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PROCESSO ESPECIAL
CONTENCIOSO DAS INSTITUIÇÕES DE PREVIDÊNCIA
ABONO DE FAMÍLIA E ASSOCIAÇÕES SINDICAIS
INTERESSE EM AGIR
ASSEMBLEIA GERAL
DELIBERAÇÃO
Sumário
A norma do artigo 175.º n.º 1 do Código Civil aplica-se imperativamente às associações sindicais, não padecendo esta interpretação de inconstitucionalidade.
(Sumário Elaborado pela Relatora)
Texto Parcial
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
Relatório
AAA, Professor Adjunto do Instituto Politécnico de Setúbal, contribuinte n.º …, residente na Rua ... ..., n.º ..., ....º Frente, ....-... S..., propôs contra BBB pessoa colectiva n.º …, a presente acção declarativa, sob a forma de processo especial de contencioso das instituições de previdência, abono de família e associações sindicais, pedindo que, julgada procedente a acção: a)-Seja declarada a anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral do Réu … de 19 de Julho de 2019, tituladas pela acta de 26 de Julho de 2019, por força do disposto no artigo 177.º do Código Civil, por vício de violação de lei, consubstanciado na aplicação de regras estatutárias já judicialmente reconhecidas como inválidas mas que continuaram a sustentar o modo de funcionamento da referida Assembleia Geral e na ausência do quórum constitutivo requerido para as deliberações da Assembleia Geral (artigo 175.º n.º 1 do CC) e do quórum deliberativo necessário para a revisão de Estatutos (artigo 173.º n.º 3 do CC), para os quais remete o artigo 24.º n.º 4 dos Estatutos; b)- Seja reconhecida a violação dos Estatutos e dos regulamentos aplicáveis na convocação dos associados e no funcionamento da Assembleia Geral de 19 de Julho de 2019, no que respeita às irregularidades geradoras de anulabilidade da deliberação, designadamente quanto à não existência de um período mínimo de 15 dias para discussão entre os sócios; à não publicação de textos na imprensa editada pelos órgãos nacionais do sindicato, ao não envio aos sócios do texto dos Estatutos a rever e da sentença judicial que declara ilegais normas dos Estatutos e do …; à não observância do princípio da identificação das propostas por letras, à inclusão no texto do Autor de menções de autoria não identificada, à desigualdade de tratamento na difusão de mensagens por correio electrónico, à não constituição de mesas de voto nas secções sindicais, à composição das mesas de voto que funcionaram nas sedes, à aceitação de votos por correspondência colocados nos correios em data posterior à realização da Assembleia Geral;
c)-Para o caso dos pedidos, supra, não procederem, subsidiariamente pede que sejam anuladas as seguintes disposições estatutárias e regulamentares que a Direção do BBB se propôs modificar ou introduzir no texto dos Estatutos e a Assembleia Geral aprovou, por contrariarem diretamente a lei, ou os próprios Estatutos: i)-a redação “Estatuto” que passou a constar em vez de “Estatutos” nos 11.º, 12.º, 13.º, 14.º 15.º e 18.º dos Estatutos e em diversas disposições publicadas como Regulamentos anexos aos Estatutos, considerando-se escrito em seu lugar “Estatutos”; ii)-as exigências de número de membros e da sua pertença a instituições de ensino superior diferentes formuladas no novo Artigo 24º dos Estatutos; iii)-o Artigo 7º, nº 2 do Anexo 3 – Regulamento do CN, dos Estatutos na parte em que admite a existência de um quórum constitutivo inferior a metade dos membros eleitos do CN; iv)-o Artigo 9.º n.º 1, do Anexo 3- Regulamento do CN dos Estatutos, e no Artigo 2º, nº 6 – do Anexo nº 4 dos Estatutos; v)-o Artigo 5º n.º 8 do Anexo 4 – Regulamento de Funcionamento da Direção, dos Estatutos, o Artigo 3º n.º 8 e o Artigo º 5º, n.º 8 do Anexo 5 – Regulamento de Funcionamento da CFD, dos Estatutos; vi)-o nº 5 do Artigo 5º do Anexo 5 – Regulamento da CFD, dos Estatutos; vii)-o artigo 8º n.ºs 2 e 3 do Anexo 5 – Regulamento da CFD, dos Estatutos; viii)-o Artigo 2º, alínea c) do Anexo 3 – Regulamento do CN, dos Estatutos, na parte em que inclui a competência “Aprovar”; ix)-o Artigo 2º, alínea g) do Anexo 3 – Regulamento de Funcionamento do CN; bem como sejam declaradas ilegais por omissão as seguintes disposições estatutárias e regulamentares, x)-o 12.º nº 7 dos Estatutos, e os artigos 7º, 8º, 12º, 10 º e 10º, respectivamente dos Anexos, 1, 2, 3, 4, e 5 dos Estatutos, na parte em que não definem o quórum constitutivo das deliberações da AG; xi)-o nº 6 do Artigo 3º do Anexo 1 – RFAG na parte em que não define como serão enviados aos associados as propostas a votar em AG e os boletins de voto.
Alegou para tanto, em suma, que o BBB foi constituído em 13 e 14 de Novembro de 1989, com Estatutos aprovados em Assembleia Constituinte, os quais foram revistos no 1.º Congresso realizado em 1993, que em 12 de Abril de 2019, o Presidente do Conselho Nacional e da Mesa da Assembleia Geral, fez divulgar junto dos membros deste órgão um comunicado acompanhado por convocatória de uma reunião do CN a ter lugar em Coimbra, no dia 27 de Abril de 2019, na qual um dos pontos da Ordem de Trabalhos se prendia com as alterações estatutárias resultantes da apreciação da legalidade efectuada pela Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho (DGERT), que em 24 de Abril de 2019, o Presidente do CN e da Mesa da AG determinou o envio aos membros do Conselho de uma proposta de revisão de Estatutos emanada do Presidente da Direcção, que a AG do BBB veio apenas a ser objecto de convocatória em 9 de Maio de 2019 através da sua divulgação por correio electrónico, que, relativamente à Assembleia Geral de 19 de Julho de 2019, houve violação de lei, dos Estatutos e dos regulamentos aplicáveis na convocação dos associados e no seu funcionamento, designadamente quanto à existência de um período mínimo de 15 dias para discussão entre os sócios, à publicação de textos na imprensa editada pelos órgãos nacionais do sindicato, ao envio aos sócios do texto dos Estatutos a rever e da sentença judicial que declara ilegais normas dos Estatutos e do …, ao princípio da identificação das propostas por letras, à inclusão no texto dos Autores de menções de autoria não identificada, à igualdade de tratamento na difusão de mensagens por correio electrónico, à não constituição de mesas de voto nas secções sindicais, à composição das mesas de voto que funcionaram nas sedes, à aceitação de votos por correspondência colocados nos correios em data posterior à realização da AG que, em conjunto, e cada uma delas por si, justificariam a anulação da deliberação considerada adoptada em AG, como se verificou a inobservância do Artigo 24º, n.º 4 dos Estatutos, no que respeita aos limites da revisão, uma vez que não foram devidamente ponderadas as consequências das alterações efectuadas e que a deliberação da AG de 19 de Julho de 2019 deve ser anulada por força do disposto no artigo 177.º do CC, por vício de violação de lei, consubstanciado na aplicação de regras estatutárias já judicialmente reconhecidas como inválidas mas que continuaram a sustentar o modo de funcionamento da referida AG e também na própria inobservância do quorum constitutivo da AG em violação do artigo 175.º n.º 1 do CC e do quorum deliberativo exigido para a alteração dos Estatutos conforme artigo 173.º n.º 3 do CC e que os artigos dos Estatutos e disposições regulamentares do Réu que aponta são ilegais, além de que existem normas nos Anexos aos Estatutos que podem perturbar gravemente a observância dos princípios da organização e da gestão democráticas por desregularem aspectos que, para bom funcionamento do Sindicato, devem continuar a ser regulados, ou por colidirem com os Estatutos ou com Regulamentos de ordem superior, devendo essas disposições estatutárias e regulamentares ser anuladas.
Teve lugar a audiência de partes sem que fosse conseguida a sua conciliação.
A Ré contestou por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocou a ilegitimidade activa do Autor, a falta de interesse em agir e, subsidiariamente, o abuso do direito por parte do Autor.
Por impugnação invocou, em resumo, que, contrariamente ao que invoca o Autor, as propostas e restante documentação relevante para a AG foram disponibilizadas no site do Réu e que, neste e-mail, para além dos referidos documentos era informado a todos os associados que poderiam instalar mesas de voto nas Secções Sindicais, sendo que nenhum associado, nem mesmo o Autor solicitou a instalação de mesa de voto na sua Secção Sindical, pelo que houve discussão das propostas entre os sócios com mais de 15 dias de antecedência em relação à deliberação impugnada, que as demais invalidades apontadas pelo Autor não têm qualquer sustentação jurídica não se verificando, pois, as invocadas ilegalidades e violações estatutárias e regulamentares, que o artigo 175º, nº 1 do CC não é uma norma imperativa e por isso não é obrigatoriamente aplicável às associações sindicais, que, não sendo imperativo o quorum do art. 175º, nº 3 do CC, verifica-se que, por força do princípio da gestão democrática, o quorum mínimo legalmente exigido para a aprovação de uma deliberação terá de ser a maioria dos votos emitidos, o que sucedeu, que sendo o BBB um sindicato de cariz nacional, não vê qualquer objecção a que as assembleias ocorram de forma descentralizada, desde que seja garantida a participação de todos os associados e o seu direito de voto e que a interpretação do artigo 175º, nº 1 do CC sufragada pelo Autor, no sentido da sua imperatividade às associações sindicais e no sentido de impor a realização de assembleias gerais presenciais, é manifestamente inconstitucional por violar o disposto nos arts. 18º e 55º, nº 2, c) e nº 3 da CRP, inconstitucionalidade que invoca.
