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AUGI
CASO JULGADO
PRESCRIÇÃO
Sumário
I - A circunstância de ter sido pedido pela ora autora, em anterior ação executiva intentada contra os ora réus, o pagamento coercivo da mesma importância agora peticionada, com fundamento fáctico quase inteiramente coincidente (causa de pedir), execução aquela que findou com a procedência dos embargos deduzidos, não basta para que se possa considerar verificada a exceção dilatória do caso julgado ou a autoridade do caso julgado material, havendo que analisar essa sentença de embargos, à luz do disposto nos artigos 619.º, 621.º e 732.º, n.º 5, do CPC. II - Tendo na sentença sido julgado que a obrigação exequenda, não só existia, como era certa e, a partir de dado momento, exigível, mas se mostrava ilíquida, não sendo então possível a sua liquidação, concluindo-se pela inexequibilidade do título, o caso julgado material formado por tal decisão não obsta a que na presente ação declarativa, com alegação de factos novos (objetivamente supervenientes), se procure obter a condenação dos réus no pagamento da obrigação pecuniária que, entretanto, além de exigível, se tenha tornado líquida. III - Face à autoridade do caso julgado da decisão de mérito proferida nos embargos de executado, é indiscutível que os Réus estão obrigados a pagar as comparticipações nas despesas de reconversão do Bairro situado em AUGI, estando já reconhecida a existência/constituição de uma tal obrigação pecuniária, tida por certa, mas inexigível antes da assembleia realizada a 19-11-2006, cabendo apenas apreciar se já se tornou líquida e vence juros. IV - De harmonia com o disposto nos artigos art. 3.º, n.º 4, 10.º, 15.º e 16.º-C da Lei n.º 91/95, de 02-09 (que aprova o processo de reconversão das áreas urbanas de génese ilegal), o crédito relativo às comparticipações devidas somente se tornou líquido com a aprovação do mapa na última assembleia, realizada em 2017, vencendo juros decorridos 30 dias após a publicação dessa deliberação. V - Aplica-se à dívida de capital o prazo ordinário da prescrição de 20 anos, a qual, na lógica do que foi decidido por sentença transitada em julgado, apenas se pode ter como constituída com a assembleia realizada em 19-11-2006 e não era antes exigível, começando o novo prazo de prescrição a correr após o trânsito em julgado da sentença proferida na oposição à execução antes instaurada (cf. artigos 309.º, 323.º e 327.º, ambos do CC).
Texto Integral
Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados
I - RELATÓRIO
Fernando … e Maria José ….interpuseram o presente recurso de apelação da sentença que julgou parcialmente procedente a ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra si intentada pela Administração Conjunta …
Na Petição Inicial, apresentada em 20-09-2019, a Autora pediu que os Réus fossem condenados a pagarem-lhe:
- O montante de comparticipações e juros, no valor total de 45.944,23 €, acrescido dos juros à taxa legal sobre o capital de 20.175,37 € calculados a partir de 30-08-2019 até integral pagamento, sem prejuízo do art. 16.º-C, n.º 5, da Lei das AUGI;
- Todas as restantes quantias necessárias ao ressarcimento dos danos a que a mora dos Réus der causa, não cobertos pelos juros vencidos e vincendos, a liquidar “em execução de sentença”.
Para alicerçar a sua pretensão, a Autora alegou, em síntese, que:
- A Autora é a entidade equiparada a pessoa coletiva instituída nos termos da Lei n.º 91/95, de 02-09 (Lei das AUGI) para reconversão da Área Urbana de Génese Ilegal do Bairro da …., mediante deliberação da Assembleia Constitutiva de 14-03-1999;
- Os Réus são donos e titulares inscritos dos lotes 94 e 176 sitos no Bairro da …, cuja área, por ter sido objeto de uma operação física de parcelamento antes da entrada em vigor do DL n.º 400/84, de 31-12, foi integrada no perímetro da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) do Bairro da…;
- Os Réus têm a obrigação de comparticipar nas despesas da reconversão urbanística do solo e legalização das construções integradas nesta AUGI, conforme os Regulamentos do Bairro (Comissão de Melhoramentos) de 1992-1993, a deliberação da Assembleia Constitutiva de 14-03-1999 (comparticipações mensais de 10.000$00 por cada lote de rés-do-chão e 1.º andar com um fogo, acrescidos de 5.000$00 por cada fogo a mais de construção a legalizar), e as deliberações da Assembleia de Proprietários de 19-11-2006 e 06-05-2017, nenhuma das quais por eles impugnadas no prazo legal;
- Os Réus não pagaram a sua quota parte no custo de execução das obras das infraestruturas do Bairro da…, desde 01-03-1994, e restantes despesas de legalização a partir de 01-05-2001, as quais se encontram praticamente concluídas, pese embora tenham vindo a beneficiar das mesmas e retirem rendimentos consideráveis dos prédios construídos nos lotes, através de contratos de arrendamento;
- O valor em dívida dos Lotes 94 e 176 à data de 30-08-2019 é de 16.922,11 € e 29.022,12 €, respetivamente, acrescidos dos juros à taxa legal sobre as respetivas comparticipações brutas de 7.531,85 € e 12.644,52 €, a partir dessa data.
Pessoalmente citados, os Réus apresentaram Contestação, na qual se defenderam por impugnação, de facto e de direito, e por exceção, invocando designadamente:
- O caso julgado, face ao decidido nos embargos que deduziram na execução que correu os seus termos sob o n.º 4916/12.3TCLRS da então Seção de Execução de Loures;
- A prescrição da “pretensa” dívida no que concerne à comparticipação (e respetivos juros) para despesas de infraestruturas no valor de 12.994,22 €, pelo decurso do prazo de 20 anos desde 01-03-1994; e, quanto à totalidade da dívida, estarem prescritos os juros vencidos nos 5 anos que antecedem a citação dos Réus.
A Autora, no seguimento de despacho que a convidou a exercer o contraditório quanto à matéria das exceções, apresentou Resposta (em 12-12-2019), em que se pronunciou no sentido da improcedência de tais exceções, defendendo que:
- A sentença proferida nos embargos reconheceu a existência da obrigação subjacente e limitou-se a julgar procedentes os embargos por insuficiência do título pelo que não obsta a que numa ação declarativa possa ser exigido o cumprimento coercivo daquela obrigação;
- As comparticipações não correspondem a obrigações vencidas, aplicando-se quanto aos juros o regime do art. 16.º-C da Lei das AUGI.
Na sequência de despacho que convidou as partes a manifestarem, querendo, a sua objeção ao conhecimento da exceção do caso julgado no saneador, vieram os Réus, em 31-01-2020, requerer a junção aos autos de certidão da sentença proferida nos aludidos embargos, com nota do trânsito em julgado.
Em 28-05-2020, foi proferido despacho saneador (recorrido) que julgou improcedente a exceção do caso julgado; mais foi relegado para final o conhecimento da exceção da prescrição e proferido despacho de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizou-se audiência final, com produção de prova testemunhal e declarações de parte.
Após, foi proferida a sentença (recorrida), cujo segmento decisório tem o seguinte teor: Nestes termos e nos demais de direito, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência: a). Condeno os RR. a pagar à A. o valor global de (Quarenta e cinco mil, novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e três cêntimos), a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da … e respectivos juros, acrescido do valor dos juros calculados à taxa legal (art. 559.º do C.C. e fixados por Portaria 291/03, de 08/04/2003) sobre o capital de € 20.175,37, a partir de 30 de Agosto de 2019 até integral pagamento; b). Absolver os RR. do demais peticionado; c). Condenar os RR. nas custas da presente acção;
Inconformados com esta decisão, vieram os Réus interpor o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes conclusões: 1ª – A douta sentença recorrida viola a lei, fazendo das normas tidas por violadas uma errada interpretação das mesmas. Com efeito, a Mmª Juiz recorrida, ao dar como não provada a existência de caso julgado (em sede de despacho saneador) e, ao concluir pela não verificação dos seus pressupostos, designadamente quanto à identidade dos pedidos formulados na acção, transitada em julgado, violou o disposto no artº 581º do C. Civil; 2ª - Na verdade, os pedidos formulados pela aqui apelada no processo executivo transitado em julgado e os apresentados na presente acção são os mesmos, tal como o são as partes e a causa de pedir; 3ª – A douta sentença recorrida enferma ainda de violação de lei e, no caso, de violação do disposto nos arts. 423º, nº1, do C.P. Civil e artº 364º do C. Civil, ao colocar em causa o valor probatório de 2 documentos, emitidos pela Câmara Municipal de ….. Com efeito, tais documentos não foram impugnados pela A. nem foi arguida a genuinidade e autenticidade dos mesmos; 4ª – Acresce que a Mmª Juiz do Tribunal a quo, ao considerar improcedente a excepção de prescrição da dívida (ou de parte da mesma, como atrás se refere) violou preceitos com os quais se devia conformar, designadamente o disposto nos arts. 15º nº 1, al.c), 16º- C, nº1 e 18º, nº 2, al. b) da Lei 91/95, de 2 de Setembro e arts. 12º, nº 1 e 309º do C. Civil; 5ª – Com efeito, ao contrário do que se sustenta na douta sentença recorrida, os apelantes mantêm o seu entendimento de que a dívida reclamada na acção não é exigível porquanto não pode ter-se como certa. E é também certo que não se vislumbra a que título são tais contribuições devidas pois, quando no artº 15º nº 1 al. c) da referida Lei se alude às despesas com a execução das obras de urbanização, estas só podem ser aquelas que foram alvo dos projectos aprovados. Daí que ainda que a assembleia de comproprietários delibere a aprovação das despesas de reconversão para execução das obras de urbanização, no pressuposto de seu posterior licenciamento camarário, não pode ser exigido judicialmente o seu pagamento aos comproprietários antes daquela aprovação; 6ª– O douto tribunal recorrido, ao considerar que as comparticipações nos encargos da reconversão não prescrevem no prazo de 20 anos, por ter as mesmas como provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração, incorreu em violação do preceituado no artº 309º do C. Civil porquanto faz aplicação indevida do estipulado no Artº 16º - C , nº 1 da Lei 91/95, de 2/9. Na verdade, este preceito não poderá, em caso algum, ser entendido como aplicável a uma dívida de comparticipações “definidas, discutidas e aprovadas” na assembleia de comproprietários realizada em 14 de Março de 1999 mas reportada às comparticipações vencidas a partir de 30 de Junho de 1992, tal como se refere na dita deliberação contida na já falada acta nº 1; 7ª – Ora, as comparticipações objecto de reclamação pela A e aqui apelada, pelo menos no período que decorreu de 30 de Julho de 1992, com aplicação do Regulamento do Bairro, de 1992 e até à entrada em vigor da Lei 91/95 de 2 de Setembro, não poderá ser objecto de regulação e interpretação com invocação do citado artº 16º - C –1 da dita Lei sob pena de aplicação retroactiva de uma disposição legal que, no caso, não é, de todo, de aplicação retroactiva; 8ª – As comparticipações de que se fala na douta sentença recorrida caracterizam-se juridicamente como uma prestação instantânea, a pagar fraccionadamente, à mesma se aplicando o regime de prescrição (prazo ordinário) de 20 anos contemplado no artº 309º do C. Civil. Com efeito, a prestação instantânea fraccionada “corresponde a uma prestação única e instantânea com o seu valor total já determinado mas que normalmente, por conveniência do devedor, se acorda em dividi-la por fracções”. Por isso, o douto Tribunal recorrido cometeu erro de interpretação e aplicação da lei violando, na letra e no seu espírito, normas legais designadamente o preceituado no art. 310º al. d) e 318º, al. c) ambos do C. Civil ao considerar estarem em causa nos presentes autos bens sujeitos à administração de outrem, até aprovação das contas finais, considerando, erradamente, ainda que “sobre os montantes devidos a título de comparticipação não se inicia qualquer prazo prescricional até à aprovação das contas finais da Administração Conjunta”; 9ª – Por isso deverá esse Venerando Tribunal ad quem julgar verificada a prescrição da dívida, pelo menos em relação ao montante de 12.999,29 €; 10ª – O que se disse em relação à prescrição da dívida aplica-se mutatis mutandis em relação à prescrição de juros ( prescrição de 5 anos, nos termos do artº 310º, alínea g) do C. Civil ) invocada pelos aqui apelantes e tido por violado, por erro de interpretação pela Mmª Juiz do Tribunal recorrido, certo que estes, como atrás se refere, não têm natureza compensatória antes se configurando como verdadeiros juros moratórios, calculados, no caso dos autos, de forma autónoma pela A. ora apelada, seja para a “comparticipação para as despesas de infra-estruturas, a partir de Março de 1994 e para as restantes despesas de legalização, a partir de 1 de Maio de 2001, como se refere na douta sentença recorrida.
