INTERDIÇÃO POR ANOMALIA PSÍQUICA
ACÇÃO ESPECIAL
ÓNUS DA PROVA
AUTORIZAÇÃO
TUTELA
Sumário


I - Decorre alguma dificuldade pelo facto da lei prever um incidente na própria ação de acompanhamento de maior acompanhado, exigindo-se ao tribunal que verifique, caso seja junta a autorização do beneficiário, se este está em condições de a conceder ao requerente ou se se justifica suprir essa falta de autorização.
II - Para isso o tribunal terá que apurar factos que constituem a própria causa de pedir da ação de acompanhamento, ou seja, apurar se o beneficiário se encontra impossibilitado por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres e deve ser feita uma análise das concretas circunstâncias em que se encontra o beneficiário, e se ele é capaz ou não de conduzir validamente o processo judicial, sendo essencial a colaboração do perito.
III – Se a “beneficiária sofre de síndrome demencial” e até não põe em causa a necessidade de acompanhamento, estamos perante uma situação em que, devido ao estado de fragilidade decorrente da doença, se justifica a decisão sem autorização da própria, já que a pessoa não está em condições de prestar livre e conscientemente a sua autorização.
IV - A designação de vários acompanhantes, com especialização e diferentes funções, é de aplaudir o que permite nomeadamente o desdobramento de acompanhamento pessoal, por alguém mais próximo do beneficiário no seu dia a dia e o acompanhamento patrimonial, relacionado com a administração do seu património. (sumário da relatora)

Texto Integral


Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 – Relatório.