Pediu, a final, que as arguidas excepções sejam julgadas procedentes e absolvida a Ré da instância e, subsidiariamente, que a acção seja julgada improcedente com a absolvição do Réu dos pedidos.
O Autor respondeu pugnando pela improcedência das excepções.
Foi dispensada a audiência prévia, fixado o valor da causa e proferido despacho saneador sentença que julgou improcedentes as arguidas excepções dilatórias de ilegitimidade activa e falta de interesse em agir do Autor e finalizou com o seguinte dispositivo: “Face ao exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência: a)- anulo a deliberação tomada pela R. em sede de assembleia geral realizada a 19/07/2019; b)- absolvo a R. quanto ao demais pedido contra si, pelo A. Custas a cargo de A. e R. na proporção de 1/10, para o A., e 9/10 para o R.”
Inconformado com a sentença, o Réu recorreu sintetizando as alegações nas seguintes conclusões:
(…)
O Autor contra alegou concluindo:
(…)
O recurso foi admitido.
Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto apôs visto.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635.º n.º 4 e 639.º do CPC, ex vi do n.º 1 do artigo 87.º do CPT), sem prejuízo da apreciação daquelas que são de conhecimento oficioso (art.608.º n.º 2 do CPC), no presente recurso importa apreciar as seguintes questões: 1.ª-Da ilegitimidade activa e da falta de interesse em agir do Autor. 2.ª-Subsidiariamente, se o Autor actua em abuso do direito. 3.ª- Se a deliberação impugnada não padece de qualquer vício. 4.ª- Se a interpretação do artigo 175.º do CC feita pelo Tribunal a quo no sentido da sua imperatividade às associações sindicais e no sentido de impor a realização de assembleias gerais presenciais é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18.º e 55.º n.º 2 al.c) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.
Fundamentação de facto
A sentença considerou provados os seguintes factos: A.- O BBB foi constituído em 13 e 14 de novembro de 1989, com Estatutos aprovados em Assembleia Constituinte, os quais foram revistos no 1.º Congresso realizado em 1993, numa votação em que participaram mais de metade dos associados, estando os mesmos publicados no sítio do Sindicato na Internet, … na área «Quem somos, Estatutos e Regulamentos».
B.-A estrutura do BBB constante dos Estatutos compreende uma Assembleia Geral, adiante abreviadamente designada por AG, dois corpos gerentes como tal qualificados: o Conselho Nacional, e a Direção, e uma Comissão de Fiscalização e Disciplina.
C.-Os Estatutos têm um capítulo reservado à sua própria revisão, o VII, em que num artigo único, o 24.º, se prevê as «Normas gerais sobre revisão de Estatutos», o qual tem a seguinte redação:
“1.- A revisão dos Estatutos será feita em Assembleia Geral, ordinariamente de quatro em quatro anos e extraordinariamente sempre que requerida uma Assembleia Geral para o efeito, nos termos do n.º 3 do artigo 12.º. 2.-A Assembleia Geral deverá deliberar por voto secreto, considerando-se aprovadas as propostas que, em revisão ordinária, obtenham o apoio de 2/3 dos votantes, exigindo-se a participação na votação de pelo menos metade dos associados e, em revisão extraordinária, o apoio de 4/5 dos votantes e a participação de pelo menos 2/3 dos associados. 3.-A revisão dos Estatutos será discutida previamente em congresso, devendo a proposta de novos estatutos, incorporando todas as alterações, ser aprovadas por maioria absoluta dos delegados presentes. 4.-Tratando-se de alterações aos estatutos cuja introdução decorra de imposição legal ou da necessidade da resolução de casos omissos é dispensada a realização de congresso e a existência de quórum superior ao mínimo legalmente exigido, mas só poderão ser admitidas a votação em Assembleia Geral propostas que a Comissão de Fiscalização e Disciplina considere manterem-se dentro dos limites do presente número.”
D.-O art. 12º, do Estatuto, sob a epígrafe “Assembleia Geral”, estabelece que: “1.- A Assembleia Geral é constituída por todos os associados do Sindicato.
2.- Compete, em especial, à Assembleia Geral: a)- eleger os membros da Direcção e da Comissão de Fiscalização e Disciplina, segundo círculo único nacional, e os membros do Conselho Nacional, segundo círculos correspondentes às respectivas Secções Sindicais. b)- deliberar sobre a alteração dos Estatutos do Sindicato; c)- deliberar sobre a filiação do Sindicato em associações sindicais, nacionais ou internacionais; d)- deliberar sobre a fusão ou integração do Sindicato; e)- deliberar sobre a dissolução do Sindicato e forma de liquidação do seu património; f)-pronunciar-se sobre todas as questões que lhe sejam presentes podendo alterar ou revogar as decisões de outros órgãos; g)- exercer todas as demais competências previstas na lei ou nos presentes estatutos.
3.–A Assembleia Geral será convocada pelo Presidente do Conselho Nacional a requerimento: a)- da Direcção ou do seu Presidente; b)- da Comissão de Fiscalização e Disciplina ou do seu Presidente; c)- de pelo menos 1/3 dos membros do Conselho Nacional; d)- de pelo menos 1/10 dos, ou 200, associados.
4.–A Assembleia Geral funcionará sempre descentralizadamente, com instalação de mesas de voto nas Secções Sindicais, sendo as deliberações tomadas por voto secreto e precedidas pela discussão das propostas por período não inferior a 15 dias. 5.–Os associados poderão exercer o seu direito de voto por correspondência, não sendo permitido o voto por procuração.”
E.–A par dos Estatutos existe mais um acervo regulamentador resultante de deliberações da AG, consubstanciado num Regulamento de Funcionamento da Assembleia Geral, um Regulamento Eleitoral e um Regime Disciplinar e um documento aprovado em Assembleia Geral, em 2003 sobre «Garantias de participação dos associados na vida sindical» que, em desenvolvimento do disposto no artigo 1.º, assegura nos seus artigos 2.º e 3.º, o reconhecimento da constituição de correntes de opinião.
F.–O BBB, em 31/12/2018, contava com 4998 associados.
G.–A assembleia geral de 19/07/2019 tinha por objecto a alteração dos estatutos do Sindicato Nacional do Ensino Superior – BBB (Associação Sindical de Docentes e Investigadores) em conformidade com as ilegalidades nele contidas, conforme comunicado da DGERT de 27/02/2019, com o seguinte teor:
(…)
H.– Na AG realizada em 19 de julho de 2019, funcionaram mesas de seções de voto na sede e nas delegações de Lisboa, Porto e Coimbra, integradas, a primeira por um vice- presidente da Mesa da AG e uma funcionária do BBB; a segunda por um vice-presidente da Mesa da AG e uma funcionária do BBB, e a terceira pelo Secretário da Mesa funcionária do BBB; segundo os estatutos, do Sindicato, foi permitido o voto por correspondência. I.–Segundo o apuramento realizado em 26 de Julho de 2019 na sede nacional do Sindicato, num total de 3610 associados com direito de voto, naquela assembleia geral votaram:
(…)
“Apurados os votos por correspondência, verificou-se que a relação de votos entrados por correspondência redigida pelos serviços apresenta um total de 188 e os sobrescritos contados dão um total de 189, pelo que 1 sobrescrito não foi registado na relação dos serviços.
Os 189 sobrescritos foram depois abertos, sendo guardados, e retirados do seu interior o sobrescrito branco contendo o voto que é depositado em urna. Da abertura dos sobrescritos, resultaram 15 cujo boletim de voto não estava dentro do sobrescrito branco (…) pelo que não foram considerados no apuramento.
Os sobrescritos brancos são no total de 156, dos quais 2 seguiram em sobrescritos não uniformizados com o que foi enviado pelo BBB e 1 seguiu com uma assinatura no seu exterior, pelo que este último foi retirado da contagem. Os restantes serão contados, uma vez que cumprem a confidencialidade necessária do voto.
Foram, ainda, presente 10 sobrescritos brancos, não fechados, com encarte superior metido para dentro, mas uma vez que cumprem a confidencialidade necessária do voto, serão considerados no apuramento.
Aberto os sobrescritos em branco, verificou-se que 1 deles continha 2 boletins de voto dobrados, pelo que não foram desdobrados nem contados.
Contados os votos, verificaram-se os seguintes resultados correspondentes aos votos por correspondência e nas secções de voto.
(…)
J.–Foi dada como adotada a Proposta de Revisão de Estatutos “B”, por terem sido contabilizados 121 votos nesta proposta e 28 na Proposta de Revisão de Estatutos “C”, tendo-se registado ainda 17 votos brancos e sido considerados nulos 4 votos.
