PODERES COGNITIVOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
VÍCIOS DA DECISÃO DE CONHECIMENTO OFICIOSO
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
PROCEDIMENTO CONTRA-ORDENACIONAL
PRAZO DE INSTRUÇÃO
Sumário

I - No domínio do regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, os poderes cognitivos do Tribunal da Relação estão, em regra, restringidos à matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido “sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida“ ou de anulação e devolução do processo ao tribunal recorrido, conforme preceituado nas alíneas a) e b), do n.º2, do art.º 51.º, bem como do conhecimento oficioso dos vícios a que alude o artigo 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal.
II - Os vícios da decisão elencados no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal têm de emergir, resultar do próprio texto, da peça escrita, por si só considerada ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma.
III - Não se vislumbrando pela análise da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, isto é, os fundamentos que justificam a convicção formada, sustentada na prova que é referida, qualquer erro de lógica na construção do raciocínio, alguma incoerência que seja, ou sequer desfasamento, em relação às regras de experiência comum, é forçoso concluir que não pode de todo afirmar-se a existência do alegado erro notório na apreciação da prova.
IV - O prazo de 60 dias previsto no artigo 24º da Lei 107/2009, de 14.09 para a conclusão da instrução no âmbito do procedimento contra - ordenacional tem natureza meramente aceleratória e disciplinar, não implicando a sua inobservância nulidade ou caducidade do referido procedimento.

Texto Integral

APELAÇÃO n.º 1934/20.1T8AGD.P1
Recurso de Contra-ordenação laboral
4.ª SECÇÃO

I. RELATÓRIO
I.1 B…, notificada da decisão administrativa do Instituto da Segurança Social, IP, aplicando-lhe uma coima de € 10.000,00 pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo nº 1 do art.º 11º, al. a) do art.º 39º-B, al. a) do art.º 39º-E, em conjugação com o nº 1 do art. 39º-G do Decreto-lei nº 64/2007 de 14 de Março, na redacção do Decreto-lei nº 33/2014 de 04 de Março, pelo facto de se encontrar a dar resposta social a pessoas idosas instaladas em casas sitas num terreno contíguo ao da sua sede sem licenciamento, dela discordando deduziu impugnação judicial.
No essencial, invoca que o procedimento contra-ordenacional se encontra prescrito, bem assim que com a sua conduta não preencheu o tipo objectivo da contra-ordenação cuja prática lhe é imputada, pois que as habitações em causa são arrendadas e a pessoas que, pela sua autonomia, não carecem de internamento em lar. Os arrendatários não beneficiaram, em simultâneo, das respostas do centro de dia, centro de convívio ou serviço de apoio domiciliário com estrutura residencial para idosos, não tendo havido uso de recursos humanos do seu quadro de pessoal para uma resposta social com acordo nos serviços prestados.
A impugnação judicial foi recebida, tendo sido designada data para realização do julgamento.
I.2 Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença concluída com o dispositivo seguinte:
- «Por todo o exposto, decide-se negar provimento ao recurso de impugnação judicial interposto e, em consequência, manter a condenação da arguida B…, pela prática de uma contra-ordenação, p. e p. pelo nº 1 do art. 11º, al. a) do art. 39º-B, al. a) do art. 39º-E, em conjugação com o nº 1 do art. 39º-G do Decreto-lei nº 64/2007 de 14 de Março, na redacção do Decreto-lei nº 33/2014 de 04 de Março, na coima de € 10.000,00 (dez mil euros).

*
Custas a cargo da arguida, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC e meia – nº 3 do art. 93º, nº 3 do 94º do Regime Geral das Contra-ordenações e nº 7 do art. 8º do Regulamento das Custas Processuais e art. 59º da Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro.
*
Notifique, cumprindo o disposto no nº 3 do art. 45º da Lei nº 107/2009 de 14 de Setembro, Regime Processual das Contra-Ordenações Laborais.
(…)».
I.3 Discordando desta decisão a arguida interpôs recurso, o qual foi admitido e fixados o efeito e modo de subida adequados. Apresentou as respectivas alegações, sintetizando-as nas conclusões seguintes:
1)- Vem o recurso interposto da sentença proferida pelo Juízo do Trabalho de Águeda do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, no âmbito do Proc. nº 1934/20.1T8AGD, que decidiu negar provimento à impugnação judicial da arguida, mantendo a sua condenação pela prática de uma contraordenação, p.e p. pelo nº 1 do art.º 11, al. a) do art.º 39-B, al. a) do art.º 39-E, em conjugação com o nº 1 do art.º 39-G do Decreto lei nº 64/2007 de 14 de março, na redação do Decreto lei nº 33/2014 de 4 de Março, na coima de €10.000 (dez mil euros).
2)- Não se conforma a arguida, aqui recorrente, pois que, em face dos elementos probatórios por si carreados para os autos, entende não existirem dúvidas de que as “B1…” não correspondem a uma estrutura residencial para idosos (ERPI), suscetível de enquadramento na Portaria nº 67/2012 de 31/03.
3)- A recorrente invocou em sede de impugnação judicial, no essencial, que “as B1…” que dá de arrendamento, maioritariamente a idosos autónomos, não são suscetíveis de serem qualificadas como um lar de idosos, e que, por essa razão não estavam sujeitam a todas as imposições para abertura e funcionamento de um lar de idosos, designadamente em termos de obtenção de licença de funcionamento junto da Segurança Social, em cumprimento do disposto no art.º 9 e nº 1 do art.º 11 do DL nº 64/2007, de 14/03, na versão republicada pelo DL nº 33/2014 de 4/3.
4)- No que concerne à matéria de facto que, dada como provada, sustentou a sentença de que ora se recorre, conclui-se que a decisão sobre a mesma foi baseada, essencialmente, nos depoimentos prestados pelas inspetoras do Departamento de Fiscalização, Unidade de Fiscalização do Centro do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais- NFES, e nos elementos de fls.72 a 170, por oposição aos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas pela recorrente B… a saber: C… e D… e à prova documental trazida para os autos.
5)- Se por um lado o Tribunal a quo entendeu que o depoimento prestado pelas testemunhas apresentadas pela recorrente não se mostrou imparcial, teria, por essa ordem de critérios, de considerar não imparcial o depoimento prestado pelas inspetoras do Departamento de Fiscalização, Unidade de Fiscalização do Centro do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais- NFES, dado que também elas exercem funções e estão diretamente relacionadas e comprometidas com o instituto da Segurança Social.