J… (A), residente na Avenida …, Algés, intentou ação especial de acompanhamento de maior, requerendo o suprimento da autorização da sua irmã M…, residente na …, Sousel, para a propositura da ação e, bem assim, que seja decretado o acompanhamento da mesma.
Alegou, para tanto e em síntese, que a beneficiária sofre de sintomas de sintomas demenciais compatíveis com a doença de Alzheimer, em fase moderada, condição que reveste caráter permanente e irreversível, encontrando-se a mesma totalmente dependente de terceiros e incapacitada para tomar decisões sobre a sua vida.
Citada, a beneficiária apresentou contestação (cf. ref. citius n.º 1436907), admitindo necessitar de acompanhamento, embora requerendo que lhe seja aplicada um regime de acompanhamento ponderado, limitado ao necessário, de acordo com as suas atuais necessidades.
Realizou-se a audiência final, no âmbito da qual se procedeu à audição da beneficiária.
Foi proferida sentença, que julgou a ação totalmente procedente e, em consequência (transcrição):
1 - Declara-se suprido o consentimento da beneficiária M… para a propositura da presente ação.
2 - Decreta-se a aplicação do regime de maior acompanhado à beneficiária M… e determina-se como medida de acompanhamento a representação geral, consignando-se que tal medida se tornou necessária desde Julho de 2018.
3- O exercício de direitos pessoais pela acompanhada fica restringido da seguinte forma:
a) A acompanhada é incapaz de testar (cf. artigo 2189.º, alínea b) do Código Civil);
b) A presente decisão impede a acompanhada de pessoal e livremente providenciar acerca da aceitação ou rejeição de liberalidades a seu favor (cf. artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13 de Outubro);
c) Para os efeitos previstos no artigo 5.º, n.º 3 da Lei n.º 36/98, de 24 de Julho (Lei da Saúde Mental), a presente decisão não faculta o exercício direto de direitos pessoais;
d) Com a presente decisão e para os efeitos do artigo 13.º da Lei da Saúde Mental, ocorre a restrição de direitos pessoais, pelo que os acompanhantes detêm legitimidade para requerer as providências previstas no referido diploma.
4 - Nomeia-se J…, funcionário da acompanhada, com residência na …, Fronteira, para exercer o cargo de Acompanhante, ao qual compete assegurar o bem-estar e o pleno exercício dos direitos da beneficiária, sendo conferido ao mesmo os necessários poderes para proceder (i) à gestão das herdades da A… e da R…, ambas pertencentes à beneficiária, bem como dos respetivos instrumentos e objetos de trabalho que se encontram afetos às referidas explorações, (ii) das contas bancárias abertas na Caixa … e tituladas pela beneficiária, com o n.º … e com o n.º …, e, por fim, (iii) dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, propriedade da beneficiária.
5- Nomeia-se J…, irmão da acompanhada, com residência na Avenida …, Algés, para exercer o cargo de Acompanhante, ao qual compete assegurar pela gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da beneficiária, com exclusão das herdades, contas bancárias e veículos automóveis acima discriminados.
6- Para integrarem o Conselho de Família, nomeia-se S…, cunhada da acompanhada, e A…, funcionária da acompanhada.
Inconformada com a sentença, veio a acompanhada interpor recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição):
ESTRUTURA DAS ALEGAÇÕES:
1- QUESTÃO PRÉVIA: DAS NULIDADES DA SENTENÇA (Artºs 1º a 38º)
a) Nulidades do Artº 615º/1 als. c) e d) do CPC;
b) Nulidades do Artº 662º/2 al. c) CPC.
2- DOS FUNDAMENTOS SUBSTANTIVOS DO RECURSO PROPRIAMENTE DITOS (Artºs 38º a 88º)
1- DAS NULIDADES DA SENTENÇA
a) Nulidades do Artº 615º/1 als. c) e d) do CPC;
1ª- Tendo em conta os factos dados como provados sob os pontos 14, 19 a 22 e 25 dos factos provados, não podia o douto tribunal a quo ter dado como não provado que que a beneficiária apenas dispusesse dos cuidados que o seu funcionário Joaquim Brito e os seus familiares lhe prestam.
2ª- Constitui um vício insanável do chamado “silogismo judiciário” dar-se como provado que O Requerente visitou a beneficiária pela última vez no início do ano de 2020 (portanto há mais de 1 ano) e, simultaneamente, dar como não provado que O Requerente e a beneficiária sempre tiveram uma relação afastada e distante, pautada por muito pouco contacto físico e telefónico.
3ª- Padece do mesmo vício/contradição a decisão que dá como provado que O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano e, simultaneamente, dá como não provado que O Requerente e a beneficiária sempre tiveram uma relação afastada e distante, pautada por muito pouco contacto físico e telefónico.
4ª- Tais contradições consubstanciam não só uma contradição com a decisão final de nomear o Requerente como Acompanhante da Beneficiária mas também uma construção viciosa na medida em que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
5ª- - Considerando os interesses a acautelar com os presentes autos, tendo o douto Tribunal a quo dado como provado que que o património da Beneficiária se estima na ordem de milhões de euros e tendo sido juntos aos autos elementos documentais que fazem recair sobre o Requerente (nomeado Acompanhante) suspeitas de actos ilícitos contra o património da Beneficiária, não podia o douto Tribunal a quo deixado de ordenar oficiosamente prova e de se pronunciar sobre tais factos (valor/tipologia do património e actos perpetrados pelo Requerente contra esse património).
6ª- O douto Tribunal a quo omitiu por completo qualquer determinação acerca da periocidade da revisão das medidas de acompanhamento, o que era especialmente relevante in casu tendo em conta a situação clínica da Beneficiária e que o património da Beneficiária se estima na ordem de milhões de euros (exigindo uma gestão corrente e assídua).
7ª- Não obstante o douto Tribunal a quo tenha dado como provado que “O Requerente realizou diversos pagamentos/transferências bancárias, em número e valor não concretamente apurados, a partir das contas bancárias da beneficiária” na parte dispositiva da sentença decidiu “cumpre apenas consignar que, tendo em vista a natureza das medidas de acompanhamento ora aplicadas – as quais visam, no essencial, conservar a situação fática vigente –, julga-se não se afigurar necessária a aplicação de qualquer medida cautelar, nos termos previstos no artigo 891.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.
b) Nulidades do Artº 662º/2 al. c) CPC.
8ª- O douto Tribunal a quo deu como provado que que o património da Beneficiária se estima na ordem de milhões de euros e tomou conhecimento de factos praticados pelo Requerente que podem consubstanciar violação dos interesses da Beneficiária, mas considerou desprovido de interesse e irrelevante as transferências realizadas a partir das contas bancárias da beneficiária pelo Requerente, nomeando-o – ainda assim – Acompanhante da Beneficiária para gerir precisamente todo esse património (que o Tribunal não indagou saber qual era).
9ª- O douto Tribunal a quo deu como provado que O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano, instituiu um regime de administração de bens e nomeou o Requerente como Acompanhante da Recorrente atribuindo-lhe poderes para assegurar gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da beneficiária, mas nem sequer se pronunciou sobre o domicílio legal da Acompanhada, pelo que da conjugação dos nºs 5 e 6 do Artº 85º CC resulta que a Beneficiária «fica sem» domicílio legal.
10ª- O douto Tribunal a quo deu como provado que O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano, mas na parte decisória nomeou o Requerente como Acompanhante indicando como residência do mesmo Algés;
2- DOS FUNDAMENTOS SUBSTANTIVOS DO RECURSO PROPRIAMENTE DITOS
I- Suprimento do consentimento da Beneficiária para a propositura da presente acção.
11ª- O Requerente não solicitou o consentimento da Requerida para a propositura da presente acção, e na sua Contestação a Beneficiária não só não prestou tal consentimento como recusou as medidas de Acompanhamento propostas pelo Requerente.
12ª- Do Relatório de Avaliação Neuropsicologia Forense de fls. 146ss e do Relatório de Natureza Pericial Psiquiátrica e de Avaliação de Capacidade Civil de fls 155ss resulta que a Beneficiária apresenta capacidade para escolher os seus acompanhantes e da Motivação da douta sentença recorrida consta que “Sem prejuízo de tudo quanto se disse, não poderá deixar de se assinalar a vontade manifestada pela beneficiária – vontade essa, diga-se, que não se vislumbra encontrar-se colocada em causa pela incapacidade supra referida”.
13ª- Assim, e não tendo o Acompanhamento sido requerido pelo MP, carecia o douto Tribunal a quo de legitimidade para suprir o consentimento da Beneficiária para a propositura da presente acção.
II- Retroacção dos efeitos da medida decretada a Julho/2018;
14ª- O douto Tribunal a quo não tinha fundamento legal nem elementos de prova para fazer retroagir a Julho/2018 a produção de efeitos das medidas decretadas.
15ª- Ao contrário do que se alega na motivação da douta sentença relativamente aos pontos 10 e 11 dos factos provados, dos relatórios juntos a fls 146ss e 155ss dos autos não resulta que a Recorrente padecesse de incapacidade generalizada em Julho/2018.
III- Nomeação do Sr. J… para exercer o cargo de Acompanhante e gerir as herdades
