abrangem toda e qualquer despesa que a parte vencedora haja realizado com o processo, mas apenas aquelas a que tenha direito nos termos do RCP, mais concretamente, do art. 16º do mesmo. 2. Integram o conceito de encargos as retribuições devidas a quem intervém acidentalmente no processo, entre os quais se contam os tradutores que intervêm diretamente no processo. 3. A parte que pretende fazer uso de documento escrito em língua estrangeira que presumivelmente careça de tradução, deve, desde logo, oferecê-la. 4. O juiz pode dispensar a junção da tradução se tal dispensa não comprometer as garantias das partes, nomeadamente se estiver em causa um documento redigido em idioma estrangeiro de fácil inteligibilidade pelos termos usados, e pela sua pequena extensão.
Texto Integral
Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
Nos presentes autos em que são AA. Ae B, apresentada nota discriminativa e justificativa de custas de parte pelas RR., C, S.A. e D, PLC, reclamaram os AA., pedindo, a final, que a reclamação fosse julgada procedente e, em consequência: a) fosse a nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelas Rés D, P.L.C. e C, S.A. reformada nos termos supra referidos, nomeadamente eliminando-se os encargos de traduções no montante de 17.816,55€, de onde resultará, como valor total e final da nota, o montante de 5.440,00€; Subsidiariamente, e caso assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio se admitiu, b) fosse a nota discriminativa e justificativa de custas de parte apresentada pelas Rés D, P.L.C. e C, S.A. reformada nos termos supra referidos, nomeadamente reduzindo-se os encargos de traduções para o montante de 6.457,50€, de onde resultará, como valor total e final da nota, o montante de 11.897,50€. Em 18.1.2021, foi proferido despacho que julgou procedente a reclamação dos AA. relativamente à nota de custas de parte C, SA e D, PLC e, em consequência, declarou não ser devida a quantia de €17.816,55 indicada naquela nota, sendo devidas todas as restantes quantias, num total de €6.440,00.
Não se conformando com o despacho, apelaram os RR., formulando, no final das alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
1. Vem o presente recurso interposto do Despacho proferido em 18.01.2021, o qual julgou procedente a reclamação deduzida pelos Recorridos relativamente à Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte apresentada pelos ora Recorrentes (“Nota de Custas” ou “Nota de Custas de Parte”), e em, consequência, declarou não ser devida a quantia de EUR 17.816,55 aí reclamada a título de reembolso com encargos suportados com traduções (i.e., com as traduções dos Documentos n.ºs 1, 3, 5 e 6 da Contestação);
2. Em primeiro lugar, e ao contrário do que se entendeu na Decisão recorrida, os artigos 529º, nº 4 e 533º, nºs 1 e 2 do CPC não resulta que os encargos que a parte vencedora pode reclamar a título de custas de parte sejam, tão só, os que se encontram plasmados no Regulamento das Custas Processuais, nomeadamente, no respetivo artigo 16º;
3. De facto, ao contrário do que parece ter entendido o Tribunal a quo, tais preceitos não fazem qualquer remissão para o Regulamento das Custas Processuais no que aos encargos (e à definição do que sejam encargos) diz especial respeito;
4. A definição do que sejam “encargos” deve, isso sim, ser apurada à luz do próprio Código de Processo Civil, nomeadamente, do disposto no artigo 529º, nº 3 (conjugado também com o artigo 533º, nº 2 alínea b) do mesmo Código);
5. As próprias normas do Regulamento das Custas Processuais respeitantes às custas de parte (para as quais remetem os artigos 529º, nº 4 e 533º, nº 1 do CPC invocados pelo Tribunal a quo) determinam que a parte vencida é condenada ao pagamento dos encargos nos termos do Código de Processo Civil (cfr. artigo 26º, nº 3 do RCP) ― remetendo, portanto, para o regime do mencionado Código;