6)- Entendemos ser de referir, que a testemunha E…, inspetora do NFES foi a responsável, como se prova pelo teor do relatório de inspeção de fls., apenas, pela avaliação financeira da recorrente pelo que, quanto à factualidade, muito pouco ou nada poderia acrescentar. Dai não se entender por que motivo, para a factualidade em causa foi valorado o seu depoimento em detrimento das testemunhas da recorrente.
7)- Pode concluir-se que, tanto o depoimento das testemunhas apresentadas pela recorrente, como as declarações prestadas pelo seu legal representante está devidamente suportado por prova documental de fls., não sendo compreensível, como é que tanto uma prova como outra não foi, de todo, valorada.
8)- Entende, por isso, a recorrente que o Tribunal a quo não se mostrou imparcial, como seria expectável.
9)- Sendo por demais evidente que o Tribunal a quo se limitou a fazer uma análise grosseira e enviesada de toda a prova apresentada pela arguida/recorrente.
10)- Conforme resulta do depoimento das testemunhas apresentadas pela recorrente e pela prova documental por si apresentada, a sua intenção foi, tão só, criar, à semelhança do que já existe noutras cidades do nosso país e também noutros países da Europa, uma resposta diferente, o que fez, e sempre manteve a sua convicção de não explorar qualquer lar de idosos, e sempre se debateu com esse argumento. Assim sendo, não nos parece, e por isso discordamos, que a recorrente se tenha conformado com o facto de estar a praticar uma contraordenação, e por isso a agir contra a lei.
11)- O tribunal recorrido andou mal ao não considerar como provados factos que foram devidamente confirmados tanto pela prova testemunhal, como pela prova documental apresentada pela recorrente. No nosso entendimento, ainda que possamos admitir algum nervosismo por parte dos depoentes, o certo é que apesar disso, o seu depoimento foi imparcial, espontâneo, sério, sem hesitações que pudessem conduzir ao seu descrédito por parte do tribunal.
12)- Considerou o Tribunal a quo, corroborando a decisão da Segurança Social, pela existência de um lar de idosos ilegal. Contudo, com isso não se pode concordar dado que as “B1…” constituem um resort sénior, em forma de arrendamento e cujo regime se encontra em regulamento interno próprio, conforme documentos juntos com a impugnação judicial apresentada e que, simplesmente, não obtiveram qualquer valoração, sendo completamente descredibilizados.
13)- Neste caso, o tribunal a quo nem sequer valorou o regulamento interno das denominadas “B1…” nem mesmo os contratos celebrados com os arrendatários das ditas “B1…”, conforme já aqui se referiu.
14)- Consideramos, pois, que estamos perante um erro notório na apreciação da prova, e que consiste num vicio de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida pela recorrente para se ater somente ao texto da decisão impugnada e de que ora se recorre, por si ou conjugado com as regras de experiência comum.
15)- Nos termos do disposto no artº 410 nº 2 alínea c) do CPP, padece a decisão de que ora se recorre de um erro notório na apreciação da prova.
16)- Erro manifesto ou grosseiro, em que os elementos documentais fornecem uma resposta inequívoca em sentido diferente daquele que foi considerado pelo Tribunal a quo.
17)- Afigura-se-nos necessário, também, para análise do caso em concreto, que se tenha presente o disposto no nº 1 do art.º 24 da Lei 107/2009, de 14 de setembro que refere o seguinte: “o prazo para conclusão da instrução é de 60 dias”.
18)- Ora entre a ação inspetiva de 13-01-2015 e a notificação da contraordenação datada de 08-05-2015, passaram 8 meses, sem qualquer explicação.
19)- Daí que, todo e qualquer ato praticado para além do limite temporal previsto naquele normativo acima identificado é NULO E DE NENHUM EFEITO.
Termos em que, e nos mais que doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida como é de Justiça e Direito.
I.4 Notificado do requerimento do recurso e respectivas alegações, o Ministério Público apresentou contra-alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
- A sentença recorrida fez uma correcta apreciação da prova produzida e examinada em audiência, não se vislumbrando qualquer erro na formação da convicção do tribunal, que imponha a alteração da matéria de facto provada, nem se vislumbra a existência do invocado vício ou de qualquer outro de que cumpra oficiosamente conhecer;
- A não observância do prazo previsto no n.º 1 do artigo 24.º, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, não acarreta a nulidade dos actos praticados para além do seu termo;
- Impõe-se, por isso, a sua manutenção.
I.5 Nesta Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (art.º 416.º do CPP), acompanhando a sentença e as contra-alegações do Ministério Público na 1.ª instância, para finalizar emitindo parecer no sentido do recurso não merecer provimento.
I.6 Foi cumprido o disposto no art.º 418.º do CPP, remetendo-se o processo aos vistos e o projecto de acórdão por via electrónica, após o que se determinou a sua inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (art.ºs 403, nº 1, e 412º, n.º 1, do CPP), as questões que se perfilam para apreciação consistem em saber o seguinte:
i) Se a sentença enferma de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Cód. Proc. Penal [Conclusões 1 a 16].
ii) Tendo sido ultrapassado o prazo para conclusão da instrução, previsto no n.º1 do artigo 24.º, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, se todo e qualquer ato praticado para além do limite temporal previsto naquele normativo é nulo e de nenhum efeito [Conclusões 17 a 19].