16ª- A Recorrente nada tem a opor à nomeação do funcionário J… como seu Acompanhante nos moldes em que o foi, considerando contudo que essa gestão não deve ser atribuída única e exclusivamente ao referido funcionário, porquanto na eventualidade de uma fatalidade (acidente, doença, …) toda a «empresa» (ENI) ficaria bloqueada, sem gestão, com impossibilidade de realização de pagamentos fornecedores e trabalhadores, candidaturas a subsídios do Estado, etc etc.
17ª- Para além do já indicado funcionário J…, deve ser nomeado o Sr. J… (residente na …, Fronteira), Encarregado da Herdade da A… há cerca de 63 anos para, em conjunto com o Sr. J…, assegurar a gestão e bom funcionamento da actividade comercial das herdades
IV- Nomeação do Requerente J… como Acompanhante
18ª- Do relatório do IML de 20-07-2020 junto a fls. …. dos autos constam as seguintes declarações da Requerida acerca do irmão/Requerente: “Tenho um irmão mas não confio nele o meu irmão não vive cá, vive no estrangeiro e só quando há algum problema é que ele se lembra de mim, fora disso ele não quer saber; (…) não estamos próximos… ele formou-se, é advogado… tinha a vida dele e quando vinha cá entrava e saía, e não tenho qualquer ligação…”
19ª- Das declarações da Requerida transcritas por súmula na acta da sessão de julgamento de 05-01-2021 resulta o seguinte: “não costuma estar com o seu irmão porque ele vive nos Estados Unidos”.
20ª- Do «Relatório de Serviço» da GNR de Sousel emitida em 22-06-2020 e junta aos autos por requerimento de 25-06-2020 com a Refª 35888522 consta expressamente que: “A Sra. D. M… informou esta Guarda que não responde às chamadas telefónicas do seu irmão porque não quer, dizendo que o mesmo só a tenta contactar porque o mesmo está preocupado com a sua herança; A Sra. M… disse ainda que não quer que o seu irmão tenha notícia dela, dizendo que se o mesmo voltar a contactar o Posto Territorial de Sousel não que que esta Guarda dê informações sobre ela”
21ª- De acordo com os relatórios clínicos juntos a fls 146ss e 155ss resultava a capacidade da Requerida/Recorrente para escolher os seus Acompanhantes
22ª- Não obstante o Artº 143º/1 deferisse na Acompanhada o direito a escolher o seu Acompanhante e para tanto tivesse capacidade (Cfr. relatórios de fls 146ss e 155ss), o douto Tribunal a quo não só fez tábua rasa do citado direito de escolha como nomeou à Beneficiária pessoa em quem a mesma “não confia”, com o qual “não tem qualquer ligação”, que só se lembra da Beneficiária “quando há algum problema”, com quem a mesma “não quer falar”, que só a tenta contactar porque está preocupado com a sua herança e que a Beneficiária “não quer que tenha notícia dela”.
23ª- A Requerida invocou (Artº 27ºss da Contestação) diversas possíveis ilegalidades perpetradas pelo Requerente e pelo seu I. Mandatário atinentes à procuração alegadamente outorgada pela Requerida ao Requerente em 29-11-2018 (Cfr. requerimento da Requerida de 21-08-2019 junto aos autos via Citius com a Refª 33213555 e requerimento de 30-10-2020 junto aos autos sob a Refª 36973747 em que se dava a conhecer aos presentes autos que “já durante o decurso do ano de 2020, foi apresentada queixa-crime contra o aqui Requerente a que corresponde o processo n.º 19/20.5T9FRT”).
24ª- O douto Tribunal a quo não só não se pronunciou sobre tais requerimentos como deles não retirou qualquer indício de suspeição quanto à idoneidade do Requerente, tendo – ao invés referido “Consigna-se que não foi considerada (…) os factos desprovidos de interesse e relevância para a decisão da causa, como sejam os que se reportam (…) às transferências realizadas a partir das contas bancárias da beneficiária” !!!!
25ª- Atendendo aos interesses que os presentes autos visam acautelar, o douto Tribunal a quo não podia nomear como Acompanhante (com poderes de gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da Beneficiária) alguém sobre quem recaem – notoriamente – suspeitas de prática de actos eventualmente ilícitos e lesivos dos interesses da própria Beneficiária.
26ª- O património da Recorrente é composto não só pelas herdades do Alentejo mas também por inúmeras contas bancárias (em Portugal e no estrangeiro), contas de títulos, depósitos à ordem e a prazo, seguros de capitalização, instrumentos financeiros diversos, investimentos em aplicações financeiras em diversos países, e inúmeros imóveis(v. listagem constante da procuração junta como Doc. nº 4 à Petição Inicial destes autos).
27ª- Tanto a gestão daqueles activos financeiros como a gestão de tais imóveis implica actos constantes de gestão das aplicações financeiras bem como a realização de trabalhos de conservação/manutenção, pagamentos de impostos, reuniões de condomínio, pagamento de quotizações de condomínio, limpeza dos prédios rústicos, etc etc.
28ª- Tais actos que não podem ser – oportuna e diligentemente – praticados por alguém (Requerente) quem se encontra a 5000km de distância da Beneficiária, com 84 anos de idade, e que vem esporadicamente a Portugal.
29ª- Um Acompanhante com 84 anos de idade, que reside nos EUA e que vem esporadicamente a Portugal: i) Não é a pessoa cuja designação melhor salvaguarde o interesse imperioso da beneficiária (Artº 143º/2 CC), ii) Não tem como assegurar o cumprimento de todos os deveres da Beneficiária (Artº 140º/1 CC); iii) Não tem como assegurar o bem-estar e a recuperação da Acompanhada, com a diligência requerida a um bom pai de família (Artº 146º/1 CC); e iv) Não tem como cumprir a obrigação de visitar a Beneficiária, no mínimo, com uma periodicidade mensal (Artº 146º/2 CC).
30ª- Deve ser nomeado para exercer o cargo de Acompanhante – em substituição do Requerente – do Sr. Dr. R… (actualmente o Contabilista Certificado responsável pela contabilidade da «empresa» (ENI) da Beneficiária), contabilista certificado inscrito na OCC com o nº 21622, residente na …, Paço de Arcos, incumbindo-o de assegurar a gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da beneficiária, com exclusão das herdades, contas bancárias e veículos automóveis adstritos à gestão dos Srs. J… e J….
31ª- Foram violados os Artºs 615º, 891º, 891º, 897º todos do CPC, Artºs 85º, 140º, 143º, 145º, 146º, 147º, 150º, 155º todos do CC
Termos em que, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO e, em consequência:
1- Ser reconhecida e decretada a nulidade da douta sentença recorrida nos termos e para os efeitos dos Artºs 615º/1 c) e d) e 662º/2 al. c) ambos do CPC;
2- Ser ordenada a ampliação da douta sentença recorrida nos termos do Artº 662º/2 al. c) do CPC para que a mesma se pronuncie sobre:
2.1- A tipologia e valor de todo o património da Beneficiária;
2.2- A capacidade e competência do Acompanhante Requerente para a gestão de tal património;
2.3- A residência do Acompanhante Requerente;
2.4- O Domicílio da Beneficiária;
2.5- A periodicidade de revisão das medidas de acompanhamento decretadas;
2.6- A justificação e prova dos pagamentos e transferências efectuadas pelo Requerente no valor de €39.417,04 Cfr. Requerimento da Requerida de 21-08-2019 com a Refª 33213555;
3- Ser a douta sentença recorrida revogada e a alterada nos seguintes termos:
3.1- Ser fixada a data de início da necessidade do acompanhamento em Julho/2020 (data em que foi elaborado o relatório pericial do IML).
3.2- Ser nomeado o Sr. J… (residente na Rua …, Fronteira), funcionário da Beneficiária há 63 anos e Encarregado da Herdade da A…, para exercer o cargo de Acompanhante, competindo-lhe coadjuvar (e substituir, quando necessário) o já nomeado Acompanhante Sr. J… no exercício dos poderes/deveres atribuídos a este na douta sentença recorrida;
3.3- Ser nomeado para exercer o cargo de Acompanhante – em substituição do Requerente – do Sr. Dr. R…, contabilista certificado inscrito na OCC com o nº …, residente na …, Paço de Arcos, incumbindo-o de assegurar a gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da Beneficiária (com exclusão das herdades, contas bancárias e veículos automóveis adstritos à gestão dos Srs. J… e J…).”
Foram dados como provados na 1.ª instância os seguintes factos (transcrição):
Com interesse para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
(Quanto à situação pessoal e clínica da beneficiária)
1- A beneficiária M… nasceu em 11 de Outubro de 1935.
2- Em 24 de Julho de 2018, faleceu o marido da beneficiária, A….
3- A beneficiária é atualmente viúva e não tem filhos, nem ascendentes vivos.
4- O Requerente J… é irmão da beneficiária.
5- Até ao falecimento do seu marido, a beneficiária viveu com o mesmo na …, Oeiras.
6- Após a aposentação de ambos, a beneficiária e o seu marido passaram diversos períodos na Herdade da R…, sita no Ca.., da qual os mesmos eram proprietários.
7- Após o funeral do seu marido, a beneficiária passou a residir na Herdade da R….
8- A casa existente na Herdade da R… tem boa boas condições de habitabilidade.
9- A referida habitação não dispõe de ar condicionado.
10- A beneficiária sofre de síndrome demencial.
11- Os primeiros sintomas da referida doença manifestaram-se de 2015, tendo-se agravado com o falecimento do marido da beneficiária.
12- A beneficiária não se encontra em condições de administrar os seus bens.
13- A beneficiária não consegue, sozinha, tratar da sua higiene pessoal, vestir-se, tratar da sua alimentação ou cuidar de si.
14- Atualmente, a beneficiária é auxiliada nas tarefas diárias pela sua funcionária A…, empregada doméstica e caseira da Herdade da R….