Terminam os Apelantes pugnando pela revogação da sentença recorrida e que, em sua substituição, seja proferida decisão de mérito que conduza, pela procedência da matéria excecionada, à absolvição dos pedidos formulados na ação.
Foi apresentada alegação de resposta pela Autora, defendendo que se confirme a sentença recorrida.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
***
II - FUNDAMENTAÇÃO
Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 608.º, n.º 2, parte final, ex vi 663.º, n.º 2, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Identificamos, assim, as seguintes questões a decidir:
1.ª) Se ocorre a exceção do caso julgado, em face da sentença proferida na oposição à execução anteriormente instaurada;
2.ª) Se não devia ter sido colocado em causa o valor probatório de dois documentos emitidos pela Câmara Municipal de Odivelas;
3.ª) Se a quantia peticionada não é devida, por não ser exigível tal dívida;
4.ª) Se procede a exceção de prescrição quanto a parte da dívida, designadamente em relação ao montante de 12.999,29 € e aos juros de mora.
Na sentença recorrida foram elencados os seguintes factos provados (alterámos a redação em conformidade com o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990; acrescentámos, por se encontrar plenamente provado, o que consta entre parenteses retos – cf. artigos 662.º, n.º 1, e 607.º, n.º 4 ex vi 663.º, n.º 2, todos do CPC):
1 - A Autora é uma entidade equiparada a pessoa coletiva, inscrita no Registo Nacional de Pessoas Coletivas, instituída para reconversão da Área Urbana de Génese Ilegal (AUGI) do Bairro da …, mediante deliberação da Assembleia Constitutiva de 14 de março de 1999.
2 - Os prédios, correspondentes aos lotes 94 e 176, sitos em Casal …, encontram-se descritos na Conservatória do Registo Predial de Odivelas, sob os n.ºs .427 e 3690 da Pontinha, favor dos Réus, respetivamente [isto é, encontra-se inscrita, a favor dos Réus, mediante ap. 19, de 2000/06/07, a aquisição (causa: compra) do prédio descrito sob o n.º .427, composto de rés-do-chão para comércio e 1.º andar para habitação, com a área total de 192 m2, a área coberta de 72 m2 e a área descoberta de 120 m2; encontra-se inscrita, a favor dos Réus, mediante ap. 3214 de 2018/07/17, a aquisição do prédio descrito sob o n.º 3690 (causa: execução específica de contrato-promessa de compra e venda) composto de lote de terreno para construção com a área total de 200 m2].
3 - Estes prédios foram objeto de uma operação física de parcelamento destinada à construção, sem licença prévia de loteamento, sendo a respetiva área integrada no perímetro da AUGI do Bairro da …, pela Câmara Municipal de Loures (antes da criação da Câmara Municipal de Odivelas).
4 - O processo de reconversão do Bairro da… teve início no ano de 1992, ainda na Câmara Municipal de Loures.
5 - No âmbito deste processo, foi eleita uma Comissão de Melhoramentos, sob direção da autarquia, destinada, à realização de infraestruturas no Bairro da…, cujo financiamento foi aprovado pelos moradores do Bairro, nos Regulamentos de comparticipação.
6 - Na Assembleia Constitutiva, realizada a 14-03-1999 foi aprovada, por unanimidade, a adesão à Lei n.º 91/95, de 2 de setembro.
7 - Bem como, foram aprovadas as novas comparticipações mensais, assim definidas: Esc. 10.000$00 (49,88 €) por cada lote de rés-do-chão e primeiro andar com um fogo, acrescidos de Esc. 5.000$00 (29,94 €) por cada fogo a mais de construção a legalizar.
8 - A Ata da Assembleia Constitutiva da AUGI do Bairro da … foi AUGI do Bairro da … foi publicada em forma de extrato no “Diário de Notícias” de 22 de abril de 1999 e a 22 de junho de 1999.
9 - A reconversão da AUGI do Bairro da … foi formalizado mediante a emissão do alvará de Loteamento n.º 3/2006/DRU-AUGI, de 19 de setembro de 2006, emitido pela Câmara Municipal de Odivelas.
10 - Na Assembleia de Proprietários, realizada a 19-11-2006, a Comissão de Administração apresentou e fez aprovar a proposta na qual constituiu a ratificação (confirmação) da deliberação da Assembleia constitutiva de 1999 e dos Regulamentos da Comissão de Melhoramentos de 1992 e 1993:
- Deliberação da Assembleia de 14-03-1999: Prestação mensal para o processo de legalização de 49,88 €/lote de 1 fogo de rés-do-chão e 1.º andar, acrescidos de 24,94 € por cada fogo adicional a legalizar, durante 24 meses, vencendo-se a primeira em 31 de maio de 1999;
- Regulamentos do Bairro de 1992:
1 - Por lote:
a) – Por cada lote de terreno: 349,16 €;
b) – Por pavimento construído em cave: 2,49/m2 €;
c)- Por pavimento construído em r/c e 1.º andar: 4,99/m2 €;
d) – Por pavimento construído em 2.º andar e superiores: € 9,98 m2;
2 - Construções com mais de um fogo:
a) – Por cada fogo: 249,40 €;
b) – Por cada fogo em 2.º andar ou superior: 498,80 €, sendo o valor de 349,16 € a pagar até 30 de abril de 1992 e o restante em dezoito prestações mensais sucessivas em valor não inferior, cada uma, a 74,82 €, vencendo-se a primeira em 30 de junho de 1992.
11 - A Autora procedeu à cobrança judicial das comparticipações em dívida, tendo para o efeito intentado ações executivas, nomeadamente contra os Réus - a qual correu termos sob o n.º de Proc. 49/12.3TCLRS, instaurada em junho de 2012.
12 - À data da emissão do Alvará referido no ponto 9, a execução das infraestruturas estava em grande parte realizada e em condições de funcionamento, tendo a Câmara Municipal de Odivelas dispensado a caução de boa execução.
13 - Atualmente, as infraestruturas do bairro estão praticamente concluídas.
14 - Os Réus têm vindo a beneficiar dessas infraestruturas - redes de água, luz, comunicações e esgotos -, uma vez que construíram nos seus lotes dois edifícios de andares habitados, dos quais retiram rendimentos, pelo menos desde 1992.
15 - Na Assembleia de 6 de maio de 2017, a Comissão de Administração Conjunta da Autora apresentou à Assembleia de Proprietários e fez aprovar e publicar a proposta que consta da Ata n.º 10, na qual se deliberou:
- A aprovação do mapa integral das comparticipações (em anexo à Ata n.º 10 e da qual faz parte integrante);
- Mandatar a Comissão de Administração para, se o entender, apresentar em tribunal ações declarativas para obter sentença que condene os devedores a pagar todos os montantes em falta e, nomeadamente, juros vencidos que se julguem não estar abrangidos por esta deliberação;
- O débito aos ainda faltosos de todas as despesas judiciais e extrajudiciais que a AUGI tenha gasto ou haja ainda que gastar para cobrar aquelas;
16 - A publicidade das Assembleias ocorreu mediante publicação do extrato das Atas, em jornal [do dia 22-04-1999, a assembleia de 14-03-1999; do dia 25-11-2006, a assembleia de 19-11-2006; e do dia 30-05-2017, a assembleia de 06-05-2017].
17 - Dos Regulamentos do Bairro de 1992 e 1993, da deliberação da Assembleia Constitutiva da AUGI de 14-03-1999 e das deliberações da Assembleia de Proprietários de 19-11-2006 e de 06-05-2017, resulta que as comparticipações para as despesas de reconversão dos Lotes dos Réus aqui referenciados são as seguintes:
LOTE 94:
- Despesas administrativas, técnicas e de projeto – 2.992,79 €;
- Comparticipação para a realização das infraestruturas – 4.539,06 €;
LOTE 176
- Despesas administrativas, técnicas e de projeto – 4.189,90 €;
- Comparticipações para a realização das infraestruturas – 8.454,62 €.
18 - Os Réus não impugnaram qualquer uma das deliberações suprarreferidas.
Na sentença recorrida foram considerados não provados os seguintes factos:
a) Os Réus são especuladores imobiliários, tendo construído ilegalmente dois prédios de apartamentos nos lotes em causa, tendo vindo há longos anos a enriquecer injustamente com as rendas.
b) No âmbito do procedimento de reconversão urbanística do Bairro da …, os Réus já pagaram à Câmara Municipal de Odivelas, relativamente aos lotes …4 e …75, taxa municipais de urbanização, nos montantes de 13,715 € e 16,677,43 €, respetivamente, o que fizeram em prestações trimestrais, a partir de 8 de setembro de 2013.
1.ª questão – Da exceção dilatória do caso julgado
No despacho saneador foi julgada improcedente a exceção dilatória do caso julgado, tendo o Tribunal recorrido, após algumas considerações genéricas sobre este instituto e os seus pressupostos, fundamentado tal decisão nos seguintes termos: “(…) apesar de estarmos perante ações com fins distintos (declarar a existência de um direito/obter a sua cobrança coerciva), é inequívoco que existe identidade de sujeitos, uma vez que assumem a mesma posição jurídica (relação credor-devedor). Em todo o caso, cumpre salientar que os embargos de executado constituem igualmente uma ação declarativa (que corre por apenso à execução) onde se discutirá não apenas a existência e validade do título executivo, mas também da própria obrigação. Atente-se no decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13.09.2019, proc. n.º 751/16.8T8LSB.L1-8, www.dgsi.pt: “a oposição à execução deve ser encarada, não como uma contestação ao pedido executivo (e, assim, não se lhe aplica a regra do nº 1 do art. 573º), mas como uma petição de uma ação declarativa autónoma cujo objeto é definido pelo executado (valendo cada um dos fundamentos materiais invocados como verdadeiras causa de pedir). Se o executado enveredar pela dedução de oposição à execução, e a oposição for objeto de decisão de mérito, a decisão de mérito proferida na oposição constituirá, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.” Analisados os embargos de executado e a sentença proferida nesse apenso, verificamos que os ora RR. apresentaram uma defesa orientada no sentido da invalidade do título (inexistência/inexequível/ilegitimidade/nulidade da deliberação) e na prescrição de capital/juros. Em suma, não se analisa a própria obrigação exequenda. Todavia, na presente ação o que se pretende é que seja declarada a existência do direito, que o Tribunal reconheça a qualidade de credor e de devedor, para assim se formar um título exequível. Sobre esta matéria não existiu qualquer pronúncia; apenas quanto à existência de título. Deste modo, não podendo ser coartado o direito ao reconhecimento de um crédito, entendo que não existe identidade de pedidos, pelo que não estão verificados os pressupostos de verificação da exceção dilatória de caso julgado.”
Os Réus-Apelantes discordam, sustentando que se verificam todos os pressupostos desta exceção, tendo sido violado o disposto no art. 581.º do CPC.
Por seu turno, a Autora-Apelada argumenta, em síntese: ser aplicável o disposto no art. 732.º, n.º 5, do CPC (supomos que se pretendia referir ao n.º 6 deste artigo); a sentença proferida nos embargos reconheceu que os Réus estavam obrigados a comparticipar nas despesas de reconversão, limitando-se a julgar procedentes os embargos por insuficiência do título, não obstando assim a que fosse intentada ação declarativa destinada a obter título bastante para a cumprimento coercivo daquela obrigação.
Apreciando.
Dispõe o art. 619.º do CPC que “(T)ransitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.º.” Ao que acresce o disposto na primeira parte do art. 621.º do CPC: “A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique.”
No seu “Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, Artigos 362.º a 626.º”, 3.ª edição, Almedina, págs. 754-757, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, na anotação a este último artigo, explicam que «A determinação do âmbito objetivo do caso julgado postula a interpretação prévia da sentença, isto é, a determinação exata do seu conteúdo (dos seus “precisos limites e termos”). Releva, nomeadamente, para o efeito, a leitura que a sentença faça sobre o objeto do processo, isto é, sobre os pedidos formulados pelo autor e pelo réu reconvinte: o caso julgado tem a extensão objetiva definida pelo pedido e pela causa de pedir (ver os n.ºs 4 e 5 da anotação ao art. 581), mas não é indiferente a interpretação que o próprio tribunal faça da extensão de um e de outra, de tal modo que, violado, em efetivo contraditório, o art. 608-2 ou o art. 609-1, sem que seja arguida a nulidade da sentença, esta pode constituir caso julgado sobre a própria definição do objeto do processo, ficando este a ser mais amplo, mais reduzido ou diverso do que era na realidade. (…) Questão diversa é a que os tribunais têm decidido, com alguma impropriedade terminológica, quando dizem que o objeto da causa ou do litígio a decidir é constituído, não só pelo objeto da demanda, mas também pelo que emerge da discussão, englobando nomeadamente as exceções deduzidas ou oficiosamente conhecidas, que como tal integrariam o caso julgado, assim não limitado à decisão de procedência ou improcedência (…) o que tais decisões fazem é excluir situações contraditórias com a definida pela sentença (…) ou fazer jogar, com o caso julgado, a definitiva preclusão das exceções invocadas na primeira ação (…), sendo certo, aliás, que tal preclusão abrange igualmente as exceções que o réu não tenha invocado, mas fossem invocáveis. Feito aquele trabalho de interpretação, se se concluir que a decisão se baseou em não estar verificada uma condição, em não estar decorrido um prazo ou em não ter sido praticado determinado facto, a eficácia de caso julgado material (art. 619), circunscrita nesses limites, não impede a propositura de nova ação, visando a obtenção duma decisão diversa da proferida, quando a condenação se verifique, o prazo esteja decorrido ou o facto seja praticado.”
Dos citados preceitos legais resulta, desde logo, que se impõe uma cuidadosa interpretação da sentença invocada, em ordem a percecionar claramente quais os limites e termos do julgamento aí feito, à luz dos artigos 580.º e 581.º do CPC.
Mais decorre que o caso julgado não se resume a uma mera exceção dilatória. Na verdade, a força obrigatória do caso julgado material consagrada na lei desdobra-se numa dupla (ou até tripla, se considerarmos o chamado “efeito preclusivo”, que, nos presentes autos, não cumpre convocar) eficácia:
- Um efeito negativo - pela exceção dilatória, visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda ação;
- Um efeito positivo - a autoridade do caso julgado tem o efeito positivo de impor a primeira decisão, como pressuposto indiscutível da segunda decisão de mérito (verifica-se, em particular, quando o objeto da primeira decisão constitui questão prejudicial da segunda ação).
A este respeito, veja-se, por exemplo, a explicação de Rui Pinto “Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias” Julgar Online, novembro de 2018, págs. 6-7 (indicámos entre parenteses retos as notas de rodapé): “O efeito negativo do caso julgado consiste numa proibição de repetição de nova decisão sobre a mesma pretensão ou questão, por via da exceção dilatória de caso julgado, regulada em especial nos artigos 577.º, al. i), segunda parte, 580.º e 581.º. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo non bis in idem. O efeito positivo ou autoridade do caso lato sensu consiste na vinculação das partes e do tribunal a uma decisão anterior [8 Assim, TEIXEIRA DE SOUSA, O objecto da sentença e o caso julgado material (O estudo sobre a funcionalidade processual), BMJ 325, 159]. Classicamente, corresponde-lhe o brocardo judicata pro veritate habetur. Enquanto o efeito negativo do caso julgado leva a que apenas uma decisão possa ser produzida sobre um mesmo objeto processual, mediante a exclusão de poder jurisdicional para a produção de uma segunda decisão, o efeito positivo admite a produção de decisões de mérito sobre objetos processuais materialmente conexos, na condição da prevalência do sentido decisório da primeira decisão. (…) Explicado de outro modo, enquanto com o efeito negativo um ato processual decisório anterior obsta a um ato processual decisório posterior, com o efeito positivo um ato processual decisório anterior determina (ou pode determinar) o sentido de um ato processual decisório posterior. II. O efeito negativo tem por destinatário os tribunais e apresenta natureza processual. Traduz-se na exceção dilatória de caso julgado. O efeito positivo tem por destinatário as partes e os tribunais e apresenta diversa natureza, em razão do objeto da decisão. Assim, nas decisões que têm por objeto a relação processual o efeito positivo é estritamente processual; já nas decisões sobre o mérito da causa o efeito positivo é material – a sentença é título bastante de efeitos materiais”.
Na jurisprudência, destacamos, a este propósito, o acórdão do STJ de 05-12-2017, proferido na Revista n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt «II - Ao caso julgado material são atribuídas duas funções que, embora distintas, se complementam: uma função positiva (“autoridade do caso julgado”) e uma função negativa (“exceção do caso julgado”). III - A função positiva opera por via de “autoridade de caso julgado”, que pressupõe que a decisão de determinada questão – proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda – não possa voltar a ser discutida. IV - A função negativa opera por via da “exceção dilatória do caso julgado”, pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações – contendo uma delas decisão já transitada em julgado – e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.»
A exceção de caso julgado material encontra consagração legal como exceção dilatória no art. 577.º, al. i) do CPC. Pressupõe a repetição de uma causa em dois processos distintos, sendo seu requisito, conforme dispõe o n.º 1 do art. 580.º do mesmo Código, que o primeiro desses processos tenha findado por decisão que já não admita recurso ordinário, isto é, que tenha transitado em julgado.De referir ainda que, conforme expressamente previsto no n.º 2 do art. 580.º, tal exceção tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, compreendendo-se, pois, que seja de conhecimento oficioso – cf. art. 578.º do CPC. Nas palavras de Alberto dos Reis, “Oposta a excepção de caso julgado e julgada procedente, o juiz absolve o réu do pedido [pois, no anterior Código, na versão então em vigor, era considerada uma exceção perentória], embora não chegue a conhecer do mérito da causa; e absolve-o fundado na força e autoridade do caso julgado constituído pela sentença anterior. Desta sorte, evita-se um novo julgamento de mérito da mesma causa, obsta-se a que o tribunal ou contradiga ou reproduza a decisão contida na primeira instância.” - in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, pág. 92.
Haverá uma repetição de causas (com a consequente absolvição da instância dos demandados na segunda) quando se verifique uma identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (cf. art. 581.º CPC). A exigência desta tríplice identidade fixa os limites subjetivos e objetivos do caso julgado.
No tocante aos limites subjetivos, a identidade dos sujeitos que releva para efeito da exceção de caso julgado é, como dispõe o art. 581.º, n.º 2, do CPC, a identidade jurídica. Assim, o caso julgado forma-se relativamente aos intervenientes no processo (pessoa singular ou coletiva) e ainda quanto aos sucessores na posição jurídica substantiva das partes, os quais, por sucessão mortis causa ou transmissão inter vivos, tenham assumido a posição jurídica de quem era parte no processo (independentemente da substituição se dar no decurso da ação, quer posteriormente à prolação da sentença), e quer se trate da parte vencedora, quer da parte vencida. Neste sentido, veja-se Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, 1985, págs. 722 e seguintes.
Quanto aos limites objetivos, estes traduzem-se na identidade do pedido e da causa de pedir. Para a primeira o que importa é a obtenção pelo autor (ou réu-reconvinte, quanto aos pedidos reconvencionais) do mesmo efeito jurídico que se tentara alcançar com a propositura da primeira ação (dedução de reconvenção), tenha ou não esse objetivo sido alcançado.
A este propósito, veja-se a seguinte passagem do sumário do acórdão do STJ de 05-12-2017, proferido na Revista n.º 1565/15.8T8VFR-A.P1.S1 - 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt: “A identidade de pedido – que integra a tríplice identidade (…) – é avaliada em função da posição das partes quanto à relação material, podendo considerar-se que existe tal identidade sempre que ocorra coincidência na enunciação da forma de tutela jurisdicional – implícita ou explícita – pretendida pelo autor, no conteúdo e objeto do direito a tutelar e nos efeitos jurídicos pretendidos.”
Já a identidade de causas de pedir supõe que os factos em que se fundamenta o direito alegado pelo autor (ou réu-reconvinte) têm de ser os mesmos nas várias ações em causa (cf. art. 581.º, n.º 4, do CPC). De salientar, a este respeito, que, na ação executiva, a causa de pedir não se confunde com o título executivo, como há muito vem sendo pacificamente aceite (neste sentido, veja-se Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva à Luz do Código Revisto”, 2.ª edição, 1997, Coimbra Editora, págs. 64-65, quando, depois de aludir à configuração do título como a causa de pedir na ação executiva, refere “Não constituindo o título executivo um acto ou facto jurídico, esta construção não se harmoniza com o conceito de causa de pedir”.
Haverá, pois, que conjugar a decisão do tribunal relativamente à pretensão do autor ou do réu reconvinte, concretizada no pedido ou na reconvenção, e delimitada em função da respetiva causa de pedir. Para Antunes Varela, obra citada, pág. 712, “a ordem pela qual, compreensivelmente, a lei enumera as três identidades caracterizadoras do caso julgado (a identidade do pedido antes da identidade da causa de pedir) mostra que é sobre a pretensão do autor, à luz do facto invocado como seu fundamento, que se forma o caso julgado”.
Situações há em que, não obstante esta tríplice identidade não ocorra, designadamente por não existir uma coincidência de pedidos, se impõe a autoridade ou efeito positivo do caso julgado, na medida em que a decisão da causa tem como pressuposto o julgamento feito numa anterior ação sobre determinada questão concreta. Assim, como se explica no acórdão da Relação de Évora de 06-04-2017, proferido no processo n.º 5416/16.8T8STB-B.E1, disponível em www.dgsi.pt: “I. A excepção de caso julgado destina-se a evitar uma nova decisão inútil, o que implica uma não decisão sobre a nova acção, pressupondo a tríplice identidade de sujeitos, objecto e pedido. II. A autoridade de caso julgado importa a aceitação de uma decisão proferida em acção anterior, que se insere, quanto ao seu objecto, no objecto da segunda, visando obstar a que a relação ou situação jurídica material definida por uma sentença possa ser validamente definida de modo diverso por outra sentença, não sendo exigível a coexistência da identidade de sujeitos, de pedido e da causa de pedir, prevista no artigo 581º do Código de Processo Civil.”
Vem sendo discutida a problemática da extensão do caso julgado material, ou seja, se abrange apenas a decisão final ou também os respetivos fundamentos, incluindo o raciocínio lógico que conduziu à mesma. Neste último sentido, encontra-se, a título exemplificativo, o acórdão da Relação de Lisboa de 15-03-2011, no processo n.º 956/10.5TVLSB-B.L1-7, disponível em www.dgsi.pt, em que se considerou que o caso julgado abrange a parte decisória da sentença ou despacho, bem como os fundamentos de facto e de direito pressupostos da parte dispositiva, funcionando como exceção dilatória, quando os objetos de ambos os processos coincidem integralmente, ou como autoridade, quando existe uma relação de dependência ou prejudicialidade entre os dois.
Parece-nos, contudo, que uma coisa é certa: não é possível retirar apenas da fundamentação (de facto e/ou de direito) de uma sentença um qualquer efeito negativo ou positivo, pois o caso julgado só se verifica em relação a questões suscitadas e apreciadas numa ação e que devam considerar-se abrangidas, ainda que de forma não expressa, nos precisos limites e termos em que julga. Daí que, como se decidiu no acórdão do STJ de 07-03-2017, proferido na Revista n.º 740/10.6TBPRG.G1.S1 - 2.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt: “I - Em tese geral, o caso julgado forma-se sobre a decisão proferida na acção e não sobre os fundamentos de facto da decisão. II - Os fundamentos de facto, isto é, as decisões proferidas sobre as concretas questões de facto colocadas numa acção não valem por si mesmas, não são vinculativas quando desligadas da respectiva decisão; valem apenas enquanto fundamentos dessa decisão e em conjunto com ela. III - Se a decisão proferida numa acção não constitui caso julgado impeditivo da decisão de outra, a eventual contradição entre factos provados (e não provados) numa e noutra será irrelevante e, como tal, nunca legitimará a anulação do julgamento posterior para eliminação dessa incompatibilidade factual constatada entre processos diferentes.”
E também no acórdão do STJ de 14-03-2017, na Revista n.º 3154/15.8T8PRT.S1- 1.ª Secção, sumário disponível em www.stj.pt: “I - A exceção dilatória do caso julgado «destina-se a impedir uma nova decisão inútil, com ofensa do princípio da economia processual», pressupondo a sua verificação o confronto de duas ações (contendo uma delas decisão já transitada) e uma tríplice identidade entre ambas: coincidência de sujeitos, de pedido e de causa de pedir. II - A autoridade de caso julgado «tem por finalidade evitar que a relação jurídica material, já definida por uma decisão com trânsito, possa vir a ser apreciada diferentemente por outra decisão, com ofensa da segurança jurídica», pressupondo a vinculação de um tribunal de uma ação posterior ao decidido numa ação anterior, ou seja, que a decisão de determinada questão (proferida em ação anterior e que se inscreve, quanto ao seu objeto, no objeto da segunda) não possa voltar a ser discutida. III - Não ocorre exceção de caso julgado se não há identidade entre os pedidos formulados nas duas ações, sendo distinto o pedido de nulidade do contrato com a consequente restituição das prestações realizadas em execução do mesmo do pedido de reparação de dano em sede de responsabilidade civil. IV - Não se verifica a autoridade do caso julgado se na primeira ação não se mostra decidida qualquer questão que possa modificar ou desaparecer o fundamento da segunda: naquela, o direito a indemnização por eventuais danos sofridos tem por base a nulidade dos contratos; nesta, esse direito de indemnização é fundamentado em responsabilidade civil contratual, pressupondo a validade dos mesmos.”
Importa ainda, antes de finalizarmos estas considerações genéricas, lembrar que a formação de caso julgado material no âmbito dos embargos de executado foi objeto de controvérsia à qual o legislador do Código de Processo Civil de 2013 procurou dar resposta, ficando expressamente previsto no n.º 6 do art. 732.º desse Código que, para além dos efeitos sobre a instância executiva (no caso de procedência dos embargos, extinção da execução no todo ou em parte), a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Foi assim acolhida a posição defendida por Lebre de Freitas na sua vasta obra, em particular na acima referida, conforme se retira da seguinte explicação (acrescentámos entre parenteses retos algumas notas de rodapé): “Constituindo os embargos de executado uma acção declarativa, a decisão neles proferida será dotada dos atributos do caso julgado material [56 A questão é independente da da formação de caso julgado na própria acção executiva e assume sobretudo relevo quando a esta é dada uma resposta negativa]? A questão é controvertida. Na falta duma disposição expressa como a da lei espanhola, a doutrina divide-se entre aqueles que circunscrevem ao processo executivo, baseado num título executivo determinado, a eficácia do caso julgado formado na acção de oposição e os que atribuem à decisão da oposição de mérito eficácia de caso julgado material. A segunda posição surge como consequência natural da autonomia do meio de oposição para quem leve essa autonomia ao ponto de nele admitir a reconvenção. Mas, embora estruturalmente autónomo, o processo de embargos de executado está ligado funcionalmente ao processo executivo e o acertamento que nele se faz, seja um acertamento de mérito, seja um acertamento sobre pressupostos processuais da acção executiva, serve as finalidades desta. (…) Mesmo quando o objecto dos embargos é uma pretensão de acertamento da inexistência do direito exequendo, este acertamento subordinar-se-ia aos fins da execução, com a consequência, quando os embargos são procedentes, de destruir a eficácia do título que contém o acertamento positivo do direito. (…) Mas, em direito, a pura lógica deve ceder à consideração dos interesses em jogo, quando estes imponham uma solução diversa da daquela. Ao estatuir que a oposição o executado dê lugar a uma acção declarativa que, a partir dos articulados, siga a forma de processo ordinário, a nossa lei processual estabeleceu para os embargos de executado uma forma quase tão solene como a do processo ordinário [66 A diferença mais relevante (a inadmissibilidade da réplica) justifica-se com a inadmissibilidade de reconvenção e de alteração ou ampliação do pedido numa acção funcionalmente subordinada à acção executiva. Mas a resposta às excepções porventura deduzidas na contestação é também nela admitida, por imposição o princípio do contraditório (…)]. Uma vez que o princípio do contraditório nela é plenamente assegurado, não se justificaria admitir posteriormente outra acção com a mesma causa de pedir em que se pudesse voltar a pôr em causa a existência da obrigação exequenda. Assim, no caso de oposição de mérito, a procedência dos embargos não se limita a ilidir a presunção estabelecida a partir do título e, embora sempre nos limites objectivos definidos pelo pedido executivo, goza de eficácia extraprocessual nos termos gerais, como definidora da situação jurídica de direito substantivo reinante entre as partes (no caso, por exemplo, do pagamento de dívida constante do título, a sentença não declara tanto que a execução não é já possível com base nesse título como que a obrigação exequenda está extinta pelo facto do pagamento, só indirectamente [67 Não se trata, pois de atribuir aos fundamento da sentença de embargos a força de caso julgado que, no nosso direito, os fundamentos não têm (…): a apreciação da subsistência do direito exequendo é o próprio objecto dos embargos; a eliminação da eficácia executivo do título é uma sua consequência] daí resultando a ineficácia do título. A sentença proferida sobre uma oposição de mérito é assim dotada da força geral do caso julgado, sem prejuízo de, quando for de improcedência, os seus efeitos se circunscreverem, nos termos gerais, pela causa de pedir invocada (negação dum fundamento da pretensão executiva ou excepção peremptória contra ela), não impedindo nova acção de apreciação baseada em outra causa de pedir.” (obra citada, págs. 159-163).
De tudo o exposto decorre a necessidade de um olhar atento para a fundamentação da sentença proferida na oposição à execução ora invocada em ordem a determinar, além do mais, se conheceu das questões da existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.
Importa, pois, que nos detenhamos com atenção sobre o conteúdo dessa sentença.
Pela análise da cópia da sentença junta com a Petição Inicial (cujo teor se dá por reproduzido) e da certidão junta com o requerimento dos Réus de 31-01-2020 verificamos designadamente que:
1. Mediante requerimento executivo apresentado no processo n.º 4916/12.3TCLRS-A da Seção de Execução de Loures, Juiz 2, do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte, veio a ora Autora, ali exequente, exigir dos ora Réus, ali executados, o pagamento de uma dívida no valor de 41.789,21 €, aqui já se contendo juros vencidos, a título de comparticipação destes últimos, na qualidade de proprietários/possuidores de lotes/construções, nos custos de urbanização da Área Urbana de Génese Ilegal Bairro da …, através de título executivo consubstanciado na ata n.º 1 relativa à deliberação da assembleia geral de comproprietários da AUGI do Bairro da … realizada a 14-03-1999, bem como na ata n.º 6 relativa à deliberação da assembleia geral de comproprietários da mesma AUGI do Bairro da … realizada a 19-11-2006.
2. Os ora Réus deduziram, por apenso (A), oposição mediante embargos, pedindo que fosse extinta a execução, alegando, para tanto e em síntese, que: o título executivo oferecido (as duas atas) é inexequível, dada a ineficácia do mesmo, não constituindo tais atas título executivo; não é por ratificação que se repristina a executoriedade das decisões tomadas nas deliberações contidas na ata n.º 1, sendo que as atas das assembleias de comproprietários das AUGI só passaram a constituir título executivo com a entrada em vigor da Lei n.º 64/2003 que alterou o n.º 5 do art. 10.º da Lei n.º 91/95, de 02-09; verifica-se a ilegitimidade passiva dos embargantes (questão julgada improcedente em sede de audiência prévia); os prédios em descritos sob o n.º 3311 de Odivelas e 1427 da Pontinha e 2482 da Pontinha não constam da ata n.º 1 como tendo sido incluídos e integrados no perímetro da AUGI do Bairro da …, como também não constava do alvará de loteamento qualquer referência aos lotes 94 e 176; pagaram os custos de legalização do Lote 74 e não fazendo parte da assembleia constitutiva da AUGI também não ficaram vinculados às comparticipações; o facto de a exequente ter considerado o prédio descrito sob o n.º 2482, apenas como sustentado em contrato promessa não lhe confere o direito de demandar os embargantes; não sendo devidas as comparticipações, não serão devidos juros, os quais, a serem devidos, apenas seriam os reportados aos anos de 2009 a 2014 atento o disposto no art. 310.º, al. g), do CC; o advogado mandatário da exequente não pode certificar ele próprio os documentos destinados a fazer prova no processo.
3. Em 27-05-2016, foi, no apenso A, proferida sentença, transitada em julgado em 10-07-2016, cujo segmento decisório tem o seguinte teor: “Em face de tudo quanto se deixou exposto, o tribunal julga os presentes embargos procedentes por provados e, consequentemente, absolvo os Executados Fernando… e Maria José…do pedido executivo contra si formulado e, consequentemente, determino a extinção da instância executiva. Custas a cargo da Exequente.”
4. Na fundamentação dessa sentença consta designadamente o seguinte (sublinhado nosso):
- Quanto à questão da nulidade da deliberação que aprovou as comparticipações por falta de convocação dos Executados para a Assembleia Geral e consequente omissão de comunicação da mesma deliberação: “A eventual preterição de tais formalidades susceptíveis de pôr em causa a validade da deliberação da assembleia de proprietários ou comproprietários da Augi em causa nos presentes autos é matéria que deveria ter sido invocada em sede da respectiva impugnação da deliberação, razão pela qual o Tribunal considera não poder da mesma conhecer”;
- Relativamente à questão da “nulidade do título executivo com fundamento em vício na certificação da acta por pessoa com interesse indirecto na causa”, improcederem os embargos nesse particular;
- No tocante à questão da “validade do acto de ratificação constante do ponto 3. da ordem dos trabalhos da Assembleia realizada em 19.11.2006”, com vista a pôr em causa a exequibilidade do título oferecido, “resulta à evidência que em sede da assembleia geral de comproprietários da AUGI do bairro da …. (Acta N.º 6) realizada a 19 de Novembro de 2006, se pretendeu recuperar deliberações anteriormente tomadas, uma em sede da assembleia geral de comproprietários da AUGI do Bairro da … realizada a 14.03.1999. Acontece que de só a partir da redacção do nº 5 do artigo 10.º da Lei 91/95, republicada em anexo à Lei nº 64/2003, de 23 de Agosto, as actas das deliberações da assembleia de proprietários que determinem o pagamento de comparticipações nas despesas de reconversão constituem títulos executivos. Daí a necessidade dos comproprietários da AUGI do Bairro da … fazerem ratificar deliberações anteriores que se reportariam a tais comparticipações. Acontece que resulta da Lei n.º 91/95 que só após a aprovação do instrumento de reconversão (operação de loteamento ou de urbanização) é que se pode exigir aos comproprietários o pagamento da sua comparticipação nas despesas de reconversão para execução dessas obras (só assim não será relativamente às despesas de funcionamento da comissão administrativa, para execução dos projectos e acompanhamento técnico do processo). Efectivamente, se atentarmos no teor da acta da assembleia geral dos comproprietários da AUGI do Bairro da … realizada a 14.03.1999 (Acta N.º 1), que votou o valor de comparticipação a pagar por cada comproprietário, designadamente, 10.000$00 por lote de r/chão e primeiro andar cada 1 fogo, acrescidos de 5.000$00 por cada fogo, bem como uma taxa de agravamento para os pagamentos efectuados fora dos prazos previstos, ou seja, uma taxa de agravamento de 1% ao mês. Na mesma acta se faz alusão a outra assembleia designada para o dia 25, da qual não há notícia nos autos. De acordo com a acta nº6 que ratificou o teor da acta nº1chega-se à conclusão que as comparticipações fixadas se destinavam ao processo de reconversão. Com efeito, dispõe o art. 3.º, n.º 2, da Lei n.º 91/95 que o dever de reconversão inclui o dever de conformar os prédios que integram a AUGI com o alvará de loteamento ou com o plano de pormenor de reconversão. Ora, compete à assembleia de proprietários e comproprietários aprovar o projecto de reconversão a apresentar à câmara municipal, na modalidade de pedido de loteamento (art. 10.º, n.º 1, al. c). De igual modo, deriva do estabelecido no art. 18.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 91/95, que só após a aprovação do loteamento (e não com o pedido de loteamento) é apresentado na câmara municipal o orçamento das obras de urbanização previstas e o mapa contendo o valor absoluto e a quota de comparticipação de cada lote nos custos de execução das obras e da caução legal, nos termos do n.º 3 do artigo 26º. Assim, quando no art. 15.º, n.º 1 al. c) da referida lei se alude às despesas com a execução das obras de urbanização, estas só podem ser aquelas que foram alvo dos projectos (vide art. 15º, n.º 1, al. c)) aprovados. Deste modo, ainda que a assembleia de proprietários ou comproprietários delibere a aprovação das despesas de reconversão para execução das obras de urbanização, no pressuposto do seu posterior licenciamento camarário, não pode ser exigido judicialmente o seu pagamento aos comproprietários antes daquela aprovação. Assim sendo, considerando que a reconversão da ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL (AUGI) do Bairro da … foi formalizada mediante o alvará de loteamento nº 3/2006/DRU-AUGI de 19 de Setembro de 2006, emitido pela Câmara Municipal de Odivelas, apenas a partir de tal data poderiam ser exigidas as comparticipações para as despesas de reconversão. Pelas razões expostas, resulta à evidência de que não poderão ser considerados exequíveis os valores referidos na acta referente à assembleia geral de comproprietários da AUGI do Bairro da … (Acta N.º 6) realizada a 19 de Novembro de 2006, com efeitos anteriores à mesma, como pretende a Exequente. Efectivamente, a exequibilidade da acta e respectivas deliberações terá de ser aferida como se as mesmas tivessem sido tomadas em sede da assembleia geral de comproprietários da AUGI realizada a 19 de Novembro de 2006, caso contrário estar-se-ia a conferir eficácia retroactiva à Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto, que na redacção conferida ao nº 5 do artigo 10.º da Lei 91/95, de 2/9 conferiu às actas das deliberações da assembleia de proprietários que determinem o pagamento de comparticipações nas despesas de reconversão eficácia executiva. O art. 817.º do CC enuncia que “não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor, nos termos declarados neste código e nas leis de processo”. O que justifica a execução seria o incumprimento, afinal: a execução do património do devedor, enquanto realização judicial da função de garantia geral das obrigações nos termos do art. 601.º do CC, tem como condição aparente o incumprimento da obrigação. A determinação do objecto da obrigação pode ser qualitativa, como a certeza da obrigação exequenda, ou quantitativa, como a liquidez da obrigação. As obrigações genéricas de escolha (art. 539.º e ss. do CC) e as obrigações alternativas (cfr. arts. 543.º ss. CC) são as categorias típicas de obrigações em que se verifica a indeterminação qualitativa. Já nas obrigações genéricas de quantidade a indeterminação não respeita à qualidade mas quanto ao exemplar ou espécime concreto. A liquidez da obrigação prende-se com o acertamento da mesma, cujo objecto não esteja quantificado em face do título, sendo um dos pressupostos da execução. Como tal, deve ter lugar preliminarmente à execução propriamente dita, uma operação de quantificação da obrigação – a liquidação – dentro dos limites que lhe são fixados pelo título executivo – neste sentido vide Rui Pinto in Manual de Execução e Despejo, Coimbra Editora, fls. 225 e segs. Vejamos, então, se à luz dos conceitos acima referido, a obrigação relativa às despesas com a execução de obras de urbanização é exequível. Com efeito, no que se refere à deliberação da assembleia geral de comproprietários da AUGI do Bairro da… realizada a 14.03.1999 (Acta N.º 1), acima referida, não tendo ainda sido aprovado o projecto de urbanização, desconhecia-se à data a área do loteamento e do lote que irá ser atribuído aos executados, bem como a respectiva área de construção, elementos esses que irão constar do respectivo alvará (vide art. 77.º do Dec. Lei n.º 555/99, de 16/12), sendo esses elementos essenciais para cálculo do valor da comparticipação. Por outro lado, tal como alegam os Executados/Embargantes, não consta das deliberações constantes da acta referente à assembleia geral de comproprietários da AUGI do Bairro da … (Acta N.º 6) realizada a 19 de Novembro de 2006, qualquer fórmula/mapa de cálculo da comparticipação nas despesas aprovadas de modo a determinar a prestação a cargo dos Executados, pois que na mesma não se indica a data prevista ou considerada pela assembleia para a aprovação das contas finais e para o início e conclusão das obras, o valor previsível das mesmas, etc. Por sua vez, tendo a reconversão da ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL (AUGI) do Bairro da …. sido formalizada mediante o alvará de loteamento nº 3/2006/DRU-AUGI de 19 de Setembro de 2006, emitido pela Câmara Municipal de Odivelas. Deste modo, há que considerar que o título oferecido à execução não fornece todos os elementos necessários para a determinação da quantia exequenda (despesas de reconversão a cargo dos executados), sendo por isso inexequível. Consequentemente, os presentes Embargos de Executado deverão ser considerados procedentes e extinta a execução, ficando prejudicada a apreciação das demais questões, nomeadamente a questão atinente aos juros de mora” (sublinhado nosso).
Aqui chegados, desde já podemos constatar que a procedência dos aludidos embargos não se fundou na inexistência da obrigação exequenda. Se fosse esse o caso, por certo não poderia a Autora peticionar o seu cumprimento na presente ação, sob pena ofensa do caso julgado: estaria a ser repetida a causa, contra os mesmos demandados e com a mesma causa de pedir, já que na génese daquela obrigação exequenda estão, essencialmente, os mesmos factos constitutivos em que ora se funda a pretensão da Autora.
Tendo presente o conteúdo da sentença proferida nos embargos (e num esforço interpretativo da mesma) e as considerações acima expendidas sobre a exceção e autoridade do caso julgado, estamos já em condições de adiantar que não assiste razão ao Apelante quando pugna pela verificação dos pressupostos daquela exceção.
Com efeito, não obstante a identidade de sujeitos processuais e até a circunstância de ter sido pedido na ação executiva o pagamento coercivo da mesma importância ora peticionada, com fundamento fáctico quase inteiramente coincidente (causa de pedir), não se pode olvidar que na referida sentença de embargos o tribunal julgou que a obrigação exequenda, não só existia, como era certa, e não ser exigível antes de 19-11-2006, considerando-a ilíquida (indeterminada no plano quantitativo), bem como não ser possível nesse processo executivo, perante o título dado à execução e os factos então provados, a sua liquidação/quantificação, pelo que concluiu pela inexequibilidade do título.
Por outras palavras, na sentença dos embargos considerou-se que antes do alvará do loteamento a obrigação não era exigível, apenas vindo a ser exigível com a subsequente assembleia (realizada em 19-11-2006). Ademais, entendeu-se que faltava a fórmula ou mapa de cálculo da comparticipação nas despesas aprovadas de modo a determinar a prestação a cargo dos Executados, pelo que a obrigação não era líquida e não podia (ainda, em sede executiva) ser quantificada.
Estamos, assim, perante uma decisão que convoca a aplicação do disposto no art. 621.º do CPC, na medida em que, após a prolação dessa sentença, se veio a verificar o facto atinente à aprovação (e publicação) do mapa integral das comparticipações (em anexo à Ata n.º 10 e da qual faz parte integrante), cuja falta tinha fundamentado a decisão de procedência dos embargos.
Logo, o caso julgado material formado por tal decisão não obsta a que numa ação declarativa, com alegação de factos novos (que são objetivamente supervenientes à sentença), se procure obter a condenação dos Réus no pagamento da obrigação pecuniária que, entretanto, além de exigível, se tenha tornado líquida.
No entanto, podemos adiantar que, na presente ação, não poderá ser feita tábua rasa da apreciação feita naquela sentença a respeito da existência e exigibilidade da obrigação em apreço, sob pena de ofensa da autoridade do caso julgado material.
Destarte, não se verifica a exceção dilatória de caso julgado, concordando-se com a apreciação feita a este respeito no despacho saneador, pelo que improcedem, neste particular, as conclusões da alegação de recurso.
2.ª questão – Da impugnação da decisão da matéria de facto
Na sua alegação recursória, mais precisamente nos pontos 12 e 13 da motivação, os Apelantes insurgem-se contra a decisão da matéria de facto, afirmando que o fazem “pela circunstância de a Mmª juiz recorrida ter dado como não provado que os RR. já tivessem pago à Câmara Municipal de Odivelas, relativamente aos lotes 94 e 176 taxas municipais de urbanização nos montantes de 13.715€ e 16677,43€ respectivamente. O que fizeram em prestações trimestrais a partir de 8 de Setembro de 2013”. Tal discordância mereceu, na parte dedicada às conclusões, uma singela referência, na conclusão 3.ª, cujo teor é, recorda-se, o seguinte “A douta sentença recorrida enferma ainda de violação de lei e, no caso, de violação do disposto nos arts. 423º, nº1, do C.P. Civil e artº 364º do C. Civil, ao colocar em causa o valor probatório de 2 documentos, emitidos pela Câmara Municipal de Odivelas. Com efeito, tais documentos não foram impugnados pela A. nem foi arguida a genuinidade e autenticidade dos mesmos”.
A Apelada, na sua alegação de resposta, limita-se a defender, a este propósito, que “Independentemente da prova ou não de haver pagamentos à CM Odivelas por parte dos RR quanto à reconversão do Bairro da …, tais valores são exteriores aos aqui reclamados na acção. Tratam-se de taxas urbanísticas que não cabe à A. assegurar e que acrescem aos valores aqui reclamados.”
Vejamos.
Conforme previsto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Dispõe o artigo 640.º do CPC, sobre o ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, que: “1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”
É conhecida a divergência jurisprudencial que existiu a respeito da aplicação deste normativo e da sua conjugação com o disposto no n.º 1 do art. 639.º do CPC, atinente ao ónus de alegar e formular conclusões, vindo o STJ a firmar jurisprudência no sentido do “conteúdo minimalista” das conclusões da alegação, conforme espelhado no acórdão do STJ de 06-12-2016 - Revista n.º 2373/11.0TBFAR.E1.S1 - 1.ª Secção, sumário citado na compilação de acórdãos do STJ, “Ónus de Impugnação da Matéria de Facto, Jurisprudência do STJ”, disponível em www.stj.pt, bem como o acórdão do STJ de 01-10-2015, no processo n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
Nesta linha, conclui-se resultar da conjugação do disposto nos artigos 635.º, 639.º e 640.º do CPC que o ónus principal a cargo do recorrente exige que, pelo menos, sejam indicados nas conclusões da alegação do recurso, com precisão, os concretos pontos de facto da sentença que são objeto de impugnação, sem o que não é possível ao tribunal de recurso sindicar eventuais erros no julgamento da matéria de facto.
Sempre sem perder de vista que, na decisão da matéria de facto, o Tribunal apenas pode considerar os factos essenciais que integram a causa de pedir (ou as exceções) alegados pelas partes, bem como os factos instrumentais, complementares ou concretizadores que resultem da instrução da causa, e os factos de que tem conhecimento por via do exercício das suas funções (art. 5.º do CPC), estando-lhe vedado, por força do princípio da limitação dos atos consagrado no art. 130.º do CPC, conhecer de matéria que, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, se mostra irrelevante para a decisão de mérito. São manifestações do princípio dispositivo e do princípio da economia processual que se impõem ao juiz da 1.ª instância aquando da seleção da matéria de facto provada/não provada na sentença, mas também na 2.ª instância, no tocante à apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Assim, conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 27-11-2018, proferido no processo n.º 1660/14.0T8OER-E.L1, a jurisprudência dos Tribunais superiores vem reconhecendo que “a reapreciação da matéria de facto não constitui um fim em si mesma, mas um meio para atingir um determinado objetivo, que é a alteração da decisão da causa, pelo que sempre que se conclua que a reapreciação pretendida é inútil – seja porque a decisão sobre matéria de facto proferida pela primeira instância já permite sustentar a interpretação do direito aplicável ao caso nos termos sustentados pelo recorrente, seja porque ainda que proceda a impugnação da matéria de facto, nos termos requeridos, a decisão da causa não deixará de ser a mesma – a reapreciação sobre matéria de facto não deve ter lugar, por constituir um ato absolutamente inútil, contrariando os princípios da celeridade e da economia processuais (arts. 2.º, n.º 1, 137.º, e 138.º do CPC).” Neste sentido, além dos acórdãos aí citados - acórdãos da Relação de Guimarães de 10-09-2015, no proc. 639/13.4TTBRG.G1, e 11-07-2017, no proc. n.º 5527/16.0T8GMR.G1, da Relação do Porto de 01-06-2017, no proc. n.º 35/16.1T8AMT-A.P1, e do STJ de 13-07-2017, no proc. 442/15.7T8PVZ.P1.S1) -, destacamos ainda os acórdãos (todos disponíveis em www.dgsi.pt, embora com omissão de algumas passagens):
- da Relação do Porto de 07-05-2012, no proc. n.º 2317/09.0TBVLG.P1: “É um acto manifestamente inútil analisar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se os factos impugnados não tiverem qualquer relevância para a decisão da causa.”
- da Relação de Coimbra de 12-06- 2012, no proc. 4541/08.3TBLRA.C1, conforme resulta do ponto II do respetivo sumário: “Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”
- do STJ de 17-05-2017, no proc. n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1: “III - O princípio da limitação dos actos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os actos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de actos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. IV - Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projecte na decisão de mérito a proferir.”
- da Relação de Lisboa de 24-09-2020, no proc. n.º 35708/19.8YIPRT.L1, em cujo coletivo também intervieram as ora Relatora e 1.ª Adjunta.
Ora, como vimos, os Apelantes não especificaram nas conclusões da sua alegação recursória, nenhum concreto ponto que, na sua perspetiva, esteja incorretamente julgado, nem, aliás, a decisão que, no seu entender, devesse ser proferida sobre uma (concreta) questão de facto impugnada. Daí que se imponha rejeitar tal impugnação da decisão da matéria de facto.
Sempre se dirá, todavia, que se, por mera hipótese, se adotasse uma posição ainda mais benevolente a respeito da interpretação do art. 640.º, n.º 1, do CPC, nem assim se justificaria modificar a decisão da matéria de facto no sentido que os Apelantes parecem ter em vista, já que o eventual erro de julgamento se cingiria à matéria vertida em b) dos factos não provados, a qual se nos afigura, como defende a Apelada, irrelevante para a decisão da causa, pelo que seria inútil a pretendida reapreciação da prova (documental).
Pelo exposto, rejeita-se a impugnação da decisão da matéria de facto.
3.ª questão – Da certeza e exigibilidade da obrigação
Na sentença recorrida, sobre esta questão foram tecidas abundantes considerações, designadamente nos seguintes termos: “Ora, resulta do exposto que as comparticipações devidas pelos comproprietários da AUGI do Bairro da … foram definidas, discutidas e aprovadas em Assembleia, nomeadamente as realizadas em 1999, em 2006 e 2017 Acresce que, a forma de cálculo das comparticipações (fórmula de cálculo aplicável para comparticipação de cada um dos comproprietários no processo de reconversão tem por base os lotes a aprovar no licenciamento camarário) encontra-se definido nos Regulamentos de 1992 e 1993 e, bem assim, posteriormente, do Mapa de Comparticipações anexo à Assembleia de 2017, documentos estes que estiveram disponíveis para consulta e que foram publicados. Por outro lado, os RR. não impugnaram as deliberações tomadas em Assembleia, devidamente publicitadas, facto que faz presumir que apesar de saberem ser devedores das comparticipações pelo processo de reversão da AUGI do Bairro da … não adoptaram qualquer conduta que pudesse levar a crer que não concordavam com os mesmos. Na verdade, só com a instauração da acção executiva e, posteriormente, com a presente acção, é que os RR. negam a sua responsabilidade do pagamento dos mesmos, impugnando a certeza e liquidez dessas obrigações. Sem prejuízo do acima referido, entendem igualmente os RR. que apenas depois de aprovado o instrumento de reconversão (operação de loteamento) poderão ser cobradas quotizações/comparticipações nas despesas de reconversão. Entendemos que esta argumentação não tem qualquer sustentação na letra ou no espírito legal (discordando-se, assim, do parecer apresentado em juízo). Na esteira daquilo que acima se mencionou, não subsistem dúvidas que as parcelas de terreno aqui em causa estão integradas na AUGI do Bairro da ….. É igualmente pacifico que não foi ainda aprovado qualquer plano de reconversão urbanístico. Mas considerar que até ao momento em que o Município de Odivelas aprove a operação de loteamento ou de urbanização, a AUGI não tem qualquer competência na aprovação de quotizações, será admitir que o legislador consagrou uma solução que, pelo menos nesta fase, é perfeitamente inócua, ou seja, que neste momento não tem qualquer utilidade ou efeito prático. Ora, desde logo o legislador impôs o dever de os proprietários/comproprietários diligenciarem pela pronta reconversão urbanística e legalização das construções integradas na AUGI artigo 3.º da Lei n.º 91/95. Para alcançar este objectivo, a reconversão deverá seguir uma das seguintes vias: como operação de loteamento de iniciativa dos proprietários ou comproprietários; como operação de loteamento ou mediante plano de pormenor da iniciativa do respectivo município. No caso dos autos, optou-se pela operação de loteamento de iniciativa dos comproprietários. Como é sabido, esta opção apresenta um encargo maior para os proprietários/ comproprietários, uma vez que cabe-lhes a definição do desenho do projecto urbano, e consequentemente, a definição dos encargos e compromissos a ele associados (que terão igualmente de ser suportados pelos comproprietários). Bastará verificar os elementos que a Lei n.º 91/95 impõe nos artigos 17.º-A e 18.º, para concluir pela necessidade de cobrar comparticipações e estar em pleno exercício de funções. E para que seja possível desenvolver os projectos urbanos é necessário que os órgãos da AUGI tenham atribuições, que as possam exercer e que funcionem efectivamente; é igualmente fulcral que os comproprietários comparticipem nas despesas de modo a que o processo de reconversão venha a ser uma realidade. Mais se diga que é premente que os órgãos quotas de comparticipação aos proprietários, uma vez que são indispensáveis para a conclusão dos trabalhos e realização dos estudos necessários à aprovação da operação de loteamento. Bastará analisar a prova produzida, com conhecimento privilegiado destes factos) que a relação estabelecida entre a edilidade e a AUGI é dinâmica (não se aguarda serenamente a conclusão de todos os estudos): são promovidas e executadas até à aprovação da operação de loteamento/urbanização obras ao nível das infra-estruturas do Bairro (requalificação de espaços públicos, circulação pedonal, rodovias, parque infantil, estacionamento, rede de esgotos, instalações no sub-solo). Todas elas resultam em benefício da comunidade e que serão aproveitadas no futuro. E para a realização daqueles trabalhos será necessária a contribuição monetária da AUGI (como igualmente referiram as mencionadas testemunhas e está documentado nos autos). Recorde-se que estamos perante bairros de génese ilegal, pelo que o Município apenas assumirá esse espaço no momento em que as obras de requalificação (plano de loteamento/urbanização) forem executadas e formalmente recebidas. Até esse momento, o Município “limita-se” a gerir e a acompanhar o desenvolvimento de obras a realizar (por se enquadrarem em trabalhos necessários e urgentes). Por conseguinte, esta relação apenas será útil e profícua caso os proprietários/comproprietários contribuam monetariamente através da fixação de quotizações que permitam fazer face a essas obras. Em suma, entendemos que a interpretação da Lei n.º 91/95 proposta pelos RR. não tem qualquer correspondência na lei, sendo mesmo uma solução incompatível com a própria dinâmica inerente ao seu espírito, que prevê uma actividade proactiva dos comproprietários, uma vez que são eles os primeiros interessados na legalização desses bairros. A isto nada obsta a que a reconversão esteja de alguma forma dependente da aprovação de instrumentos de gestão do território. Todavia, estamos perante procedimentos paralelos e complementares, sem que tal implique a paralisação completa da actividade da AUGI. Pelo contrário, a complexidade das atribuições que lhe estão confiadas impõem que actue de forma diligente para no momento próprio adequar o projecto de reconvenção (artigo 18.º) às exigências urbanísticas, e desde o momento em que se optou por uma das modalidade do processo de reconversão urbanística (tal como sucedeu). Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8.02.2018, proc. n.º 15101/15.2T8LRS-A (…). Em suma, de acordo com as sucessivas deliberações aprovadas, os Lotes 94 e 176 são devedores à administração conjunta das comparticipações calculadas de acordo com os critérios estabelecidos e acima referidos, acrescidas de juros em compensação pelo atraso no seu pagamento, calculados, quanto à comparticipação para as obras de infraestruturas, a partir de 1 de Março de 1994 e, para as restantes despesas de legalização, a partir de 1 de Maio de 2001. A saber: O valor em dívida do Lote 94 à data de 30 de Agosto de 2019 fixava-16.922,11 (dezasseis mil novecentos e vinte e dois euro e onze cêntimos), acrescidos do valor dos juros calculados à taxa legal sobre a comparticipação bruta de € 7.531,85 € a partir daquela data; O valor em dívida do Lote 176 á data de 30 de Agosto de 2019 em € 29.022,12 (vinte e nove mil e vinte e dois euro e doze cêntimos), acrescidos dos juros calculados à taxa legal sobre a comparticipação bruta de € 12.644,52 € a partir daquela data.”
Os Apelantes discordam deste entendimento, argumentando, em síntese, que: a dívida reclamada não é exigível porquanto não pode ter-se como certa; não se vislumbra a que título são tais contribuições devidas; quando no art. 15.º n.º 1, al. c), da Lei n.º 91/95 se alude às despesas com a execução das obras de urbanização, estas só podem ser aquelas que foram alvo dos projetos aprovados; ainda que a assembleia de comproprietários delibere a aprovação das despesas de reconversão para execução das obras de urbanização, no pressuposto de seu posterior licenciamento camarário, não pode ser exigido judicialmente o seu pagamento aos comproprietários antes daquela aprovação.
A Apelada contrapõe, em suma, que: é aplicável o art. 16.º-C da LAUGI; não faz nenhum sentido determinar que as comparticipações para as obras de urbanização só sejam exigíveis após a emissão do alvará de loteamento;
Vejamos.
O art. 3.º, n.º 4, da Lei n.º 91/95, de 02-09 (com sucessivas alterações, a última das quais introduzida pela Lei n.º 70/2015, de 16-07), que estabelece o regime excecional para a reconversão urbanística das AUGI, dispõe que “São responsáveis pelos encargos com a operação de reconversão os titulares dos prédios abrangidos pela AUGI, sem prejuízo do disposto no número seguinte e do direito de regresso sobre aqueles de quem hajam adquirido, quanto às importâncias em dívida no momento da sua aquisição, salvo no caso de renúncia expressa.”
De salientar que se trata aqui de uma obrigação propter rem, conforme claramente decorre deste preceito legal e vem sendo reconhecido pela jurisprudência, com destaque para o acórdão da Relação de Lisboa de 21-01-2020, proferido no processo n.º 32/18.2T8LRS-B.L1-7: “I - A obrigação de comparticipar o pagamento das despesas com a regularização da situação dos prédios inseridos em área urbana de génese ilegal (AUGI) incide sobre os proprietários nela inseridos e tem natureza propter rem, pelo que por efeito da transmissão do prédio do devedor, transmite-se para o adquirente sem prejuízo do direito de regresso que este detém sobre o transmitente (art. 3º, nº 4 da Lei nº 91/95 de 02-02). II - As execuções para pagamento de quantia certa cujo título seja a ata da assembleia de proprietários de uma AUGI devem ser intentadas contra quem, à data da propositura da execução, seja proprietário ou comproprietário de prédio integrado na AUGI relativamente à qual não tenham sido liquidadas quantias a título de comparticipação nas despesas de regularização (art. 10º nº 5 da mesma lei). III - Se, na altura em que o requerimento executivo deu entrada em juízo, o direito de compropriedade se achava registado a favor do executado, e este não demonstrou que transmitiu tal direito em momento anterior, é o mesmo parte legítima na execução, ainda que se apure que horas mais tarde, o mesmo direito foi registado a favor de terceiro.”
No seguimento do que acima referimos a respeito do instituto do caso julgado, já não se pode discutir nos presentes autos se a obrigação cujo cumprimento é peticionado existe, nem se é certa ou exigível, pois trata-se de matéria que já foi apreciada e decidida pela sentença, transitada em julgado, proferida nos embargos à execução anteriormente instaurada.
Em particular, concorde-se ou não com o que foi decidido, não podem as partes, muito menos o Tribunal voltar a discutir se as “despesas de reconversão” em apreço (não) podem ser devidas antes de haver título de reconversão/alvará de loteamento, procurando arrimo na jurisprudência firmada pelo acórdão da Relação de Lisboa de 08-02-2018 (em que o ora 2.º Adjunto também interveio como tal), proferido no processo n.º 15101/15.2T8LRS-A-2, em que se decidiu, além do mais, que podem ser feitas obras de reconversão durante o processo de reconversão e, por isso, as despesas de reconversão podem ser devidas antes de haver título de reconversão. Sempre se dirá, todavia, que não se discorda dos argumentos desenvolvidos nesse acórdão, mas ser patente que versou sobre caso com contornos fácticos distintos do que nos ocupa, tanto assim que, na sua parte final, refere não ser adequado invocar em contrário o acórdão da Relação de Lisboa de 09-07-2015, proferido no processo 4852/12.3TCLRS, já que o mesmo apreciou um caso de falta de concretização de comparticipações, precisamente idêntico ao que nos ocupa, de tal modo que a Autora, curiosamente, até referiu, na sua Petição Inicial (cf. art. 31.º), que optou por não interpôr recurso da sentença de embargos “apenas e só porque num outro processo executivo da AUGI o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa considerou que a deliberação de 2006, ainda que de ratificação/confirmação, não era exequível por não conter o mapa de comparticipações e por ter sido tomada após a entrada em vigor da Lei 64/2003 de 23 de Agosto.
Atentando no conteúdo desta sentença, lembramos, que aí se decidiu - bem ou mal, não importa - o seguinte: “considerando que a reconversão da ÁREA URBANA DE GÉNESE ILEGAL (AUGI) do Bairro da … foi formalizada mediante o alvará de loteamento nº 3/2006/DRU-AUGI de 19 de Setembro de 2006, emitido pela Câmara Municipal de Odivelas, apenas a partir de tal data poderiam ser exigidas as comparticipações para as despesas de reconversão. (…) a exequibilidade da acta e respectivas deliberações terá de ser aferida como se as mesmas tivessem sido tomadas em sede da assembleia geral de comproprietários da AUGI realizada a 19 de Novembro de 2006, caso contrário estar-se-ia a conferir eficácia retroactiva à Lei n.º 64/2003, de 23 de Agosto, que na redacção conferida ao nº 5 do artigo 10.º da Lei 91/95, de 2/9 conferiu às actas das deliberações da assembleia de proprietários que determinem o pagamento de comparticipações nas despesas de reconversão eficácia executiva.”
Portanto, face à autoridade do caso julgado desta decisão de mérito proferida nos embargos de executado, é incontornável que os Réus estão obrigados a pagar as comparticipações nas despesas de reconversão, estando já reconhecida a existência/constituição de uma tal obrigação pecuniária, tida por certa, mas inexigível antes da assembleia realizada a 19-11-2006, o que, sublinhe-se, face ao que foi determinado na sentença recorrida, afronta a autoridade do caso julgado material já formado, havendo agora que aquilatar, com respeito pelo anteriormente decidido, se já se tornou líquida tal obrigação e desde quando são devidos juros. A resposta emerge dos termos conjugados dos artigos art. 3.º, n.º 4, 10.º, 15.º e 16.º-C da referida Lei n.º 91/95. Diga-se, todavia, que, ainda que se considerasse que a questão quedava por decidir, não valendo aqui a autoridade do caso julgado nos termos referidos, nem assim a solução do caso seria diferente, considerando precisamente o disposto nesses preceitos legais.
Assim, preceitua o art. 16.º-C, sob a epígrafe, “Gestão financeira da AUGI”, que: “1 - As comparticipações nos encargos da reconversão são consideradas provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais da administração conjunta. 2 - As comparticipações mencionadas no número anterior vencem juros à taxa legal a contar da data para a respetiva entrega, fixada nos mapas referidos na alínea f) do n.º 2 do artigo 10.º, mas nunca antes de decorridos 30 dias sobre a publicação, nos termos do n.º 5 do artigo 12.º, da deliberação que os aprovou.”
O art. 10.º rege sobre as competências da Assembleia, estatuindo, na alínea f) do n.º 2, al. f) que compete ainda à assembleia “(A)provar os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo 15.º”, ou seja, os mapas e os respetivos métodos e fórmulas de cálculo e as datas para a entrega das comparticipações e cobrar as comparticipações, designadamente para as despesas do seu funcionamento, para execução dos projetos, acompanhamento técnico do processo e execução das obras de urbanização.
Transpondo estes normativos para o caso dos autos, merece destaque o facto de somente com a Assembleia de 06-05-2017 ter sido aprovada a proposta que consta da Ata n.º 10, na qual se deliberou, além do mais, a aprovação do mapa integral das comparticipações (em anexo à Ata n.º 10 e da qual faz parte integrante), resultando serem devidas as seguintes quantias, assim discriminadas:
LOTE 94:
- Despesas administrativas, técnicas e de projeto – 2.992,79 €;
- Comparticipação para a realização das infraestruturas – 4.539,06 €;
LOTE 176
- Despesas administrativas, técnicas e de projeto – 4.189,90 €;
- Comparticipações para a realização das infraestruturas – 8.454,62 €.
O que perfaz o valor global de capital de 20.176,37 € (certamente por lapso, foi indicado na PI e na sentença recorrida o capital de 20.175,37 €) relativo a comparticipações devidas pelos Réus.
Este capital, embora se possa reportar a comparticipações cuja entrega havia sido aprovada na anterior assembleia, apenas vence juros, à taxa legal (cf. art. 559.º do CC e Portaria n.º 291/2003, de 08-04), após o decurso do prazo de 30 dias a contar da data da publicação da deliberação que aprovou o aludido mapa, a qual ocorreu em 30-05-2017. Logo, os juros são devidos a partir de 30-06-2017 [cf. art. 279.º, al. c), do CC], ascendendo os calculados até ao dia anterior ao da propositura da presente ação ao valor de 1.793,21€ (que ora se menciona pela sua relevância para cálculo da proporção das custas processuais).
4.ª questão – Da prescrição
O Tribunal a quo fundamentou a decisão de improcedência desta exceção nos seguintes termos: “Como já se referiu supra, as comparticipações nas despesas de reconversão são havidas como provisões ou adiantamentos até à aprovação das contas finais de reconversão e o cálculo efectivo do montante da comparticipação só estará concluído a final. Deste modo, não tem início o prazo prescricional de uma obrigação cujo vencimento final não ocorreu, nem as entregas mensais para as despesas de administração da A., primitivamente fixadas pela Assembleia revestem natureza de obrigações periódicas, fazem parte da obrigação global de comparticipação que só se considera vencida a final - cfr. Ac. S.T.J., datado de 19/04/2012, Proc. 3703/07.5TBALM-A.L1.S1, Relator: Granja da Fonseca, datado de 19-04-2012, consultável em www.dgsi.pt Acresce que, nos termos do art. art. 318.º al. c). do C.C., a prescrição não começa nem corre nos casos de bens sujeitos a administração de outrem, até aprovação das contas finais. Em conclusão, sobre os montantes devidos a título de comparticipações não se inicia qualquer prazo prescricional até à aprovação das contas finais da administração conjunta. Relativamente aos juros As comparticipações nas despesas de reconversão vencem juros, que revertem nas contas finais da administração conjunta, em benefício de todos os interessados, nos termos do disposto no art.16°-C n.°s 2 e 5 da Lei das AUGI. Conforme já foi referido supra, a ratio legis do regime fixado para o atraso nas comparticipações é de cariz compensatório (visa pré-fixar a indemnização decorrente dos danos advenientes do não pagamento das comparticipações pelo processo de reversão) e compulsório (uma vez que compele os devedores ao cumprimento, no prazo definido para entrega das comparticipações, sob pena de serem responsáveis pelo valor dos juros). Deste modo, não se vislumbra qualquer razão para que os juros peticionados se encontrem submetidos ao regime geral estabelecido no artigo 310° al. d) do Código Civil, segundo a qual aos juros legais prescrevem no prazo de cinco anos. Por outro lado, considerando-se que a obrigação de pagar as comparticipações só se vence com a aprovação das contas finais, não se iniciando o prazo de prescrição destas obrigações até que tal ocorra, por identidade de argumento, também se considera que o prazo prescricional referente à obrigação de pagar os juros nos termos definidos no art. 16.º-C da Lei da AUGI só se inicia a partir daquela data. Em suma, temos de concluir que não se verifica a prescrição dos juros invocada pelos RR. Improcedendo também, nesta parte, a sua defesa.”
Quanto a esta questão, defendem os Réus-Apelantes, em síntese, que já prescreveu a dívida pelo menos em relação ao montante de 12.999,29 €, tendo sido violado o disposto nos arts. 15.º, n.º 1, al. c), 16.º-C, n.º 1, e 18.º, n.º 2, al. b), da Lei n.º 91/95, de 02-09, e nos arts. 12.º, n.º 1, e 309.º do CC, bem como o preceituado nos artigos 310.º, al. d), e 318.º, al. c) ambos do CC, e quanto aos juros, no art. 310.º, al. g), do CC.
A Autora-Apelada, contrapõe que: de acordo com os artigos 3.º, n.º 1, e 8.º, n.º 1, da Lei das AUGI, os Réus têm o dever de reconversão e integram, por força de lei, a administração conjunta, pelo que sobre os montantes devidos não se inicia qualquer prazo prescricional até à aprovação das contas finais da administração conjunta, nos termos do art. 318.º, al. c), do CC; quanto aos juros, os Réus persistem em ignorar a letra da referida Lei das AUGI, escudando-se em normas gerais que aquela expressamente derroga.
Apreciando.
Em primeiro lugar, algumas das afirmações feitas na sentença recorrida parecem-nos contraditórias, como quando se considera que a “obrigação de pagar as comparticipações só se vence com a aprovação das contas finais” mas, do mesmo passo, se diz que são devidos “juros em compensação pelo atraso no seu pagamento, calculados, quanto à comparticipação para as obras de infraestruturas, a partir de 1 de Março de 1994 e, para as restantes despesas de legalização, a partir de 1 de Maio de 2001”. Ora, se a obrigação não se tivesse vencido, por certo não existiria nenhum atraso no pagamento e não seriam devidos quaisquer juros.
Vejamos melhor.
A prescrição constitui, como é sabido, uma exceção perentória, na medida em que, tendo sido invocada pela parte a quem aproveita (à qual incumbe o ónus da prova – cf. art. 342.º do CC) e demonstrada a situação fáctica do decurso do tempo, nos termos previstos nas disposições legais, se opera a extinção do efeito jurídico dos factos articulados pelo “demandante” – cf. artigos 296.º e ss. do CC e art. 576.º, n.ºs 1 e 3, do CPC
No tocante ao início do curso da prescrição, preceitua o artigo 306.º do CC: “1. O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição. 2. A prescrição de direitos sujeitos a condição suspensiva ou termo inicial só começa depois de a condição se verificar ou o termo se vencer. 3. Se for estipulado que o devedor cumprirá quando puder, ou o prazo for deixado ao arbítrio do devedor, a prescrição só começa a correr depois da morte dele. 4. Se a dívida for ilíquida, a prescrição começa a correr desde que ao credor seja lícito promover a liquidação; promovida a liquidação, a prescrição do resultado líquido começa a correr desde que seja feito o seu apuramento por acordo ou sentença passada em julgado.”
O art. 318.º do CC dispõe sobre causas bilaterais de suspensão da prescrição.
O art. 323.º do CC rege sobre a interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito.
O prazo ordinário da prescrição é de 20 anos (art. 309.º do CC), prevendo a lei, no art. 310.º do CC, situações em que o prazo da prescrição é de 5 anos, designadamente: a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias; b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez; c) Os foros; d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades; e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros; f) As pensões alimentícias vencidas; g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.
Já vimos que da aplicação ao caso do disposto nos referidos artigos 15.º, n.º 1, al. c), e 16.º-C, n.º 1, e com respeito pelo anteriormente decidido na sentença dos embargos, o crédito relativo às comparticipações devidas apenas se pode considerar exigível a partir da Assembleia de 19-11-2006 e somente se tornou líquido com a aprovação do mapa na assembleia de 2017, só com a publicação da última deliberação vencendo juros.
Em nosso entender, quanto à dívida de capital, o prazo de prescrição aplicável é de 20 anos, acompanhando a jurisprudência firmada no acórdão da Relação de Lisboa de 20-03-2014, no processo n.º 295/07.9TCLRS-A.L1-2, disponível em www.dgsi.pt, conforme se alcança das seguintes passagens do respetivo sumário:
III - Constando do título executivo, de forma expressa, que para os lotes que não efectuaram qualquer pagamento, nem à Associação de Moradores, nem à Comissão de Administração, que a dívida, por referência à data de 31.12.2005, é de € 12.134,68, tendo a dívida exequenda a natureza de uma prestação instantânea, a pagar fraccionadamente, não se estando perante “Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis”, não ocorre a prescrição quinquenal, não sendo de aplicar o regime da prescrição de curto prazo, previsto no artº 310º, nº 1, al. g), do CC, mas sim o prazo ordinário de 20 anos contemplado no artº 309º deste mesmo diploma legal. IV - Caracterizada juridicamente a prestação em dívida como uma prestação instantânea, a pagar fraccionadamente, à mesma não se aplica o regime da prescrição previsto no artº 310º, e) do CC, prescrição de cinco anos, pois a alínea e) do artº 310º do CC, ao prever que prescrevem no prazo de cinco anos “As quotas de amortização do capital pagáveis com juros”, aplica-se às prestações de capital repartidas no tempo, a que se somam juros, juros esses pagos conjuntamente, representando tais prestações quotas correspondentes à amortização e ao rendimento do capital disponibilizado.
O art. 18.º, n.º 2, al. b), invocado pelos Apelantes não tem aqui interesse, pois rege sobre a apresentação na câmara municipal de elementos após aprovação do loteamento e para efeitos de apresentação de comunicação prévia das obras de urbanização.
Considerando que a dívida, na lógica do que foi decidido por sentença transitada em julgado, apenas se pode ter como constituída com a assembleia realizada em 19-11-2006 e não era antes exigível, é claro que ainda não decorreram mais de 20 anos, improcedendo a exceção da prescrição.
De qualquer modo, é evidente que esse prazo ficou interrompido no seguimento da instauração da ação executiva, em que os Réus foram citados e deduziram embargos de executado, começando o novo prazo de prescrição a correr após o trânsito em julgado da sentença em 10-07-2016 (cf. artigos 323.º e 327.º, ambos do CC).
Finalmente, em face do ora decidido quanto aos juros, no sentido de serem devidos apenas a partir de 30-06-2017, é claro que entre aquela data e a instauração da presente ação não decorreram 5 anos. Como os Réus-Apelantes invocam a prescrição quanto aos juros vencidos há mais de 5 anos, mostra-se mesmo prejudicado, neste particular, o conhecimento da excepção.
Ambas as partes ficaram vencidas, tanto na ação como no recurso, sendo responsáveis pelo pagamento das custas processuais na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 52% para a Autora-Apelada e 48% para os Réus-Apelantes (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).
***
III - DECISÃO
Pelo exposto, decide-se conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, revogar parcialmente a sentença recorrida - na parte em que condenou os Réus a pagar à Autora o valor global de 45.944,23 €, a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da … e respetivos juros -, que se substitui pela decisão de condenar os Réus a pagar à Autora a quantia global de 20.176,37 € (vinte mil, cento e setenta e seis euros, e trinta e sete cêntimos), a título de comparticipações devidas pelo processo de reconversão da AUGI do Bairro da …, acrescida dos respetivos juros, à taxa legal, vencidos desde 30-06-2017 e vincendos até integral pagamento, mantendo-se quanto ao mais tal sentença.
Mais se decide condenar as partes no pagamento das custas da ação e do recurso, na proporção de 48% os Réus-Apelantes e 52% a Autora-Apelada.
D.N.
Lisboa, 17-06-2021
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues
Arlindo Crua