6. Ora, nos termos do artigo 529º, nº 3 do CPC são encargos do processo como “todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa”; esclarecendo o artigo 533º, nº 2, alínea b) do mesmo Código que para efeitos de custas de parte relevam apenas os “encargos efetivamente suportados pela parte”;
7. As despesas com traduções suportadas pelos Recorrentes e aqui em discussão i) resultaram da normal condução processo, (ii) foram requeridas pelos Recorridos e ordenadas pelo Tribunal a quo e (iii) foram efetivamente suportadas pelos Recorrentes, pelo que configuram, pois, um verdadeiro “encargo” para efeitos dos artigos 529º, nº 3 e 533º, nº 2, b) do CPC, podendo os ora Recorrentes reclamar dos Recorridos o respetivo reembolso a título de custas de parte, mal tendo andado o Tribunal recorrido, portanto, ao decidir em sentido contrário;
SEM PREJUÍZO, E PARA O CASO DE ASSIM NÃO SE ENTENDER,
8. Acresce, por outro lado, que ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, os montantes suportados pelos Recorrentes com tais traduções enquadram-se, efetivamente, no elenco de encargos constante do artigo 16º do RCP, nomeadamente, na alínea d) do nº 1 do mencionado preceito,
9. Já que a tradução dos documentos sub judice consubstancia a “produção ou entrega de documentos” (ou, no limite, uma “prestação de serviços análogos”) e foi expressamente ordenada ― requisitada ― aos Recorrentes pelo Juiz a quo (a obtenção das traduções em questão pelos Recorrentes e a sua junção aos autos resultou de uma ordem judicial, proferida com base no artigo 134º do CPC, e na sequência de requerimento dos Recorridos para esse mesmo efeito);
10. Mesmo que se entenda que o normativo da alínea d) do nº 1 artigo 16º do RCP se encontra estritamente conexionado com o disposto nos artigos 436º e 438º do CPC, referentes à requisição de documentos pelo Tribunal e às despesas por ela provocadas, a conclusão é precisamente a mesma, já que tais preceitos preveem expressamente que a requisição de documentos pode ser ordenada pelo Tribunal às próprias partes (cfr. artigo 436º, nº 2 e 437º do CPC), como foi precisamente o caso;
POR OUTRO LADO,
11. Para efeitos de custas de parte, a alínea h) do nº 1 do artigo 16º do RCP não pode deixar de ser interpretada de forma extensiva, por forma a englobar não só as retribuições dos tradutores que intervenham diretamente no processo, a pedido/ordem do Tribunal, mas também as retribuições dos tradutores contratados diretamente pelas partes, também em cumprimento de ordem do Tribunal, como é o presente caso;
12. De facto, as situações em que a tradução de documentos é obtida oficiosamente pelo Tribunal (e, portanto, por um tradutor que intervém diretamente no processo pela “mão do Tribunal”) e as situações em que essa mesma tradução é obtida diretamente pela parte por ordem do Tribunal são material e substancialmente as mesmas, não havendo qualquer motivo que imponha ou justifique uma distinção entre ambas ao nível dos encargos que a parte vencedora pode ou não reclamar a título de custas de parte da parte vencida;
13. E que nem se diga que a distinção entre as duas situações se justifica com o facto de a remuneração dos tradutores que intervêm no processo se encontrar sujeita aos limites fixados no artigo 17º (nºs 2 e 4) do RCP em articulação com a tabela IV anexa ao mesmo, já que a norma extraída da conjugação de tais preceitos segundo a qual os tradutores não podem auferir mais do que o valor aí fixado, ainda que o tipo de serviço, os usos do mercado, a complexidade da perícia e o trabalho necessário à sua realização levem a considerar que a remuneração devida é superior (como é o caso), sempre seria inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade e da proibição do excesso ínsito no princípio do Estado de direito democrático consignado no artigo 2º e no artigo 18º, nº 2 da CRP (sempre devendo, por isso, ser recusada pelo Tribunal, sendo a inconstitucionalidade suscitada nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 280º da CRP),
14. Pelo que nunca o montante devido pelo serviço de tradução sub judice poderia encontrar-se sujeito a tal limitação, mesmo que o tradutor houvesse intervindo acidentalmente nos autos;
15. No presente caso, não há, pois, qualquer ratio ou motivo que justifique que a parte vencedora possa reclamar da parte vencida os encargos por si suportados com um tradutor nomeado pelo Tribunal, mas que já não o possa fazer relativamente aos encargos por si suportados diretamente com um tradutor, mas a mando do Tribunal, devendo a alínea h) do nº 1 do artigo 16º do RCP ser interpretada extensivamente nos moldes acima propugnados e sempre podendo os encargos com traduções suportados pelos Recorrentes ser reclamados a título de custas de parte ao abrigo da mesma;
POR FIM,
16. E independentemente de todo o supra exposto, a possibilidade de os Recorrentes poderem reclamar dos Recorridos o reembolso das despesas por si suportados com as traduções em apreço a título de custas de parte resulta também do princípio de causalidade ínsito no artigo 527º do CPC, que norteia e conforma todo o regime das custas processuais, incluindo no que às custas de parte diz respeito;
17. Com efeito, de acordo com tal o princípio da causalidade, as despesas com traduções suportadas pelos Recorrentes podem, efetivamente, ser reclamadas a título de custas de parte vencedora, por as mesmas terem relevado para o impulso e bom andamento do processo e por terem sido os Recorridos (parte vencida) a dar-lhes origem, na medida em que:
(i) As traduções em questão foram obtidas pelos Recorrentes e juntas aos presentes autos por ordem do Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 134º do CPC;
(ii) Foram os Recorridos quem expressamente requereu ao Tribunal que ordenasse a tradução de tais documentos para língua portuguesa, por entenderem, portanto, que tal tradução era necessária e relevante para os autos e por nela terem interesse;
(iii) Era sobre os Recorridos que recaí o ónus de ter junto tais documentos aos presentes autos ― e por isso eram os Recorridos quem o deveria ter feito ―, enquanto prova dos factos constitutivos do seu direito, nos termos do artigo 342º, nº 1 do Código Civil;
(iv) A tradução de tais documentos foi, portanto, essencial ao impulso do processo e relevantes para a boa marcha do mesmo;
(v) Os Recorridos decaíram totalmente na ação pelo que, nos termos do artigo 527º do CPC, não devem os Recorrentes suportar os custos em que tiveram de incorrer para fazer valer uma defesa totalmente fundada;
18. Foram, pois, os Recorridos quem deu origem às despesas incorridas pelos Recorrentes com as traduções dos autos, pelo que, de acordo com o princípio da causalidade ínsito no artigo 527º do CPC, são os Recorridos quem as devem suportar, reconhecendo-se aos Recorrentes o direito de reclamar o respetivo reembolso a título de custas de parte, nos termos do mencionado preceito;
19. A Decisão recorrida viola, assim, o disposto nos artigos 527º (e o princípio da causalidade aí consagrado), 529º, nºs 3 e 4 e 533º, nºs 1 e 2, todos do CPC, bem como o disposto nos artigos 16º, alíneas d) e h), 25º e 26º do RCP, devendo por isso ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a reclamação deduzida pelos Recorridos relativamente às Nota de Custas de Parte dos Recorrentes.
Terminam pedindo que seja revogada a decisão recorrida, e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a reclamação deduzida pelos Recorridos relativamente à Nota de Custas de Parte dos Recorrentes.
Os apelados contra-alegaram, pugnando pela improcedência da apelação e manutenção do despacho recorrido. QUESTÕES A DECIDIR
Sendo o objeto do recurso balizado pelas conclusões das recorrentes (arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC) a única questão a decidir é se a quantia relativa aos custos com a tradução de documentos juntos pelas apelantes constante da sua nota discriminativa e justificativa de custas de parte constituiu encargo integrante destas. Cumpre decidir, corridos que se mostram os vistos. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A factualidade relevante é a seguinte:
1- A e B, intentaram contra E, S.A., D, PLC, C, S.A. e F PLC, ação declarativa de condenação, com processo comum, pedindo: “1) Deverão as RR. ser condenadas, solidariamente, a indemnizar os AA. no montante de 2.418.588,27€, acrescido dos juros remuneratórios vencidos, sendo a esses montantes deduzida a quantia de 571.733,34€ respeitante ao crédito da 1ª R. sobre os AA. pelo pagamento dos cupões fixos, para o que se invoca a compensação de créditos, devendo assim as RR. serem condenadas a pagar aos AA. a quantia de 2.038.854,93€ [1]; Caso assim não se entenda, e sem conceder; 2) Deve a declaração negocial emitida pelos AA. em 26.06.2013 ser anulada, por emitida em função do erro sobre o objeto, com a consequente condenação de restituição aos AA. do montante de 2.418.588,27€ … devendo assim a 1ª R. ser condenadas a pagar aos AA. a quantia de 2.038.854,93€; Ainda que assim não se entenda, sempre sem conceder; 3) Devem as RR., na qualidade de intermediárias financeiras, serem condenadas a indemnizar os AA. por violação dos deveres e obrigações que sobre si impendem, pelo prejuízo sofrido, no montante de 2.418.588,27€, acrescido dos juros remuneratórios e juros de mora vencidos no valor total de 2.546.898,65€; Ainda que assim não se entenda, sempre sem conceder; 4) Deve o Novo Banco, S.A., 1ª R., na qualidade de intermediária financeira e comercializador dos produtos, ser condenada a indemnizar os AA. por violação dos deveres e obrigações que impendem sobre os intermediários financeiros, pelo prejuízo sofrido, no montante de 2.418.588,27€, acrescido dos juros remuneratórios e juros de mora vencidos no valor total de 2.546.898,65€; Em qualquer caso; 5) Devem as RR. ser condenadas a pagar aos AA. os juros de mora à taxa legal sobre as quantias peticionadas, a partir da data da citação até integral pagamento; …”.
2- As RR. C, SA e D, PLC., contestaram, por exceção e por impugnação, juntando, a final 7 documentos, sendo 5 em língua inglesa [2].
3- Pronunciaram-se os AA. sobre os documentos juntos nos seguintes termos: “… 34. Como ponto prévio, e sem prejuízo de individualizar a razão de impugnação dos documentos, importa desde já referir que os Autores não aceitam os efeitos jurídicos que
as Rés pretendem fazer valer com a apresentação dos documentos, pelo que, e por esse motivo, impugna cada um deles. Vejamos então: 35. Desde logo, os Documentos nºs 1, 3, 5 e 6, encontram-se em língua inglesa. 36. Ora, dispõe o Artigo 133º, nº 1 do CPC que “Nos autos judiciais usa-se a língua portuguesa”. 37. Nesse mesmo sentido, estabelece o Artigo 134º, nº 1 do CPC que “Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte”. 38. Face ao exposto, desde já se requer expressamente que o douto Tribunal ordene às Rés a tradução dos Documentos da Contestação com os nºs 1, 3, 5 e 6, para língua portuguesa. …”.
4- Em 14.1.2019 foi proferido o seguinte despacho: “Nos termos do art. 134º nº 1 do C.P.C., ordeno a notificação das RR. C e D e a R. F para, no prazo de 15 dias, juntarem as traduções dos documentos em língua estrangeira que juntaram com as respetivas contestações, esclarecendo-se que a tradução do documento junto em duplicado cabe às RR. que apresentaram o documento pela primeira vez”.
5- Em cumprimento do ordenado, as RR. C e D juntaram aos autos a tradução dos documentos nºs 1, 3, 5 e 6 juntos com a contestação.
6- Em 19.6.2019 foi proferida sentença que julgou a ação improcedente (julgando, para além do mais, procedente a exceção perentória de cessação do direito à indemnização fundada na responsabilidade pelo prospeto e a exceção perentória da caducidade do direito à anulação, e decidiu não terem as apelantes exercido, no caso, atividade qualificável de intermediação financeira).
7- Inconformados, os AA. apelaram, vindo a sentença a ser confirmada por acórdão de 21.5.2020 desta Relação.
8- As RR. C e D juntaram aos autos “Nota discriminativa e justificativa de custas de parte”, da qual consta, para além do mais, a verba nº 3 - “Encargos suportados pelos Réus (cfr. artigo 25º, nº 2, al. c) do RCP)”, referente a “traduções” no montante de €17.816,55.
9- No despacho recorrido, depois de se transcrever o teor dos arts. 527º, nºs 1 e 2, 529º, nºs 1, 3 e 4, 532º, 533º do CPC, e 3º, nº 1 e 26º, nºs 1 e 3 do RCP, fundamentou-se a decisão recorrida nos seguintes termos: “Os encargos referidos na alínea b) do art. 533º do CPC e na alínea b) do nº 3 do art. 26º do RCP não abrangem toda e qualquer despesa que a parte vencedora haja realizado com o processo, mas, como resulta do disposto no art. 529º 4 e 533º nº 1, apenas as que tenha direito … nos termos do Regulamento das Custas Processuais. Aliás, como refere Salvador da Costa in As Custas processuais, 6ª edição, pág. 30, “as partes vencedoras não têm direito a exigir das partes vencidas no seu confronto tudo o que hajam despendido com o processo, mas apenas aquilo que resulta da lei, designadamente do RCP”. Resulta do RCP constituem encargos, em geral, os reembolsos ao Instituto de Gestão financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP ( art. 16º nº 1 alínea a) do RCP), os reembolsos por despesas adiantadas pela Direção Geral dos Impostos (art. 16º nº 1 alínea b)), as diligências realizadas pelas forças de segurança, oficiosamente ou a requerimento das partes ( art. 16º nº 1 alínea c)), os pagamentos devidos ou pagos a quaisquer entidades pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou atos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, salvo quando se trate de certidões oficiosamente extraídas pelo tribunal ( art. 16º nº 1 alínea d)), norma que está conexionada com o disposto nos artigos 436º e 438º do CPC, as compensações devidas a testemunhas (art. 16º nº 1 alínea e), art. 17º nº 1 e 5 e tabela IV anexa ao RCP e que é de 1/500 por quilómetro), os pagamentos devidos a quaisquer entidades pela passagem de certidões exigidas pela lei processual, quando a parte responsável beneficie de apoio judiciário ( art. 16º nº 1 alínea f)), as despesas resultantes da utilização de depósitos públicos ( art. 16º nº 1 alínea g)), as retribuições devidas a quem interveio acidentalmente no processo (art. 16º nº 1 alínea h) e 17º nº 4, tendo-se em vista peritos, tradutores, intérpretes, depositários, técnicos) e, finalmente, despesas de transporte e ajudas de custo para diligências afetas ao processo em causa e, mais concretamente, as despesas com a deslocação de magistrados e funcionários, nas diligências realizadas fora do tribunal, caso não seja colocado à sua disposição um meio de transporte ou à compensação pela utilização de veículo próprio na realização de tais diligências (art. 16º nº 1 alínea i) e art. 18º nºs 1 e 3 do RCP). E não se vislumbra que possa ser outro o entendimento, uma vez que de contrário e como se refere no Ac. da RL de 02/07/2020 consultável in www.dgsi.pt/jtrl pelo processo 17474/16.0T8Lsb-C.L1-6, “a considerar que no conceito de encargos estão incluídos outros que não resultem de despesas realizadas no processo e previstas no art. 16º, estaria aberta a porta para a indeterminação do montante a pagar, não compatível com o regime de custas de parte definido nos artigos 25º e 26º do RCP” * Aqui chegados impõe-se verificar que as partes têm o direito de juntar aos autos os documentos que tenham por pertinentes ou adequados para prova dos fundamentos da ação ou da contestação. Mas, no caso de pretenderem produzir prova documental em língua estrangeira que careça de tradução, ficam sujeitos a que o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordene que a junte – art. 134º do CPC – nomeadamente tendo em vista permitir à contraparte exercer o direito ao contraditório e a justa composição do litigio. Foi o que sucedeu in casu, tendo a requerimento dos AA. sido ordenada a tradução dos documentos juntos pelas RR. por despacho de 14/01/2019. Mas daqui não decorre que os AA. sejam responsáveis pelo pagamento dessas traduções. É que não decorre das normas relativas aos encargos que a parte vencida seja responsável pelo pagamento das traduções de documentos juntos pela parte vencedora. Com isto não se confunda o facto de decorrer do disposto no art. 16º nº 1 alínea h) e 17º nº 4 a remuneração de tradutores, porque tal só sucede se os mesmos intervierem acidentalmente no processo, o que não sucede no caso em apreço, de tradução de documentos juntos pela parte. Face ao exposto, não constituem encargos e, como tal não integram as custas de parte as traduções de documentos juntos pelas RR. C, SA e D, PLC e nessa medida não é devida a quantia de €17.816,55 indicada na nota de custas de parte das referidas RR., sendo devido todas as restantes quantias, num total de €6.440,00. * Termos em que se julga procedente a reclamação dos AA. relativamente à nota de custas de parte C, SA e D, PLC e consequência declara-se não ser devida a quantia de €17.816,55 indicada naquela nota, sendo devido todas as restantes quantias, num total de € 6.440,00. …” [3]. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Todos os processos estão sujeitos a custas, sem prejuízo das isenções objetivas previstas (arts. 1º, nº 1 e 4º, nº 2 do RCP).
As custas abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (arts. 529º nº1 do CPC e 3º nº 1 do RCP).
O nº 3 do art. 529º do CPC estatui que “São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa”.
Nos termos do nº 4 do mesmo artigo, “as custas de parte compreendem o que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, nos termos do Regulamento das Custas Processuais”, compreendendo, designadamente, os encargos efetivamente suportados pela parte (al. b) do nº 2 do art. 533º do CPC).
Os encargos são pagos (previamente) pela parte requerente ou interessada (como decorre do disposto nos arts. 532º do CPC e 20º, nº 1 do RCP) - cada parte paga os encargos a que tenha dado origem ou dos quais aproveite, mesmo quando ordenados oficiosamente pelo tribunal.
A parte vencedora tem direito a ver suportados pela parte vencida os encargos que efetivamente tenha suportado ao longo do processo [4].
Não todos os encargos (judiciais e extrajudiciais) suportados, mas apenas aqueles “que se demonstre serem indispensáveis para a implementação e decurso” do processo (Ac. da RP de 20.2.2020, P. 13118/16.9T8LSB-A.P1 (Carlos Portela), em www.dgsi.pt), aqueles a que tenha direito por força da lei (Ac. da RC de 2.4.2020, P.353/12.8TTTMR-B.C1 (Paula Maria Roberto), também em www.dgsi.pt). Salvador da Costa, no Regulamento das Custas Processuais, 5ª ed., pág. 82, escreve que “As custas de parte caracterizam-se por via do critério da sua compreensão, ou seja, consubstanciam-se, conforme decorre do nº 4 do artigo 529º do CPC, no que cada parte haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária. Assim, as partes vencedoras não têm direito a exigir das partes vencidas no seu confronto tudo o que hajam despendido com o processo, mas apenas aquilo que resulta da lei, designadamente do Regulamento”.
Também Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, no CPC Anotado, Vol. 2º, 4ª ed., pág. 434, referem que “…, o art. 529-3 estabelece que constituem encargos do processo todas as despesas a que o mesmo dê lugar (resultantes, não só da sua condução, mas, mais latamente, da sua tramitação), sejam devidas a atos requeridos pelas partes, sejam ordenados pelo juiz. Mas não se abandonou o critério da taxatividade: o art. 16 RegCustas enuncia os tipos de encargos a considerar, tratando o art. 17º RegCustas do regime das remunerações fixas devidas a terceiros (por exemplo, um perito) e o art. 18 das despesas de transporte” (sublinhado nosso). Salvador da Costa, na ob. cit., pág. 320, em anotação ao art. 26º do RCP, mais concretamente ao proémio do seu nº 3 [5], ao qual as apelantes se referem para sustentar o seu entendimento, escreve que “A menção relativa ao Código de Processo Civil tem a ver com o seu artigo 607º, nº 6, segundo o qual, no final da sentença, o juiz deve condenar os responsáveis pelas custas processuais, indicando a proporção da respetiva responsabilidade no âmbito dos encargos e das custas de parte”.
Sufragamos, pois, o entendimento do tribunal recorrido de que os encargos a que se referem os arts. 533º, al. b), do CPC, e 26º, nº 3, al. b), do RCP não abrangem toda e qualquer despesa que a parte vencedora haja realizado com o processo [6], mas apenas aquelas a que tenha direito nos termos do RCP, mais concretamente, do art. 16º do mesmo.
Nos termos do RCP, integram o conceito de encargos as retribuições devidas a quem intervém acidentalmente no processo, entre os quais se contam os tradutores, que são remunerados nos termos da tabela IV, que faz parte do RCP (arts. 16º, nº 1, al. h) e 17º, nºs 1 e 2) [7].
Tal como concluiu o tribunal recorrido, afigura-se-nos que dos preceitos em causa resulta que a remuneração só se mostra prevista para quem tenha intervenção direta no processo (nomeadamente na situação prevista na parte final do nº 2 do art. 134º do CPC), e não para intervenientes extra-processuais, como foi o caso.
Tanto mais, quando é à parte que pretende fazer uso de documento escrito em língua estrangeira que presumivelmente careça de tradução, que deve, desde logo, oferecê-la.
Dispõe o nº 1 do art. 134º do CPC que “Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte” [8].
Em anotação a este artigo, escrevem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa [9], no CPC Anotado, Vol. I, pág. 157, que “A junção pelas partes de documento originariamente redigido em língua estrangeira deve ser acompanhada, em princípio, da respetiva tradução, a qual pode ser dispensada pelo juiz quando as circunstâncias o justifiquem. A prudência aconselha, porém, que tal dispensa apenas seja autorizada quando for seguro que não compromete as garantias das partes nem a justa composição do litígio, o que poderá revelar-se especialmente pertinente quando se trate de interpretar o teor de algum documento ou de cláusula contratual que se mostrem decisivos para a solução do pleito”.
Em anotação ao art. 140º, nº 1 do anterior CPC, com a mesma redação, escrevia Lopes do Rego, em Comentários ao CPC, Vol. I, 2ª ed, 2004, pág. 147, que “Procura simplificar-se, de forma substancial, o regime da tradução de documentos escritos redigidos em língua estrangeira, apresentados no processo: a) O nº 1 deixa de condicionar à necessária apresentação de tradução a incorporação nos autos de qualquer documento escrito redigido em língua estrangeira – facultando ao juiz dispensá-la quando entenda que o documento redigido em idioma estrangeiro não carece de tradução (v.g., pela fácil acessibilidade e inteligibilidade dos termos usados, pela sua pequena extensão, …). Assim, por exemplo, se alguma das partes omitiu a tradução de um documento redigido em francês, de reduzida extensão e de fácil e plena inteligibilidade quanto ao seu conteúdo, pode o juiz dispensar a tradução, em vez de notificar o apresentante para que a ela proceda. …”.
Nesse sentido se pronunciaram, entre outros, os Acs. do STJ de 13.9.2018, P. 33/12.4TVLSB-A.L1.L1.S1 (Olindo Geraldes), da RP de 16.6.2014, P. 722/11.0TVPRT.P1 (Carlos Gil), da RL de 28.5.2019, P. 19156/18.0T8LSB-B.L1-7 (Higina Castelo), Ac. da RG de 3.03.2004, P. 152/04-2 (Vieira e Cunha), todos em www.dgsi.pt.
Não era, certamente, o caso dos autos, estando os documentos escritos em língua inglesa, versando sobre questões técnicas (financeiras), sendo dois deles (os Docs. 1 e 6) longos [10], que se revelaram importantes para a decisão proferida pelo tribunal recorrido, como as apelantes reconhecem, pelo que as apelantes facilmente se deveriam ter apercebido da necessidade de juntar as respetivas traduções aos autos aquando da sua apresentação, em nada relevando o facto da junção ter sido ordenada pelo tribunal, e menos, por o ter sido a pedido dos apelados.
Nessa medida, não se nos afigura que a situação em causa possa ser integrada na al. d) do art. 16º do RCP, que “está em conexão com o que se prescreve nos artigos 436º e 438º do CPC, que se referem, respetivamente, à requisição de documentos pelo tribunal e às despesas por ela provocadas” (Salvador da Costa, na ob. cit., pág. 284).
Resta referir que, se como alegam as apelantes, os documentos referidos eram essenciais para a decisão da causa e deviam ter sido juntos pelos AA., então não tinham as apelantes necessidade de os juntar, tendo sido sua opção fazê-lo, sempre se dizendo, porém, que a junção dos referidos documentos se justificou à luz da defesa apresentada, e em benefício das apelantes.
Por tudo quanto se deixa dito, não nos merece censura a decisão recorrida, improcedendo a apelação.
As custas da apelação, na modalidade de custas de parte, ficam a cargo das apelantes, por terem ficado vencidas – art. 527º, nºs 1 e 2 do CPC.
DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, mantendo-se, em consequência, o despacho recorrido.
Custas pelas apelantes.
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Lisboa, 2021.06.22
Cristina Coelho
Luís Filipe Pires de Sousa
Carla Câmara
_______________________________________________________ [1] Pela inserção de informações incorretas nos respetivos prospetos, ou por posterior alteração das mesmas sem notificação prévia dos AA. [2] Dos quais: Doc. 1, para fundamentação da “exceção perentória da cessação do direito à indemnização peticionada pelo decurso do prazo previsto no art. 53º do CVM” (arts. 29º a 31º da contestação das apelantes), e da defesa por impugnação; e Docs. 3, 5 e 6 para fundamentação da defesa por impugnação. [3] Retificado por despacho de 4.5.2021 quanto ao valor devido, que é de €5.440,00, e não 6.440,00. [4] “Se os encargos não estiverem pagos, são imputados na conta de custas do responsável condenado e na proporção da condenação –artigo 24º, nº 2, do RCP. Se os encargos já estiverem pagos pela parte vencedora, não são imputados na conta de custas de parte, mas sim cobrados extrajudicialmente através do instituto de custas de parte, no qual o vencedor tem direito a recebê-los do vencido, na proporção da condenação. Os encargos pagos por quem não é responsável por custas, em regra a(s) parte(s) vencedora(s), não são imputados na conta de custas (que não é elaborada – cf. artigo 30º, nº 2, do RCP), mas sim cobrados extrajudicialmente através do instituto de custas de parte, tendo aquela(s) direito a receber(em) do vencido os valores pagos - cf. artigo 26º, nºs 2 e 3, alínea b), do RCP.” - Centro de Estudos Judiciários, Custas Processuais, Guia Prático, 5ª edição – março 2021, pág. 210. [5] Estatui este dispositivo que “A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte: a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento; b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução; c) 50 /prct. do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do nº 2 do artigo anterior; d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução”. [6] Ressarcíveis, apenas, em sede de aplicação do instituto de litigante de má fé – art. 543º, nº 1 do CPC. [7] De acordo com a referida tabela a retribuição das traduções é feita a determinado valor por “palavra”, sem qualquer limite superior, pelo que não se nos afigura existir perfeito paralelismo com as situações em que o TC foi chamado a pronunciar-se, que incidiram sobre a referida tabela no que respeita à retribuição aos peritos, e tendo em conta que a mesma está sujeita a um valor máximo por “serviço”, independentemente do tipo de peritagem, da sua complexidade e do trabalho necessário para a fazer. [8] Não esquecendo que no nº 1 do art. 133º do CPC se estipula que “nos atos judiciais usa-se a língua portuguesa”. [9] Ora 1º adjunto. [10] O Doc. 1 com 245 páginas, e o Doc. 6 com 91.