15- Atualmente, a administração das herdades da beneficiária é feita pelos seus funcionários J… e J, encarregados agrícolas da herdades da R… e da A….
16- J… gere atualmente duas contas bancárias tituladas pela beneficiária, abertas na Caixa …, com os n.os … e ….
17- As contas bancárias supra referidas são utilizadas por J…, respetivamente, para a gestão das herdades da R… e da A…, propriedade da beneficiária (conta n.º …) e para o recebimento da pensão de sobrevivência e pagamento de todas as despesas pessoais da beneficiária (conta n.º …).
18- A beneficiária é proprietária de diverso património mobiliário e imobiliário, para além das herdades e contas bancárias acima descritas, de valor não concretamente apurado, mas que se estima na ordem de milhões de euros.
19- A beneficiária é acompanhada atualmente em consultas médicas de diferentes especialidades.
20- A beneficiária usufrui atualmente de sessões de fisioterapia e de terapia ocupacional.
21- A beneficiária é acompanhada a todas as consultas, tratamentos e exames pelos seus funcionários J… e A….
22- Desde Julho de 2018, J… leva a beneficiária de automóvel a todos os locais onde precisa e/ou quer ir, ajuda-a na escolha dos médicos de especialidade, de mobiliário e equipamento tecnológico.
23- A beneficiária assina todos os documentos que lhe são apresentados pelos seus funcionários J… e J….
24- J… é funcionário da beneficiária desde 1988.
25- Até ao decretamento do primeiro estado de emergência, ocorrido em meados de 2020, os funcionários J… e A… levavam a beneficiária várias vezes a passear, almoçar, fazer compras, à missa, à cabeleireira e à esteticista.
26- O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano.
27- O Requerente visitou a beneficiária pela última vez no início do ano de 2020.
28- A beneficiária não outorgou, até à presente data, testamento vital, nem nomeou procurador de cuidados de saúde.
(Quanto ao teor dos relatórios periciais)
29- Do «Relatório de natureza pericial psiquiátrica de M… (Avaliação da Capacidade Civil) e (Instrução de Contestação em Processo de Maior Acompanhado)», subscrito pelo Dr. F… (psiquiatra) e datado de 12 de Julho de 2019, consta que:
«(…) 11.1. AFECÇÃO DE QUE SOFRE O BENEFICIÁRIO E 11.2. CONSEQUÊNCIAS DA PATOLOGIA
A examinanda sofre de uma Perturbação Neurocognitiva por Demência (de Alzheimer ou porventura de Corpos de Lewy), etiologia específica a melhor estabelecer pela Neurologia, entidade nosológica codificada na Classificação Internacional das Doenças (10ª Revisão), (CID-10.OMS. 1992), e ainda na 5ª revisão da Classificação Associação Americana de Psiquiatria (D.S.M.-5.APA.2013).
(…) O quadro clínico neurológico, ou melhor, neuropsiquiátrico descrito – Perturbação Neurocognitiva por demência de etiologia a melhor estabelecer para efeitos clínico-assistenciais, mas sem relevância médico-legal para a discussão da capacidade factual – é irreversível e tende a um declínio com agravamento progressivo, quer no domínio da linguagem, quer motor e cognitivo, à medida que a sua progrida. Deverá assim ser medicamente assistida por neurologia, para, dentro das possibilidades científicas, melhorar e retardar os efeitos da natural involução.
11.3. DATA PROVÁVEL DO INÍCIO DA AFECÇÃO (PATOLOGIA) DE QUE SOFRE O BENEFICIÁRIO
(…) os primeiros sintomas de compromisso da memória terão existido em 2015 e levado a observação pela neurologia, e repercussões maiores, leia-se, clinicamente relevantes, terão surgido aquando do falecimento do marido em Julho de 2018, data última, pois, que se fixa médico-legalmente para o início do presente grau de discapacidade, ou, se quisermos em linguagem simples, incapacidade parcial de grau tido como ligeiro ou, quando muito, moderado se considerarmos e relevarmos subjectivamente (mas também neurologicamente), de forma isolada, o compromisso da memória mais acentuado, bem como do cálculo complexo.
(…)
11.5. CONCLUSÃO
Assim e em conclusão, na actualidade e sem prejuízo da patologia de que sofre, do ponto de vista estritamente médico-legal e psiquiátrico e com base na observação clínico-pericial, nos elementos documentais que nos foram presentes e exames complementares psicológicos aos quais tivemos acesso –, não existem razões significativas de saúde ou de deficiência mental ou de comportamento conducentes à incapacidade actual total e absoluta para o exercício de todos os seus direitos de forma consciente e de acordo com a vontade que a própria consegue (clinicamente) formar. Sem prejuízo do atrás afirmado, em razão da deterioração cognitiva já existente e independentemente da sua etiologia, cremos que medidas de acompanhamento se justificam, em particular para assistência na gestão do seu património, nomeando-se acompanhante. A beneficianda está medicamente em condições de ser ouvida, devendo ser tida em consideração a sua vontade em consciência expressa, dessa forma relevando o princípio da máxima efetividade dos seus direitos fundamentais, e sendo preferida pois a interpretação (médico-legal) que menos restrinja o exercício desses mesmos direitos constitucionalmente protegidos».
30- Do «Relatório de avaliação neuropsicológica forense de M…», subscrito pela Dra. A… (psicóloga) e pela Dra. J… (psicóloga), e datado de 13 de Julho de 2019, consta que:
«(…) Assim podemos concluir numa análise conjunta dos resultados obtidos nas provas neuropsicológicas, da entrevista clinico-forense e da informação recolhida nas entrevistas colaterais com aqueles que são indicados pela examinada como as suas figuras de referência, bem como os documentos anexos ao Requerimento para ação especial constitutiva de maior acompanhado, por anomalia psíquica, o seguinte:
1) A examinada apresenta sinais de deterioração neurológica compatíveis com síndrome demencial, contudo não apresenta sinais de incapacidade generalizada, mantendo adequadas as capacidades neuropsicológicas supracitadas que lhe permitem manter a sua capacidade em algumas áreas da sua vida, ao contrário do que é expresso no relatório elaborado por médico neurologista em 31 de Outubro de 2018, onde é afirmado: “O diagnóstico supramencionado resulta incapacidade, permanente e impeditivo para a doente exercer de forma pessoal, livre e autónoma os seus direitos fundamentais.”
2) Neste sentido a examinada mantém capacidade de decisão e fundamentação de decisões estruturais para a sua vida, como é o caso de decidir, onde reside, quem escolhe para seus acompanhantes, bem como a capacidade de constituir mandatário com o intuito de fazer valer a sua vontade no que diz respeito a gestão do seu dia a dia;
3) O quadro clínico da examinada terá muito possivelmente agravado com a morte inesperada do seu marido, descrito por si até aquela altura como a sua figura de referência. O tratamento médico, fisioterapêutico e os cuidados pessoas que recebeu no período seguinte, e continua a receber, terão certamente contribuído para uma evolução positiva do seu quadro clínico;
4) Importa referir que a examinada demonstra através de linguagem verbal e não verbal uma relação afetiva e sólida, com as pessoas com quem se faz acompanhar, verificando-se também o mesmo desses em relação a esta;
5) A examinada não mantém, contudo, em nosso entender as capacidades necessárias para a gestão do património que a examinada declara ter, não tendo a mesma, em nosso entender, capacidade para uma tomada de decisão esclarecida no que diz respeito à gestão de negócios e investimentos patrimoniais, pesando para esta posição os resultados a baixo da média obtidos tanto ao nível da sua memória a curto prazo, como das funções executivas de planeamento e a aquisição, consolidação e memorização de novos conhecimentos (…)».
31- Do «Relatório da perícia médico-legal Psiquiatria», elaborado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, e datado de 20 de Julho de 2020, consta que:
«(…) F. CONCLUSÕES E DISCUSSÃO:
De acordo com a avaliação clínico-forense realizada, somos da opinião que o Examinando apresenta um quadro compatível com o diagnóstico de Demência, não especificada (Classificaçao Internacional de Doenças, versão 10ª – F 03, Organização. Mundial de Saúde, 1992). Pese embora esteja referido várias vezes no processo tratar-se de um quadro de “Demência de Alzheimer”, a perita opta por não classificar a etiologia do quadro demencial.
A Demência, independentemente da etiologia/etiopatogenia, trata-se de uma doença neurodegenerativa caracterizada por grave compromisso cognitivo. Traduz-se numa afetação adquirida e irreversível das esferas cognitivas/intelectuais global. O défice cognitivo deve compreender a alteração de memória associado à alteração em pelo menos um outro domínio cognitivo, como praxia (capacidade de realizar atividades motoras), linguagem, funções executivas ou gnosia (capacidade de reconhecer ou identificar objetos). A Examinanda, in casu, preenche critérios clínicos inequívocos para tal diagnóstico poder ser realizado, sem necessidade de outros exames complementares. Este quadro neuropsiquiátrico condiciona-lhe alterações graves ao nível do entendimento e compreensão, sendo que a sua autonomia se encontra prejudicada. É impeditiva em termos da gestão da sua pessoa e da capacidade de suprir as suas necessidades vitais (alimentação, higiene, vestuário). O início do quadro remonta há cerca de 5 anos atrás (2015), sendo que a data de instalação definitiva do quadro demencial, de acordo com informações clínicas, terá sido em 2018, após a morte do marido.