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
O tribunal a quo fixou a matéria de facto seguinte:
1. Factos provados:
1. Nos dias 13 e 14.01.2015 a arguida B…, com sede na Rua …, nº .. em … tinha, num terreno arborizado contíguo ao edifício da sua sede, cinco casas pré-fabricadas destinadas ao acolhimento e alojamento permanente de dezasseis pessoas: F…, G…, H…, I…, J…, K…, L…, M…, N…, O…, P…, Q…, S…, T…, U… e V…;
2. Três das casas possuíam dois apartamentos, cada um deles com uma cozinha, um quarto duplo e uma casa de banho;
3. Uma das casas era constituída por um quarto individual, um quarto duplo, uma casa de banho e uma cozinha;
4. Outra casa tinha apenas um quarto;
5. As dezasseis pessoas residiam nas casas em regime permanente;
6. A tais pessoas eram prestados:
. alimentação (pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar, sendo as refeições confeccionadas na cozinha geral e tomadas no refeitório do edifício principal, em conjunto com os utentes que frequentavam outras respostas sociais, salvo o pequeno-almoço e jantar, que eram transportados por funcionárias da arguida para serem servidos dentro das casas);
. tratamento de roupa (assegurado pela lavandaria da arguida, a funcionar no edifício sede);
. higiene dos espaços de habitação e cuidados de higiene pessoal e conforto (assegurados por funcionários da arguida);
. apoio no desempenho das actividades da vida diária;
. cuidados de enfermagem, administração de medicamentos (ministrados por ajudantes de acção directa funcionários da arguida) e apoio nos cuidados médicos;
7. Tinham ainda apoio e acompanhamento psicossocial por técnicos do pessoal da arguida;
8. A rotina diária de pelo menos quinze das pessoas era a seguinte: pela manhã, quando se levantavam, eram apoiadas na sua higiene pessoal e tomavam o pequeno-almoço; seguidamente eram encaminhadas para o edifício da arguida onde permaneciam o dia todo e, ao fim do dia, eram encaminhadas para as casas, onde jantavam; quem necessitasse de apoio na realização das suas actividades de vida diária era apoiado na sua higiene pessoal e na colocação de fraldas geriátricas;
9. Cada casa tinha instalado um telefone com ligação para a sede da arguida;
10. O acesso ao edifício onde está instalada a sede da arguida é feito por um caminho pedonal que tais pessoas percorriam todos os dias para usufruírem de outros cuidados e serviços;
11. A arguida não tinha, nem tem licença de utilização para fins de apoio social relativa a qualquer das casas, emitida pela Câmara Municipal;
12 A arguida não era, nem é titular de alvará ou de autorização provisória de funcionamento da actividade nessas casas emitido pelo Instituto da Segurança Social, IP;
13. A arguida, em 13.01.2015, havia celebrado convénios escritos intitulados “contratos de hospedagem” com as pessoas que residiam nas casas;
14. Desses mesmos escritos constava, além do mais, que a Primeira Outorgante é única proprietária e legítima possuidora de uma casa pré-fabricada implantada nos terrenos anexos às instalações desta instituição particular de solidariedade social;
Nesta data foi celebrado um contrato de prestação de serviços (…), segundo o qual a Primeira Outorgante se compromete a prestar à Segunda (…) alimentação, cuidados de higiene e conforto, (…)”;
15. Assim como que “pelo presente contrato, a Primeira Outorgante cede à Segunda parte da casa (…), compreendendo esta cedência um quarto”;
16. E ainda que “a hospedagem será concedida por tempo indeterminado, mas apenas e tão só enquanto vigorar o contrato de prestação de serviços (…)”;
17. Bem como que “o Segundo Outorgante não poderá permitir a entrada e/ou partilhar o espaço ora cedido sem autorização prévia por escrito da Primeira Outorgante” – cfr. docs. de fls. 72, 73, 79 a 81, 86, 87, 94, 95, 99, 100, 104, 105, 107, 108, 114, 115, 122, 123, 128, 129, 133, 134, 141, 142, 147, 148, 152, 153, 160, 161, 165 e 166, que são dados por integralmente reproduzidos;
18. Das pessoas referidas em 1.:
. F… frequentava o centro de convívio;
. G… frequentava o centro de convívio;
. H… frequentava o centro de convívio;
. I… frequentava o centro de convívio;
. J… frequentava o centro de dia;
. K… frequentava o centro de convívio;
. L… frequentava o centro de convívio;
. M… frequentava o centro de convívio;
. N… frequentava o centro de convívio;
. O… frequentava o centro de dia;
. P… frequentava o centro de dia;
. Q… frequentava o centro de convívio;
. T… frequentava o centro de convívio;
. U… beneficiava de serviço de apoio domiciliário;
. V… frequentava o centro de dia;
19. A arguida tinha um registo mensal dos serviços prestados a cada pessoa que residia nas casas;
20. Desse registo constava a identificação do residente, uma avaliação socioeconómica e familiar, ficha com o rendimento do residente, valor da mensalidade correspondente à resposta social, plano individual de cuidados com os registos dos serviços prestados todos os dias e a identificação dos responsáveis pela sua execução;
21. As pessoas pagavam uma quantia que oscilava entre valores não inferiores a € 100,00 e não superiores a € 685,00 por força dos convénios referidos em 13. a 17.;
22. Pagavam ainda outra mensalidade referente aos serviços prestados pela arguida, no centro de dia (CD), no centro de convívio (CC) e no serviço de apoio domiciliário (SAD);
23. O valor cobrado era o correspondente àquele cobrado aos utentes para a prestação de serviços numa única resposta social;
24. A arguida, ao levar a cabo a conduta descrita, previu como possível incorrer em responsabilidade contra-ordenacional, sem que se tenha conformado com a realização de tal possibilidade;
25. A arguida é proprietária das suas instalações, do terreno contíguo onde estão as casas e tem ainda cerca de 19 prédios urbanos dispersos pela região de Águeda;
26. Tem um autocarro de 56 lugares e um autocarro de 28 lugares e cerca de dez veículos ligeiros;
27. Tem cerca de 100 trabalhadores;
28. O volume de vendas anual da arguida é de cerca de € 2.800.000,00;
29. A arguida é uma instituição particular de solidariedade social, que, tem, além do mais, um lar de terceira idade, tendo iniciado ainda o projecto das “B1…”;
30. A maioria dos residentes das casas tem mais de 65 anos de idade;
31. A utilização das casas encontra-se sujeita a regulamento elaborado pela arguida, do qual consta, além do mais que “são destinatários pessoas idosas autónomas que necessitem dos cuidados e serviços constantes na NORMA 6ª”;
32. Bem como que “constituem objectivos das B1…: a) Proporcionar serviços adequados às necessidades biopsicossociais das pessoas idosas”;
33. Assim como que “as B1… asseguram a prestação dos seguintes cuidados e serviços:
a) Alojamento;
b) Nutrição e alimentação, nomeadamente o pequeno-almoço, reforço alimentar da manhã e ao deitar, almoço, o lanche e o jantar;
c) Administração de fármacos quando prescritos;
d) Cuidados de higiene pessoal;
e) Cuidados de imagem;
f) Tratamento de roupa;
g) Transporte;
h) Cuidados médicos (clínica geral) e de enfermagem;
i) Higiene habitacional;
j) Apoio em deslocações, na ausência da família, a consultas, exames complementares de diagnóstico e urgências no Centro Hospitalar …;
k) Disponibilização de equipamentos de apoio à funcionalidade e à autonomia”;
34. E ainda que “as B1… são estruturas habitacionais inseridas nas instalações da instituição “B…”, cada uma com capacidade para acolher de 1 a 3 idosos. Estas estruturas dispõem de quartos individuais ou partilhados, quartos de banho, cozinha equipada e varanda”;
35. Assim como que “são deveres dos clientes:
(…)
d) participar na medida dos seus interesses e possibilidades, nas actividades desenvolvidas;
(…)
j) Comunicar à Instituição, atempadamente, as suas saídas e ausências.