*
Fundamentação de direito
Comecemos por apreciar a alegada ilegitimidade activa e falta de interesse em agir do Autor.
Sobre elas pronunciou-se o Tribunal a quonos seguintes termos:
“I.- Em sede de contestação, pugna o R. pela ilegitimidade activa do A. e falta de interesse em agir, alegando, para tanto, que: “11.º- Sendo a presente acção uma acção especial de anulação contencioso de instituições de previdência, abono de família e associações sindicais, a legitimidade activa é determinada no art. 164º, nº 1 do CPT da seguinte forma: 1- As deliberações e outros actos de órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo quer de forma, ou violação dos estatutos podem ser declarados inválidos em acção intentada por quem tenha interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso. 12.º- Tal como se passará a demonstrar, o Autor não tem interesse em agir na presente acção. 13.º- Em primeiro lugar verifica-se que o referido conceito de “interesse legítimo” não encontra qualquer definição ou concretização no CPT ou no CPC. 14.º- Dado o interesse público na actividade das associações sindicais, a doutrina e jurisprudência vem recorrendo a noções do direito administrativo para integrar lacunas na regulação da sua actividade. 15.º-Nomeadamente, vêm recorrendo analogicamente ao conceito do “interesse legítimo” do Direito Administrativo para concretizar o conceito referido no art. 164º, nº 1 do CPT. 16.º- Veja-se neste sentido Adalberto Costa in Código de Processo do Trabalho (Anotado e Comentado), Vida Económica, 2ª Edição, pág. 306, no comentário ao art. 164º do CPT: (sublinhado nosso) Quem tem "interesse legítimo" e o que se deve entender por "interesse legítimo"? A resposta a esta questão é dada começando por definir o que se deve entender por "interesse legítimo". Deitando mão do Direito Administrativo, quando um particular for possuidor de um interesse especial e diferente do da generalidade dos particulares, em que a atividade administrativa decorra de acordo com as normas que visam garantir a tutela do interesse público secundário e que só reflexa ou instrumentalmente defenda os interesses dos referidos interesses particulares, estes dizem-se titulares de um interesse legitimo ou reflexivamente protegido. Cf. Mário Esteves de Oliveira, in Direito Administrativo, Vol.I 1980, 353. Ora, adaptando o conceito colhido do Direito Administrativo, dizemos que o interesse legitimo de que nos fala a norma é aquele que é próprio do sujeito que está ou entrou em relação com a instituição ou a associação e que vê na deliberação um prejuízo sério para o interesse comum (geral e particularmente para o seu, enquanto titular daquele interesse legítimo). 17.º- Ora, tal definição impõe aos autores no “Processo do contencioso de instituições de previdência, abono de família, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores” o ónus de alegarem os factos demonstrativos do interesse em agir, nomeadamente alegando factos demonstrativos da lesão do interesse comum da deliberação impugnada. 18.º- Analisando a petição inicial, verifica-se que o Autor não alega e não tem qualquer interesse legítimo para intentar a presente acção. 19.º- Veja-se que, na sua petição apenas alega supostos vícios formais, não invocando qualquer prejuízo sério para si, para a actividade do BBB, para os interesses comuns por este defendidos ou qualquer prejuízo para terceiros. 20.º- Veja-se que não alega nem demonstra em que medida a anulação das deliberações pretendida levará a um melhor funcionamento do BBB e salvaguardará os interesses que o BBB visa proteger. 21.º- Ou seja, o Autor impugna por impugnar, com base em minudências e formalismos anódinos, que em nada afectam a actividade do BBB, os interesses que este defende ou qualquer direito do Autor. 22.º- Pela presente acção, o Autor pretende impor a sua vontade aos demais associados do Réu, sem que tal vontade se traduza num benefício para os associados do Autor ou até para si próprio. 23.º- Desta forma, verifica-se que este, nos termos do art. 164º, nº 1o do CPT, não tem legitimidade activa para a presente acção. 24.º- Por outro lado, para além da legitimidade activa, a jurisprudência tem entendido que o direito a recorrer aos Tribunais depende do interesse em agir do Autor. 25.º- O interesse em agir traduz-se na necessidade de o autor utilizar o processo por a sua situação de carência necessitar da intervenção dos tribunais (veja-se neste sentido Antunes Varela, em Manual de Processo Civil, 2ª ed.,págs.179. 26.º- In casu, verifica-se que não tem o Autor qualquer interesse em agir, na medida em que, conforme decorre dos factos já alegados relativos à falta de alegação de qualquer prejuízo grave, não tem o Autor qualquer necessidade ou utilidade para a acção que não impugnar por impugnar. 27.º- A isto acresce que, in casu, a legalidade da alteração dos Estatutos do Réu, será avaliada pela DGERT no âmbito do procedimento de revisão dos Estatutos. 28.º- Veja-se que, por força do disposto no art. 8º, nº 3 da Lei 7/2009 e do art. 447º, nº 3 a 6, 8 e 9 do CT, a alteração dos Estatutos aqui impugnada será objecto de apreciação da sua legalidade por parte da DGERT e, havendo qualquer ilegalidade, será a mesma remetida para o Ministério Público a fim de obter a sua sanação. 29.º- Daí não haver qualquer necessidade de recorrer aos Tribunais para a salvaguarda de qualquer interesse do Autor ou de terceiros. 30.º- Face à citada falta de legitimidade activa e à falta de interesse em agir, nos termos do disposto no art. 278º, nº 1, e) do CPC, deve o Réu ser absolvido da instância. *
Regulamente notificado, o A. pugna pela improcedência das arguidas excepções dilatórias. *
II.- O que entender? Desde já, e passando para os finalmente, diremos que não assiste razão ao R. De facto, o A. é associado da R.; participou naquela assembleia geral; não votou no sentido que fez vencimento e, em momento posterior, não aprovou a deliberação, quer expressa quer tacitamente. A este propósito, tem-se manifestado de forma uniforme a jurisprudência nacional.
Veja-se a título de exemplo o Ac. da Rel. de Guimarães, onde se decidiu: “I - O art. 178º, nº 1, do Cód. Civil contende com a legitimidade para a arguição da apontada anulabilidade e não com o mérito da ação. II - A previsão contida naquele preceito deve ser interpretada no sentido de que só os associados que, tendo participado no processo deliberativo, tenham aprovado a deliberação em apreço, votando-a favoravelmente, não dispõem de legitimidade para posteriormente a impugnar em juízo; III - Estando em causa, no aludido preceito, a redução do leque dos interessados - todos os associados, sujeitos da relação material controvertida - que, de acordo com a regra geral enunciada no art. 30º, nº 3, do CPC, teriam legitimidade para pedir a anulação de uma deliberação da assembleia geral de uma associação, à ré/associação compete a alegação e prova de votação favorável, por banda do arguente da anulabilidade.”
Pois bem, face à forma como o A. configura a relação material controvertida, é manifesta a sua legitimidade activa, nos termos do disposto no art. 30º, n.º 3, do CPC, não se verificando a arguida excepção dilatória.
No que tange à falta de interesse em agir, por identidade de razão, inexiste a arguida excepção.
O A. é associado da R.; o A. entende que a melhor decisão para a situação em análise passa por um sentido diverso daquele que fez vencimento na assembleia geral. A invalidade da deliberação assenta na violação de norma imperativa (que traduz um determinado consenso social relativamente a um interesse de ordem pública que importa salvaguardar, não sendo legítimo aos sujeitos por ele abrangidos a sua derrogação). Desta feita, é manifesta a existência de interesse em agir por parte do associado. Entender de modo diverso é aceitar que a associação actuem contra legem.
Finalmente, diga-se que a apreciação da legalidade dos estatutos suscitada pelo R. junto da DGERT não bule com o pretendido pelo A.; veja-se que a DGERT não foi chamada a tomar posição – e nem teria quer ser – quanto à invalidade da deliberação tomada naquela assembleia geral.
Há, pois, um interesse do A. em agir, quanto mais não seja o interesse na reposição da legalidade (a violação do quórum, ao contrário do alegado pelo R., não é questão puramente formal ou procedimental, pois está em causa o direito de participação efectiva dos associados na formação da vontade social da associação – a sua democraticidade: esta é questão material).
III.- Face ao exposto, julgo improcedentes as arguidas excepções dilatórios de ilegitimidade activa e falta de interesse em agir do A.”
Discorda o Recorrente do entendimento do Tribunal a quo, reafirmando os argumentos que invocou na contestação.
Por configurarem realidades distintas vejamos, em primeiro lugar, a alegada ilegitimidade do Autor.
O conceito de legitimidade, pressuposto processual, encontra-se no artigo 30.º do CPC, que estatui, “ O autor é parte legítima quanto tem interesse direto em demandar (…).”( n.º 1) e “ O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação (…)”. ( n.º 2)
Ora, analisada a causa de pedir e os pedidos formulados pelo Autor, entendemos que, face ao disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 30.º do CPC, estaria assegurada a legitimidade processual do Autor para demandar o Réu.
Mas defende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração os requisitos adicionais de legitimidade activa exigidos pelo artigo 164º, nº 1 do CPT para a acção especial de anulação do contencioso de instituições de previdência, abono de família e associações sindicais onde se exige que o Autor demonstre “ o interesse legítimo” na impugnação da deliberação, o que não foi alegado nem provado.
Determina o n.º 1 do artigo 164.º do CPT, na redacção vigente à data da propositura da acção: “As deliberações e outros actos dos órgãos de instituições de previdência, associações sindicais, associações de empregadores ou comissões de trabalhadores viciados por violação da lei, quer de fundo, quer de forma, ou violação dos estatutos podem ser declarados inválidos em acção intentada por quem tem interesse legítimo, salvo se dos mesmos couber recurso.”
Assim, da conjugação desta norma com os n.ºs 1 e 2 do artigo 30.º do CPC, podemos afirmar que, nestas acções, a legitimidade activa afere-se pelo interesse directo em demandar a que acresce um outro elemento: o demandante deverá ter um interesse legítimo.
Por outro lado, nos termos do artigo 178.º do CC, “a anulabilidade prevista nos artigos anteriores pode ser arguida, dentro do prazo de seis meses, pelo órgão da administração, ou por qualquer associado que não tenha votado a deliberação.”
Ora, como refere o Tribunal a quo, o Autor é associado do Réu, participou na assembleia geral em causa, não votou a deliberação que impugna e que fez vencimento e posteriormente também não aprovou essa deliberação.
Por isso e considerando ainda os fundamentos invocados pelo Autor para pedir a anulação da deliberação da Assembleia Geral de 19 de Julho de 2019 e que radicam na violação de lei, violação dos Estatutos e de normas regulamentares do Réu e na aplicação de normas estatutárias consideradas inválidas, o que a verificar-se, lesa o interesse e o direito dos associados, incluindo do Autor, à discussão e decisão das deliberações dentro da legalidade, é de concluir que o Autor tem interesse em pedir a declaração de invalidade da deliberação que impugna e que esse interesse é legítimo e, naturalmente, atendível.
E salvo o devido respeito, não decorre do artigo 164.º do CPC, que o demandante esteja obrigado a invocar um prejuízo sério, como parece defender o Recorrente, bastando para assegurar a sua legitimidade activa que não tenha votado a deliberação e que tenha um interesse legítimo, sendo este um interesse que aos olhos do direito e da lei mereça tutela jurisdicional, o que entendemos ser o caso.
E como se escreve no sumário do Acórdão deste Tribunal e Secção de 25.10.2017, in www.dgsi.pt que também vem citado na sentença recorrida, “(…) II.–Numa acção declarativa para impugnação de deliberação de assembleia-geral de um Sindicato, a legitimidade para demandar afere-se pela titularidade de um interesse legítimo na anulação da deliberação: a qualidade de associado do autor e a sua pretensão de anular uma deliberação daquele órgão (art.ºs 164.º, n.º 1 do CPT e 30.º do CPC).
III.–Tem legitimidade para pedir a anulação de uma deliberação o associado que a não votou, vale dizer, que se absteve ou votou contra a sua aprovação (art.º 178.º, n.º 1 do CC.”
Por conseguinte, reafirma-se a legitimidade do Autor para intentar a presente acção.
Da alegada falta de interesse em agir.
Sobre o interesse em agir escreve Manuel A. Domingues de Andrade, in “Noções Elementares de Processo Civil”, pags.80 e 82 “consiste em o direito do demandante estar carecido de tutela judicial. É o interesse em utilizar a arma judiciária – em recorrer ao processo. Não se trata de uma necessidade estrita, nem tão-pouco de um qualquer interesse por vago e remoto que seja; trata-se de algo de intermédio: de um estado de coisas reputado bastante grave para o demandante, por isso tornando legítima a sua pretensão a conseguir por via judiciária o bem que a ordem jurídica lhe reconhece (…). A falta do interesse processual significa não ter o demandante razão para solicitar e conseguir a tutela judicial pretendida”.
Também com interesse, lemos no “Manual de Processo Civil” de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, 2.ª Edição, Coimbra Editora, Limitada, pags.179 a 181 que “ o interesse processual consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção (…) O autor tem interesse processual quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais (…) Relativamente ao autor, tem-se entendido que a necessidade de recorrer às vias judiciais, como substractum do interesse processual, não tem de ser uma necessidade absoluta, a única ou a última via aberta para a realização da pretensão formulada. Mas também não bastará para o efeito a necessidade de satisfazer um mero capricho de vindicta sobre o réu) ou o puro interesse subjectivo (moral, científico ou académico). O interesse processual constitui um requisito a meio termo entre os dois tipos de situações. Exige-se, por força dele, uma necessidade justificada, razoável, fundada, de lançar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção- mas não mais do que isso.
Sobre este pressuposto processual veja-se, ainda, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17.03.2011, in www.dgsi.pt, segundo o qual “enquanto pressuposto processual, o interesse em agir (que se não confunde com a legitimidade, conforme bem se salienta no despacho recorrido) consiste na necessidade de se usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção”.
Assim, podemos afirmar que tem interesse em agir aquele que tem uma necessidade objectiva e justificada de deitar mão do processo ou de fazer prosseguir a acção.
Regressando ao caso, entendemos que o Autor revela essa necessidade, objectivada, como refere o Tribunal a quo, na reposição da legalidade, mas também no direito de não aceitar que a associação de que faz parte actue em desconformidade com a lei.
Por outro lado, também não colhe o argumento de que a DGERT sempre apreciará a legalidade dos Estatutos do Réu e que isso retira utilidade à sua actuação, na medida em que a intervenção da mencionada entidade não tem a virtualidade de coarctar o direito de acção do Autor enquanto associado do Réu.
Por fim, o pressuposto processual interesse em agir não tem de se estribar num alegado prejuízo grave.
Concluindo, merece a nossa concordância a afirmação do Tribunal a quo no sentido de que o Autor tem interesse em agir.
Analisemos, agora, se o Autor actua em abuso do direito.
Na contestação e no recurso, o Recorrente suscitou a questão do abuso do direito a título subsidiário por entender que, ainda que não se verifique a falta de legitimidade activa e a falta de interesse em agir, sempre haveria uma situação de abuso do direito por parte do Autor.
O Tribunal a quo não se pronunciou sobre o alegado abuso do direito, nem o Recorrente arguiu a nulidade da sentença por omissão de pronúncia quanto a esta questão (art.615. n.º 1 al.d) do CPC).
Contudo, temos entendido que o instituto do abuso do direito é de conhecimento oficioso, pelo que nada obsta ao seu conhecimento.
Nesta sede invocou o Recorrente, em resumo, que, sendo aplicado às associações, por analogia, o regime das sociedades comerciais em tudo o que não estiver expressamente previsto, tem que ser aplicado parte do regime da anulabilidade das deliberações, nomeadamente o entendimento que, como decorrência do instituto do abuso do direito, previsto no art. 334º do CC, apenas podem ser anuladas deliberações sociais, ainda que feridas de vício formal, quando esta anulação seja necessária para a salvaguarda de direitos do sócio e quando a sua anulação não resulte de motivações contrárias ao interesse societário e que ponham em causa os valores da certeza e segurança jurídica. Acrescenta que, uma vez que o Autor não tem qualquer interesse legítimo na impugnação das referidas deliberações, não alega qualquer direito pessoal seu que tenha sido violado ou interesse do Réu que tal procedimento tenha posto em causa, impugna por impugnar, não tendo qualquer outro objectivo que não prejudicar o Réu, a que acresce a circunstância de que a impugnação com base na alegada anulabilidade decorrente da realização de assembleias descentralizadas é totalmente contrária ao princípio da certeza jurídica na medida em que a realização da assembleia geral terá que ser feita de forma contrária ao que está previsto no Estatuto, ficando à mercê de impugnação por parte do Autor ou do outro sócio que em conjunto com este se dedicam à impugnação de todas as deliberações do BBB, nesta medida, ter-se-á sempre que considerar que o pedido de anulação com base nos fundamentos invocados é feito em manifesto abuso do direito, pelo que deveria o pedido ter sido julgado improcedente.
Nos termos do artigo 334.ºdo Código Civil, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda, manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Em anotação a esta norma, escrevem os Professores Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado “, Volume I, 3.ª Edição Revista e Actualizada, com a colaboração de Manuel Henrique Mesquita, Coimbra Editora, Limitada, pag.296: “ A concepção adoptada de abuso do direito é a objectiva. Não é necessária a consciência de se excederem, com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito; basta que se excedam esses limites. Isto não significa, no entanto, que ao conceito de abuso do direito consagrado no artigo 334.º sejam alheios factores subjectivos, como, por exemplo, a intenção com que o titular tenha agido. A consideração destes factores pode interessar, para determinar se houve ofensa da boa fé ou dos bons costumes, quer para decidir se se exorbitou do fim social ou económico do direito (…).”
E nas págs. 297 e 298 da citada obra ainda escrevem os mesmos autores: “O abuso do direito pressupõe logicamente a existência do direito (direito subjectivo ou mero poder legal), embora o titular se exceda no exercício dos seus poderes. A nota típica do abuso do direito reside, por conseguinte, na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim do próprio direito ou do contexto em que ele deve ser exercido: Castanheira Neves, Questão de facto – Questão de direito, I, pag.513 e sgs.; Cunha de Sá, Abuso do direito, Lisboa, 1973, pag.454 e sgs., Antunes Varela, Abuso do direito, Rio, 1982.”
Como também elucida o sumário do Acórdão do STJ de 15.11.2011, in www.dgsi.pt, “(…) “III - Age com abuso do direito alguém que, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos, apodicticamente, ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, designadamente com intenção de prejudicar ou de comprometer o gozo do direito de outrem ou de criar uma desproporção objectiva entre a utilidade do exercício do direito por parte do seu titular e as consequências a suportar por aquele contra o qual é invocado.”
Por fim, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 5.7.2018, no Processo n.º 10126/17.6T8LSB.L1, em que a ora relatora interveio como 2ª adjunta, no qual, a propósito do abuso do direito se afirma:” A tutela da confiança exige que mereça protecção não apenas a pessoa subjectivamente de boa fé mas o próprio investimento que fez nessa situação, sem o que terá prejuízo (é o que se prende com o investimento desproteja aquele que deu azo à situação que importa proteger (é o sentido da imputação da confiança). A primazia da materialidade subjacente acarreta que o julgamento seja feito tendo presente as consequências concretas que advenham face ao exercício do direito. Ora, é precisamente aqui que entra a figura do abuso do direito, prevista no art.º 334 do Código Civil (que fere de ilegitimidade “o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”).O problema radica na actuação do sujeito e não na titularidade do direito: o que está em causa é o exercício inadmissível de posições jurídicas. Com efeito, como dizia Antunes Varela, in RLJ, 114-75, há abuso de direito quando “o poder formal realmente conferido pela ordem jurídica a certa pessoa” é exercido em contradição designadamente “com o condicionalismo ético-juridico (boa fé, bons costumes)”; ou, como refere Jorge Coutinho de Abreu, in Abuso de Direito, Almedina, 1999, 43, “quando um comportamento aparentando ser o exercício de um direito, se traduz na não realização de interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem”. Não interessa discutir o elemento subjectivo ou psicológico da boa fé (e da sua falta, relativamente ao abuso): não é este sentido que releva (de outro modo o agente que nem se apercebesse da sua falta de ética colheria beneficio da sua falta de conhecimento ou até da sua inconsciência, ao arrepio do principio de que a ignorância da lei não aproveita a ninguém, consagrado no art.º 6º do Código Civil) mas o normativo. Como nota Ana Prata, in Dicionário Jurídico, 3ª ed., Alm., 11, “tradicionalmente entendia-se que o exercício abusivo do direito implicava que o respectivo titular tivesse intenção de prejudicar outrem, mas hoje a doutrina dominante é de opinião que o exercício do direito em violação dos limites que o art.º 334 CC lhe impõe constitui abuso, independentemente do animus ou até da consciência que o seu titular tenha do carácter abusivo do seu comportamento”.
Os possíveis casos de abuso são: a)- a exceptio doli (exercício doloso da posição jurídica); b)- venire contra factum proprium; c)- inalegabilidade de nulidades formais; d)- supressio e surrectio; e)- o desequilíbrio no exercício jurídico.
Considerando os fundamentos invocados pelo Recorrente, cremos que, no caso, estará em causa o abuso do direito na vertente da inalegabilidade de nulidades formais.
Ora, no caso, resulta claro que não foi o Autor quem deu causa às irregularidades que invoca sendo certo, também, que nem participou na formação da deliberação que agora impugna. Acresce que não resulta dos autos que a actuação do Autor tem em vista fazer vingar um interesse meramente particular ou de um terceiro, ou de causar um prejuízo ao Réu, que desconhecemos qual seja.
Também não se nota que, com a impugnação da deliberação em causa, o Autor vise a paralisação da actividade do Réu; o que o Autor pretende, no essencial, é que a deliberação da Assembleia Geral do Réu seja anulada por entender que o procedimento subjacente à sua formação não foi o legal.
E como já dissemos, sendo o Autor um associado do Réu, tem interesse em que as deliberações sejam formadas de acordo com a lei, sendo conforme ao interesse do Réu e do conjunto dos seus associados a observância da legalidade. Não vemos, por isso, de que modo e em que medida a presente acção pode pôr em causa os invocados princípios da certeza e da segurança jurídica.
Por conseguinte, não procede a alegação de que o Autor actua em abuso do direito.
*
Apreciemos, agora, se a deliberação impugnada não padece de qualquer vício.
Sobre a alegada invalidade da deliberação tomada em sede de assembleia geral da Ré realizada em 19/07/2019,escreve-se na sentença recorrida, o seguinte: “A presente acção tem por objecto a anulação de deliberação social aprovada em assembleia geral realizada a 19/07/2019. Pretende o A. que aquela deliberação deve ser anulada por falta de quórum constitutivo, na medida em que os estatutos consentem a realização de assembleia geral sem a presença dos associados. Mostra-se, pois, violada, em sua opinião, a norma constante do art. 175º, n.º 1, do Código Civil (à frente designado, de modo abreviado, por CC).
Dispõe o art. 175º, do CC, que:
1.- A assembleia não pode deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados. 2.- Salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes. 3.- As deliberações sobre alterações dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos do número dos associados presentes. 4.- As deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva requerem o voto favorável de três quartos do número de todos os associados. 5.- Os estatutos podem exigir um número de votos superior ao fixado nas regras anteriores. Nos termos do disposto no art. 24º, n.º 4, dos Estatutos do R., “Tratando-se de alterações aos estatutos cuja introdução decorra de imposição legal ou da necessidade da resolução de casos omissos é dispensada a realização de congresso e a existência de quórum superior ao mínimo legalmente exigido, mas só poderão ser admitidas a votação em Assembleia Geral propostas que a Comissão de Fiscalização e Disciplina considere manterem-se dentro dos limites do presente número.” A deliberação da assembleia geral traduz um acto colectivo da vontade dos associados, expressando-se esta por via do exercício do respectivo direito de voto. A possibilidade de este direito do associado poder ser exercido por outrem, em sua representação, nas deliberações da assembleia sobre a dissolução ou prorrogação da associação (n.º 4 do art.º 175.º do CC) não tem suscitado quaisquer dúvidas na doutrina e na jurisprudência das instâncias superiores, como nos dá nota, entre outros, o Ac. do S.T.J, de 16/11/2006 (Dr. João Bernardo). “O mesmo não tem sucedido relativamente à admissibilidade da votação por representação nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 175.º do CC. Trata-se de questão que não tem sido objecto de controvérsia no plano jurisprudencial (o Supremo Tribunal Justiça tem tratado de um modo até agora coincidente a problemática em apreço, considerando que a votação por representação se encontra excluída nos casos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art.º 175 do CC. Vejam-se a este propósito os Acórdãos proferidos nas Revistas n.ºs 56/96 - 1.ª Secção de 18-06-1996 e 3246/02 - 7.ª Secção de 07-11-2002. Também na 2.ª instância se tem registado a mesma univocidade, sendo exemplo disso os Acórdãos da Relação do Porto de 04-06-2001 e de 06-05-2002. Todos os Acórdãos citados sem menção de inserção estão disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.), mas que cindiu a doutrina, sendo conhecidas neste domínio três correntes. A mais antiga, denegatória, não concebe tal possibilidade. Argumenta para tanto que o n.º 2 do art.º 175 do CC diz que as deliberações são tomadas por maioria absoluta de votos dos associados presentes. E o n.º 3 do mesmo artigo, ao exigir uma maioria qualificada para determinadas deliberações, também se refere aos associados presentes. Apenas o n.º 4 do artigo em causa menciona associados, somente, quando trata das deliberações sobre dissolução ou prorrogação da associação. Ademais, o art.º 180.º in fine do CC preceitua que o associado não pode incumbir outrem do exercício dos seus direitos pessoais e nos quais se inclui o direito de voto. Logo, não admite a votação por representação. Acontece que o art.º 176.º, n.º 1, do CC, proíbe ao associado votar, por si ou como representante de outrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, etc...; ou seja, acaba por admitir a votação por representação. Daí que a única maneira de conciliar estas disposições seja a de considerar que a referência à votação por representação feita no art.º 176.º do CC apenas é aplicável aos casos em que o art.º 175.º do CC a não proíbe, isto é, nas deliberações sobre dissolução ou prorrogação da associação (n.º 4) (Cfr. MARCELLO CAETANO, As pessoas colectivas no novo Código Civil português, in O Direito, Ano 99, pág. 108). Uma outra corrente, que se poderá designar de intermédia, admite a possibilidade de o direito de voto poder ser exercido por um outro associado, que não o respectivo titular, em decorrência directa do que dispõe o art.º 176.º, n.º 1, do CC. O facto de o art.º 180.º do CC estabelecer que o associado não pode incumbir outrem de exercer os seus direitos pessoais não obsta a tal conclusão, pois os direitos pessoais tidos em conta no artigo em causa correspondem ao direito de ser eleito para exercer funções em órgãos da associação bem como o próprio exercício dessas funções (Cfr. HEINRICH EWALD HÖRSTER, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, pág. 402). Finalmente, a terceira corrente defende a possibilidade de o associado poder se fazer representar na assembleia, seja através de outro associado, seja de um terceiro (Cfr. MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo III, Pessoas, Almedina, 2004, pág. 684, e OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, Volume I, Introdução, As pessoas, Os bens, Coimbra Editora, 1997, pág. 289. Aparentemente, e no mesmo sentido, CARVALHO FERNANDES, Teoria geral do Direito Civil, Vol. I, 2.ª Edição, Lex, Lisboa, 2005, pág. 514, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição revista e actualizada, Coimbra Editora, 1987, pág. 177). A primeira faculdade de representação encontra-se prevista no art.º 176.º, n.º 1, do CC; a segunda corresponde a uma possibilidade geral de qualquer ordem jurídica moderna e que apenas pode ser afastada perante norma expressa que o determine, o que, para efeitos das deliberações em causa, pode ser uma disposição estatutária. Quanto à regra final contida na parte final do art.º 180.º do CC, a mesma não se aplica nesta sede, pois a sua eficácia restringe-se aos exercícios intrassocietários ligados à pessoa do associado.” Perante estas três correntes de opinião, afigura-se-nos que aquela que melhor corresponde à ratio legis é a terceira, ou seja, nas deliberações referidas em tais preceitos é admissível a votação por representação (o voto por procuração). De facto, “os elementos racional e sistemático dos preceitos em apreço indicam no mesmo sentido. É irrazoável admitir a possibilidade de a deliberação mais gravosa para a vida de uma associação (qual seja, a da sua dissolução, verdadeira «bomba atómica» que desencadeia o início do processo conducente à extinção da pessoa colectiva) poder ser tomada com recurso à votação por representação e de vedar-se em termos absolutos tal faculdade relativamente às demais deliberações, obviamente menos penosas. A argumentação que vê esta necessidade de comparência como forma de fazer prevalecer a vontade livre e esclarecida dos associados esbarra na dedução ilógica de que, na hipótese de voto por procuração para dissolução da pessoa colectiva, o voto não é esclarecido” (conforme se escreveu no Ac. do STJ que vimos citando). Ora, do cotejo entre todas aquelas normas, resulta que o n.º 1, do art. 175º, do CC, quando aborda o quórum constitutivo tem por base a presença física dos associados, quer pessoalmente, quer por representação, naquela assembleia. Quem fica em casa, e não se faz representar, não integra a assembleia geral. Se assim se não entendesse esta norma não faria qualquer sentido pois abrangendo a assembleia geral os domicílios de todos os seus associados teríamos sempre um quórum de 100%. Conforme ensina Brito Correia (in, Direito Comercial, vol. III, Deliberações dos Sócios, AAFDL, 1990, págs. 175/176), “Ao exigir a presença – física ou por representante – numa assembleia, a lei está a afastar o voto escrito”. Uma assembleia é, antes de mais, uma reunião de pessoas. E esta reunião tem por base uma exigência ou finalidade a discussão: pôr frente a frente os interessados na tomada de posição, para que estes falem sobre o sentido da decisão (expondo opiniões, ideias, pontos de vista, mas também procurem convencer e ser convencidos), independentemente das diversas reuniões de esclarecimento ou se sensibilização que possam ter tido lugar em momento anterior. Como se escreveu no Ac. da Rel. de Lisboa, de 07/07/2009 (Dr. Arnaldo Silva), “1. Numa Assembleia Geral de uma Associação, a discussão é, em princípio, necessária para permitir aos participantes na Assembleia formarem a sua vontade de modo esclarecido. Se o Presidente da Mesa da Assembleia não admite dois associados a intervir e lhes desliga o microfone, quando estes associados têm o direito de intervir na Assembleia Geral, a falta de participação destes associados na discussão é susceptível de afectar o resultado do processo deliberativo, visto que a sua exclusão forçada no processo de formação da vontade da Assembleia não garante que a formação do convencimento dos associados votantes tenha sido feita de um modo esclarecido. Tal garantia só poderia ser obtida através do mútuo esclarecimento proveniente de uma discussão aberta a preceder a emissão de votos. No pensamento da lei (art.º 175º do Cód. Civil), a Assembleia não é apenas destinada à votação, mas também à formação do convencimento dos votantes através de um mútuo esclarecimento proveniente da discussão que eventualmente preceda a votação.” Aquela norma tem, pois, por fito assegurar uma participação efectiva dos associados na vida da associação. É, pois, uma norma garantística de um mínimo irredutível a partir do qual a sua inobservância constitui postergação daqueles direitos do associado (pondo, inclusivamente, em causa a representatividade das deliberações). A norma em causa tem, pois, plena aplicação no âmbito das associações sindicais. A posição assumida não contraria a jurisprudências do Ac. do TC n.º 18/06 de 06-01- 2006, disponível no sítio do respectivo tribunal, no qual se decidiu “não julgar inconstitucional a norma obtida por interpretação conjugada dos artigos 175.º, nºs 2, 3 e 4, e 176.º do Código Civil, segundo a qual apenas é admissível o voto por procuração nas deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva, estando o voto por procuração vedado nas deliberações enunciadas nos nºs 2 e 3 do artigo 175.º do Código Civil”. A interpretação objecto daquela decisão do TC não era inconstitucional, mas isso não significa que se deva concluir que o seja a interpretação contrária que aqui defendemos. De igual modo, julgamos que o entendimento sufragado não padece de inconstitucionalidade material, não contrariando, aliás o decidido nos acórdãos do TC n.º 64/88, de 18/04/1988 (que declara a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral – por violação do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 56.º da Constituição -, da norma do artigo 46.º do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, enquanto ele, ao remeter para o artigo 16.º do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro, faz aplicar às associações sindicais o disposto no n.º 4 do artigo 175.º do Código Civil), na medida em que estes nunca se debruçaram sobre o art. 175º, n.º 1, do CC. A norma imperativa constante do art. 175º, n.º 1, do CC, não bule com o princípio da liberdade auto-organização e a liberdade estatutária, decorrentes do princípio da liberdade sindical, na medida em que respeita os princípios da adequação e da proporcionalidade vigentes no nosso ordenamento jurídico. Como se disse, aquela norma referente ao quórum constitutivo ao pretender salvaguardar o respeito por um número mínimo de associados na assembleia geral (mesmo de um sindicato) visa assegurar o carácter efectivamente representativo da deliberação ali adoptada (pelos seus associados). Nem se invoque, como faz o R., o âmbito nacional da associação e a disseminação dos seus associados pelo país. De facto, há formas para mitigar as consequências de uma “descontinuidade” espacial (a nosso ver relativa, pois com as vias e meios de comunicação existentes – com a consequente facilidade e rapidez nas deslocações - cada vez mais os associados se aproximam dos lugares da tomada de decisão). Efectivamente, para além da possibilidade de se fazer representar por associado que esteja presente, sempre pode a associação criar mesas de voto em delegações que funcionem, por exemplo, nos vários distritos (e que seriam uma extensão da reunião levada a cabo num único local); ou recorrer aos meios de comunicação à distância que levem para o local da assembleia a pessoa que, fisicamente, está noutro lugar (a comunicação à distância por videoconferência permite ao associado discutir o sentido da decisão, participando na sua formação, mas também permite votar – emitindo o seu sentido de voto – e assegura à associação a verificação de que que se apresenta na assembleia, de forma livre, é o associado, inviabilizando possíveis “falcatruas”).
Conforme se fez constar no Parecer da PGR n.º 27/1987, de 09/03/1989:
“1- A liberdade sindical só encontra os limites resultantes da própria Constituição, onde se evidencia a necessidade das associações sindicais se regerem pelos princípios da organização e gestão democrática; 2- O legislador ordinário pode editar normas, com caracter imperativo, que explicitem ou concretizem o princípio democrático a que deve obedecer a organização e gestão das associações sindicais; 3- O n.º 3 do artigo 17º, do Decreto-Lei n.º 215-B/75, de 30 de Abril, - no segmento em que impõe o voto directo -, é inconstitucional, por violação do artigo 56º, n.ºs 2 e 3, da Constituição da República; 4- Os n.ºs 4 e 7 do artigo 17 do Decreto-Lei n 215-B/75 não violam os princípios da liberdade sindical consagrados no artigo 56º da Constituição da Republica, contendo-se nos limites a que alude a conclusão 2; 5- Foi já declarada a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral por violação do referido artigo 56º, n.ºs 2 e 3, alínea c), da norma do artigo 46º do Decreto-Lei n.º 215- B/75, na parte em que, nos termos do artigo 16 do Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro determinava a aplicação do artigo 175º, n.ºs 2, 3 e 4 do Codigo Civil; 6- A norma do aludido artigo 46º é ainda inconstitucional quando referida a 2 parte do artigo 162º do Codigo Civil; 7- Aplicam-se imperativamente as associações sindicais, nos termos da conclusão 2, os artigos 160º, 162º, 1 parte, 163º, 164º, 165º, 166º, n 1, 172º, 175º, n 1, 176º, n 1, 179º, 182º (com excepção da alínea a) do n.º 1), 183º e 184º do Código Civil; 8- Poder-se-ão aplicar supletivamente as associações sindicais os artigos 159º, 2 parte, 166º, n 2, 170º, n 1, 171º, n 2, 175º, n.º 5, e alínea a) do n 1 do artigo 182º do Código Civil; 9- Não se aplicam, por a sua matéria estar especificamente contemplada em leis vocacionadas para as associações sindicais, os artigos 158º, 158º-A, 159º (1 parte), 167º, 168º, 170º, n.ºs 2 e 3, 171º, n 1, 173º, 174º, 176º, n 2, 177º, 178º, 180º e 181º do Código Civil; 10- A "denominação" da associação sindical, em obediência aos princípios da verdade e da novidade, não pode compor-se de elementos susceptíveis de provocar confusão quanto a identidade dos filiados, a natureza da associação, a sua índole e âmbito, como deve evitar semelhanças que possam induzir o publico em erro ou confusão; 11- Para que se possa considerar definido o âmbito subjectivo de uma associação sindical, os seus estatutos devem identificar claramente as classes trabalhadoras abrangidas.” – sublinhado nosso. Finalmente, e porque foi invocado em benefício da posição do A. (pretendendo este que a R. o tenha em consideração), importa não esquecer o Ac. da Rel. de Lisboa, de 25/10/2017, onde, a este propósito,se decidiu:
“4.1.2.-A aplicabilidade do .º 175.º, n.º1 do Código Civil às associações sindicais. Por fim, sustenta a apelante que «as normas relativas às associações previstas nos art.ºs 175.º e segs. do CC, por força do disposto no .º 55.º, n.º 2, c) e n.º 3 da CRP e art.ºs 441.º, 450.º e 451.º do CT, não são imperativas para as associações sindicais, aplicando-se apenas quando sejam necessárias para assegurar o respeito pelos princípios da organização e gestão democráticas", pelo que "a deliberação posta em causa nos presentes autos nunca poderia ser inválida pelo facto de não se ter realizado uma assembleia presencial». Porém, na linha do que vem referido na sentença recorrida, também cremos que não assiste razão à apelante. É que, conforme já assinalou o Tribunal Constitucional, entre outros nele referidos no acórdão de 10-12-1987, no processo n.º 156/86, da 2.ª Secção, publicado em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/19870455.html, "se não é de considerar precludida, sem mais, a possibilidade de intervenções legislativas tendentes a acautelar a 'democraticidade' dos sindicatos, então não haverá de negar-se legitimidade a tais intervenções, quando as mesmas, além de se mostrarem inteiramente adequadas a esse objectivo, se não revelem desnecessárias ou desproporcionadas (isto é, não envolvam uma intolerável e excessiva compressão da autonomia organizatória dessas associações). Ora, é isso que justamente acontece no caso: em primeiro lugar, a fixação legal de um quórum mínimo (qualquer que ele seja) para o funcionamento das assembleias gerais é algo de 'necessário', pois de outro modo seria remetida para o critério do julgador, em último termo, a verificação do cumprimento estatutário pelas associações sindicais da exigência de um mínimo de 'representatividade' das correspondentes deliberações, postulada pelo princípio democrático; em segundo lugar, a fixação desse quórum em metade dos associados, na primeira convocação, não só é, de facto, uma solução ajustada à finalidade de acautelar a mesma 'representatividade' (sem, simultaneamente, bloquear a funcionalidade do correspondente órgão associativo), como não tolhe em medida significativa a autonomia organizatória dos sindicatos. Eis por que se entende que a aplicação às associações sindicais do disposto no artigo 175.º, n.º 1, do Código Civil não deve reputar-se inconstitucional". –sublinhado nosso. Finalmente, se bem lemos o art. 24º, n.º 4, do Estatuto, o mesmo não apresenta disciplina contrária ao disposto no art. 175º, n.º 1, do CC.
Daquele art. 24º, n.º 4, do Estatuto, consta que: “Tratando-se de alterações aos estatutos cuja introdução decorra de imposição legal ou da necessidade da resolução de casos omissos é dispensada a realização de congresso e a existência de quórum superior ao mínimo legalmente exigido, mas só poderão ser admitidas a votação em Assembleia Geral propostas que a Comissão de Fiscalização e Disciplina considere manterem-se dentro dos limites do presente número Por um lado, “congresso” e “assembleia geral” não são uma e a mesma coisa, pelo que a dispensa de congresso não dispensa a assembleia geral. Por outro lado, a dispensa de quórum superior ao mínimo legalmente exigido não significa dispensa de quórum (sem mais). Veja-se que a norma estatutária não esclarece a que quórum se reporta (quórum constitutivo ou quórum deliberativo ou a ambos), pelo que na ausência de norma legal específica para as associações sindicais (e note-se que aquele estatuto não afasta o regime legal, mas apenas eventual regulamentação que fixe quem quórum superior ao que decorre do regime legal) vale a regra geral (contida naquele art. 175º, n.º 1, do CC). Ou seja, em bom rigor o art. 24º, n.º 4, do Estatuto, não afasta o disposto no art. 175º, n.º 1, do CC, pelo que não há que averiguar se esta norma, por contrariar o ali estatuído, bule com a liberdade de auto-organização da associal sindical. Donde: concluindo-se pela aplicação à assembleia geral que teve lugar no dia 19/07/2019 o disposto no art. 175º, n.º 1, do CC, a sua inobservância torna inválida a deliberação nela adoptada, impondo-se a sua anulação, conforme pretendido pelo A.”
Discordando, entende o Recorrente em suma, que o artigo 175º, nº 1 do CC não tem um carácter imperativo para as associações sindicais e que, as normas dos Estatutos que prevêem a realização de assembleias descentralizadas não são ilegais e, por isso, a deliberação impugnada não enferma de qualquer vício, que face ao princípio da auto-organização e auto-regulação das associações sindicais previsto no artigo 55.º n.º 2, c) e n.º 3 da CRP, conjugado com o seu artigo 18.º, a regulamentação subsidiária das associações prevista no CC, apenas é imperativa para as associações sindicais quando estas normas forem necessárias à salvaguarda dos princípios da organização e da gestão democrática, que como também é entendimento da doutrina e da jurisprudência, para aferir a admissibilidade e legitimidade de uma eventual intervenção legislativa e aplicação imperativa de uma norma do CC, terá que se recorrer “a uma ideia de proporcionalidade, nas suas três dimensões” da adequação, necessidade e adequação, que o actual artigo 451º do CT reduziu o alcance do princípio da gestão democrática, não resultando desta norma para as associações sindicais a obrigação de ter uma reunião presencial dos associados para se considerar respeitado o princípio da organização e da gestão democrática, pelo que não há fundamento para interpretar o artigo 175º, nº 1 do CC como sendo imperativo para as associações sindicais, concorrendo, também neste sentido o disposto no artigo 450º, nº 4 do CT, que os Estatutos do Réu prevêem várias possibilidades de discussão das propostas à Assembleia Geral por parte dos associados, não havendo qualquer necessidade de impor uma reunião presencial nos Estatutos do Réu uma vez que as propostas a levar à Assembleia Geral podem ser discutidas presencialmente pelos sócios nas reuniões do Conselho Nacional, pelo que a anulação da deliberação aqui impugnada com base na ilegalidade dos Estatutos seria sempre violadora do disposto nos arts. 18º e 55º, nº 2, c) e nº 3 da CRP.
Vejamos:
As normas ditas violadas:
Artigo 18.º da CRP:
“1.- Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2.- A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. 3.- As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstracto e não podem ter efeito retroactivo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.”
Artigo 55.º n.º 2 , c) e 3 da CRP:
“1.- (…). 2.- No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente: a)(…). b) (…). c) A liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais; d) (…). e) (…). 3.- As associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e da gestão democráticas, baseados na eleição periódica e por escrutínio secreto dos órgãos dirigentes, sem sujeição a qualquer autorização ou homologação, e assentes na participação activa dos trabalhadores em todos os aspectos da actividade sindical. 4. (…). 5.(…). 6.- (…).”
Artigo 175.º do Código Civil:
“1.- A assembleia não pode deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados. 2.(…). 3.(…). 4.(…). 5.(…).”
Artigo 451.º do Código do Trabalho:
“1- No respeito pelos princípios da organização e da gestão democráticas, as associações sindicais e as associações de empregadores devem reger-se, nomeadamente, em obediência às seguintes regras: a)- Todo o associado no gozo dos seus direitos tem o direito de participar na actividade da associação, incluindo o de eleger e ser eleito para os corpos sociais e ser nomeado para qualquer cargo associativo, sem prejuízo de poder haver requisitos de idade e de tempo de inscrição; b)- São asseguradas a igualdade de oportunidades e imparcialidade no tratamento das listas concorrentes a eleições para os corpos sociais; c)- O mandato dos membros da direcção não pode ter duração superior a quatro anos, sendo permitida a reeleição para mandatos sucessivos, salvo disposição estatutária em contrário;
2- Os estatutos de associação de empregadores podem atribuir mais de um voto a certos associados, com base em critérios objectivos, nomeadamente em função da dimensão da empresa, até ao limite de 10 vezes o número de votos do associado com o menor número de votos. 3- Os estatutos podem permitir a participação de membros em mais de um órgão, salvo se um desses órgãos for o conselho fiscal, não podendo o número daqueles ultrapassar um terço do total dos membros.”
Como se afirma no Acórdão deste Tribunal e Secção de 06.07.2017, publicado em www.dgsi.pt e no qual a ora relatora interveio como 2.ª adjunta, “O Código do Trabalho reconhece aos sujeitos colectivos de direito laboral, nomeadamente associações sindicais, um princípio de independência, que se expressa entre outras coisas na sua auto-regulamentação, organização e gestão democráticas, sem sujeição a outras entidades, seja da parte do Estado, dos empregadores, de partidos políticos ou de outra natureza (art.º 445 e 451 do CT). Dispõe assim o art.º 451/1/a. e b. que 1 – No respeito pelos princípios da organização e da gestão democráticas, as associações sindicais e as associações de empregadores devem reger-se, nomeadamente, em obediência às seguintes regras: a) Todo o associado no gozo dos seus direitos tem o direito de participar na actividade da associação, incluindo o de eleger e ser eleito para os corpos sociais e ser nomeado para qualquer cargo associativo, sem prejuízo de poder haver requisitos de idade e de tempo de inscrição; b) São asseguradas a igualdade de oportunidades e imparcialidade no tratamento das listas concorrentes a eleições para os corpos sociais (...). A auto-regulamentação significa que nomeadamente os sindicatos se regem por estatutos e regulamentos por elas aprovados (art.º 445.º do CT).”
O artigo 12º dos Estatutos do Réu, sob a epígrafe (Assembleia Geral) e cuja ilegalidade foi suscitada pelo Autor estribado no artigo 175.º do CC tem a seguinte redacção:
“1.- A Assembleia Geral é constituída por todos os associados do Sindicato. 2.- Compete, em especial, à Assembleia Geral: a)- eleger os membros da Direcção e da Comissão de Fiscalização e Disciplina, segundo círculo único nacional, e os membros do Conselho Nacional, segundo círculos correspondentes às respectivas Secções Sindicais. b)- deliberar sobre a alteração dos Estatutos do Sindicato; c)- deliberar sobre a filiação do Sindicato em associações sindicais, nacionais ou internacionais; d)- deliberar sobre a fusão ou integração do Sindicato; e)- deliberar sobre a dissolução do Sindicato e forma de liquidação do seu património; f)- pronunciar-se sobre todas as questões que lhe sejam presentes podendo alterar ou revogar as decisões de outros órgãos; g)- exercer todas as demais competências previstas na lei ou nos presentes estatutos.
3.- A Assembleia Geral será convocada pelo Presidente do Conselho Nacional a requerimento: a)- da Direcção ou do seu Presidente; b)-da Comissão de Fiscalização e Disciplina ou do seu Presidente; c)- de pelo menos 1/3 dos membros do Conselho Nacional; d)- de pelo menos 1/10 dos, ou 200, associados.
4.-A Assembleia Geral funcionará sempre descentralizadamente, com instalação de mesas de voto nas Secções Sindicais, sendo as deliberações tomadas por voto secreto e precedidas pela discussão das propostas por período não inferior a 15 dias. 5.- Os associados poderão exercer o seu direito de voto por correspondência, não sendo permitido o voto por procuração.” (al.D) dos factos provados)
Por seu turno, estatui o artigo 24.º n.º 4 dos Estatutos:
“Tratando-se de alterações aos estatutos cuja introdução decorra de imposição legal ou da necessidade da resolução de casos omissos é dispensada a realização de congresso e a existência de quórum superior ao mínimo legalmente exigido, mas só poderão ser admitidas a votação em Assembleia Geral propostas que a Comissão de Fiscalização e Disciplina considere manterem-se dentro dos limites do presente número.” (al.C) dos factos provados)
O Tribunal a quo entendeu que a deliberação em causa, no que respeita ao quorum constitutivo, não observou o disposto no n.º 1 do artigo 175.º n.º 1 do CC, norma que considerou aplicável às associações sindicais.
Sobre a aplicabilidade do artigo 175.º n.º 1 do CC às associações sindicais debruçou-se o Acórdão deste Tribunal de 25.10.2017, já acima citado, no qual além do mais, se discutia se a votação das assembleias das associações sindicais tinha que ser presencial e pela maioria dos associados.
No mencionado aresto, para além da citação feita na sentença ainda se refere: “De todo o modo e ainda que se entendesse que o art.º 175.º, n.º 1 do Código Civil não era de aplicação imperativa às associações sindicais, a verdade é que a solução não se alterava pela circunstância de antes terem sido debatidas as questões noutros órgãos estatutários. É que a assembleia geral da apelante foi convocada para decidir, como decidiu, acerca das questões em apreço; e sobre elas podia fazê-lo, conforme resulta do art.º 12.º, n.º 2, alínea f) dos seus Estatutos, pois que aí se estabelece que à assembleia geral compete "pronunciar-se sobre todas as questões que lhe sejam presentes podendo alterar ou revogar as decisões de outros órgãos". Isto sempre sem perdermos de vista que não apenas as regras referentes ao funcionamento como também as relativas ao modo de convocação da assembleia geral teriam que ser observadas, pelo que as suas subsequentes deliberações podiam ser impugnadas e, na sua inobservância, anuladas.”
Sufragamos o entendimento explanado no referido Acórdão e acrescenta-se que, a circunstância de, como alega o Recorrente, o Estatuto do Réu (artigos 3º, nº 1, a), 6º, b), 11º, 17º e 23º, nº 4) prever os Congressos, Conferências e Encontros Sindicais, assembleias de associados a nível de Secção Sindical, de universidade ou instituto politécnico e assembleias de delegados sindicais a nível de universidade ou instituto politécnico como órgãos destinados à discussão presencial de qualquer questão suscitada pelos associados, com força vinculativa para os restantes órgãos e de consulta obrigatória para determinadas deliberações, não invalida que, convocada a Assembleia Geral, no caso para decidir sobre a alteração dos Estatutos, este órgão colectivo se abstenha de funcionar com o quorum constitutivo legalmente exigível. Não é o facto de as propostas que são submetidas à AG terem sido antes debatidas e apreciadas por outros órgãos do Réu, nomeadamente serem preparadas e discutidas em Conselho Nacional e onde há a possibilidade de serem discutidas presencialmente pelos delegados eleitos pelos associados, conforme previsto no artigo 3.º do RFAG, que afasta a necessidade de representatividade dos associados no processo deliberativo da Assembleia Geral.
Repare-se que, como refere o Recorrente, no Conselho Nacional, a discussão das propostas é feita pelos delegados eleitos pelos associados, o que não equivale a serem discutidas e apreciadas na Assembleia Geral pelo associado presente ou representado.
E se, como alega o Recorrente, não há qualquer necessidade de impor uma reunião presencial nos Estatutos do Réu uma vez que as propostas a levar à Assembleia Geral podem ser discutidas presencialmente pelos sócios nas reuniões do Conselho Nacional, então, a conclusão a retirar seria a de que a Assembleia Geral apenas teria existência no papel.
Assim, não exigir um limite mínimo de representatividade dos associados na Assembleia Geral (presentes ou representados), significaria, pura e simplesmente, anular o seu papel de órgão colectivo e representativo da vontade dos associados.
E por ser o órgão constituído por todos os associados e o órgão deliberativo por excelência, naturalmente que a exigência de um mínimo de representatividade dos associados, presentes ou representados, é, no fim de contas, uma das formas de concretizar os princípios da organização e gestão democráticas, revelando-se, pois, adequada e proporcional a obrigação decorrente do artigo 175.º n.º 1 do CC de a votação ser presencial, entendida esta nos termos propugnados na sentença recorrida.
Por conseguinte, não acompanhamos o Recorrente quando afirma que a anulação da deliberação aqui impugnada com base na ilegalidade dos Estatutos viola o disposto nos artigos 18º e 55º, nº 2, c) e nº 3 da CRP.
Vejamos, por último, se a interpretação do artigo 175.º do CC feita pelo Tribunal a quo no sentido da sua imperatividade às associações sindicais e no sentido de impor a realização de assembleias gerais presenciais é inconstitucional por violação do disposto nos artigos 18.º e 55.º n.º 2 al.c) e n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade que invoca.
Ora, no texto que transcrevemos da sentença recorrida, o Tribunal a quo esclarece de modo claro e pormenorizado as razões por que entende que a sua interpretação do artigo 175.º n.º 1 do CC não é inconstitucional. Aderimos à sua fundamentação, posto que também não vislumbramos a suscitada inconstitucionalidade.
Em suma, merece a nossa concordância a sentença recorrida quando, de modo devidamente fundamentado e em elaborada dissertação, conclui no sentido de que a norma do artigo 175.º n.º 1 do CC é imperativa e aplica-se às associações sindicais, não padecendo a sua interpretação de inconstitucionalidade. Donde, reafirmamos a invalidade da deliberação aqui impugnada, com a consequente improcedência do recurso.
Considerando o disposto no artigo 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, as custas do recurso são da responsabilidade do Recorrente.
Decisão
Em face do exposto, acorda-se em julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Recorrente.
Registe e notifique.
Lisboa, 30 de Junho de 2021
Maria Celina de Jesus de Nóbrega
A Exma. Juíza Desembargadora 1.ª Adjunta não assina por não se encontrar presente, mas dá voto em conformidade.
Paula de Jesus Jorge dos Santos Filomena Maria Moreira Manso