Ainda que na ausência de outros exames complementares atuais, a documentação junta aos autos, bem como a descrição da entrevista e observação são suficientemente eloquentes pemitindo afirmar que as consequências da patologia de que sofre são muito significativas e que, em termos pragmáticos, o funcionamento social e autonomia se encontram seriamente prejudicados. Nesse sentido, consideramos que à Examinanda não deverá ser mantido o exercício de direitos. De facto, as dificuldades que a mesma apresenta, são de tal forma graves e permanentes que importarão mesmo a necessidade de ser nomeado um Acompanhante, nos termos da redação conferida pela lei 49/2018, de 14/08, tendo em conta os vários atos ou categoria de atos, previstos nos artigos 145º e 147º, ambos do Código Civil. Não manifestou plena capacidade de compreensão e entendimento do conceito e alcance da figura do “acompanhante”, de acordo com o Regime de Maior Acompanhado (RMA).
Face ao exposto somos do parecer que a Examinanda beneficia da nomeação de um Acompanhante com poderes de representação geral e substituição da vontade, abrangendo todos os atos da vida em sociedade, que dela possa cuidar, com quem mantenha afetividade, e que possa garantir o exercício de direitos, cumprimento de deveres, e assegurar o seu bem-estar.
O quadro clínico supra é irreversível e tende à estabilização, pelo que do ponto de vista médico-legal não entendemos previsível a necessidade de revisão inferior a 5 anos.
G. RESPOSTAS AOS QUESITOS
1. A afeção de que sofre a beneficiária: Demência, de etiologia não especificada.
2. Se tal afeção implica com a memória (recente ou mais antiga) da beneficiária: Sim, contende com prejuízo marcado da memória recente e com a capacidade de evocação de factos quer passados, quer recentes.
3. As consequências de tal afeção e limitação da autonomia da beneficiária: encontra-se deteriorada cognitivamente, com incapacidade progressiva e atual nas atividades da vida diária e dependência total de terceiros. Percebeu-se bem esta evolução no período temporal de um ano, pela análise da avaliação pericial, realizada em julho de 2019. É uma anomalia psíquica atual, incapacitante, progressiva, crónica e irreversível e que interfere na capacidade de exercício pleno, pessoal e consciente, dos seus direitos e deveres. Assim, o prejuízo ao nível da autodeterminação da Examinanda inviabilizada o pleno exercício de direitos e cumprimento de deveres.
4. Se a afeção de que sofre a beneficiária afeta a sua capacidade para escolher os seus acompanhantes: sim, contende com a capacidade de escolher os acompanhantes, pese embora a Examinanda ainda consiga ter algum alcance do significado (abstrato) do conceito “acompanhante” (para a “ajudar”), não consegue, contudo, referenciar este conceito a si (em concreto), pois não se encontra capaz de realizar, em plenitude, os défices que detém, e para os quais não apresenta a autodeterminação adequada e necessária (juízo crítico).
5. A data provável do seu início: terá tido o seu início em 2015, com agravamento em 2018, após a morte do marido.
6. Os meios de apoio e de tratamento considerados aconselháveis: relativamente aos meios de apoio e tratamento adequados ao défice da Examinanda, consideramos que a mesma deve manter seguimento médico regular em consultas de Neurologia e Medicina Geral e Familiar, ou de outras espacialidades que se revelem necessárias, bem como a toma da medicação em curso ou outra que se venha a revelar necessária. Preferencialmente a inserção familiar deverá ser privilegiada, em termos humanos e de acompanhamento e suporte, sendo que no caso em concreto, tal não se tem afigurado possível, vivendo com cuidadores informais (Dona A… e marido), e com os quais manterá relações afetivas, sendo que deverá ser ponderada a curto prazo a sua integração em Instituição/Lar na qual lhe poderão prestar os cuidados básicos e de suporte, dela cuidar e assegurar que esta tenha todas as condições necessárias para se manter estabilizada, uma vez que passa longos períodos de inatividade em casa, isolada, sem grande interação social. Do ponto de vista pericial um internamento deverá ter sempre uma indicação médica, sob risco de agravamento do estado de saúde».
Mais se provou que:
32- Em data e em circunstâncias não concretamente apuradas, a beneficiária subscreveu um documento designado de “Testamento”, datado de 18 de Setembro de 2018, mediante o qual declarou «nomear para [seu] herdeiro universal, podendo assim, dispor de todos os [seus] bens a seguinte pessoa: J…, casado, titular do Bilhete de Identidade n.º … emitido em 25.11.2005 SIC Portalegre, residente na …, Fronteira. Se o Herdeiro Universal supracitado não receber o bem da herança, por qualquer motivo, ele será destinado aos seus herdeiros legais: J… e R…».
33- Em data não concretamente apurada, mas ocorrida no segundo semestre de 2018, a beneficiária, acompanhada pelos seus funcionários J… e A…, dirigiu-se ao Cartório Notarial de Estremoz, tendo exibido à Notária Dra. M… o “testamento” acima descrito.
34- A Notária Dra. Maria da Conceição Correia pediu parecer ao Delegado de Saúde da Região quanto ao estado de saúde mental da beneficiária.
35- O delegado de saúde, após observar a beneficiária, concluiu que a mesma se encontrava incapaz.
36- Em face da informação acima descrita, a notária recusou-se a formalizar o testamento da beneficiária.
37- Em data não concretamente apurada, a beneficiária subscreveu um escrito designado de “Procuração”, datado de 29 de Novembro de 2018, mediante o qual declarou conferir poderes ao Requerente para, em seu nome e representação, gerir todos os seus bens, inclusive contas bancárias.
38- Em 30 de Novembro de 2018, o Requerente subscreveu um escrito designado de “Substabelecimento”, mediante o qual declarou substabelecer, com reserva, no Sr. J…, os poderes que lhe foram conferidos pela beneficiária.
39- O Requerente realizou diversos pagamentos/transferências bancárias, em número e valor não concretamente apurados, a partir das contas bancárias da beneficiária.
40- Em 12 de Julho de 2019, a beneficiária revogou a procuração outorgada em favor do Requerente.
41- Por carta subscrita pela beneficiária, datada de 24 de Julho de 2019, a mesma comunicou a J… que revogou a procuração outorgada em favor do Requerente e, em consequência, que aquele se encontrava imediatamente impedido de praticar quaisquer atos em sua representação.
42- Em 29 de Janeiro de 2020, o Requerente contactou a GNR, por não conseguir entrar em contacto com a beneficiária.
43- Na referida ocasião, uma patrulha da GNR deslocou-se junto da beneficiária, tendo constatado que a mesma se encontrava bem.
44- Em 10 de Fevereiro de 2020, A…, amiga da beneficiária, contactou a GNR, por não conseguir entrar em contacto com a mesma.
45- Na referida ocasião, uma patrulha da GNR deslocou-se junto da beneficiária, tendo a mesma relatado não ter recebido qualquer chamada e entrando de imediato em contacto com a sua amiga acima identificada.
46- Em 22 de Junho de 2020, o Requerente contactou a GNR, solicitando que verificassem o estado de saúde da beneficiária, uma vez que a mesma não atendia as suas chamadas telefónicas.
47- Na referida ocasião, uma patrulha da GNR deslocou-se junto da beneficiária, tendo esta informado os militares presentes de que não responde às chamadas telefónicas do Requerente porque não quer, que o mesmo só a tenta contactar porque está preocupado com a sua herança e, por fim, que não quer que o Requerente tenha notícias dela.
*
Factos não provados.
Com interesse para a decisão da causa, resultaram não provados os seguintes factos:
A. Os funcionários J… e J… levaram a beneficiária para a Herdade da R…, logo após o funeral do seu marido, aproveitando-se do frágil estado mental da mesma.
B. A beneficiária e o seu marido nunca viveram na Herdade da R…, devido às condições muito deficitárias das suas instalações.
C. A beneficiária dispõe atualmente apenas dos cuidados que o seu funcionário J… e os seus familiares lhe prestam.
D. A beneficiária encontra-se, durante o dia, sempre sentada num cadeirão ou em cadeira de rodas.
E. A beneficiária caiu ao chão, diversas vezes, durante o último ano, tendo inclusivamente fraturado alguns dentes numa dessas quedas.
F. A beneficiária não tem acesso atualmente a assistência especializada, nem dispõe de aquecimento no inverno.
G. O Requerente tem sonegado à beneficiária toda a documentação que lhe está a ser mensalmente enviadas pelas várias entidades bancárias onde esta é titular de depósitos e aplicações bancárias.
H. O Requerente e a beneficiária sempre tiveram uma relação afastada e distante, pautada por muito pouco contacto físico e telefónico.
I. Para que a beneficiária continuasse a ter ligação com a zona onde residiu de forma permanente até se ter reformado, os seus funcionários J… e A… levavam-na, de 15 em 15 dias, a Algés para passear, almoçar nos restaurantes que frequentava com o marido e onde era conhecida.
J. Aquando das referidas deslocações, e pese embora contactado para o efeito, o Requerente mostrava-se indisponível para estar com a irmã.
K. Os pagamentos/transferências bancárias efetuados pelo Requerente, a partir das contas bancárias da beneficiária, foram realizados sem autorização da mesma.

2 – Objeto do recurso.
Face ao disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a seguinte:
1.ª Questão – Saber se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.
2.ª Questão – Saber se a sentença é nula por não se pronunciar sobre questões que devia apreciar nos termos do art.º 615.º, nº 1, al. d) do CPC.
3.ª Questão – Saber se a sentença é nula nos termos do art.º 662º, n.º 2, al. c) do CPC.
4.ª Questão – Saber se o tribunal podia suprir o consentimento da beneficiária para a propositura da ação.
5.ª Questão – Saber se o tribunal podia retroagir os efeitos da medida decretada a Julho de 2018.
6.ª Questão – Saber quem deve ser nomeado acompanhante.

3 - Análise do recurso.

1.ª Questão – Saber se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC.


A recorrente alega que a sentença é nula porque dá como provado que [o] Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano” e, simultaneamente, dá como não provado que [o] Requerente e a beneficiária sempre tiveram uma relação afastada e distante, pautada por muito pouco contacto físico e telefónico”; porque, tendo em conta os factos dados como provados sob os pontos 14, 19 a 22 e 25 dos factos provados, não podia o douto tribunal a quo ter dado como não provado que “a beneficiária apenas dispusesse dos cuidados que o seu funcionário Joaquim Brito e os seus familiares lhe prestam” e dar como provado que [o] Requerente visitou a beneficiária pela última vez no início do ano de 2020” (portanto há mais de 1 ano) e, simultaneamente, dar como não provado que [o] Requerente e a beneficiária sempre tiveram uma relação afastada e distante, pautada por muito pouco contacto físico e telefónico.”
Conclui que tais contradições consubstanciam não só uma contradição com a decisão final de nomear o requerente como acompanhante da beneficiária, mas também traduz uma construção viciosa, na medida em que, os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.
Vejamos:
Nos termos do
artigo 615.º Causas de nulidade da sentença
1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.»
Como refere o Acórdão do STJ de 09.02.2017, proferido no processo n.º 2913/14.3TTLSB.L1.S1, (relator: Ribeiro Cardoso): Ocorre a nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente, não se verificando quando a solução jurídica decorreu de interpretação dos factos, diversa da pretendida pelo arguente.
Significa isto que, não se pode confundir erro de julgamento na matéria de facto ou errada interpretação do normativo aplicado, com a oposição entre os fundamentos e a decisão, a que se refere o art.º 615.°, n.º 1, al. c) do CPC.
E, no caso em apreciação, infere-se da alegação de recurso que a apelante discorda da decisão, suscitando questão que se prende com a inconformação com a interpretação feita na sentença.
Refere que as contradições na matéria de facto consubstanciam uma contradição com a decisão final de nomear o requerente como acompanhante da beneficiária.
Não cremos que assim seja.
De acordo com a sentença, o irmão da requerida foi nomeado para exercer o cargo de acompanhante, com competências relativas à gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da beneficiária, com exclusão das herdades, contas bancárias e veículos automóveis acima discriminados.
Da factualidade provada consta que até 24 de Julho de 2018, data do falecimento do seu marido, a beneficiária viveu tal como o irmão em Algés – Oeiras e nada mais natural do que ser o irmão – único parente conhecido – a gerir os bens da requerida, pelo que não se vê qualquer contradição entre os factos e a decisão.
O que acontece é que a recorrente discorda da decisão, mas isso não é fundamento de nulidade.
Aliás, a recorrente alega que há factos contrários entre si.
Ora, a contradição em causa neste artigo é a dos fundamentos com a decisão e não a contradição entre factos.
Por outro lado, também importa realçar que não pode haver contradição entre factos provados e não provados pois o facto não provado não significa a prova do contrário (é um nada).
Não se vislumbra, pois, que haja qualquer contradição entre as premissas de facto e de direito e a decisão.
O aludido vício de conteúdo a que se refere o art.º 615.º, n.º 1, al. c) do CPC não se verifica, por conseguinte, na sentença recorrida, pelo que improcede o que, relativamente ao qualificado vício da sentença, consta das conclusões da alegação do apelante.
Desatende-se, assim, a alegação em apreço.


2.ª Questão – Saber se a sentença é nula por não se pronunciar sobre questões que devia apreciar nos termos do art.º 615.º, nº 1, al. d) do CPC.

Refere também a recorrente que há omissão de pronúncia porque o tribunal tinha que ordenar oficiosamente prova e de se pronunciar sobre o valor/tipologia do património e atos perpetrados pelo requerente contra esse património (já que deu como provado que o património da beneficiária se estima na ordem de milhões de euros e foram juntos aos autos elementos documentais que fazem recair sobre o requerente - nomeado acompanhante - suspeitas de atos ilícitos contra o património da eneficiária).
E que também omitiu qualquer determinação acerca da periocidade da revisão das medidas de acompanhamento, o que era especialmente relevante in casu, tendo em conta a situação clínica da beneficiária e que o seu património se estima na ordem de milhões de euros (exigindo uma gestão corrente e assídua).
Vejamos:
Esta nulidade só ocorrerá quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, o pedido e as exceções, e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das “razões” ou dos “argumentos” invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas, deixando o juiz de os apreciar, conhecendo contudo da questão.
Há, assim, que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes (para sustentar a solução que defendem a propósito de cada questão a resolver): “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão.” (Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, volume V, página 143)
As “questões” a apreciar reportam-se aos assuntos juridicamente relevantes, pontos essenciais, de facto ou direito, em que as partes fundamentam as suas pretensões (Acórdão do STJ de 16.04.2013 proferido no processo n.º 2449/08.1TBFAF.G1.S1 e disponível em www.dgsi.pt) e não se confundem com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes (a estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas aos que diretamente contendam com a substanciação da causa de pedir e do pedido).
Ora, na decisão recorrida, o tribunal a quo apreciou a questão em causa, ou seja, a necessidade de acompanhamento da requerida.
Ordenar oficiosamente prova sobre determinada matéria não é obviamente sequer uma questão a resolver, mas um poder do juiz.
E pronunciar-se sobre o valor/tipologia do património e atos perpetrados pelo requerente contra esse património não é a questão dos autos.
Esta alegação traduz argumentos para defender o ponto de vista da recorrente e não uma questão em si mesma.
Ou seja, mais uma vez se verifica que a recorrente discorda do mérito da decisão.
Já no que diz respeito à alegada omissão da periocidade da revisão das medidas de acompanhamento, não se percebe a alegação, pois da sentença consta “A presente decisão deverá ser objecto de revisão oficiosa no prazo de 5 anos…”
Tanto basta para a improcedência da invocada nulidade.

3.ª Questão – Saber se a sentença é nula nos termos do art.º 662º, n.º 2, al. c) do CPC.

Invoca ainda a recorrente o seguinte:
“o Tribunal a quo deu como provado que que o património da Beneficiária se estima na ordem de milhões de euros e tomou conhecimento de factos praticados pelo Requerente que podem consubstanciar violação dos interesses da Beneficiária, mas considerou desprovido de interesse e irrelevante as transferências realizadas a partir das contas bancárias da beneficiária pelo Requerente, nomeando-o – ainda assim – Acompanhante da Beneficiária para gerir precisamente todo esse património (que o Tribunal não indagou saber qual era), que deu como provado que O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano, instituiu um regime de administração de bens e nomeou o Requerente como Acompanhante da Recorrente atribuindo-lhe poderes para assegurar gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da beneficiária, mas nem sequer se pronunciou sobre o domicílio legal da Acompanhada, pelo que da conjugação dos nºs 5 e 6 do Artº 85º CC resulta que a Beneficiária «fica sem» domicílio legal, que deu como provado que O Requerente vive nos Estados Unidos e vem a Portugal entre duas a quatro vezes por ano, mas na parte decisória nomeou o Requerente como Acompanhante indicando como residência do mesmo Algés”. (NADA MAIS)
Ou seja, nada conclui, limita-se a intitular esta alegação como “nulidade do Artigo 662.º nº 2 al. c) do CPC, sem explicar o seu processo lógico e a explicação para este “título”.
Assim, ficamos sem saber a razão desta alegação e não vislumbramos a conclusão de que está em causa o artigo referido (2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente: c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta).
Improcede assim esta alegada nulidade.

4.ª Questão – Saber se o tribunal podia suprir o consentimento da beneficiária para a propositura da ação.

A recorrente defende que o requerente não solicitou o consentimento da requerida para a propositura da ação e, na sua contestação, a beneficiária não só não prestou tal consentimento como recusou as medidas de acompanhamento propostas pelo requerente.
Alega que do Relatório de Avaliação Neuropsicologia Forense de fls. 146 e ss e do Relatório de Natureza Pericial Psiquiátrica e de Avaliação de Capacidade Civil de fls. 155 e ss, resulta que a beneficiária apresenta capacidade para escolher os seus acompanhantes e da motivação da douta sentença recorrida consta que “Sem prejuízo de tudo quanto se disse, não poderá deixar de se assinalar a vontade manifestada pela beneficiária – vontade essa, diga-se, que não se vislumbra encontrar-se colocada em causa pela incapacidade supra referida”.
Conclui que não tendo o acompanhamento sido requerido pelo MP, carecia o douto tribunal a quo de legitimidade para suprir o consentimento da beneficiária para a propositura da ação.
Cumpre decidir:
O artigo 141,º, n.º 2 do Código Civil, na redação da Lei n.º 49/2018, prevê o suprimento judicial da autorização da requerida para o seu acompanhamento e prevê que esse suprimento seja pedido juntamente com o requerimento de acompanhamento: “2 - O tribunal pode suprir a autorização do beneficiário quando, em face das circunstâncias, este não a possa livre e conscientemente dar, ou quando para tal considere existir um fundamento atendível.
3 - O pedido de suprimento da autorização do beneficiário pode ser cumulado com o pedido de acompanhamento.”
Foi isso que fez o requerente.
Decorre alguma dificuldade pelo facto da lei prever um incidente na própria ação de acompanhamento de maior acompanhado, exigindo-se ao tribunal que verifique, caso seja junta a autorização do beneficiário, se este está em condições de a conceder ao requerente ou se se justifica suprir essa falta de autorização.
Para isso o tribunal terá que apurar factos que constituem a própria causa de pedir da ação de acompanhamento, ou seja, apurar se o beneficiário se encontra impossibilitado por razões de saúde, deficiência, ou pelo seu comportamento, de exercer, plena, pessoal e conscientemente os seus direitos ou, nos mesmos termos, cumprir os seus deveres.
Para o efeito, é necessário o exame minucioso das concretas circunstâncias em que se encontra o beneficiário, e se ele é capaz ou não de conduzir validamente o processo judicial.
Assim, nesse momento de aferição, é de entender que a atividade e colaboração do perito é essencial para determinar se o beneficiário pode livre e conscientemente autorizar a outorga de poderes processuais, ou se, face às circunstâncias, este não pode livre e conscientemente autorizar a condução do processo.
A sentença recorrida declarou o suprimento do consentimento e, no nosso entender, fê-lo corretamente.
Com efeito, ficou demonstrado que “A beneficiária sofre de síndrome demencial” e note-se que tal facto não é posto em causa no recurso.
Logo, estamos perante uma situação em que a pessoa, devido a doença ou ao estado de fragilidade em que se encontra, apesar de necessitar de medidas de acompanhamento, não quer ou não aceita pedi-las e, por isso, justifica-se a decisão sem autorização da própria, já que a pessoa não está em condições de prestar livre e conscientemente a sua autorização.
Note-se aliás que a requerida, na sua contestação, admite necessitar de acompanhamento.
Tanto basta para justificar o suprimento, improcedendo assim a alegada ilegitimidade.

5.ª Questão – Saber se o tribunal podia retroagir os efeitos da medida decretada a Julho de 2018.

A recorrente alega que não havia fundamento legal nem elementos de prova para fazer retroagir a Julho/2018 a produção de efeitos das medidas decretadas pois, ao contrário do que se alega na motivação da douta sentença relativamente aos pontos 10 e 11 dos factos provados, dos relatórios juntos a fls. 146 e ss e 155 e ss dos autos não resulta que a recorrente padecesse de incapacidade generalizada em Julho/2018.
Mas também aqui não tem razão.
Resulta do facto provado n.º 11 que os sintomas da demência se agravaram com a morte do marido, o que ocorreu em 2018.
Assim sendo, justifica-se a decisão em causa, improcedendo também nesta parte o recurso.

6.ª Questão – Saber quem deve ser nomeado acompanhante.

A recorrente nada tem a opor à nomeação do funcionário J… como seu acompanhante nos moldes em que o foi, considerando, contudo, que essa gestão não deve ser atribuída única e exclusivamente ao referido funcionário, porquanto na eventualidade de uma fatalidade (acidente, doença, …) toda a “empresa” (E…) ficaria bloqueada, sem gestão, com impossibilidade de realização de pagamentos fornecedores e trabalhadores, candidaturas a subsídios do Estado, etc etc. e por isso alega que para além deste, deve ser nomeado o Sr. J…, encarregado da Herdade da A… há cerca de 63 anos para, em conjunto com o Sr. J…, assegurar a gestão e bom funcionamento da atividade comercial das herdades.
Por outro lado, a recorrente contesta a nomeação do requerente J… como acompanhante e conclui que deve ser nomeado para exercer o cargo de acompanhante – em substituição do requerente – o Sr. Dr. R… (atualmente o contabilista certificado responsável pela contabilidade da “empresa” (E…) da Beneficiária), contabilista certificado, incumbindo-o de assegurar a gestão de todo o património mobiliário e imobiliário da beneficiária, com exclusão das herdades, contas bancárias e veículos automóveis adstritos à gestão dos senhores J… e JO….
Apresenta como razões desta discordância o facto de ter dito nos autos que não confia no irmão que vive no estrangeiro e não tem com ela ligação, que não responde às chamadas telefónicas do seu irmão porque não quer, dizendo que o mesmo só a tenta contactar porque o mesmo está preocupado com a sua herança; que tem capacidade da requerida/recorrente para escolher os seus acompanhantes, que invocou na contestação diversas possíveis ilegalidades perpetradas pelo requerente e pelo seu mandatário atinentes à procuração alegadamente outorgada pela requerida ao requerente em 29-11-2018 e que no decurso do ano de 2020, foi apresentada queixa-crime contra o aqui requerente, que por o seu património da ser composto não só pelas herdades do Alentejo mas também por inúmeras contas bancárias (em Portugal e no estrangeiro), contas de títulos, depósitos à ordem e a prazo, seguros de capitalização, instrumentos financeiros diversos, investimentos em aplicações financeiras em diversos países, e inúmeros imóveis, essa gestão não pode ser feita pelo irmão que se encontra a 5000 km de distância da beneficiária, com 84 anos de idade, e que vem esporadicamente a Portugal.
Não cremos que tenha razão.
Foram nomeados 2 acompanhantes e não se vê qualquer necessidade para a nomeação de um terceiro pois, em caso de impossibilidade de desempenho, devem ser seguidos os procedimentos legais de substituição.
Por outro lado, quanto à discordância quanto à nomeação do irmão, também não se vê qualquer fundamento para tal, porque - lembre-se – este foi nomeado para gerir a maior parte do património e não se vê como possa ter interesse em prejudicar o património até pela sua qualidade de único familiar conhecido.
Parece-nos adequada a solução encontrada na sentença recorrida.
Como se pode ler nos Cadernos do CEJ sobre o regime do maior acompanhado, Fevereiro 2019 “a designação de vários acompanhantes, com especialização e diferenciação e funções, é de aplaudir, como supra se referiu, permitindo-se o desdobramento, por exemplo, de acompanhamento pessoal – porque alguém mais íntimo do beneficiário, independentemente das suas aptidões financeiras – e o acompanhamento patrimonial, relacionado com a administração do seu património – por alguém que, embora pessoalmente mais distante, possua essas mesmas qualidades.”
Com efeito, pensamos que faz todo o sentido – caso exista - o acompanhamento por familiar, não esquecendo que, no caso dos autos, salvaguardou-se – e bem - a ligação e proximidade atual com J…, funcionário da acompanhada, pessoa que ultimamente tem estado mais próxima da mesma e assegurando assim a gestão do dia-a-dia da requerida e dos bens a esta ligados, nomeando-a também acompanhante, a quem compete assegurar o bem-estar e o pleno exercício dos direitos da beneficiária, sendo conferido ao mesmo os necessários poderes para proceder à gestão das herdades da Alagoinha e da Roça, ambas pertencentes à beneficiária, bem como dos respetivos instrumentos e objetos de trabalho que se encontram afetos às referidas explorações, das contas bancárias abertas na Caixa … e tituladas pela beneficiária, com o n.º … e com o n.º …, e, por fim, dos veículos automóveis ligeiros de passageiros, propriedade da beneficiária.
Este regime parece-nos ponderado e adequado, mantendo-se assim o decidido e improcedendo totalmente o recurso.

4 – Dispositivo.

Pelo exposto, acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Évora, 17.06.2021.
Elisabete Valente
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita