Ups... Isto não correu muito bem. Por favor experimente outra vez.
DESPEDIMENTO TÁCITO OU DE FACTO
REVOGAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ENCERRAMENTO DEFINITIVO DO ESTABELECIMENTO
Sumário
Sumário (elaborado pela relatora):
I - O despedimento traduz-se na ruptura da relação laboral por acto unilateral do empregador, mediante uma declaração feita verbalmente, por escrito ou por qualquer outro meio de manifestação da vontade (declaração negocial expressa), ou mediante uma declaração que possa ser deduzida de actos equivalentes que com toda a probabilidade a revelem (declaração negocial tácita). II – Não equivale a despedimento ilícito a celebração entre a empregadora e a trabalhadora dum acordo de revogação do contrato de trabalho que é inválido por falta de requisitos formais, vícios da vontade ou qualquer outro fundamento, pois esta situação apenas acarreta a destruição dos respectivos efeitos e a consequente manutenção em vigor do contrato de trabalho e das obrigações dele emergentes, designadamente a de prestação de trabalho pela trabalhadora e a de pagamento da retribuição pela empregadora. III - O encerramento definitivo do estabelecimento da empregadora, precedido da comunicação verbal à trabalhadora de que tal facto iria ocorrer, configura uma causa de caducidade do contrato de trabalho, acompanhada de declaração de carácter meramente informativo (e não de carácter negocial, como sucede no despedimento), nos termos previstos nos arts. 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.ºs 3, 4 e 5 do Código do Trabalho, mesmo que não tenha sido observado o aviso prévio devido, ou, no caso de a empresa não ser uma microempresa, o procedimento que se impunha, ou, ainda, o pagamento da compensação prevista. IV - Com efeito, a inobservância do procedimento, da antecedência ou do pagamento a que se referem os n.ºs 3, 4 e 5 do art. 346.º do Código do Trabalho não tem a virtualidade de transformar uma situação de caducidade em despedimento, que conceitualmente se distinguem, nem, por falta de previsão legal, determina que se operem as consequências jurídicas estabelecidas para o despedimento ilícito.
Alda Martins
Texto Integral
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães:
1. Relatório
M. F. intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra X, LDA., pedindo que a Ré seja condenada a:
a) reconhecer que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré referido nos artigos 1.º, 5.º a 7º da p.i. se converteu num contrato de trabalho sem termo:
b) reconhecer a nulidade do “acordo de revogação do contrato” identificado no artigo 8.º da p.i.:
c) reconhecer a ilicitude do despedimento da Autora;
d) reintegrar a Autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, ou, no caso de esta optar, a pagar-lhe uma indemnização correspondente a 45 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano de antiguidade ou fracção, contando-se para o efeito todo o tempo decorrido desde a data de admissão até ao trânsito em julgado da decisão final;
e) pagar-lhe:
a. a importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida;
b. a importância de € 346,44, referida no art. 21.º da p.i.; e
c. os juros vencidos e vincendos sobre as importâncias devidas desde a constituição em mora da Ré até efectivo e integral pagamento.
Para sustentar a procedência do pedido formulado sob a alínea a), a Autora alega, em síntese, que do contrato escrito não consta a motivação da aposição do termo; quanto ao pedido formulado sob a alínea b), assenta no desconhecimento que a Autora tinha do teor do documento em causa, na omissão em tal documento da referência ao prazo legal para exercício do direito da Autora de fazer cessar o acordo e na falsidade do respectivo conteúdo, pois o que sucedeu foi o encerramento definitivo do estabelecimento; quanto aos pedidos formulados sob as alíneas c), d) e e)-a., decorrem da nulidade do acordo revogatório e do encerramento do estabelecimento, que impede a Autora de trabalhar, mesmo que o quisesse.
A Ré apresentou contestação, que não foi admitida em virtude de ser extemporânea.
Seguidamente, foi proferido despacho saneador-sentença em que se consideraram confessados os factos articulados pela Autora na petição inicial, o qual terminou com o seguinte dispositivo:
«4. Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção, e, porque assim se declara: 1) condeno a Ré a reconhecer: a. que o contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré referido nos artigos 1º, 5º a 7º se converteu num contrato de trabalho sem termo; b. a nulidade do “acordo de revogação do contrato” identificado no artigo 8º da p.i.; 2) condeno a Ré a pagar à Autora o montante de 317,50 €, acrescido de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a citação até integral pagamento; e 3) absolvo a Ré do restante peticionado pela Autora. Custas a cargo da Autora e Ré, na proporção do respectivo decaimento.»
A Autora, inconformada, interpôs recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões:
«A) Vem o presente recurso interposto da sentença final na parte em que julgou improcedente o reconhecimento da ilicitude do despedimento da Recorrente e a consequente condenação da Recorrida no pagamento da indemnização por antiguidade e da compensação correspondente às retribuições vencidas e dos respectivos juros, B) Sempre com o devido respeito, afigura-se que o Juíz ao decidir, como decidiu, não fez correcta apreciação da matéria de facto, como não fez correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais atinentes. C) O Tribunal a quo, após determinar os factos assentes, julga procedente a nulidade do contrato a termo e a sua conversão por tempo indeterminado, a nulidade da revogação do contrato por mútuo acordo, o pagamento das férias vencidas e não gozadas e improcedente a ilicitude do despedimento e seus efeitos, D) Ora, desde logo, por falta da contestação da Recorrida nos termos do artº 57º do CPT, deve ser dada como provada todas a factualidade vertida na petição inicial que, para além do que se encontra fixado pelo Tribunal a quo, deve ser adicionado o vertido no artº 16º com o seguinte teor: “acresce que o próprio teor do acordo não é verdadeiro, uma vez que não ocorreu qualquer perturbação, o que sucedeu foi o encerramento definitivo do estabelecimento (…)”.
E) Em face da factualidade assente, vertida nas als. e), f), g) e i), ainda, a declaração de desemprego (doc. 5 c/ a p.i.) e o vertido no artº 16º da acção, verifica-se que:
- O contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, cessou a 31/03/2020, por decisão da Recorrida comunicada verbalmente à Recorrente de que “não teria trabalho”, “que iria encerrar a empresa” - Do encerramento definitivo do estabelecimento; F) Deste modo, para cessar o contrato de trabalho da Recorrente, a Recorrida teria de lançar mão do procedimento para a extinção do posto de trabalho ou do despedimento colectivo, o que não fez, o que implica sempre, nos termos do artº 381º, al. c) do CT, a ilicitude do despedimento. G) Mas se entendesse que o contrato de teria caducado, ainda, assim, nos termos do artº 346º, nº 3 e 4 do CT, sempre tal ocorrência teria de ser precedida do procedimento para o despedimento colectivo (artº 360º), o que não ocorreu, como nem sequer foi colocado à disposição da trabalhadora os créditos emergentes da vigência e da cessação do contrato de trabalho, incluindo a compensação prevista no artº 366º, o que também não sucedeu, o que implica, também por aqui, a ilicitude do despedimento nos termos do artº 381º, al. c) do CT; H) Assim, por força da ilicitude do despedimento, nos termos do artº 389º e 390º do CT, a Recorrente tem o direito a exigir a indemnização por antiguidade, que, em face do valor diminuto da retribuição e o elevado grau de ilicitude da conduta da Recorrida, deve ser calculado a 45 dias de retribuição de base e antiguidade, não podendo ser inferior a 3 meses, contando-se todo o tempo desde a data de admissão até ao trânsito em julgado da sentença que vier a ser proferida e que, na presente data, ascende € 2.857,95 (€ 635,00: 30 dias x 45 dias x 3) I) A ilicitude do despedimento confere, ainda, à Recorrente, nos termos do artº 390º, nº 1 do CT, o pagamento de uma compensação correspondente ao valor das retribuição que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão final e que, na presente data, € 5.694,25; J) Se assim não se entendesse, ou neste caso se entendesse que, o contrato teria cessado por caducidade e que a inobservância dos formalismos legais não conduz à ilicitude do despedimento – hipótese que não se concede e que apenas por dever de patrocínio se equaciona, ainda assim, nos termos das disposições consagradas dos artºs 74º do CPT e 346º, nº 5, sempre a Recorrente teria direito à compensação prevista no artº 366º estes do CT, no valor de € 190,53 (€ 635,00 : 30 x 9 dias); K) Sobre todas as importâncias devidas são, ainda, devidos juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento; L) Deve, assim, ser revogada a decisão recorrida na parte em que julga improcedente a acção e substituída por outra decisão que reconheça a ilicitude do despedimento da Recorrente e condenar, assim, a Recorrida no pagamento da indemnização por antiguidade e da compensação correspondente às retribuições vencidas e vincendas e, se assim não se entender, deve sempre ser condenada no pagamento da compensação prevista no artº 366º; M) O Tribunal a quo ao decidir, como decidiu, julgando improcedente o que se encontra peticionado nas als. c), d), e) e g) da PI não apreciou correctamente a prova produzida, nem interpretou nem aplicou correctamente as normas legais atinentes, nomeadamente os artºs 57º e 74º do Código do Processo do Trabalho, 340º al. d) e e), 3346º, 3 e 4, 359º e ss, 367º e ss, 381º, al. c), todos do Código do Trabalho.»
A Ré apresentou resposta ao recurso da Autora, pugnando pela sua improcedência.
O recurso foi admitido como apelação, com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, pelo Ministério Público foi emitido parecer no sentido da procedência parcial do recurso, tendo a Ré respondido a discordar na parte a si desfavorável.
Colhidos os vistos das Exmas. Adjuntas, cumpre decidir.
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões que se colocam à apreciação do tribunal são as seguintes:
- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
- se o contrato de trabalho sem termo que vigorava entre as partes cessou por despedimento ilícito da Autora pela Ré, com as legais consequências;
- assim não se entendendo, se cessou por caducidade e a Recorrente tem direito à compensação prevista no art. 366.º do Código do Trabalho, no valor de 190,53 €.
3. Fundamentação de facto
Os factos provados são os seguintes:
a) Em 01/10/2019, a Autora foi admitida ao serviço da Ré, por contrato de trabalho designado a termo certo, pelo período de 12 meses, com sede na Rua da …, …, concelho de Vila Verde, para exercer sob a autoridade, direcção e fiscalização desta as funções correspondentes à categoria de costureira, a tempo completo e mediante retribuição.
b) Na cláusula 6.ª do referido contrato ficou a constar o seguinte: “O presente contrato entra em vigor em 1 de Outubro de 2019, é celebrado pelo prazo de 12 meses, justificando-se ao abrigo da alínea a) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho.”
c) Durante a vigência do contrato de trabalho, a Autora auferia a retribuição mensal global de € 793,62, assim discriminada:
a. Retribuição base mensal - € 635,00;
b. Subsídio de férias (duodécimo) - € 52,91;
c. Subsídio de Natal (duodécimo) - € 52,91;
d. Subsídio de alimentação - € 52,80 (22 x € 2,40/dia).
d) A Autora sempre cumpriu um horário de trabalho completo, das 08,30 às 12,30 e das 13,30 às 17,30 horas, de 2.ª a 6.ª feira.
e) No dia 30/03/2020, ao final da tarde, o Sr. F. G., sócio da Ré e marido da sócio-gerente da Ré, Sr.ª. ML., quando chegou às instalações fabris, dirigiu-se aos trabalhadores comunicando “que não tinha trabalho; nessa situação mais valia fechar”.
f) No dia seguinte, o referido F. G. entregou a cada uma das trabalhadoras uma folha em branco para elas rubricarem no canto superior direito de um dos lados da folha e também na contraface, onde foi aposta uma linha, onde, por baixo dessa linha, constava o respectivo nome da trabalhadora, para esta assinar, o que foi feito.
g) Posteriormente, juntamente com o documento que os trabalhadores assinaram e que veio a descobrir-se serem as revogações por acordo – situação de que não tinham sido informadas –, a Ré, através do Sr. F. G., informou que iria encerrar a empresa e que entregaria o documento para o desemprego, o que sucedeu no dia 02/04/2020.
h) Trata-se de documento de que, na data da assinatura, a Autora desconhecia o teor, para além de que, se soubesse, não teria assinado.
i) No referido documento assinado pela Autora nas condições supra referidas, intitulado “Revogação do contrato de trabalho por acordo” (cuja cópia foi junta aos autos pela Autora como documento n.º 3), foi declarado, entre o mais, o seguinte: “Cláusula 1ª: Empregadora e Trabalhadora declaram cessar em 31 de março de 2020 o contrato de trabalho sem termo, cujos efeitos se produzem a partir de 1 de Abril de 2020, data em que se considera para todos os efeitos legais terem cessado todos e quaisquer direitos, deveres e garantias das partes, emergentes do referido contrato. Cláusula 2ª: 1. A Trabalhadora recebe da Empregadora, a quantia de EUR 705,78 (setecentos e cinco euros e setenta e oito cêntimos), como compensação pecuniária de natureza global pela cessação do seu contrato de trabalho, da qual dará quitação em documento separado, anexo ao presente acordo e que dele faz parte integrante.”
j) A Autora manteve-se ininterruptamente ao serviço da Ré, desde a data de admissão até 31/03/2020.
4. Apreciação do recurso
4.1. A Autora pretende o aditamento à factualidade provada, em virtude de não ter sido impugnada, da matéria constante do art. 16.º da p.i., com o seguinte teor: “acresce que o próprio teor do acordo não é verdadeiro, uma vez que não ocorreu qualquer perturbação, o que sucedeu foi o encerramento definitivo do estabelecimento (…)”.
Ora, dispunha o n.º 4 do art. 646.º do Código de Processo Civil de 1961 que se têm por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito, assim como as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes. E, embora não se contemplassem directamente as respostas sobre a matéria de facto vagas, genéricas e conclusivas, foi-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que aquela disposição era de aplicar analogicamente a tais situações, sempre que a matéria em causa se integrasse no thema decidendum, por se reconduzirem à formulação de juízos de valor que se devem extrair de factos concretos, objecto de alegação e prova.
Sucede que, não obstante a eliminação do preceito mencionado no Código de Processo Civil de 2013, é de considerar que se deve manter aquele entendimento, interpretando, a contrario sensu, o actual n.º 4 do art. 607.º, segundo o qual, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados.
Isto é, o que o tribunal pode e deve considerar como provado em resultado da prova produzida são os factos e não as conclusões ou juízos de valor a extrair dos mesmos à luz das normas jurídicas aplicáveis, que é uma operação intelectual distinta (1).
Posto isto, não pode deixar de se entender que o enunciado supra não integra quaisquer factos susceptíveis de serem objecto de produção de prova, mas meros conceitos e conclusões de direito, susceptíveis de serem extraídos de factos dados como provados, como, aliás, foi efectuado pelo tribunal recorrido, que, à luz dos factos dados como assentes considerou nulo o acordo revogatório do contrato de trabalho e que ocorreu o encerramento definitivo do estabelecimento.
Assim, a aludida matéria, para além de inatendível nesta sede, é também redundante e irrelevante, razão pela qual improcede a pretensão da Apelante nesta parte.
4.2. Importa, então, decidir se, em face da factualidade provada, é de entender que se verifica o despedimento ilícito da Autora pela Ré, com as inerentes consequências jurídicas.
Antes de mais, relembra-se que o tribunal recorrido julgou procedentes os dois primeiros pedidos formulados pela Autora, isto é, considerou sem termo o contrato de trabalho outorgado pelas partes e considerou nulo o acordo de revogação de tal contrato, a que se refere a factualidade assente sob as alíneas f), g), h) e i).
Não obstante, e ao contrário do sustentado pela Autora na sua petição inicial, entendeu que, nem a invalidade do acordo revogatório, nem o encerramento definitivo do estabelecimento, equivalem a despedimento ilícito da Autora pela Ré.
Vejamos.
Estabelece o art. 340.º do Código do Trabalho que, para além de outras modalidades legalmente previstas, o contrato de trabalho pode cessar por:
a) Caducidade;
b) Revogação;
c) Despedimento por facto imputável ao trabalhador;
d) Despedimento colectivo;
e) Despedimento por extinção de posto de trabalho;
f) Despedimento por inadaptação;
g) Resolução pelo trabalhador;
h) Denúncia pelo trabalhador.
Neste quadro legal, o despedimento em sentido próprio consiste na resolução unilateral do contrato de trabalho por parte do empregador (arts. 351.º e ss. do Código do Trabalho).
Na verdade, como ensina Pedro Furtado Martins (2), “[o] despedimento lícito pressupõe sempre uma declaração expressa da vontade patronal de pôr termo ao contrato de trabalho, a qual, para ser válida e eficaz, tem de obedecer ao formalismo legalmente exigido para as diferentes formas de despedimento, mais concretamente para a decisão de despedimento que culmina o respectivo procedimento - artigos 357.º, 363.º, 371.º e 378.º. Contudo, para que exista um despedimento – ainda que ilícito –, basta que ocorra uma declaração de vontade tácita, isto é, um comportamento concludente do empregador de onde se deduza, com toda a probabilidade, a sua vontade de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro.”
Ou seja, o despedimento configura-se como uma declaração de vontade unilateral, recepienda, vinculativa e constitutiva, dirigida ao trabalhador, com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro (art. 357.º, n.º 7 do Código do Trabalho e art. 224.º do Código Civil).
Essa declaração de vontade unilateral, expressa ou tácita, terá de ser enunciada em condições de não suscitar dúvida razoável sobre o seu verdadeiro significado; é, assim, necessário que o empregador declarante - por escrito, verbalmente ou até por mera atitude - denote ao trabalhador declaratário, de modo inequívoco, a vontade de extinguir a relação de trabalho (art. 217.º do Código Civil).
O que é exigível é que, havendo tal vontade por parte do empregador, este assuma um comportamento que a torne perceptível e inequívoca junto do destinatário, enquanto declaratário normal, tendo sempre presente que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante (art. 236.º do Código Civil).
Acresce que, em acção de impugnação do despedimento, por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, ao trabalhador compete fazer prova dos factos que integram o despedimento, e ao empregador, se for o caso, dos que demonstram que o mesmo assentou em justa causa e foi proferido na sequência de procedimento válido, por se tratar de factos que fundamentam os respectivos direitos.
Em conformidade, ocorrendo dúvida sobre a realidade de tais factos, a mesma resolve-se contra a parte a quem aproveitam (arts. 346.º do Código Civil e 414.º do Código de Processo Civil) (3).
Retornando ao caso dos autos, provou-se que, no dia 30/03/2020, ao final da tarde, o Sr. F. G., sócio da Ré e marido da sócio-gerente da Ré, Sr.ª. ML., quando chegou às instalações fabris, dirigiu-se aos trabalhadores comunicando “que não tinha trabalho; nessa situação mais valia fechar”. No dia 31/03/2020, último dia de prestação de trabalho pela Autora, o referido F. G. entregou a cada uma das trabalhadoras uma folha em branco para elas assinarem, o que foi feito. Posteriormente, juntamente com o documento que os trabalhadores assinaram e que veio a descobrir-se serem as revogações por acordo, a Ré, através do Sr. F. G., informou que iria encerrar a empresa e que entregaria o documento para o desemprego, o que sucedeu no dia 02/04/2020.
Ora, tendo em conta as considerações acima expendidas, não pode considerar-se que ocorreu qualquer despedimento da Autora pela Ré, uma vez que não resulta da factualidade provada qualquer declaração de vontade unilateral da segunda no sentido de pôr termo ao contrato de trabalho, e, pelo contrário, dela decorre que o contrato de trabalho cessou por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de a Ré receber o trabalho da Autora em virtude do encerramento definitivo da empresa, como a empregadora anunciou verbalmente.
Com efeito, no que concerne à nulidade do acordo de revogação do contrato de trabalho, resulta do disposto no art. 349.º, n.ºs 1, 2, 3 e 5 do Código do Trabalho que o empregador e o trabalhador podem fazer cessar o contrato de trabalho por acordo, devendo este constar de documento assinado por ambas as partes, ficando cada uma com um exemplar, e mencionar expressamente a data de celebração do acordo e a do início da produção dos respectivos efeitos, bem como o prazo legal para o exercício do direito de fazer cessar o acordo de revogação, e se, no acordo ou conjuntamente com este, as partes estabelecerem uma compensação pecuniária global para o trabalhador, presume-se que esta inclui os créditos vencidos à data da cessação do contrato ou exigíveis em virtude desta.
Daqui decorre, em 1.º lugar, que se trata duma forma de cessação do contrato de trabalho por vontade bilateral de empregador e trabalhador, e não por vontade unilateral daquele; em 2.º lugar, que, sendo o acordo de revogação do contrato de trabalho inválido por falta de requisitos formais, vícios da vontade ou qualquer outro fundamento, a consequência jurídica é a manutenção da vigência do contrato de trabalho celebrado entre as partes, com a inerente obrigação de o trabalhador restituir a quantia eventualmente recebida e se apresentar ao trabalho, por um lado, e de o empregador aceitar a prestação do trabalho e continuar a pagar a retribuição estipulada, por outro lado (arts. 247.º e ss. e 289.º do Código Civil).
Na verdade, como é por demais evidente, a invalidade de qualquer acordo de revogação de contrato de trabalho, por vício formal ou da vontade ou por qualquer outra causa, simplesmente acarreta a destruição dos respectivos efeitos, mantendo-se em vigor o contrato de trabalho, não tendo a veleidade de converter o acordo invalidado em declaração unilateral de despedimento por parte do empregador (4).
Em face do exposto, no caso em apreço, tendo-se decidido que é nulo o acordo de revogação do contrato de trabalho que vigorava entre a Autora e a Ré, a que se refere a factualidade assente sob as alíneas f), g), h) e i), é mister concluir que daí resulta simplesmente a manutenção em vigor daquele contrato de trabalho, que apenas veio a ficar impossibilitada por força do encerramento definitivo do estabelecimento, conforme a Ré já anunciara no dia 30/03/2020, ao comunicar aos trabalhadores “que não tinha trabalho; nessa situação mais valia fechar”, e informou posteriormente, em 1-2/04/2020.
Ora, a cessação do contrato de trabalho decorrente de encerramento total e definitivo da empresa não constitui um despedimento mas uma situação de caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o empregador receber a prestação de trabalho, prevista nos arts. 340.º, al. a), 343.º, al. b) e 346.º, n.ºs 3, 4 e 5 do Código do Trabalho, embora deva seguir-se o procedimento previsto nos arts. 360.º e seguintes, com as necessárias adaptações, ou, tratando-se de microempresa, informar-se o trabalhador do encerramento com a antecedência prevista nos n.ºs 1 e 2 do art. 363.º, tendo o trabalhador direito a compensação calculada nos termos do art. 366.º, pela qual responde o património da empresa.
Como refere Pedro Furtado Martins (5), “[e]xige-se, pois, pelo menos na generalidade das situações, que o caráter definitivo do encerramento seja patenteado junto dos trabalhadores através de uma declaração de encerramento. Esse comportamento declarativo do empregador integra a situação à qual a lei associa a caducidade do contrato, formada pelo facto determinante do encerramento e pela decisão patronal no sentido de não reativar o estabelecimento. Não se trata, portanto, de uma declaração de despedimento – de uma declaração negocial, dirigida ao trabalhador com o fim de fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro -, mas de um «ato que se destina a patentear o encerramento da empresa» (…)”.
Na situação dos autos, o encerramento definitivo do estabelecimento da Ré, precedido da comunicação verbal à Autora de que tal facto iria ocorrer, configura precisamente uma causa de caducidade do contrato de trabalho, acompanhada de declaração de carácter meramente informativo (e não de carácter negocial, como sucede no despedimento), nos sobreditos termos legais, mesmo que não tenha sido observado o aviso prévio devido, ou, no caso de a Ré não ser uma microempresa, o procedimento que se impunha, ou, ainda, o pagamento da compensação prevista.
Com efeito, conforme se entendeu na sentença recorrida, a inobservância do procedimento, da antecedência do aviso prévio ou do pagamento a que se referem os n.ºs 3, 4 e 5 do art. 346.º do Código do Trabalho não tem a virtualidade de transformar uma situação de caducidade em despedimento, que conceitualmente se distinguem, nem, por falta de previsão legal, determina que se operem as consequências jurídicas estabelecidas para o despedimento ilícito.
Citando de novo Pedro Furtado Martins (6), dir-se-á que assim é porque, “(…) havendo um efectivo encerramento total da empresa, não se vê como aplicar o regime do despedimento ilícito que pressupõe a manutenção em vigor do contrato de trabalho, pelo menos no período que antecede a declaração judicial da ilicitude. E, para o período subsequente, é óbvia a impossibilidade de efectivar a reintegração quando desaparece o suporte do emprego, condição indispensável para que o vínculo laboral subsista.” (7)
Acresce, todavia, a responsabilidade penal e contra-ordenacional do empregador, nos termos dos arts. 315.º, 316.º e 346.º, n.º 7 do Código do Trabalho (8).
Em suma, como se sintetiza no sumário do Acórdão desta Relação de Guimarães de 17 de Dezembro de 2020, proferido no processo n.º 2010/20.2T8GMR-A.G1 (9), “[n]ão obstante a inobservância das exigências procedimentais (art. 346º, n.º 3, do CT) e/ou do cumprimento do aviso prévio ou pagamento da compensação devida (art. 346º, nºs 4 e 5, do CT), a caducidade do contrato, por encerramento total e definitivo da empresa, operará de per se, indiferente a tais formalismos, cujo incumprimento não determina a aplicação das consequências da ilicitude do despedimento coletivo.”
Assim, independentemente da observância, ou não, das formalidades previstas para a cessação do contrato de trabalho por caducidade causada pelo encerramento total e definitivo da empresa, o trabalhador tem apenas direito à compensação calculada nos termos do art. 366.º, como prescreve o n.º 5 do art. 346.º, bem como, se for o caso, ao pagamento da retribuição correspondente ao período de aviso prévio em falta, nos termos do art. 363.º, n.º 4, todos do Código do Trabalho.
Por todo o exposto, não tendo a Autora logrado demonstrar, como lhe competia por força do art. 342.º, n.º 1 do Código Civil, que foi objecto de despedimento pela Ré, tal como o mesmo deve ser entendido, nos sobreditos termos, improcede necessariamente a sua pretensão de que a Ré lhe pague quantias que pressupõem a verificação de um despedimento ilícito, mantendo-se inteiramente o decidido na sentença recorrida.
4.3. Sustenta a Recorrente que, não se entendendo que o contrato de trabalho cessou por despedimento ilícito, mas sim por caducidade, tem direito à compensação prevista no art. 366.º do Código do Trabalho, no valor de 190,53 €, cujo pagamento peticiona.
Ora, como decorre do Relatório supra, a Autora não formulou esse pedido subsidiário, alicerçado nessa causa de pedir, nem na petição inicial que deu início ao processo, nem em qualquer outro momento anterior à prolação da sentença, que, por conseguinte, não apreciou nem podia ter apreciado tal pedido (art. 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil).
Isto é, trata-se duma questão nova, apenas suscitada em sede de recurso, e, por tal razão, insusceptível de ser conhecida, na medida em que, como é sabido, “os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. É, por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer questões novas (o chamado ius novorum) mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.” (10)
Em face do exposto, o recurso não pode também ser atendido nesta parte.
A finalizar, sublinha-se que esta Relação teve já ocasião de se pronunciar sobre situação em tudo idêntica à presente, que opôs uma colega da Autora à ora Ré, através de Acórdão de 15 de Junho de 2021, proferido no processo n.º 3616/20.5T8BRG.G1, para cuja fundamentação, que se seguiu de perto, igualmente se remete.
5. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela Autora.
Em 1 de Julho de 2021
Alda Martins
Vera Sottomayor
Maria Leonor Barroso
1. Neste sentido, entre muitos outros, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2015, proferido no processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1 (disponível em www.dgsi.pt).
2. Cessação do Contrato de Trabalho, Princípia, Cascais, 2012, p. 151.
3. A questão da noção, natureza e prova do despedimento está amplamente debatida na jurisprudência, sem divergências, sendo disso exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 19318/16.4T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
4. Neste sentido, cfr. o Acórdão desta Relação de 4 de Fevereiro de 2021, proferido no processo n.º 6108/19.1T8BRG.G1, disponível em www. dgsi.pt.
5. Op. cit., p. 89-90.
6. Op. cit., p. 104.
7. No mesmo sentido, v. Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2014, p. 926.
8. No sentido de ser também equacionável a responsabilidade civil nos termos gerais, cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 2013, p. 872.
9. Disponível em www.dgsi.pt.
10. Cfr. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º, p. 5. No mesmo sentido, veja-se António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 87-88.