PRAZO DE PRESCRIÇÃO
LOTEAMENTO URBANO
DOMÍNIO PÚBLICO
Sumário


I – A Lei n.º 54, de 16 de julho de 1913, que determina que as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, além dos prazos do Código Civil, tenha decorrido mais metade dos mesmos, está em vigor, não tendo sido revogada pelo artigo 3.º da lei preambular do Código Civil (Decreto-Lei n. 57344, de 25 de novembro de 1966), uma vez que se trata de uma lei administrativa e estar a sua vigência admitida na parte final do artigo 1304.º do mesmo Código.
II - A operação de loteamento não gera, apenas, lotes urbanos, que é o estatuto jurídico que revestem as unidades prediais destinadas a edificação, mas, também, parcelas, em que se traduz o estatuto jurídico que assumem as áreas que, no loteamento, se destinam a zonas verdes, zonas de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos, quer sejam cedidas ao município, quer permaneçam propriedade privada, embora com o estatuto especial de partes comuns dos lotes e dos edifícios que neles venham a ser erigidos.
III - As condições a que ficou obrigado o requerente do loteamento em apreço nos autos, ou aqueles que, subsequentemente, tomaram a posição de titulares do alvará, correspondem às prescrições constantes dos artigos 19º, nº 1, do DL nº 289/73, de 6 de junho, 47º, nº 2, do DL nº 400/84, de 31 de dezembro, e 16º, nº 1, do DL nº 448/91, de 29 de novembro, que, sobre esta matéria, se sucederam no tempo.
IV - Entre as condições a que ficou obrigado o requerente do loteamento, contam-se as especificações respeitantes a cedências obrigatórias à câmara municipal, a título gratuito, das parcelas de terreno a integrar, respetivamente, no domínio público ou privado municipal.
V – No caso em apreço, tendo as parcelas de terreno em discussão nos autos sido integradas no domínio público municipal, estão fora do comércio jurídico privado e, consequentemente, não são suscetíveis de ser adquiridas pelo autor e pela interveniente, designadamente, pelo decurso do tempo conducente à usucapião, nos termos do disposto pelo artigo 298º, nº 1, do CC, não se provando, por sua vez, o seu reingresso no comércio jurídico privado, por força de degradação, desafetação ou desuso imemorial. (sumário do relator)

Texto Integral



Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
A… intentou a presente ação declarativa, sob a forma comum, contra a Câmara Municipal de Loulé e I…, E.M., pedindo que:
a) seja reconhecido judicialmente por sentença a proferir nos autos que o parque de estacionamento exterior, o court de ténis confinante com o mesmo e o espaço relvado com cerca de 300m2, compreendido entre a piscina exterior do edifício, por um lado, e o court de ténis e o parque de estacionamento exterior, por outra banda, são partes comuns do Edifico “A…” por, desde 25 de outubro de 1995 até à presente data, terem sido usados e fruídos pelo autor e demais condóminos;
b) seja retificada a descrição predial nº … da Conservatória do Registo Predial de Loulé, freguesia de Quarteira, por forma a que passem a constar como partes comuns do Lote N 2 do …”, sito em Vilamoura, o parque de estacionamento exterior, o court de ténis e a faixa relvada com cerca de 300m2, confinante com estes e com a piscina exterior, e corrigida a menção à área descoberta constante de tal descrição, que deverá ser alterada de 1224m2 para 2.654,65m2.
Alegou, em síntese, que o autor e demais condóminos têm exercido a posse sobre os aludidos espaços de forma ininterrupta, pública e pacífica, na plena convicção de que os mesmos pertenciam e eram partes comuns do Edifício “A…”, por assim terem sido apresentados pelo agente imobiliário que intermediou a venda da fração “…” de tal edifício ao autor, e embora se trate de posse não titulada, a mesmo já perdura há muito mais de 20 anos, pelo que devem tais espaços ser considerados usucapidos pelo autor e demais condóminos do Edifício “A…”.
Contestaram ambas as rés, excecionando e impugnando.
A ré Câmara Municipal arguiu a sua ilegitimidade, sustentando que a ação devia ter sido instaurada contra o Município de Loulé e invocou ainda a nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, defendendo que ou se está perante um pedido ininteligível ou então é evidente a ilegitimidade do autor que, contra a vontade expressa do condomínio, peticiona o reconhecimento dos espaços acima referidos.
Impugnou, por desconhecimento, parte da factualidade alegada pelo autor, defendendo a improcedência da ação, por os aludidos espaços constituírem uma parcela de terreno que ingressou no domínio público municipal, estando por isso fora do comércio jurídico e, como tal, insuscetível de ser adquirida por usucapião.
A ré I…, E.M. invocou também a ilegitimidade do autor, por este estar a reivindicar e a pedir que sejam consideradas e reconhecidas como partes comuns os aludido espaços, e não a defesa de partes comuns do edifício, e conclui igualmente pela improcedência da ação por estar em causa uma parcela de terreno que integrou o domínio público municipal, e ainda que assim não se entenda, o que admite apenas como hipótese, impugna a factualidade alegada na petição inicial.
A sociedade I…, Lda. veio deduzir incidente de intervenção principal, por possuir interesse igual ao do autor, tendo a mesma sido admitida a intervir nos autos.
Realizou-se audiência prévia no âmbito da qual foi corrigida a identificação da ré Câmara Municipal para réu Município de Loulé, sendo proferido despacho saneador que julgou improcedentes a nulidade de todo o processo e as exceções de ilegitimidade ativa e passiva, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.
Realizada a audiência final foi proferida sentença que julgou a ação improcedente e absolveu os réus do pedido.
Inconformados, o autor e a interveniente apelaram do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
No recurso do autor:
«A) A questão angular deste processo mais não é do que a de saber se as parcelas de terreno, que constituem partes comuns do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, no qual o Autor e a Interveniente são proprietários de fracções autónomas, devem ser reconhecidas como adquiridas por usucapião.
B) Dando cumprimento ao estatuído nas alíneas a) e b) don.º 1 do artigo 640º do C. P. Civil, a ora Alegante passará a indicar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo ou da gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida para, de seguida, indicar qual a decisão que, no seu entender, deverá ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, dando cumprimento, nesta parte, ao disposto na al. c) do n.º 1 do referido preceito legal.
C) A ora Alegante considera que a Senhora Juiz “a quo” errou no julgamento de facto ao dar como provado o facto vertido no n.º 26 dos Factos Provados e ao ter dado como provado, sem mais, os factos descritos nos n.ºs 11, 15 e 16, os quais ficaram à quem do que deveria ter sido considerado provado.
D) Factos Provados sob os n.ºs 11, 15 e 16 dos factos provados: Na sentença recorrida, a Senhora Juiz “a quo” considerou provado que: «11- Em data não concretamente apurada, foi edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls.306vº, cujo teor se dá por reproduzido. 15- Esse court de ténis, o estacionamento exterior e o relvado sempre estiveram vedados e separados da via pública por rede e sebe viva. 16- Sendo tratados pelo condomínio e utilizados pelos condóminos do Edifício A…, os quais suportam os custos com a sua manutenção, com a câmara de vigilância do parque de estacionamento exterior e com a iluminação do court de ténis.»
E) Da prova produzida em audiência, sem controvérsia, resultou provado que, desde da data em que foi construído o Edifício A…, em Vilamoura, foi edificado um court ténis, que ocupa uma área de 512m, um parque de estacionamento exterior com cerca de 317m2 e uma extensão de relvado com aproximadamente 300m2,
F) Razão, pela qual, a Senhor Juiz “a quo” deveria ter dado como provado que: “11- Em data não concretamente apurada”, mas anterior à compra efectuada pelo Autor em 1995, “foi edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls. 306vº, cujo teor se dá por reproduzido”
G) E, “Esse court de ténis, o estacionamento exterior e o relvado sempre estiveram vedados e separados da via pública por rede e sebe viva”, desde a construção do Edifício A…
H) “Sendo”, desde sempre “tratados pelo condomínio e utilizados pelos condóminos do Edifício A…, os quais suportam os custos com a sua manutenção, com a câmara de vigilância do parque de estacionamento exterior e com a iluminação do court de ténis.”
I) Com efeito, a este propósito a testemunha, M…, cujo depoimento se encontra gravado em ficheiro áudio digital do dia 06/11/2020 - 20201106150920_4041818_2870816 -, com o seu nome e duração de 00:41:48 horas, referiu “que acompanhou a construção do edifício e exerceu também funções de auxiliar da administração até há cerca de 3 anos, relevando conhecer as parcelas em discussão desde data anterior à construção. Explicou a utilização que tiveram antes e após a construção do edifício. Identificou o espaço ocupado pelo estacionamento exterior, bem como indicou a cancela e a placa que foram colocadas na entrada do mesmo. Indicou, ainda, a manutenção do court de ténis efetuada pela administração do condomínio. – Cfr. Fundamentação de Facto da sentença recorrida.
J) Também a testemunha A…, cujo depoimento ficou registado em suporte áudio digital do dia 06/11/2020 - 2020110610253_4041818_2870816 -, com o seu nome e duração de 00:09:54 e 00:41:36 horas, “revelou conhecer o edifício desde 1992. Identificou as áreas /parcelas de terreno em discussão, descrevendo a sua ocupação com o court de ténis, o parque de estacionamento exterior e o relvado contíguo à piscina, a sua separação / vedação do espaço público, indicando a utilização dada pelos condóminos e melhorias efetuadas pela administração de condomínio, bem como a convicção de que pertencia ao edifício.” – Cfr. Fundamentação de Facto da sentença recorrida.
K) Mais tendo referido – ficheiro áudio n.º 20201106103857_4041818_2870816, minutos 15:39 a 17:55 que, sempre fizeram obras no campo de ténis e no estacionamento exterior, o qual era necessário já que o número de proprietários é superior ao número de lugares de estacionamento interior.
L) Tendo ainda referido a propósito da utilização do campo de ténis, do jardim e do parque estacionamento, aos minutos 24:23, que: “é evidente que eu sempre tratei enquanto lá estou de férias eu sempre usufrui daquilo como se fosse meu”
M) E, à pergunta feita pela advogada signatária, se existia alguma indicação no parque de estacionamento, para além da cancela e do cadeado que o distinguisse de um parque de estacionamento público (minutos 26:45 a 27:21), o depoente disse que, “está escrito parque privado”.
(32:24) “A única coisa que me disseram quando comprei é que isto faz parte do edifício … o campo de ténis, o jardim, a piscina, o parque de estacionamento faz parte do edifício e eu comprei nessa condição.”
N) A testemunha F…, cujo depoimento ficou registado em suporte áudio digital, do dia 06/11/2020 - 20201106112225_4041818_2870816 -, com o seu nome e duração de 00:59:08 horas, “revelou conhecer o prédio urbano desde 1993. Identificou as pareclas em discussão, respectiva ocupação com o court de ténis, o parque de estacionamento exterior e o relvado contíguo à piscina, utilização pelos condomínios, indicando a sua separação do espaço / passeio público.” – Cfr. Fundamentação de Facto da sentença recorrida.
O) Também a testemunha M…, cujo depoimento ficou registado em suporte áudio digital do dia 12/01/2021 – 20210112105225_4041818_2870816, com o seu nome e duração de 00:32:26 hora, referiu ser “proprietária de fração autónoma e membro da comissão do condomínio em anos anteriores a 2000, revelou conhecer o edifício desde 1995. Explicou a utilização efetuada pelos condóminos das áreas/parcelas de terreno em discussão, a sua separação da via pública, a manutenção efetuada pela administração do condomínio, vedação do estacionamento exterior (com corrente, depois cancela), retirada da cancela recentemente pela administração externa do condomínio, depois voltada a colocar, e deliberações das assembleias de condóminos tomadas acerca deste assunto, bem como posição em relação à pretensão da I… de cobrança de taxa pela ocupação daqueles locais” – Cfr. Fundamentação de facto da sentença recorrida.
P) Mais tendo referido a minutos 04:16 do seu depoimento registado em ficheiro áudio do dia 12/01/2021 – 20210112105225_4041818_2870816, que: “…aliás eu quando comprei a casa foi-me dado como espaço do próprio apartamento, o campo de ténis, a piscina, bem como um espaço de garagens ao ar livre que está no seguimento do campo de ténis, como sendo parte comum do edifício…”
Q) E a minutos 15:33 ter referido que, “…a Senhora Dona V… desde sempre esteve no edifício com esse F… …” 16:38 “lembro-me de há muitos anos lá estar um cadeado e lá estar a dizer provado, ter uma tabuleta a dizer privado…”
R) Ora, resulta dos depoimentos destas testemunhas, M…, A…, Ma… e F… que, em data anterior a 1995, já existia e se encontrava edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512m2 e desde a construção do edifício que o court de ténis, o estacionamento exterior e o relvado estiveram vedados e separados da via pública por rede e sebe viva e que, desde sempre foram tratados e conservados pelo Condomínio do Edifício A…,
S) Razão, pela qual, do facto provado sob o n.º 11 deverá passar a constar que em “data não concretamente apurada”, mas anterior à compra efectuada pelo Autor em 1995, “foi edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls. 306vº, cujo teor se dá por reproduzido”
T) E do Facto Provado sob o n.º 15 dos factos provados deverá passar a constar que: “Esse court de ténis, o estacionamento exterior e o relvado sempre estiveram vedados e separados da via pública por rede e sebe viva”, desde a construção do Edifício A…
U) E do Facto Provado sob o n.º 16 dos factos provados deverá passar a constar
V) “Sendo”, desde sempre, “tratados pelo condomínio e utilizados pelos condóminos do Edifício A…, os quais suportam os custos com a sua manutenção, com a câmara de vigilância do parque de estacionamento exterior
W) Assim sendo e atento o atrás exposto, deverá esse Venerando Tribunal revogar o julgamento de facto feito pelo Tribunal “a quo” pelas razões atrás indicadas e proferir acórdão julgando tal matéria nos termos ora propugnados.
X) Relativamente ao facto provado sob o n.º 26, a ora Alegante entende que a senhor Juiz “a quo” concluiu, de facto, erradamente, ao considerar que da leitura de tal documento resulta que “evidenciada a área do lote de terreno N2” e que “no confronto com os extratos da planta de síntese do alvará de loteamento a fls. 27vº, 380/380vº e 381vº, não oferece dúvida quanto à inclusão das parcelas de terreno em discussão nas áreas de cedência do loteamento, conforme levantamento topográfico de fls. 385.”.
Y) Salvo o devido respeito, da leitura de tal documento, não se pode extrair tal conclusão de facto, devendo o mesmo ser dado como não provado.
Z) O artigo 1260º, n.º 1 do Código Civil estabelece que «a posse diz-se de boa-fé, quando o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem».
AA) Neste sentido vejam-se Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça pelo seu douto acórdão de 31-10- 2002, do Tribunal da Relação de Coimbra, de 29-01-2019 e ainda, Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 02- 11-2006, todos publicados em www.dgsi.pt .
BB) Tendo em conta os factos provados sob os n.ºs 10 a 17, a posse, para além de pacífica e publica, tem de ser considerada de boa-fé.
CC) Ficou provado que os proprietários das fracções do Edifício A… estavam convictos que tais parcelas de terreno onde se situavam o court ténis, o relvado e o parque de estacionamento exterior, lhes pertencia, devendo, por isso e atenta a prova produzida em julgamento, que atrás se transcreveu, ser ilidida a presunção estabelecida no n.º 2 do artigo 1260º do Código Civil,
DD) Já que se provou que o “possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem” – Cfr. factos provados sob os n.º10 a 17.
EE) Ficou provado que sobre as parcelas em causa onde se encontram edificados o parque de estacionamento, o court de ténis e o relvado foi exercido desde, pelo menos, 1995, uma posse pública, pacífica, a qual terá de ser considerada de boa-fé por parte dos proprietários das fracções autónomas do Edifício A… – Cfr. factos provados sob os n.ºs 13, 14, 15, 16, 17 e 26 dos Factos Provados.
FF) Não obstante isso, erradamente, o Tribunal “a quo”, considerou que a posse se presumia de má-fé e que as parcelas de terreno em causa não poderiam ser adquiridas por usucapião, em virtude de integrarem áreas de cedência ao Município de Loulé e, como tal, pertencerem ao domínio público.
GG) Ora, atento o disposto, conjugadamente, nos artigos 1316º, 1317º, al. c), 1287º, 1251º 1288º, 1296º e 1304º do Código Civil, ter-se-á de concluir que a posse exercida pelo Autor e pelo ora Alegante sobre as referidas parcelas é pacifica, pública e de boa fé há mais de 25 anos
HH) Sendo que tais parcelas não pertencem ao domínio público,
II) Pelo que deverão ser declaradas usucapidas,
JJ) Não sendo aplicável ao caso em apreço o disposto no DL nº 280/2007 de 07/08, com as alterações introduzidas pela Lei nº 55-A/2010 de 31/12, Lei nº 64-B/2011 de 30/12, Lei nº 66-B/2012 de 31/12, DL nº 36/2013 de 11/03, Lei nº 83- C/2013 de 31/12 e Lei nº 82-B/2014 de 31/12,
KK) Tendo entrado em vigor em 08/08/2007, razão, pela qual, nos termos do disposto no artigo 124º, n.º 1 do referido diploma, aplica-se apenas aos procedimentos iniciados após a data da sua entrada em vigor – Cfr. artigo 128º e 129º,
LL) O que não é o caso dos autos, já que, ficou provado que a Apelante e o Autor são proprietários de fracções autónomas do prédio urbano em apreço nos presentes autos, desde 1995 – Cfr. Factos Provados sob os n.ºs 8 e 17 dos Factos Provados
MM) E que à data já se encontrava edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls.306vº, cujo teor se dá por reproduzido” – Factos n.ºs 11 e 17 dos Factos Provados,
NN) Um parque exterior de estacionamento, que ocupa uma área de 317m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls.306vº, cujo teor se dá por reproduzido -Facto n.º 12 dos factos Provados
OO) E um relvado com cerca de 300 m2, os quais sempre estiveram “vedados e separados da via pública por rede e sebe viva. – Cfr. Facto n.º 15 dos Factos Provados,
PP) «16- Sendo tratados pelo condomínio e utilizados pelos condóminos do Edifício A…, os quais suportam os custos com a sua manutenção, com a câmara de vigilância do parque de estacionamento exterior e com a iluminação do court de ténis»
QQ) 17- Desde pelo menos 1995 até aos dias de hoje, à vista de todos e sem oposição, com a convicção de que pertencem ao edifício A….” - Factos n.ºs 15 a 17 dos Factos Provados.
RR) Ora, as áreas/parcelas de terreno em causa, onde se encontra edificado o court de ténis, o estacionamento exterior e a extensão de relvado contíguo à piscina, com área de 512m2, de 317m2 e de aproximadamente 300m2 …são utilizadas pelos proprietários como parte integrante dessa edificação. Para além de que vedaram tais espaços com rede e sebe viva, colocando uma cancela no parque de estacionamento exterior (antes uma corrente e cadeado), os quais impedem terceiros de aceder/utilizar aqueles equipamentos, mantendo-os afetos à utilização dos condóminos, utilização que é efetuada desde pelo menos 1995, à vista de todos e sem oposição (pelo menos até 2018), com convicção que pertencem ao edifício.
SS) Razão, pela qual, não tendo aplicação ao caso concreto o DL n.º 280/2007, de 07/08 e não tendo ficado provado que a referida parcela de terreno cedida ao Município de Loulé se destinava a parcela destinada a superfícies verdes de convívio, recreio, jardins, lazer e parques de estacionamento,
TT) Não poderá ser considerada tal parcela do domínio público.
UU) Neste sentido, julgou o Tribunal da Relação de Lisboa, pelo seu douto acórdão de 24-01-2019, publicado em www.dgsi.pt.
VV) Com efeito, sendo aplicável ao caso em apreço o prazo de 15 anos, previsto no artigo 1296º do Código Civil, são susceptíveis de ser legalmente usucapidas as referidas parcelas de terreno,
WW) O que aconteceu, de facto, desde pelo menos 2010,
XX) Ano em que ocorreu a usucapião por parte do Autor das referidas parcelas, mais concretamente de uma área de 317 m2 ocupada pelo estacionamento exterior contíguo ao edifício, uma área de 512 m2 ocupada por um court de ténis contíguo ao edifício e uma área aproximada de 300m2 ocupada por relvado localizado entre o edifício e a piscina e o court de ténis e o estacionamento exterior.
YY) Mas ainda que se entenda, como erradamente julgou o Tribunal “a quo”, que a posse é de má-fé, por tal se presumir, por haver falta de título,
ZZ) Razão, pela qual, nesse caso, a usucapião só poder ocorrer findo o prazo de 20 anos,
AAA) Ainda assim, tais parcelas haviam sido usucapidas desde pelo menos o ano de 2015,
BBB) Ou seja, por terem decorrido mais de vinte anos sobre o início da posse.
CCC) Ao julgar o caso em apreço pela forma em análise, o Tribunal recorrido interpretou e aplicou, erradamente, ao caso concreto, o disposto, conjugadamente, nos artigos 1260º, 1316º, 1317º, al. c), 1287º, 1251º 1288º, 1296º e 1304º do Código Civil,
DDD) Normas que deveria ter interpretado no sentido das referidas parcelas, mais concretamente de uma área de 317 m2 ocupada pelo estacionamento exterior contíguo ao edifício, uma área de 512 m2 ocupada por um court de ténis contíguo ao edifício e uma área aproximada de 300m2 ocupada por relvado localizado entre o edifício e a piscina e o court de ténis e o estacionamento exterior, terem sido adquiridas pelo Autor, por usucapião, nos termos atrás referidos,
EEE) Razão, pela qual e sem necessidade da renovação da produção da prova, porque os autos contém todos os dados necessários para que esse Venerando Tribunal profira acórdão, revogando o julgamento da matéria de facto feito pelo Tribunal recorrido e julgue de Direito em conformidade com tal julgamento, se propugna que no acórdão a proferir por esse Venerando Tribunal seja reconhecida a aquisição da propriedade pela ora Alegante, por via do usucapião, das áreas em apreço nos presentes autos.»

No recurso da interveniente:
«1ª Resulta bem claro do depoimento das testemunhas M…, J…, Jo…, A… e Ma…o que desde o início da construção do prédio, hoje conhecido por edifício A…, todos os atos de disposição dos terrenos exteriores ao edifício nos levam a concluir que se verificou uma troca de terrenos entre o construtor e o Município de Loulé.
2ª E todas as testemunhas arroladas pelo Autor foram unânimes em esclarecer ao Tribunal que esta troca entre a parcela de terreno de 388m2 sita à frente do prédio, entre este e a Avenida Tivoli junto ao passeio que separa este da Avenida Tivoli e o terreno sito nas traseiras do mesmo prédio foi objeto de um documento de permuta celebrado e outorgado pelo legal representante do construtor F…, S.A e por representantes dos RR. Município de Loulé e Lu…, hoje substituída pela R. I….
3ª Resulta bem evidente do depoimento da testemunha Ma… que o condomínio, por si e antes pelo construtor tiveram sempre a posse dos terrenos aqui sub judice, que hoje correspondem ao campo de ténis, parque de estacionamento e relvado, desde que o construtor adquiriu o lote para construção onde os mesmos se incluíam, em junho de 1988.
4ª O construtor do edifício A… e de seguida o condomínio do mesmo utilizaram sempre os mesmos terrenos onde inicialmente instalaram o estaleiro, a cantina e o refeitório dos trabalhadores e mais tarde o parque de estacionamento, o campo de ténis e o relvado de apoio à piscina e por sua vez os RR. passaram a utilizar também em plena posse a faixa de terreno sita à frente do prédio, referida supra.
5ª Aliás, a R. I… considerou sempre esta parcela integrada nos passeios de Vilamoura, tendo feito obras de requalificação em todo o passeio onde a mesma se encontra, as quais custeou e pagou, em 2011.
6ª A testemunha F… afirmou perentoriamente que, em data recente, quando das obras de requalificação e renovação dos passeios de Vilamoura, a direção da R. I… solicitou à Administração do Condomínio do Edifício A…, autorização para utilizar o parque de estacionamento como estaleiro dessas obras durante o tempo de duração das mesmas reconhecendo, deste modo que o terreno deste parque é propriedade do edifício e não de nenhuma das RR. (cfr. depoimento de F…, a minuto 0:17:18 a 0:19:30).
7ª Nunca o Estado nem o Município de Loulé, nem as várias empresas que tiveram a gestão de Vilamoura (Lu…, Lus…, I…) exerceram qualquer atividade de pretenso domínio ou mera posse sobre os mesmos ao longo dos 30 anos que se seguiram à compra do lote pela construtora F…, então proprietária Lu….
8ª Isso porque nessa data, esses terrenos não tinham qualquer valor comercial dado que se encontravam nas traseiras dos prédios, nomeadamente do Edifício A….
9ª A posse dos terrenos onde se encontram atualmente o parque de estacionamento, o campo de ténis e o relvado de apoio à piscina foi sempre exercida de boa-fé por parte do construtor e seguidamente do condomínio, dado que não só nunca ofendeu os interesses ou direitos de quem quer que fosse, nomeadamente, os RR. mas sempre foi bem vista e aceite por estes como resulta claro e evidente do depoimento das testemunhas arrolados pelo Autor, nomeadamente, da Ma…, do J…, Jo…, M… e A….
10ª O parque de estacionamento foi construído em terreno, integrado no lote comprado pela F…, na parte que deveria ser considerada de domínio público, por imposição da própria Câmara Municipal, que deliberou em 1/06/89, o seguinte: quando o prédio não possua estacionamento para todas as frações deve ser construído um parque de estacionamento automóvel em espaço exterior ao prédio, que passará a pertencer ao mesmo em regime de propriedade horizontal (cfr. doc. junto à PI com o n.º 14)
11ª Ora, se fosse para fazer esse parque em espaço do condomínio não era necessária qualquer referência à parte final da decisão camarária: “os espaços destinados a esse fim ficam integrados na própria construção e será pertença do condomínio”, dado que, a ter de ser construído em terreno próprio, já seriam pertença do condomínio por natureza, não era necessário que o Município o referisse. Quando foi efetuada a vistoria do prédio por parte dos técnicos da Câmara Municipal de Loulé, já existiam tal como actualmente se encontram, o Parque de Estacionamento, o Court de Ténis e o relvado anexo às piscinas. E tudo foi visto, analisado e aprovado, passada a licença de habitabilidade, sem que ninguém fizesse qualquer referência negativa no processo de construção e de licenciamento, nem qualquer reivindicação desses mesmos terrenos, como terrenos de domínio Público.
12ª A lei que se aplica à usucapião de imóveis é o Código Civil de 1966, nos seus artigos 1.293 e seguintes o qual revogou toda a legislação em contrário.
13ª Por sua vez, diz o artº. 1304 que: “O domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas coletivas públicas está igualmente sujeito às disposições desde Código Civil, em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio”.
14ª Se o legislador entendesse que deveria continuar a aplicar-se o disposto na lei 54/1913, dizia-o expressamente na continuidade do artº. 1304 e ss. do Cº. Civil.
15ª Mas não o fez, mantendo para os imóveis do Estado os mesmos prazo que aplicou aos imóveis propriedade de particulares, aplicando-se a este caso o disposto no artº. 3 do Decreto-Lei nº 47344 de 25/11/1966: “Desde que principiou a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência”.
16ª Não tem qualquer lógica que no século XXI se aplique para o Município de Loulé uma lei arcaica de 1913 e revogada pelo Código Civil de 1966, com todas as revisões e melhoramentos a que entretanto foi sendo submetida ao longo dos tempos.
17ª Caso contrário, verifica-se uma manifesta inconstitucionalidade, na medida em que são discriminados os direitos dos cidadãos em relação aos mesmos direitos, por parte de uma empresa privada, a Lu… e hoje a I… e de um Município, em manifesta violação do princípio da igualdade previsto no artº. n.º 13 da Constituição da República Portuguesa de 1976.
Nestes termos e nos melhores de direito cujo douto suprimento por V.Ex.as se requer deve ser revogada a sentença recorrida, decidindo como vem requerido na petição inicial.
Deve também ser reconhecido que o Autor e demais condóminos do Edifício Al-Charb são os verdadeiros e únicos proprietários dos terrenos onde hoje se situam o parque de estacionamento, o campo de ténis e o relvado de apoio à piscina, em resultado da troca efetuada no início da construção do prédio, com o Município de Loulé e a Lu…, pela faixa de terreno que estas destinaram a passeio público, sita na frente do prédio junto à Avenida Tivoli.
Finalmente,
Caso assim não se entenda, deve ser declarado que o Autor e demais condóminos adquiriram os terrenos onde se encontram instalados o parque de estacionamento, o campo de ténis e a faixa de acesso à piscina por usucapião, em virtude de os terem adquirido, englobados no lote que os seus antepossuidores (construtora F…, S.A), compraram à Lu…, S.A, hoje substituída pela R. I….»
Os réus apresentaram as respetivas contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida, tendo o réu Município requerido a ampliação do objeto do recurso para o caso da sua procedência, pois atento o reconhecimento da natureza pública da parcela reivindicada (cfr. pontos 20 e 21 dos factos provados), deve ter-se por não verificado o lapso temporal previsto no artigo 1287º do Código Civil.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se deve ser alterada a decisão proferida sobre a matéria de facto nos pontos indicados pelos recorrentes;
- se o autor adquiriu, por usucapião, a propriedade das áreas/parcelas de terreno em discussão nos autos, o que pressupõe saber se tais áreas fazem ou não parte do domínio público municipal.
Na ampliação do objeto do recurso pelo réu Município:
- se houve reconhecimento por parte do autor e da interveniente quanto à natureza pública das aludidas áreas/espaços, não tendo por isso decorrido ainda o lapso temporal necessário para usucapir as mesmas.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - A sociedade Lu…, S.A. era proprietária de um lote de terreno, para construção urbana, designado por Lote N2, do …, sito em Vilamoura, o qual se encontra licenciado pelo alvará de loteamento n.º …, emitido pela Câmara Municipal de Loulé em 15.05.1974- cf. doc. de fls. 213/215, cujo teor se dá por reproduzido.
2 - Em 22.01.1982 a sociedade Lu…, S.A. requereu junto da Câmara Municipal aprovação para as obras de construção do edifício …, situado no referido lote de terreno, a que coube o processo de obras n.º …- cf. doc. de fls.103/210, cujo teor se dá por reproduzido.
3 - Em 26.05.1988 requereu autorização para iniciar as escavações e fundações- cf. doc. de fls. 103/210 e 34vº, cujo teor se dá por reproduzido.
4 - Por escritura pública de compra e venda datada de 09.06.1988, a sociedade Lu…, S.A. declarou vender à sociedade F…, S.A., que declarou comprar, o referido lote de terreno- cf. doc. de fls. 213/215, cujo teor se dá por reproduzido.
5 - No qual esta sociedade construiu um bloco de apartamentos, com 142 fogos destinados a habitação, 2 ocupações destinadas a serviços, 2 para comércio e 1 para comércio ou indústria- cf. doc. de fls.103/210, cujo teor se dá por reproduzido.
6 - Em 01.06.1989 a Câmara Municipal de Loulé deliberou “por unanimidade e em minuta, exigir em todas as construções a levar a efeito no Concelho, nos prédios com mais de 3 pisos, espaço destinado a estacionamento correspondente a um auto por fogo e um auto por cada 60 m2 de construção para outros fins. Mais foi deliberado, por unanimidade e em minuta, que todos os espaços destinados a esse fim integrado na própria construção ou em logradouro, será pertença do condomínio, não sendo permitidas quaisquer divisórias” - cf. doc. de fls.33, cujo teor se dá por reproduzido.
7 - Por escritura pública de 27.11.1992 foi constituído em propriedade horizontal o bloco de apartamentos construído no Lote N2, do …, sito em Vilamoura, freguesia de Quarteira, concelho de Loulé, denominado de Edifício A… - cf. doc. de fls.241/289, cujo teor se dá por reproduzido.
8 - O qual foi descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Quarteira, sob o art.º …, composto por edifício de cave, rés-do-chão, 1º a 7º andar e logradouro com piscina, a confrontar a norte com lote N1, a sul com Lotes N3 e N4, a nascente e poente com terrenos da Câmara Municipal de Loulé, com área total de 4192m2, sendo área coberta 2968m2 e área descoberta 1224m2- cf. fls. 28/32, cujo teor se dá por reproduzido.
9 - Em 10.12.1993 foi emitido alvará de licença de utilização n.º …, cf. doc. de fls.28/32 e fls.132, cujo teor se dá por reproduzido.
10 - O autor e a interveniente são proprietários de frações autónomas do referido prédio urbano- cf. doc. de fls.11/12 e 64/66, cujo teor se dá por reproduzido.
11 - Em data não concretamente apurada, foi edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls.306vº, cujo teor se dá por reproduzido.
12 - E um parque exterior de estacionamento, que ocupa uma área de 317m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls. 306vº, cujo teor se dá por reproduzido.
13 - Em ambos os lados da entrada do parque de estacionamento exterior estiveram colocados dois sinais com indicação de parque privado, um cadeado com corrente e uma cancela, os quais limitavam o acesso de terceiros estranhos ao condomínio.
14 - Entre esse parque de estacionamento exterior, o court de ténis e o edifício e piscina exterior existe uma extensão de relvado com aproximadamente 300 m2, onde se encontram implantas quatro palmeiras, com a configuração constante do doc. de fls.306vº, cujo teor se dá por reproduzido.
15 - Esse court de ténis, o estacionamento exterior e o relvado sempre estiveram vedados e separados da via pública por rede e sebe viva.
16 - Sendo tratados pelo condomínio e utilizados pelos condóminos do Edifício A…, os quais suportam os custos com a sua manutenção, com a câmara de vigilância do parque de estacionamento exterior e com a iluminação do court de ténis.
17 - Desde pelo menos 1995 até aos dias de hoje, à vista de todos e sem oposição, com a convicção de que pertencem ao edifício A….
18 - Por documento particular, datado de 02.03.2018, denominado contrato-programa, foi acordado entre a Câmara Municipal de Loulé e a I…, E.M. que esta assumia a gestão e manutenção de infraestruturas na área de Vilamoura, Vila Sol e Passeio das Dunas, nomeadamente a construção, gestão e manutenção de redes viárias principais e secundárias, espaços verdes, sistemas de drenagem de águas pluviais, rede de iluminação pública, estacionamento público e limpeza urbana, bem como a cobrança de tarifa relativa à qualidade das infraestruturas e ambiente e a fiscalização do espaço público- cf. doc. de fls.217/221, cujo teor se dá por reproduzido.
19 - A I… enviou à administração do condomínio do Edifício A… carta datada de 03.07.2018, na qual identificava a área utilizada pelo condomínio para parque de estacionamento e court de ténis como pertencente a área pública e fora do lote, reclamado o pagamento de taxa de ocupação da área de 1430,65m2, no valor anual de €51.657,08- cf. doc. de fls.16, cujo teor se dá por reproduzido.
20 - Na Assembleia Geral de Condóminos do Edifício A… de 15.12.2018 foi deliberado, por maioria, a entrega da parcela de terreno por alegadamente integrar domínio público- cf. doc. de fls.56vº/58, cujo teor se dá por reproduzido.
21- Na Assembleia Geral de Condóminos do Edifício A… de 01.06.2019 foi deliberado, por maioria, a remoção do parque de estacionamento externo e do court de ténis e a celebração de um acordo com a I… para permitir a utilização destes espaços mediante o pagamento de uma taxa de ocupação com um teto de €11.000,00- cf. doc. de fls.17/25vº, cujo teor se dá por reproduzido.
22 - Na Assembleia Geral Extraordinária de Condóminos do Edifício A… de 04.10.2019 foi deliberado, por maioria, a revogação das deliberações tomadas nas assembleias de condóminos de 15.12.2018 e de 01.06.2019 referidas em 20. e 21. - cf. doc. de fls.79/83, cujo teor se dá por reproduzido.
23 - Em data não apurada, foi retirada a cancela que vedava o acesso ao parque de estacionamento exterior, por indicação da administração do condomínio exercida pela sociedade “C…”.
24 - Existe uma área de 388m2 localizada à face da Avenida Tivoli, a qual integra o lote de terreno N2, com a configuração constante do doc. de fls.306vº, cujo teor se dá por reproduzido.
25 - A qual não se encontra vedada e é utilizada por todos aqueles que por ali passam, a qual foi objeto de intervenção/requalificação no ano de 2011 pela I….
26 - As áreas em que se encontram edificados o parque de estacionamento, o court de ténis e o relvado integram áreas de cedência ao Município de Loulé, conforme planta de síntese junta com o alvará de loteamento n.º ….

E foram considerados não provados os seguintes factos:
a) a deliberação da CML de 01.06.1989 identificada em 6. foi tomada no processo de obras nº … referente ao Edifício A… e deliberou que o parque de estacionamento exterior do condomínio a construir nas suas traseiras seria pertença do mesmo;
b) a “F…, S.A.” acordou com a Câmara Municipal de Loulé a troca da faixa de terreno a nascente, sita entre o prédio implantado e a Avenida Tivoli, com os terrenos sitos na traseira do lote, onde construiu o parque de estacionamento, o campo de ténis e parte do relvado que circunda a piscina;
c) o lote de terreno N2 possui uma área total descoberta de 2654,65 m2;
d) a I…, E.M. sempre reconheceu o parque de estacionamento exterior como pertencendo ao Edifício A….

Da impugnação da matéria de facto
Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental e depoimentos testemunhais registados em suporte digital.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que os recorrentes (autor e interveniente) cumpriram formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, já que especificaram os concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados, indicaram os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por eles propugnados[1], referiram a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e também não deixaram de indicar as passagens da gravação em que fundam o recurso, transcrevendo mesmo algumas dessas passagens no corpo das alegações, pelo que nada obsta ao conhecimento do recurso na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito da Sr.ª Juíza a quo, a qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
Infere-se das conclusões do autor/recorrente que este discorda da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente a toda a matéria de facto dada como não provada [alíneas A), B), C) e D)].
Já a interveniente/recorrente discorda daquela decisão, no que se refere aos pontos 11, 15, 16 e 26 dos Factos Provados.
Começaremos a nossa análise pela matéria de facto dada como provada e objeto de impugnação por parte da recorrente/interveniente.
Nos pontos 11, 15 e 16 foi dado como provado:
«11 - Em data não concretamente apurada, foi edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls.306vº, cujo teor se dá por reproduzido.
15 - Esse court de ténis, o estacionamento exterior e o relvado sempre estiveram vedados e separados da via pública por rede e sebe viva.
16 - Sendo tratados pelo condomínio e utilizados pelos condóminos do Edifício A…, os quais suportam os custos com a sua manutenção, com a câmara de vigilância do parque de estacionamento exterior e com a iluminação do court de ténis.»
Entende a recorrente que deveria ter sido dado como provado:
11 - Em data não concretamente apurada, mas anterior à compra efetuada pelo Autor em 1995, foi edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512m2, contígua ao edifício, com a configuração constante do doc. de fls. 306vº, cujo teor se dá por reproduzido.
15 - Esse court de ténis, o estacionamento exterior e o relvado sempre estiveram vedados e separados da via pública por rede e sebe viva”, desde a construção do Edifício A….
16 - Sendo, desde sempre, tratados pelo condomínio e utilizados pelos condóminos do Edifício A…, os quais suportam os custos com a sua manutenção, com a câmara de vigilância do parque de estacionamento exterior e com a iluminação do court de ténis.
Ou seja, a interveniente/recorrente pretende que sejam acrescentados aos pontos de facto em referência, as expressões que acima se encontram a negrito e sublinhado.
Diz a recorrente que resulta dos depoimentos das testemunhas M…, A…, Ma… que, em data anterior a 1995, já existia e se encontrava edificado um court de ténis, que ocupa uma área de 512 m2 e desde a construção do edifício que o court de ténis, o estacionamento exterior e o relvado estiveram vedados e separados da via pública por rede e sebe viva, e que desde sempre foram tratados e conservados pelo Condomínio do Edifício A….
Relacionada com esta matéria está a factualidade dada como não provada na alínea b) dos factos não provados: «a “F…, S.A.” acordou com a Câmara Municipal de Loulé a troca da faixa de terreno a nascente, sita entre o prédio implantado e a Avenida Tivoli, com os terrenos sitos na traseira do lote, onde construiu o parque de estacionamento, o campo de ténis e parte do relvado que circunda a piscina».
Na motivação da decisão de facto, relativamente a este ponto da matéria de facto não provada, escreveu-se na sentença recorrida:
«(…) a testemunha M… referiu que, aquando da construção do edifício, o estaleiro e refeitório, foram instalados na parte de trás.
Donde, dúvidas se suscitam, ainda, se a tal cedência corporizada no documento que as testemunhas afirmam ter visto se referia à utilização dessa parte de trás, em termos temporários (enquanto durasse a construção do edifício).
E sabendo que se tratavam de áreas de cedência, também não faria sentido a CML trocá-las por uma área do lote de terreno propriedade da empresa construtora com dimensão inferior (ainda que localizada na parte da frente do edifício).
Donde, na ausência de prova suficiente, foram os referidos factos considerados como não provados.»
Ora, desde logo e pela própria natureza das coisas, é improvável a existência de uma troca de terrenos, para um determinado fim, quando é certo que, à data, o fim atribuído pelo construtor ao espaço publico ocupado, estava ao serviço e apoio à construção do edifício.
Por sua vez, da prova documental carreada para os autos (v.g. certidões do registo predial, da escritura de compra e venda e da escritura de constituição do edifício em propriedade horizontal), não resulta a existência de qualquer desses espaços, situados em parcela não pertencente às partes comuns do edifício.
Na sentença recorrida fez-se, como se impunha, uma apreciação crítica e conjugada da prova documental e testemunhal, a qual não consente que sejam introduzidas as alterações aos pontos da matéria de facto em discussão.
Ademais, os recorrentes não lograram provar a data do início da posse que alegam, desconhecendo-se outrossim a data de construção e quem construiu o parque de estacionamento, jardim e campos de ténis.
E se dúvidas houvesse quanto à data do início da posse, é o próprio autor que no artigo 46º da petição inicial e no pedido formulado sob a alínea a), fixa aquele início em 25 de outubro de 1995, o que, aliás, foi tido em consideração na sentença recorrida, quando procedeu à análise do período temporal necessário para que os recorrentes pudessem adquirir os referidos espaços por usucapião.
Mantêm-se assim intocados os pontos 11, 15 e 16 dos factos provados.

No ponto 26 dos factos provados foi dado como assente que «[a]s áreas em que se encontram edificados o parque de estacionamento, o court de ténis e o relvado integram áreas de cedência ao Município de Loulé, conforme planta de síntese junta com o alvará de loteamento n.º …».
A sentença recorrida fundamentou a decisão deste ponto da matéria de facto nos seguintes termos:
«As testemunhas C…, A…, P…, J… e Pe…, funcionários do réu Município e da ré Inframoura, revelaram conhecimento dos factos em discussão e sobre os quais depuseram, em virtude das funções que desempenham.
(…).
Os referidos depoimentos, revelaram-se coerentes, isentos e sem contradições, não tendo sido contraditados por qualquer meio de prova.
Aliás, decorre do processo de obras, mormente do levantamento topográfico constante de fls.189vº, evidenciada a área do lote de terreno N2. Que no confronto com os extratos da planta de síntese do alvará de loteamento a fls. 27vº, 380/380vº e 381vº, não oferece dúvidas quanto à inclusão das parcelas de terreno em discussão nas áreas de cedência do loteamento, conforme levantamento topográfico de fls.385.
Donde, foram os referidos meios de prova valorados para prova dos factos vertidos nos pontos 24. a 26. dos factos provados.»
Quanto a este ponto, a recorrente limita-se a alegar, de forma conclusiva, que «da leitura de tal documento, não se pode extrair tal conclusão de facto, devendo o mesmo ser dado como não provado».
Ora, a natureza da exigência legal prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 640º do CPC (enquanto meio que dá suporte ao erro de julgamento da matéria de facto impugnada), que tem por finalidade impedir impugnações carecidas de fundamento probatório objetivo, impõe uma indicação precisa dos meios de prova que deveriam levar à pretensa modificação dos factos concretamente impugnados, pelo que não se compadece com uma mera afirmação de que o Tribunal a quo não podia dar como provada a factualidade constante do ponto 26.
Veja-se que no julgamento deste ponto o Tribunal a quo considerou a prova testemunhal produzida em julgamento, que a recorrente não infirma, e a sua articulação e confronto com a prova documental, o que levou a considerar como provada não só a matéria daquele ponto 26, como também a factualidade dos pontos 24 e 25, que não foi sequer objeto de impugnação.
O não cumprimento do aludido ónus (primário) pela recorrente determina, sem mais, a imediata rejeição do recurso no tocante à impugnação do ponto 26 dos factos provados.

Passemos agora a analisar a impugnação da matéria de facto feita pelo autor/recorrente que, como vimos supra, se cinge à factualidade dada como não provada.
Segundo o recorrente os factos dados como não provados deviam ter sido considerados provados com base na prova testemunhal que indica.
A sentença recorrida fundamentou a decisão de julgar não provada a matéria constantes das várias alíneas dos factos não provados nos seguintes termos:
«No que concerne aos factos não provados, os mesmos foram assim considerados em face da ausência ou insuficiência de prova quanto à sua verificação ou prova realizada em sentido contrário.
Assim, no que respeita aos factos vertidos na alínea a), o decidido resultou de não ter sido apresentada prova quanto à sua verificação, na medida em que do processo de obra junto a fls.103/210 não consta tal deliberação, nem da certificação do documento a fls.33 resulta que tenha sido extraída de tal processo, evidenciando que se trata de deliberação genérica, não dirigida ao caso em concreto.
Donde, o que a testemunha F… a este propósito afirmou não encontra suporte, nomeadamente que tenha existido uma imposição camarária no sentido de o construtor ocupar o espaço contíguo exterior para edificação de um parque de estacionamento.
Aliás, a deliberação em causa é datada de 1989 e sabemos que o processo de obra foi instaurado em 1982, encontrando-se em fase de construção naquela data, com reapreciação do projeto de construção, no qual não é contemplada a edificação desse parque de estacionamento exterior- cf. fls.33 e processo de obras a fls. 103/210.
Ademais, na planta constante de fls. 189 e no levantamento topográfico de fls.189vº, juntos no processo de obras, é notório que a área ocupada pelo parque de estacionamento não faz parte integrante do lote de terreno.
Quanto aos factos indicados na alínea b), a prova apresentada não foi consistente a ponto de considerar verificada a referida factualidade.
Desde logo, não foi apresentado o documento que alegadamente corporizava a alegada permuta das parcelas de terreno em discussão.
Os supostos outorgantes-Lu… e Município de Loulé- negam a existência deste acordo de cedência- art.º 39.º da contestação do réu e fls. 377. Não se conseguiu notificar a empresa construtora.
Por outro lado, o terceiro na posse de quem aquele documento se encontraria negou conhecimento da sua existência- fls.300/301.
A testemunha A… ouviu falar na cedência de terrenos da frente do edifício, em contrapartida ao recebimento dos terrenos na traseira, donde não revelou conhecimento direto desta factualidade.
As testemunhas F…, Mar…, Jo… e Ma… referiram ter visto e lido o documento em questão. Mas com versões divergentes, que suscitam dúvidas quanto ao verdadeiro conteúdo e autoria.
A primeira, referiu que se encontrava na pasta do condomínio, era constituído por 2 folhas, que eram outorgantes a construtora (F…) e que cedia à Lu… e à CML (Câmara Municipal de Loulé), 400m2 na parte da frente do edifício, em troca de terreno na parte de trás (não indicou a área). A pasta ficou com o administrador Joc… para regulariza a situação do edifício na caderneta predial (o próprio negou conhecimento da existência do documento).
A segunda, referiu que viu o documento na posse da construtora, através do qual esta cedia terreno na parte da frente do edifício à Lu…, em troca de terreno na parte de trás. Era um papel de 25 linhas, azul, com assinatura do legal representante da construtora (não identificou a CML como outorgante).
A terceira, referiu que se tratava de papel selado, antigo, com uma a duas páginas, só escrito na parte da frente. Estava na sala do condomínio e era assinado por um “F…” qualquer coisa (legal representante da construtora). Da outra parte não se recorda se assinado pela CML ou pela Lu… (que indicou como entidade provável, após sugestão da pergunta que lhe foi colocada). Tratava de uma permuta entre o espaço da frente do edifício (para a Avª Tivoli) e o espaço de trás (não indicou áreas). Não se recordava se estava datado ou não. Não tinha qualquer planta anexa.
A quarta, mencionou que se tratava de documento com 2/3 folhas, em papel azul, em que se estabelecia a cedência do terreno da frente ao Município, em troca da parte de trás, onde se localiza o court de ténis e estacionamento. Era assinado pelo construtor e pela Lu… ou CML, não se recordava. Encontrava-se na pasta do condomínio.
Para além das discrepâncias quanto ao suporte físico e intervenientes, no essencial, as testemunhas referiram o que se recordavam do alegado documento que viram.
Porém, não demonstraram recordar-se dos concretos termos do acordo, nomeadamente duração, áreas envolvidas (em termos de dimensão) e condições em que tal cedência foi realizada, ou mesmo, algumas delas, quais as concretas entidades envolvidas.
Tais aspetos revelam-se essenciais para demonstrar se se tratava de uma cedência definitiva, nos termos em que foram alegados pelo autor.
Acresce que não faz muito sentido que a entidade outorgante fosse a Lu…, quando se sabe que foi esta sociedade quem vendeu à sociedade construtora o lote de terreno.
Logo, se a alegada permuta ou cedência foi realizada após a venda (única situação plausível para a intervenção da sociedade construtora) estaria a trocar uma área que não lhe pertencia (na parte traseira), por uma área que acabara de vender (na parte da frente).
Como não faz sentido essa permuta realizar-se com a CML e não ficar a constar do processo de obra. Ou mesmo ter tido a intervenção em simultâneo, quer da CML, quer da Lu…, em contraponto da sociedade construtora.
Note-se que a testemunha M… referiu que, aquando da construção do edifício, o estaleiro e refeitório, foram instalados na parte de trás.
Donde, dúvidas se suscitam, ainda, se a tal cedência corporizada no documento que as testemunhas afirmam ter visto se referia à utilização dessa parte de trás, em termos temporários (enquanto durasse a construção do edifício).
E sabendo que se tratavam de áreas de cedência, também não faria sentido a CML trocá-las por uma área do lote de terreno propriedade da empresa construtora com dimensão inferior (ainda que localizada na parte da frente do edifício).
Donde, na ausência de prova suficiente, foram os referidos factos considerados como não provados.
Quanto à matéria de facto indicada na alínea c), foi realizada prova em sentido contrário, nos termos analisados, mormente do confronto ou sobreposição da planta de síntese junta com o alvará de loteamento, com o levantamento topográfico realizado junto a fls.385, e com o levantamento topográfico de fls.306vº, e depoimentos prestados pelas testemunhas C…, P… e Jo….
Por último, em relação aos factos vertidos na alínea d), o decidido resultou de não ter sido encontrado suporte probatório que comprove esta factualidade.»
Ouvida toda a prova gravada, subscrevemos integralmente o entendimento do Tribunal a quo. Senão vejamos.
O recorrente funda a sua discordância quanto ao julgamento da matéria de facto considerada não provada em passagens extraídas dos depoimentos das testemunhas F…, M… e A…, esquecendo, porém, que a motivação do Tribunal a quo é muito mais abrangente e resulta de uma apreciação crítica, conjugada e concatenada da prova documental e testemunhal produzida.
De tal motivação constam de forma detalhada as razões pelas quais os depoimentos das testemunhas F…, M… e A… não foram considerados, designadamente quanto à alegada permuta, não deixando de se estranhar que não exista uma única cópia de um documento tão importante, sendo certo que, a instâncias da Sr.ª Juíza, a testemunha Jor…, ex-administrador do Condomínio, foi perentório em dizer que tal documento não existe.
Seja como for, uma vez que o Recorrente limita a sua impugnação a uma parte dos elementos de prova acolhidos na sentença recorrida, não se pode falar em erro de julgamento da matéria de facto não provada.
Na verdade, para que seja alterada a decisão sobre a matéria de facto, não basta transcrever excertos do que disseram as testemunhas no sentido das alterações pretendidas. Os depoimentos das testemunhas têm de ser analisados no seu conjunto e pesam-se caso a caso, no contexto em que se inserem, tendo em conta a razão de ciência que invocam e a sua razoabilidade face à lógica, à razão e às máximas da experiência.
Resulta, pois, do exposto, que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC.
Assim, teremos de concluir que perante a prova produzida, bem andou a Sr.ª Juíza na decisão sobre a matéria de facto.

Da usucapião
Permanecendo incólume a decisão do Tribunal a quo quanto ao julgamento da matéria de facto, nenhuma censura há a fazer à sentença recorrida, onde foi feita uma correta subsunção dos factos ao direito e se concluiu pela improcedência da ação.
Na verdade, com a presente ação o autor visa obter o reconhecimento do direito de propriedade sobre determinadas áreas de terreno, alegando o exercício de poderes de facto, com características da posse, durante determinado lapso temporal, de forma pública, pacífica e de boa-fé, fundamento da sua aquisição por usucapião.
A sentença recorrida fez um enquadramento legal da questão em termos que, no essencial, não suscitam reparos, considerando que o lapso temporal para a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre as parcelas de terrenos identificadas pelo autor e pela interveniente é de 30 anos, contados desde o início da posse - que o autor diz ter tido início em 1995 -, prazo esse que ainda não havia decorrido à data da instauração da ação, em 14.06.2019, o que faria, desde logo, claudicar a pretensão do autor e da interveniente, ora recorrentes.
Para assim se decidir, considerou-se na sentença estar em vigor a Lei nº 54 de 16.07.1913, contra o que se insurge a recorrente/interveniente [cfr. conclusões 12ª a 16ª].
Mas não tem razão a recorrente.
Dispõe o artigo 1º da Lei n.º 54 de 16 de julho de 1913:
«As prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, além dos prazos actualmente em vigor, tenha decorrido mais metade dos mesmos prazos.
§ único. A disposição deste artigo não abrange os bens que à data da promulgação desta lei estejam prescritos nos termos legais, nem as prescrições de dívidas ao Estado por contribuições.»
O artigo 3º do Decreto-Lei nº 47.344, de 25 de novembro de 1966, que aprovou o Código Civil estabelece o seguinte princípio de revogação do direito anterior à vigência deste diploma: «[d]esde que principie a vigorar o novo Código Civil, fica revogada toda a legislação civil relativa às matérias que esse diploma abrange, com ressalva da legislação especial a que se faça expressa referência».
Finalmente, prescreve o artigo 1304º do Código Civil que «[o] domínio das coisas pertencentes ao Estado ou a quaisquer outras pessoas colectivas públicas está igualmente sujeito às disposições deste código em tudo o que não for especialmente regulado e não contrarie a natureza própria daquele domínio».
Na anotação a este artigo, os Professores Pires de Lima e Antunes Varela[2], manifestam a sua concordância à conclusão expressa pelo Professor Marcelo Caetano sobre a subsidiariedade da aplicação do Código Civil à dominialidade do estado, nos seguintes termos:
«O regime de dominialidade é autónomo relativamente ao da propriedade particular, do mesmo modo que o Direito Administrativo o é relativamente ao Direito Civil. Por isso, na ausência de “regulamentação especial” – e justamente por causa da ‘natureza própria’ do domínio público – a integração das lacunas deve fazer-se pelo recurso aos casos análogos regulados em leis administrativas ou aos princípios gerais do Direito Administrativo ou do Direito Público Português. Só na falta destes é possível lançar mão dos princípios gerais do Direito (público e privado) porventura contidos no Código Civil».
Concluem aqueles autores, que relativamente a coisas do domínio do estado, «enquanto não estiver esgotado o processo interpretativo do direito público, incluindo o recurso à analogia dentro deste direito, não há que recorrer à lei civil».
Este mesmo entendimento é acolhido pelo Professor Oliveira Ascensão[3], que refere a vigência da Lei n.º 54 de 16 de julho de 1913 «mantida em vigor pelo artigo 1304.º do Código Civil”, concluindo que «são usucapíveis as coisas que se encontrem na “titularidade privada” do Estado, mas então o prazo é acrescido de 50% na sua duração».
No mesmo sentido vai a jurisprudência, como se ilustra com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.12.1984[4], em cujo sumário se pode ler: «[a] Lei n.º 54, de 16 de Julho de 1913, que determina que as prescrições contra a Fazenda Nacional só se completam desde que, alem dos prazos do Código Civil, tenha decorrido mais metade dos mesmos, está em vigor, não tendo sido revogada pelo artigo 3.º da lei preambular do Código Civil (Decreto-Lei n. 57344, de 25 de Novembro de 1966), visto tratar-se de uma lei administrativa e estar a sua vigência admitida na parte final do artigo 1304.º do referido Código»[5].
Bem andou, pois, a decisão recorrida, ao concluir ser aplicável in casu a Lei nº 54, de 16 de julho de 1913, que manda adicionar ao prazo prescricional aquisitivo, metade desse prazo.
Carece igualmente de razão a recorrente quando na conclusão 17º refere que se verifica «uma manifesta inconstitucionalidade, na medida em que são discriminados os direitos dos cidadãos em relação aos mesmos direitos, por parte de uma empresa privada, a Lu… e hoje a I… e de um Município, em manifesta violação do princípio da igualdade previsto no artº. n.º 13 da Constituição da República Portuguesa de 1976».
A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem, em geral, afirmado reiteradamente que o princípio da igualdade obriga a que se trate como igual o que for necessariamente igual e como diferente o que for essencialmente diferente; não impede a diferenciação de tratamento, mas apenas a discriminação arbitrária, a irrazoabilidade, ou seja, distinções de tratamento que não tenham justificação e fundamento material bastante[6].
Ora, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade na interpretação acima acolhida, por alegada violação do princípio da igualdade, pois, como se viu, trata-se de uma lei administrativa e a sua vigência está admitida no artigo 1304º, in fine, do CC.
Em suma, não decorreu o lapso temporal para a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre as parcelas de terrenos identificadas.

Na sentença recorrida não deixou também de se ponderar o seguinte:
«Mas mesmo que assim não fosse, para que se considerasse existir a possibilidade de aquisição, por usucapião, das mencionadas parcelas de terreno teríamos que nos encontrar perante domínio privado do Estado.
Os réus defendem que não será o caso, na medida em que essas parcelas correspondem a áreas de cedência, no âmbito de processo de loteamento, donde integram domínio público municipal.
O autor e a interveniente não divergem desta posição, considerando que invocam a existência de uma permuta dessas parcelas de terrenos, realizada entre a construtora do edifício e a Câmara Municipal de Loulé (artºs 27.º e 31.º da petição).
Conforme resulta dos factos provados, o lote de terreno onde foi edificado o Edifício A… resultou de operação de loteamento a que corresponde o alvará de loteamento n.º 3/74, de 15 de maio.
Este lote de terreno inicialmente era propriedade da sociedade Lu…, S.A. e foi adquirido pela sociedade F…, S.A..
Após realização de construção de edifício nesse lote de terreno e sujeição do mesmo ao regime da propriedade horizontal, foram alienadas as respetivas frações autónomas, designadamente ao autor e à interveniente.
Desta forma, desde logo, adquiriram os proprietários das frações autónomas, sob a forma derivada, o direito de propriedade sobre essas frações e, em compropriedade, sobre as respetivas partes comuns do edifício (artºs 1316.º e 1420.º do Código Civil).
Para além do mais, por força do respetivo registo das aludidas aquisições na Conservatória do Registo Predial, o autor e a interveniente, gozam da presunção de titularidade das aludidas frações autónomas e zonas comuns (art.º 7.º do Código do Registo Predial), a qual não foi ilidida.
Porém, o que se discute não é o direito de propriedade sobre as frações autónomas e compropriedade sobre as partes comuns, identificadas na descrição predial, mas sobre determinadas parcelas de terreno, que o autor identifica no articulado e concretiza por referência ao documento junto a fls.306vº (levantamento topográfico), que não consta da descrição predial.
Concretamente, uma área de 317m2 ocupada pelo estacionamento exterior contíguo ao edifício, uma área de 512m2 ocupada por um court de ténis contíguo ao edifício e uma área aproximada de 300m2 ocupada por relvado localizado entre o edifício e a piscina e o court de ténis e o estacionamento exterior (com a configuração constante daquele levantamento topográfico).
(…).
Assim, o que se impõe apreciar é se o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, onde autor e interveniente são proprietários de frações autónomas, possui a configuração alegada, nomeadamente se engloba o espaço físico/parcelas de terreno em discussão, as quais constituem partes comuns (art.º 1421.º do Código Civil).
O que nos remete para a apreciação do regime do loteamento urbano.
Na verdade, na base da autonomização do mencionado prédio urbano, denominado por Edifício A…, esteve uma operação de loteamento, titulada pelo alvará de loteamento n.º …, de 15 de maio.»
E assim é efetivamente.
Vejamos, antes de mais, a lei aplicável ao referido loteamento.
Os loteamentos urbanos foram sucessivamente regulados, até ao Regime Jurídico da Urbanização e Edificação, atualmente em vigor, a que se reporta o DL nº 555/99, de 16 de dezembro, pelo DL nº 46673, de 29 de novembro de 1965, pelo DL nº 289/73, de 6 de junho, pelo DL nº 400/84, de 31 de dezembro, e pelo DL nº 448/91, de 29 de novembro.
O alvará de loteamento nº …, em análise nos autos, foi emitido pela Câmara Municipal de Loulé em 15.05.1974 [cfr. doc. de fls. 213/215 e ponto 1 dos factos provados], em conformidade com o disposto no artigo 19º do DL nº 289/73, de 6 de junho, como bem se ajuizou na sentença recorrida.
Com a entrada em vigor do DL nº 289/73, de 6 de junho[7], que já se definiu como sendo a lei aplicável à decisão da questão em apreço, alargou-se o conceito de loteamento que, tal como estava formulado, deixava à margem de qualquer disciplina uma série de situações que, não se concretizando através de contratos de venda ou locação, logravam, na prática, os mesmos efeitos.
Porém, não se estabeleceu o conceito de loteamento urbano, muito embora o artigo 1º, do mesmo diploma legal, ao delimitar o seu campo de aplicação, estatuísse que «a operação que tenha por objeto ou simplesmente tenha como efeito a divisão em lotes de qualquer área de um ou vários prédios, situados em zonas urbanas ou rurais, e destinados imediata ou subsequentemente à construção, depende de licença da câmara municipal da situação do prédio ou prédios, nos termos do presente diploma».
O loteamento consiste, assim, na realização de uma operação urbanística de divisão de um ou vários prédios, em parcelas autónomas [lotes], de qualquer área, unidades prediais destinadas, imediata ou subsequentemente, à construção, sujeita a prévia autorização ou licenciamento dos órgãos administrativos competentes e de que resultam alterações na titularidade, objeto e limites dos direitos reais que incidem sobre o prédio ou prédios em causa[8].
Dispunha ainda o artigo 19º, nº 1, do DL nº 289/73, de 6 de junho, que «a licença de loteamento será titulada por alvará, do qual constarão sempre…as condições a que ficam obrigados o requerente, ou aqueles que tomarem a posição de titular do alvará, e, na parte aplicável, os adquirentes dos lotes», acrescentando o seu nº 2 que «sem prejuízo do disposto no nº 1 do artigo 13.º, o Ministro das Obras Públicas fixará, em portaria, as áreas mínimas a ceder às câmaras municipais para instalação dos equipamentos gerais destinados a servir os loteamentos urbanos».
A licença de loteamento seria titulada por alvará, do qual constariam as prescrições a que o requerente ficava sujeito, «e designadamente os condicionamentos de natureza urbanística, entre eles o traçado da rede viária, espaços livres e arborizados, parques de estacionamento, zonas comerciais ou industriais e desportivas...» (artigo 6º, nº 1), prescrições essas que obrigavam «todos os que tomarem a posição do titular do alvará e, na parte aplicável, também os adquirentes dos lotes» (artigo 6º, nº 2, do DL nº 289/73, de 6 de junho).
Com interesse para o caso, transcreve-se o seguinte excerto do mencionado acórdão do STJ de 10.04.2018:
«A operação de loteamento não gera, apenas, lotes urbanos, que é o estatuto jurídico que revestem as unidades prediais destinadas a edificação, mas, também, parcelas, em que se traduz o estatuto jurídico que assumem as áreas que, no loteamento, se destinam a zonas verdes, zonas de utilização coletiva, infraestruturas e equipamentos, quer sejam cedidas ao município, quer permaneçam propriedade privada, embora com o estatuto especial de partes comuns dos lotes e dos edifícios que neles venham a ser erigidos.
Estas parcelas apresentam-se como condição imprescindível para que as construções a erigir nos lotes definidos possam ser utilizadas de um modo, urbanisticamente, sustentável, quer do ponto de vista funcional, como é o caso das parcelas destinadas a infra-estruturas e a equipamentos de utilização coletiva, quer do ponto de vista ambiental, paisagístico e do ordenamento do território, como sucede com as parcelas destinadas a espaços verdes ou a espaços de utilização coletiva, sendo certo que as aludidas parcelas apenas justificam a sua razão de existência em função da edificabilidade prevista para cada um dos lotes.
Com efeito, é o loteamento que, ao transformar os prédios em lotes urbanos, determina uma sobrecarga urbanística justificadora destas mesmas áreas e respetivo dimensionamento, sendo sua finalidade última garantir a qualidade de vida dos futuros residentes ou utentes da área loteada.
(…). Seguidamente, nesta matéria de loteamento urbano, o artigo 42º, c), do DL nº 400/84, de 31 de dezembro[4], entretanto, entrado em vigor, preceituava que “o proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o terreno objeto da operação de loteamento cederão à câmara municipal, obriga­toriamente, a título gratuito, as parcelas de terreno devidamente assinaladas na planta de síntese rela­tivas a equipamentos públicos, tais como os destinados a educação, saúde, assistência, cul­tura e desporto, a superfícies verdes para convívio, recreio e lazer e bem assim a parques de estacionamento”, enquanto que o seu artigo 47º, nº 1, dispunha que “o licenciamento das operações de loteamento e das obras de urbanização é titulado por alvará”, acrescentando o correspondente nº 2 que “as condições estabelecidas no alvará vinculam o proprietário do prédio ou prédios a que o mesmo se refere e, na parte aplicável, os adquirentes dos lotes”, devendo o alvará “especificar[á] obrigatoriamente as cedências obrigatórias e especificar[ção] [d]as parcelas a integrar respetivamente no do­mínio público ou privado municipal”, segundo o estipulado pelo artigo 48º, nº 1, f), do mesmo diploma legal, contendo o alvará, em anexo, segundo o seu nº 2, “as plantas confirmativas dos elementos referidos nas alíneas e) e f), bem como o contrato de urbanização, se for caso disso".
Por sua vez, o artigo 16º, nº 1, do DL nº 448/91, de 29 de novembro, sucessivamente, vigente, prescrevia que “o proprietário e os demais titulares de direitos reais sobre o prédio a lotear cedem gratuitamente à câmara municipal parcelas de terreno para espaços verdes públicos e de utilização coletiva, infra-estruturas, designadamente arruamentos viários e pedonais, e equipamentos públicos, que, de acordo com a operação de loteamento, devam integrar o domínio público”, acrescentando o seu nº 2 que “as parcelas de terreno cedidas à câmara municipal integram-se automaticamente no domínio público municipal com a emissão do alvará e não podem ser afetas a fim distinto do previsto no mesmo,…”, contendo o alvará, de acordo com o disposto no artigo 29º, nº 1, f), “a especificação das cedências obrigatórias, sua finalidade e especificação das parcelas a integrar no domínio público da câmara municipal”.»
Significa isto, pois, que as condições a que ficou obrigado o requerente do loteamento sub judice, ou aqueles que, subsequentemente, tomaram a posição de titulares do alvará, correspondem às prescrições constantes dos artigos 19º, nº 1, do DL nº 289/73, de 6 de junho, 47º, nº 2, do DL nº 400/84, de 31 de dezembro, e 16º, nº 1, do DL nº 448/91, de 29 de novembro, que, sobre esta matéria, se sucederam no tempo.
Ora, entre as condições a que ficou obrigado o requerente do loteamento, ou aqueles que, posteriormente, tomaram a posição de titulares do alvará, contam-se as especificações respeitantes a cedências obrigatórias à câmara municipal, a título gratuito, das parcelas de terreno a integrar, respetivamente, no domínio público ou privado municipal, devidamente, assinaladas, na planta de síntese, relativas a equipamentos públicos, tais como os destinados a superfícies verdes para convívio, recreio e lazer e bem assim como a parques de estacionamento, cujo cumprimento vincula o proprietário do prédio, integrando-se as parcelas de terreno cedidas à câmara municipal, automaticamente, com a emissão do alvará, no domínio público municipal, não podendo ser afetas a fim distinto do previsto no mesmo.
Até à entrada em vigor do DL n.º 448/91, de 29 de novembro, essas parcelas eram sempre e, obrigatoriamente, cedidas ao município, pelo que o DL nº 289/73, de 6 de junho, diploma em vigor no momento da aprovação do loteamento titulado pelo alvará n.º 358, previa, nos seus artigos 19.°, nºs 1 e 2 e 6º, nº 1, que o requerente da operação de loteamento, em relação ao terreno objeto do mesmo, devia ceder à câmara municipal as áreas mínimas para instalação dos equipamentos gerais destinados a servir os loteamentos urbanos, atendendo, designadamente, aos condicionamentos de natureza urbanística, entre eles, o traçado da rede viária, os espaços livres e arborizados, os parques de estacionamento, as zonas comerciais ou industriais e desportivas.»
Revertendo ao caso concreto, apurou-se que as áreas/parcelas de terreno onde se encontra edificado o court de ténis, o estacionamento exterior e a extensão de relvado contíguo à piscina, correspondem a essas áreas de cedência da operação de loteamento titulada pelo alvará de loteamento nº …, de 15 de maio.
Essas áreas não foram incluídas no processo de licenciamento da construção do edifício “A…”, embora os respetivos proprietários tenham passado a utilizá-las como parte integrante dessa edificação, tendo vedado tais espaços com rede e sebe viva, colocado uma cancela no parque de estacionamento exterior (antes uma corrente e cadeado), os quais impedem terceiros de aceder/utilizar aqueles equipamentos, mantendo-os afetos à utilização dos condóminos, utilização que é efetuada desde pelo menos 1995, à vista de todos e sem oposição (pelo menos até 2018), com convicção que pertencem ao edifício [pontos 11 a 17 dos factos provados].
Contudo, não deixaram tais parcelas de terreno de constituir áreas de cedência, integrando o domínio público municipal, com as consequências assinaladas no citado acórdão do STJ de 10.04.2018:
«(…) consideram-se “fora do comércio todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de apropriação individual”, atento o preceituado pelo artigo 202º, nº 2, do CC.
As coisas do domínio público são coisas fora do comércio, por disposição da lei, ou seja, aquelas que não sendo, materialmente, impossível a sua apropriação, e que, por sua natureza, poderiam ser apropriadas, a lei declara irredutíveis a propriedade privada.
O critério geral da dominialidade ou da qualidade das coisas públicas consubstancia-se na inalienabilidade e na imprescritibilidade do uso público a que as mesmas estão afetadas, a fim de não prejudicar a continuidade da satisfação das necessidades públicas a que provêm e de corresponderem, inteiramente, ao destino a que estão votadas[6].
Para que se constitua a dominialidade importa que o ente administrativo correspondente tenha decidido ou deliberado a afetação ou destinação da coisa, ou seja, votá-la ao uso público, viabilizando-se a aquisição da propriedade, por um dos modos previstos pelo artigo 1316º, do CC, designadamente, pela forma derivada da aquisição da propriedade, em que se traduz o contrato resultante da sua cedência por uma entidade particular.
Reunidos os pressupostos, acabados de considerar, a coisa será pública “mesmo que de facto nenhum uso tenha lugar, não relevando, em princípio, o uso público anterior, nem a ulterior falta de uso público”[7].
Deste modo, as coisas públicas são indisponíveis, em sentido privatístico, ou seja, estão fora do comércio jurídico privado e, consequentemente, não estão sujeitas a prescrição, “pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei”, nos termos do estipulado pelo artigo 298º, nº 1, do CC.
Por seu turno, a dominialidade pode cessar por degradação, isto é, quando se torna imprópria para o uso público a que era destinada, por desafetação do uso público, embora este continue, de facto e, eventualmente, por desuso imemorial[8].
As coisas do domínio público podem, assim, ingressar no comércio jurídico privado, desde que sejam desafetadas do domínio público, em consequência da cessação de funções que está na base do carater dominial atribuído por lei, quer por desafetação expressa, como por desafetação tácita, designadamente, pela via do abandono[9].»
Ora, in casu, tendo as referidas parcelas de terreno sido integradas no domínio público municipal, estão fora do comércio jurídico privado e, consequentemente, não são suscetíveis de ser adquiridas pelo autor e interveniente, designadamente, pelo decurso do tempo conducente à usucapião, nos termos do disposto pelo artigo 298º, nº 1, do CC, não se provando, por sua vez, o seu reingresso no comércio jurídico privado, por força de degradação, desafetação ou desuso imemorial.
Soçobra, assim, a pretensão dos recorrentes de ver reconhecida a aquisição das ditas áreas/parcelas de terreno, por usucapião, ficando prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso do réu Município.
Vencidos no recurso, suportarão autor e interveniente as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.

*
Évora, 17 de junho de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto).
_______________________________________________

[1] No caso da interveniente Imorolux, este ónus não foi totalmente cumprido, como veremos infra.

[2] Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra Editora, 1972, pp. 80-81.

[3] Direito Civil, Reais, 5.ª edição, Coimbra Editora, 1993, p. 296.

[4] Processo n.º 072065, disponível, como os demais adiante citados sem indicação de origem, em www.dgsi.pt.

[5] No mesmo sentido, inter alia, vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 12.05.2011, proc. 184/08.0TCLRS.L1-2 e da Relação de Coimbra de 07.02.2012, proc. 358/06.8TBSRE.C2.

[6] Cfr. entre outros, os Acórdãos nºs 245/00, 187/01, 275/02, 195/03, 522/06 e 134/07.

[7] Em vigor desde 06.06.1973 a 28.02.1985, inclusive.

[8] José Osvaldo Gomes, Loteamentos Urbanos, Direito do Urbanismo, INA, 1989, 396; Manual dos Loteamentos Urbanos, 2ª edição, revista, atualizada e ampliada, 1983, 67 a 97, citado no Acórdão do STJ de 10.04.2018, proc. 5979/12.7TBMTS.P1.S1, que aqui seguimos de perto.