3. A saída dos idosos deverá ser realizada após a comunicação à Diretora Técnica ou técnica Superior de Serviço Social com registo em documento próprio” – cfr. doc de fls. 27 e ss., que se dá por integralmente reproduzido;
36. A APCER – Associação Portuguesa de Certificação em 07.11.2018 certificou que a arguida cumpre os requisitos da norma NP EN ISSO 9001:2015 – cfr. doc. de fls. 34, que se dá por integralmente reproduzido;
37. A arguida, pelo menos desde 01.12.2018, intitula os convénios celebrados com os utilizadores das casas como “contrato de arredamento”;
38. Desses convénios, em que intervém na qualidade de Primeira Outorgante, consta, além do mais, que “(…) cede à Segunda parte da casa identificada (…), compreendendo esta cedência um lugar de cama dentro da tipologia T1”, pagando o Segundo outorgante, em contrapartida, uma quantia pecuniária mensal, cujo valor varia conforme o contraente;
39. Assim como que o/a Segundo/a Outorgante “não poderá permitir a entrada e/ou partilhar o espaço ora arrendado sem autorização prévia por escrito da Primeira Outorgante” – cfr. docs. de fls. 35 a 49, que são dados por integralmente reproduzidos;
. Factos não provados
Para além daqueles que também já resultam logicamente excluídos pela factualidade provada, não se provaram os seguintes factos:
a) Todas os pessoas que viviam nas casas fossem autónomas;
b) À data dos factos as habitações fossem quatro módulos geminados correspondentes a oito habitações;
c) Os residentes das casas recebem os seus familiares e saem quando querem.
II.2 No que concerne ao direito adjectivo, no caso aplica-se o regime processual das contra-ordenações laborais e de segurança social aprovado pela Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro. E, por determinação do art.º 60.º, subsidiariamente, desde que o contrário não resulte daquela lei, “(..), com as devidas adaptações, os preceitos reguladores do processo de contra-ordenação previstos no regime geral das contra –ordenações”, isto é, no Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelos Decretos-lei n.º 356/89, de 17 de Outubro e n.º 244/95, de 14 de Setembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro. Aplicam-se, ainda, também subsidiariamente, os preceitos reguladores do processo penal, em tudo o que não se mostre regulado em qualquer um daqueles diplomas (art.º 41.º, do RGCO).
II.2.1 Como se retira das conclusões 1 a 16, a recorrente discorda da decisão sobre a matéria de facto, defendendo que “(..) face dos elementos probatórios por si carreados para os autos, entende não existirem dúvidas de que as “B1...” não correspondem a uma estrutura residencial para idosos (ERPI), suscetível de enquadramento na Portaria nº 67/2012 de 31/03”.
Argumenta que o Tribunal a quo formou a sua convicção, no essencial, com base nos testemunhos das inspetoras do Departamento de Fiscalização, Unidade de Fiscalização do Centro do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais- NFES, e nos elementos de fls.72 a 170, por oposição aos depoimentos prestados pelas testemunhas apresentadas pela recorrente B… a saber: C… e D… e à prova documental trazida para os autos.
Mais refere, que tendo o Tribunal a quo entendido que os depoimentos prestado pelas testemunhas que apresentou não se mostrou imparcial, por essa ordem de critérios teria de considerar não imparcial o depoimento prestado pelas inspetoras do Departamento de Fiscalização, Unidade de Fiscalização do Centro do Núcleo de Fiscalização de Equipamentos Sociais- NFES.
Refere, ainda, que a testemunha E…, inspetora do NFES, foi a responsável pela avaliação financeira da recorrente pelo que, quanto à factualidade, muito pouco ou nada poderia acrescentar. O depoimento das testemunhas que apresentou, como as declarações prestadas pelo seu legal representante está devidamente suportado por prova documental de fls., não sendo compreensível, como é que tanto uma prova como outra não foi, de todo, valorada.
Diz entender “que o Tribunal a quo não se mostrou imparcial”, tendo-se limitado “a fazer uma análise grosseira e enviesada de toda a prova apresentada pela arguida/recorrente”.
Prossegue, defendendo que do depoimento das testemunhas e prova documental que apresentou, resulta que “a sua intenção foi, tão só, criar, à semelhança do que já existe noutras cidades do nosso país e também noutros países da Europa, uma resposta diferente, o que fez, e sempre manteve a sua convicção de não explorar qualquer lar de idosos”. O tribunal recorrido andou mal ao não considerar como provados factos que foram devidamente confirmados tanto pela prova testemunhal, como pela prova documental apresentada pela recorrente e “nem sequer valorou o regulamento interno das denominadas “B1...” nem mesmo os contratos celebrados com os arrendatários das ditas “B1…”.
Partindo desses pressupostos, conclui estar-se “perante um erro notório na apreciação da prova, e que consiste num vicio de apuramento da matéria de facto, que prescinde da análise da prova produzida pela recorrente para se ater somente ao texto da decisão impugnada e de que ora se recorre, por si ou conjugado com as regras de experiencia comum”. “Nos termos do disposto no artº 410 nº 2 alínea c) do CPP, padece a decisão de que ora se recorre de um erro notório na apreciação da prova”.
Na fundamentação da sentença recorrida, na parte dirigida a justificar a decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo consignou o seguinte:
Fundamentação da matéria de facto
Para a decisão da matéria de facto o Tribunal procedeu a uma análise global e criteriosa de todos os elementos constantes dos autos.
Desde logo e no tocante à matéria de facto dada como provada sob os pontos 1. a 23., o Tribunal atendeu aos depoimentos de X… e de E…, inspectoras da Segurança Social, que relataram a factualidade de forma pormenorizada, encadeada e circunstanciada, respondendo às questões colocadas de um modo claro, assertivo e, em segmentos, mesmo impressivo, não apenas se coadjuvando, mas encontrando igualmente apoio nos documentos de fls. 72 a 170.
Neste segmento, as testemunhas C… e D…, funcionárias da arguida, revelaram ter um conhecimento apenas de parte da factualidade, não logrando oferecer explicações para questões colocadas e, noutros segmentos, dando respostas que se afirmaram muito pouco naturais ou instintivas.
Encontrando, embora, o apoio nas declarações do legal representante da arguida, que teve, quase toda a sua extensão, um discurso pouco congruente, muito pouco focado nas questões que lhe foram colocadas, não respondendo, em grande parte, de forma directa e natural, não logrando seja factualizar o modo concreto de actuação da instituição, seja esclarecer a razão de ser das suas afirmações, ora apelando à figura do contrato de arrendamento, ora fazendo apelo à necessidade da criação de um novo enquadramento legal para o programa das “B1…”.
Acresce que, confrontado com o teor da prova documental constante dos autos, para além de não lograr oferecer respostas minimamente coerentes – seja com sua longevidade na presidência da instituição, seja com o tipo de negócios da sua vida profissional extra-instituição, ligados, além do mais, ao ramo da medição imobiliária, seja mesmo pelo seu repetido apelo a um novo quadro legal que replicasse ordenamentos de países do norte da Europa –, acabou por se limitar a negar que, na prática assim sucedesse, sem encontrar apoio em meio objectivo de prova bastante para contrariar os depoimentos das Sras. Inspectoras da Segurança Social.
Por último, de referir que as afirmações feitas se revelaram muito pouco coadunáveis com as regras do normal acontecer, o que, tudo ponderado, levou a que tais meios probatórios não fossem tidos por bastantes para abalar a solidez e verosimilhança do primeiro grupo de testemunhas.
O animus com que a arguida actuou foi dado como provado com base nas declarações do legal representante da arguida, considerando a sua relatada estrutura, o seu objecto, modo e duração da actuação, bem como a constância da Direcção, o que tudo levou a que, sem qualquer margem para dúvidas, fosse dado como provado que, ao actuar dessa forma, a arguida previu como possível incorrer em responsabilidade contra-ordenacional, sem que se haja conformado com a realização de tal possibilidade.
As condições pessoais foram dadas como provadas com base das declarações do legal representante da arguida, que, nesta parte, se mostrou objectivo e sincero, sem que fosse produzida qualquer meio probatório que as colocasse em crise.
No tocante à matéria dos pontos 29. a 39., foi dada como provada com base nas declarações do legal representante da arguida, que encontrou apoio nos documentos de fls. 27 a 33, 34 e 35 a 49.
Já no segmento referente à matéria de facto dada como não provada, resultou da falta de produção de prova nesse sentido.
Em primeiro lugar, e no tocante às testemunhas C… e D…, pelos fundamentos já consignados, não foram consideradas bastantes para colocar em crise a demais prova testemunhal.
Por sua vez, o legal representante da arguida não foi tido por bastante, de igual jeito pelos fundamentos consignados, não se mostrando verosimilhante, termos em que, tudo ponderado, a factualidade foi dada como não provada.».
II.2.1.1 A questão colocada pela recorrente consiste, pois, em saber se a sentença enferma de erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Cód. Proc. Penal.
Vejamos se lhe assiste razão.
Importa começar por relembrar que o art.º 51.º da Lei n.º 107/2009, estabelece o seguinte:
- 1 - Se o contrário não resultar da presente lei, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2 - A decisão do recurso pode:
a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida;
b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.
Consagra-se, pois, o regime já afirmado no Regime Geral das Contra-Ordenações e Coima [Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, actualizado pelo Decreto-Lei nº 356/89, de 17 de Outubro, pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro e pela Lei nº 109/2001, de 24 de Dezembro], nomeadamente no artigo 75º, onde se lê:
1- Se o contrário não resultar deste diploma, a 2.ª instância apenas conhecerá da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões.
2 - A decisão do recurso poderá:
a) Alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida, salvo o disposto no artigo 72.º-A;
b) Anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido.
Significa isto, como é consabido, que os poderes cognitivos deste Tribunal ad quem estão, em regra, restringidos à matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido “sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida “, ou de anulação e devolução do processo ao tribunal recorrido, conforme preceituado nas alíneas a) e b), do n.º2, do art.º 51.º, bem como do conhecimento oficioso dos vícios a que alude o artigo 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal.
Sobre o dever de conhecimento oficioso, afirma-se no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 19-10-1995 [Proc.º 046580, Conselheiro Sá Nogueira, disponível em www.dgsi.pt] o seguinte: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”.
Em suma, como regra, em processo contra-ordenacional o recurso para a Relação sobre a decisão da 1.ª instância, é restrito à matéria de direito.
Por seu turno, dispõe o artigo 410.º do CPP no n.º 2 e alínea c), o seguinte:
2- Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) (..);
b) (..);
c) Erro notório na apreciação da prova.
No acórdão desta Relação e Secção, de 18 de Dezembro de 2018 [proc.º nº 4881/16.8T8MTS.P2, Desembargador Nélson Fernandes – aqui adjunto - disponível em www.dgsi.pt] a propósito dos vícios da sentença previstos no n.º2, do art.º 410.º, recorrendo à jurisprudência do STJ, faz-se a elucidativa resenha que nos permitimos transcrever:
- «(..) importa desde logo ter presente, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016 , por apelo ao que se disse no Acórdão desse mesmo Tribunal de 8 de Novembro de 2006 , que os aludidos vícios elencados no citado n.º 2 do artigo 410.º, “pertinem à matéria de facto; são anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.(...) Na verdade, os factos relevantes para a decisão da causa são necessariamente factos que importam consequências jurídicas, e por isso, em tal âmbito, a matéria de facto é sempre juridicamente relevante.”
Discorrendo sobre a matéria, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010 (transcrição):
(…) No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.
Nesta forma de impugnação, as anomalias, os vícios da decisão elencados no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal têm de emergir, resultar do próprio texto, da peça escrita, por si só considerada ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma.
A possibilidade de introdução do Tribunal ad quem no domínio da facticidade sempre será parcial, restrita, limitada e indirecta, consistindo numa fórmula mitigada de reapreciação da matéria de facto, para utilizar a expressão contida na alínea a) do n.º 15 da aludida Exposição de Motivos; tratando-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna (e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida), de vícios emergentes da decisão documentados no texto, a sua indagação não pode ir além do suporte textual, sem possibilidade de recurso a elementos estranhos àquela peça escrita.
Daí que, conforme jurisprudência uniforme e já remota deste Supremo Tribunal, se entenda que os vícios têm de resultar da própria decisão recorrida, encarada por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo - acórdãos do STJ de 29-11-1989, processo n.º 40255/89-3ª; de 19-12-1990, processo n.º 41327/90-3ª, in BMJ n.º 402, pág. 232; de 31-05-1991, in BMJ n.º 407, pág. 77; de 03-07-1991, Colectânea de Jurisprudência 1991, tomo 4, pág. 12; de 16-10-1991, in BMJ n.º 410, pág. 10; de 13-02-1992, in BMJ n.º 414, pág. 389; de 22-09-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 210; de 09-11-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 245; de 20-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 335 (não é inconstitucional e não viola o princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, a norma do n.º 2 do artigo 410º CPP, ao exigir que os vícios tenham de resultar do texto da decisão recorrida); de 18-09-1996, BMJ n.º 459, pág. 283; de 25-09-1996, BMJ n.º 459, pág. 304; de 17-10-1996, BMJ n.º 460, pág. 399; de 15-10-1997, processo n.º 582/97; de 19-11-1997, processo n.º 873/97-3ª; de 20-11-1997, processo n.º 1242/97-3ª; de 11-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 480; de 28-10-1998 e de 29-10-1998, in BMJ, n.º 480, págs. 83 e 292.
E mais recentemente: de 15-02-2007, processo n.º 3174/06 - 5.ª; de 14-03-2007, processo n.º 617/07 - 3.ª; de 17-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 197; de 23-05-2007, processo n.º 1405/07 - 3.ª; de 11-07-2007, processo n.º 1416/07 - 3.ª, de 27-07-2007, processo n.º 2057/07-3.ª; de 24-10-2007, processo n.º 3338/07-3ª; de 17-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 206; de 05-03-2008, processo n.º 3259/07-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07-3ª; de 19-06-2008, processo n.º 122/08-5ª (por conseguinte, não será lícito recorrer à prova produzida para se surpreender qualquer dos referidos vícios, exactamente porque não se pode confundir aqueles, enquanto afectam, de forma patente, a estruturação fáctica interna, em que há-de ter apoio a decisão de direito, com erro de julgamento); de 16-10-2008, processo n.º 2851/08-5ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª; de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5ª; de 14-05-2009, processo n.º 1182/06.3PAALM.S1-3.ª (Veja-se ainda o acórdão n.º 573/98, de 13-10-1998, publicado no DR – II Série, n.º 263, de 13-11-1998).
Como se extrai dos acórdãos do STJ de 11-12-1996, in BMJ n.º 462, pág. 207 e de 12-11-1997, processo n.º 32507, característica comum a todos os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, a fim de fundamentarem o reenvio do processo para novo julgamento, quando insanáveis no tribunal de recurso, é que resultem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.
Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
Na análise a efectuar para detecção do vício há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo - artigo 127.º do CPP.
Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada, nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é afinal querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
Para avaliar se a convicção formada pelo tribunal padece dos aludidos vícios há, que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção) e, por outro, a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que o conduziram a determinadas conclusões.
O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.”
[..]».
Entrando na apreciação, começaremos por destacar, como sublinha o Supremo Tribunal de Justiça na transcrição acima, que como “característica comum a todos os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, a fim de fundamentarem o reenvio do processo para novo julgamento, quando insanáveis no tribunal de recurso, é que resultem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum”.
Por outro lado, como também elucida o STJ cabe ter presente que “Na análise a efectuar para detecção do vício há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal”, e concomitantemente, no que concerne ao método a observar na indagação para se saber se há um erro notório, importa reter, que “há, que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção) e, por outro, a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que o conduziram a determinadas conclusões”.
Como primeira nota, atentando no elenco dos factos provados, quer vistos individualmente, quer conjugados entre si, não se vislumbra qualquer incoerência, contradição lógica ou desfasamento à luz das regras da experiência comum.
Mas, note-se, como se retira das conclusões, a recorrente também não lhes aponta qualquer vício. Coloca é a questão a montante, vindo defender que o alegado vício de erro notório na apreciação da prova ocorreu no processo de formação da convicção do julgador, por não ter valorado devidamente a prova testemunhal e documental por si apresentada, que na sua perspectiva conduziria à prova, em geral, da sua versão.
Todavia, sem razão. Não se vislumbrando pela análise da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, isto é, os fundamentos que justificam a convicção formada, sustentada na prova que é referida, qualquer erro de lógica na construção do raciocínio, alguma incoerência que seja, ou sequer desfasamento, em relação às regras de experiência comum, é forçoso concluir que não pode de todo afirmar-se a existência do alegado erro notório na apreciação da prova.
De resto, se bem atentarmos na fundamentação da recorrente, também quanto a este ponto dela não resulta qualquer argumento que possa sequer indiciar um erro notório na formação da convicção do julgador, designadamente, alguma incongruência no percurso lógico que sustenta os fundamentos da convicção afirmada, ou sinal de arbitrariedade ou clara disparidade com as regras da experiência comum.
O facto do Tribunal a quo ter valorado os testemunhos das inspetoras do Departamento de Fiscalização, em detrimento dos testemunhos de C… e D…, bem assim do legal representante da arguida, está explicado na fundamentação em termos claros, objectivos e que se afiguram lógicos e coerentes. Senão veja-se:
- «Desde logo e no tocante à matéria de facto dada como provada sob os pontos 1. a 23., o Tribunal atendeu aos depoimentos de X… e de E…, inspectoras da Segurança Social, que relataram a factualidade de forma pormenorizada, encadeada e circunstanciada, respondendo às questões colocadas de um modo claro, assertivo e, em segmentos, mesmo impressivo, não apenas se coadjuvando, mas encontrando igualmente apoio nos documentos de fls. 72 a 170.
Neste segmento, as testemunhas C… e D…, funcionárias da arguida, revelaram ter um conhecimento apenas de parte da factualidade, não logrando oferecer explicações para questões colocadas e, noutros segmentos, dando respostas que se afirmaram muito pouco naturais ou instintivas.
Encontrando, embora, o apoio nas declarações do legal representante da arguida, que teve, quase toda a sua extensão, um discurso pouco congruente, muito pouco focado nas questões que lhe foram colocadas, não respondendo, em grande parte, de forma directa e natural, não logrando seja factualizar o modo concreto de actuação da instituição, seja esclarecer a razão de ser das suas afirmações, ora apelando à figura do contrato de arrendamento, ora fazendo apelo à necessidade da criação de um novo enquadramento legal para o programa das “B1…”».
A recorrente pode ter uma convicção diferente e discordar, entender até - como veio afirmar – que o Tribunal a quo limitou-se “a fazer uma análise grosseira e enviesada de toda a prova apresentada pela arguida/recorrente”, mas como elucida o acórdão do STJ, «Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo - artigo 127.º do CPP».
Pode também entender que do depoimento das testemunhas e prova documental que apresentou, resulta que “a sua intenção foi, tão só, criar, à semelhança do que já existe noutras cidades do nosso país e também noutros países da Europa, uma resposta diferente, o que fez, e sempre manteve a sua convicção de não explorar qualquer lar de idosos”, mas essa não é mais do que a sua convicção, não sendo tal bastante para contrapor e pretender fazer prevalecer à do Tribunal a quo, a pretexto de um alegado erro notório na apreciação da prova que, podemos dizê-lo com toda a segurança, não se detecta nem a recorrente consegue minimamente sustentar.
O mesmo é de dizer quanto ao argumento de que o Tribunal a quo nem sequer valorou o regulamento interno das denominadas “B1…” nem mesmo os contratos celebrados com os arrendatários das ditas “B1…”. Mais uma vez recorrendo ao Acórdão do STJ que vimos seguindo, “O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.”
E, como se deixou explicado, para que a recorrente tivesse razão, era absolutamente necessário que existisse, como veio defender, erro notório na apreciação da prova. Só a verificação desse fundamento é que poderia permitir a reapreciação da decisão sobre a matéria e facto, dado que na apreciação de recursos sobre sentenças que decidiram a impugnação judicial de decisão administrativa em procedimento contra-ordenacional, os poderes cognitivos deste Tribunal ad quem estão, em regra, restringidos à matéria de direito, sem prejuízo de alteração da decisão do tribunal recorrido “sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida “ ou de anulação e devolução do processo ao tribunal recorrido, conforme preceituado nas alíneas a) e b), do n.º2, do art.º 51.º, bem como do conhecimento oficioso dos vícios a que alude o artigo 410º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Penal.
Concluindo, não se verificando o alegado erro notório na apreciação da prova, quanto a esta linha de argumentação improcede o recurso.
II.2.2 Numa segunda linha de argumentação, vem a recorrente defender que tendo sido ultrapassado o prazo para conclusão da instrução, previsto no n.º1 do artigo 24.º, da Lei n.º 107/2009, de 14/09, todo e qualquer ato praticado para além do limite temporal previsto naquele normativo é nulo e de nenhum efeito [Conclusões 17 a 19].
No acórdão desta Relação e secção de 21-10-2019 [proc.º 75/19.9T8MAI.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt] no qual interveio como adjunto o aqui relator, apreciando essa precisa questão, conclui-se, como sintetizado no sumário que “O prazo de 60 dias previsto no artigo 24º da Lei 107/2009, de 14.09 para a conclusão da instrução no âmbito do procedimento contra - ordenacional tem natureza meramente aceleratória e disciplinar, não implicando a sua inobservância nulidade ou caducidade do referido procedimento”.
Sustentou-se essa conclusão, com base na fundamentação seguinte:
-«[..]
2.2. Dispõe o art. 24º da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro que:
1. O prazo para conclusão da instrução é de 60 dias.
2. O prazo referido no número anterior pode ser sucessivamente prorrogado por iguais períodos em casos devidamente fundamentados.
3. Para efeitos do nº 1, a contagem do prazo inicia-se com a distribuição do processo ao respetivo instrutor.
A fixação do prazo mencionado no nº 1 do citado preceito já constava do antecedente art. 639º do CT/2003, bem como, anteriormente a este, do art. 25º da Lei 116/99, de 04.08 e art. 51º do DL 491/85, de 26.11.
Sobre a natureza deste prazo como meramente ordenador, aceleratório e disciplinar pronunciou-se João Soares Ribeiro, in Contra-Ordenações Laborais, Regime Jurídico, 2011, 3ª Edição, Almedina, pág. 55, ao referir que: “ O prazo de 60 dias é um prazo meramente aceleratório e disciplinar, pelo que o seu incumprimento acarretará, eventualmente, consequências disciplinares para os funcionários que, culposamente, deixaram de o cumprir. Não é pois um prazo peremptório, que tornaria nulos os actos praticados para além do seu termo.”.
No mesmo sentido, se tem pronunciado a jurisprudência, designadamente:
- os Acórdãos da Relação de Évora de 09.11.2004, Processo 1756/04-3, citado pelo referido autor, obra indicada, a pág. 56 e de 20.03.2012, proferido no Processo 38/11.2TTSTB.E1 e sumariado na Coletânea de Jurisprudência (CJ), 2012, T II, pág. 322, em que se refere que “o desrespeito do prazo de 60 dias previsto no artigo 24º da Lei 107/2009, de 14.09 para a conclusão da instrução no âmbito do procedimento contra-ordenacional não implica a nulidade ou caducidade do mesmo, dado possuir uma natureza meramente aceleratória e disciplinar.”.
- o Acórdão da Relação do Porto de 28.02.2005, in CJ, T I, pág. 238 e segs., em cujo sumário se refere que “V- O facto de ter sido ultrapassado o prazo de instrução não conduz à nulidade da decisão administrativa, na medida em que a lei não determina em sanciona tal ocorrência com a nulidade.”.
- o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.01.2006, in CJ, T I, pág. 141, nele se entendendo que “a lei que estabeleceu esse prazo não cominou o incumprimento do mesmo com a nulidade. E, nos termos do art. 118º nº 1 do CPP, aplicável ex vi do art. 2º da Lei 116/99 e art. 41º do Dec-Lei nº 433/82 na redacção dada pelo DL 244/95 de 14/09, a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei. Trata-se, portanto, de um prazo meramente aceleratório, e o seu incumprimento uma mera irregularidade processual, que poderá acarretar, eventualmente, efeitos disciplinares para os funcionários que, culposamente, deixarem de os cumprir. Não se trata, portanto, de um prazo peremptório (…)”.
- O Acórdão da Relação de Lisboa, Processo 191/12.8TTTVD.L1-4, no qual, para além de citar os mencionados Acórdãos da RE de 09.11.2004 e 20.03.2013, da RL, de 09.11.2004 e RP de 28.02.2005, se refere ainda o seguinte:
« (…) não encaramos o prazo constante do artigo 24.º da Lei n.º 107/2009, de 14/09 como um prazo de caducidade do procedimento contraordenacional na sua fase administrativa mas antes como um prazo indicativo, instrumental, orientador da atividade da Autoridade para as Condições de Trabalho, que se quer expedita, pronta, atual, célere, eficiente e eficaz.
Impõe-se constatar (até por contraste com o conteúdo das regras anteriormente vigentes) que não se acha fixado um número limite para as prorrogações do prazo de 60 dias que podem ser requeridas pelo instrutor do procedimento contraordenacional e consentidas pelo seu superior hierárquico, não se lobrigando na Lei n.º 107/2009 a existência de qualquer sanção processual ou material (sem prejuízo do limite imposto pela prescrição) para cenários de excesso justificado ou injustificado do aludido prazo ou prazos.
(…)
Abílio Neto em “Código do Processo do Trabalho Anotado”, 5.ª Edição Atualizada e Ampliada, Janeiro de 2011, EDIFORUM, páginas 465 e 466, indica os seguintes Arestos que, ao abrigo do regime constante dos artigos 25.º do regime aprovado pela Lei n.º 116/99 e 639.º do Código do Trabalho de 2003, pugnaram, uniformemente, por uma interpretação jurídica similar à de Soares Ribeiro:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 7/05/2003, publicado em C.J., 2003, Tomo III, página 146 (Sumário):
“O prazo de instrução é meramente aceleratório e disciplinar, pelo que o seu incumprimento acarretará eventualmente consequências disciplinares para o instrutor.”
(…)
O conjunto da doutrina e jurisprudência que se citou emanou de normas que possuíam um teor - pelo menos aparentemente - bastante mais restritivo do que o do atual artigo 24.º - ali permitia-se uma única prorrogação do prazo inicial de 60 dias ao passo que agora são consentidas sucessivas renovações do mesmo -, não tendo esse cenário legal impedido o autor referido e vários dos nossos tribunais de 2.ª instância de, unanimemente, afastarem a verificação da caducidade ou nulidade do procedimento contraordenacional, em situações de ultrapassagem do aludido prazo ou prazos.
Ora, se assim foi no quadro da referida legislação, com maior razão e intensidade se impõe tal tese no âmbito do regime legal agora em vigor, atenta a alteração da redação do preceito nessa matéria.
(…)
Dir-se-á, finalmente, que constituiria um manifesto e incompreensível contrassenso por parte do legislador a atribuição da natureza perentória a tal prazo de 60 dias, ao mesmo tempo, sucessivas e ilimitadas prorrogações do mesmo, com o limite derivado da prescrição do procedimento contraordenacional (onde estava, então, a preclusão/extinção do direito, associada aquele tipo de prazos, conforme previsto no artigo 145.º, número 3 do Código de Processo Civil e apesar do estatuído no artigo 147.º do esmo diploma legal?), não sendo despiciendo, por outro lado, recordar que o mesmo aumentou consideravelmente os prazos de prescrição das contraordenações (cfr., a este respeito, os artigos 27.º a 31.º do Regime Geral das Contraordenações e Coimas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 e posteriores alterações, com especial relevância para aquelas introduzidas pela Lei n.º 109/2001, de 24/12), o que não se coaduna minimamente com a interpretação que a arguida faz do artigo 24.º do atual regime contraordenacional e do prazo aí contemplado.».
Ora, não vemos qualquer razão justificativa para a alteração do entendimento que, de forma reiterada, a jurisprudência vem dando eco e que se sufraga.
Apenas se entende ser de acrescentar que, também no domínio do inquérito no processo penal, o qual é de aplicação subsidiária ao processo contraordenacional (arts. 60º da Lei 107/2009 e 41º do DL 433/82, de 27.10, na redação do DL 244/95, de 14.09), se prevêem prazos para a duração do inquérito (art. 276º), não se cominando, todavia, a sua violação com qualquer efeito extintivo do procedimento criminal[1], seja por via da nulidade dos atos praticados posteriormente, seja por via da caducidade, efeito extintivo esse que não é, também, defendido na doutrina e jurisprudência – cfr. Acórdão da Relação de Lisboa de 22.10.2009, Processo 1965/06, in www.dgsi.pt, nos termos do qual os prazos são ordenadores ou disciplinadores, e José Manuel Saporeti Machado da Cruz Bucho, A Revisão de 2010 do Código de Processo Penal Português, 08.11.2010, in http://www.trg.pt/ficheiros/estudos/cruzbucho_revisaocpp2010.pdj, págs. 29 e segs.
Ora, se assim é no processo criminal, pese embora a maior complexidade do mesmo, não se vê razão para, quanto à natureza de tal prazo, afastar a aplicação subsidiária do CPP, sendo certo que o regime contraordenacional é omisso quanto às consequências da inobservância do prazo da instrução, para além de que nele, processo contraordenacional, está também em causa a prossecução de interesse de natureza pública.
Entende-se, assim, que não assiste razão à Recorrente, sendo que, à exceção de eventuais efeitos disciplinares das entidades em causa da autoridade administrativa, irrelevante que, no caso, entre a visita inspectiva (27.09.2013) e a notificação, para o exercício do direito de defesa, da contra-ordenação (07.07.2014) tenha decorrido cerca de 10 meses sem que algum ato tenha sido praticado pela autoridade administrativa. O referido prazo de 60 dias previsto no art. 24º, nº 1, da Lei 107/2009, não tem pois a natureza de um prazo de caducidade, nem a sua inobservância determina a nulidade de qualquer ato posteriormente praticado.
Assim, e nesta parte, improcede o recurso».
Não vemos razão para nos desviarmos do entendimento que assumimos no citado acórdão, de resto, como nele se afirma, reiteradamente afirmado pela jurisprudência.
Assim sendo, aplicando-o ao caso, resta concluir pela improcedência do recurso também nesta parte.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC [artigos 513º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74º, nº 4 do RGCO e 59º e 60º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de Setembro e 8º, nº 9 e Tabela III do RCP].

Porto, 17 de Maio de 2020
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes