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OBRIGAÇÃO DE APRESENTAÇÃO DE COISAS
FIEL DEPOSITÁRIO
ARRESTO
EXECUÇÃO
Sumário
I – Incumpre a obrigação de apresentação dos bens, imposta pelo artigo 771.º, n.º 1, do CPC, a depositária de veículos automóveis penhorados que, notificada pela agente de execução para, no prazo de 5 dias, indicar o local onde se encontram os veículos e proceder à entrega dos respetivos documentos, não o faz, nem justifica tal omissão; II - Perante o injustificado incumprimento do dever de apresentação dos bens, mostra-se acertada a decisão que ordenou o arresto em bens da depositária suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas. (sumário da relatora)
Texto Integral
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal
Juízo de Execução de Setúbal
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. Relatório
Na ação executiva para pagamento de quantia certa movida, em 27-11-2014, por C…, S.A., com sede em Monte … – , contra J…, Lda., com sede na Rua …, S. Martinho do Bougado, Santo Tirso, no âmbito da qual, em 05-08-2015, foram penhorados seis veículos automóveis, dos quais foi nomeada depositária M…, legal representante da executada, por despacho de 12-09-2018 foi determinado o arresto em bens da depositária suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, nos termos seguintes: Considerando que o fiel depositário dos bens penhorados nos autos – sociedade executada - não providenciou pela respectiva colocação à disposição da Sra. Agente de Execução, não obstante ter sido instada para tanto - violando desta forma e injustificadamente o dever prescrito pelo artº. 771º, n.º 1 do Código de Processo Civil - determino o arresto dos seus bens suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas. Notifique.
A depositária foi citada, na qualidade de executada.
Inconformada, a depositária/executada interpôs recurso do despacho de 12-09-2018, pugnando para que seja revogado e ordenado o levantamento do arresto realizado, formulando as seguintes conclusões:
«1 - A aqui, recorrente, não foi notificada para apresentar os bens penhorados.
2 - Não violou o previsto no artigo 771 do CPC.
3 - Assim, não estavam verificados os requisitos para ter sido decretado o ARRESTO dos bens pessoais da fiel depositária, aqui Recorrente.
4 - OARRESTO não podia ter sido efetuado para garantia da quantia exequenda, mas tão só, do valor do depósito, custas e despesas.
5 - O ARRESTO efetuado violou o disposto no artigo 771 do CPC, por duas vezes, por um lado por falta de verificação dos seus pressupostos, por outro lado, por exceder o limite de garantia aí previsto.
Nestes termos deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogado o despacho recorrido e em consequência LEVANTADO O ARRESTO, da casa de habitação da Recorrente.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se a depositária incumpriu, sem justificação, o dever de apresentação dos bens.
Corridos os vistos, cumpre decidir.
2. Fundamentos
2.1. Tramitação processual
Com relevo para a apreciação da questão suscitada, extraem-se dos autos, além dos elementos constantes do relatório supra, ainda os seguintes:
a) foi lavrado, pela agente de execução, auto de penhora realizada a 05-08-2015, na Rua …, S. Martinho do Bougado, Santo Tirso, para garantia do pagamento da quantia de € 32 740,75 (respeitando € 27 593,64 à quantia exequenda e € 5147,11 a despesas prováveis), no qual foram relacionadas as verbas, pertencentes à executada J…, Lda., seguintes:
1. Veículo ligeiro de passageiros, marca BMW, matrícula …BN-79, no valor de € 250,
2. Veículo pesado de mercadorias, marca Volvo, matrícula …84-NA, no valor de € 240,
3. Veículo pesado de mercadorias, marca Volvo, matrícula …52-PA, no valor de € 250,
4. Veículo ligeiro de mercadorias, marca Nissan, matrícula …41-HU, no valor de € 100,
5. Veículo ligeiro de mercadorias, marca Renault, matrícula …-50-FF, no valor de € 80,
6. Veículo pesado de mercadorias, marca Mitsubishi, matrícula 90-HS, no valor de € 210;
b) consta do referido auto de penhora que foi nomeada depositária M…, legal representante da executada, e que a mesma foi expressamente advertida do seguinte: a) Deve proceder à entrega dos documentos dos veículos (livrete e registo de propriedade), no prazo de cinco dias; b) No mesmo prazo, indicar o local onde os veículos se encontram depositados; c) Nos termos do artigo 22º do DL 54/75, a penhora envolve a proibição dos veículos circularem. A circulação dos veículos, com infração da proibição legal, sujeita o depositário às sanções aplicáveis ao crime de desobediência qualificada; d) Não sendo cumprido o supra determinado, será requerida a apreensão por autoridade policial, nos termos do artigo 17.º do citado DL, sem prejuízo do disposto no artigo 771.º do C.P.C.; e) Fica fiel depositário o legal representante da executada M… que, não poderá vender ou dissipar o bem penhorado;
c) através de ofício datado de 11-01-2018, enviado por carta registada com aviso de receção, dirigido à depositária e endereçado para Rua …, S. Martinho do Bougado, Santo Tirso, a agente de execução procedeu à notificação do seguinte: Nos termos e para os efeitos no disposto no artigo 771º do CPC, fica V. Exa., notificada na qualidade de legal representante da empresa executada e fiel depositária, para no prazo de 5 (dias), apresentar à signatária os Documentos dos Veículos penhorados no âmbito dos presentes autos, bem como informar do local ou locais onde os mesmos se encontram, conforme consta no Auto de Penhora lavrado em 05 de Agosto de 2015, o qual junto em anexo para melhor identificação. Fica ainda V. Exa., advertida que no caso de ser cumprido o supra ordenado, fica V. Exa., sujeita as sanções mencionadas no referido Auto, bem como às do cargo de fiel depositária. DOCUMENTOS ANEXOS Cópia do Auto de Penhora.
d) a carta a que alude a alínea c) foi entregue a 15-01-2018, no local a que foi endereçada, a pessoa que assinou o aviso de receção, no qual foi anotada a respetiva identificação;
e) a depositária não apresentou os documentos dos veículos penhorados, não informou o local onde os mesmos se encontravam, nem apresentou qualquer justificação para tal omissão;
f) através de ofício de 10-03-2018, a agente de execução veio aos autos comunicar os factos constantes da alínea e).
2.2. Apreciação do objeto do recurso
Na execução para pagamento de quantia certa que constitui o processo principal foram penhorados seis veículos automóveis pertencentes à sociedade executada, dos quais foi nomeada depositária a ora apelante, legal representante da executada.
Está em causa, no presente recurso, o incumprimento pela depositária do dever de apresentação dos bens recebidos, na sequência de solicitação efetuada pela agente de execução, sem justificação de tal omissão.
Considerou a 1.ª instância, na decisão recorrida, que a depositária violou injustificadamente o dever prescrito pelo artigo 771.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, em consequência do que determinou o arresto em bens da depositária suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas.
Discordando deste entendimento, a apelante sustenta que não foi notificada para apresentar os bens, mas apenas para apresentar os documentos dos veículos penhorados e indicar o local onde se encontram os bens, defendendo que não se encontram preenchidos os requisitos legais dos quais depende o decretamento do arresto em bens pessoais da depositária.
Vejamos se lhe assiste razão.
No que respeita aos deveres do depositário de bens penhorados, além das obrigações gerais previstas no artigo 1187.º do Código Civil e do dever de administrar os bens com a diligência e zelo de um bom pai de família, com a obrigação de prestar contas, estatuído no artigo 760.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, incumbe-lhe, ainda, o dever de apresentação dos bens imposto pelo artigo 771.º, n.º 1, deste código, cujo incumprimento pela apelante se encontra questionado no recurso.
Sob a epígrafe Dever de apresentação dos bens, dispõe o artigo 771.º do CPC o seguinte: 1 - Quando solicitado pelo agente de execução, o depositário é obrigado a apresentar os bens que tenha recebido, salvo o disposto nos artigos anteriores. 2 - Se o depositário não apresentar os bens que tenha recebido dentro de cinco dias e não justificar a falta, é logo ordenado pelo juiz arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, sem prejuízo de procedimento criminal. 3 - No caso referido no número anterior, o depositário é, ao mesmo tempo, executado, no próprio processo, para o pagamento do valor do depósito e das custas e despesas acrescidas. 4 - O arresto é levantado logo que o pagamento esteja feito, ou os bens apresentados, acrescidos do depósito da quantia de custas e despesas, que é imediatamente calculada.
Decorre deste preceito que o depositário é obrigado a apresentar os bens que tenham sido entregues à sua guarda, quando tal lhe seja solicitado pelo agente de execução, sendo que, se o não fizer no prazo de 5 dias e não justificar tal omissão, será logo ordenado o arresto em bens do depositário suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, caso em que será executado no próprio processo, para o pagamento do indicado valor.
No caso presente, foram penhorados seis veículos automóveis pertencentes à sociedade executada, os quais não foram removidos, tendo sido entregues à depositária nomeada, ora apelante, legal representante da executada.
Encontra-se assente que a depositária foi notificada, pela agente de execução, para, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 771.º do CPC, no prazo de 5 dias, apresentar à signatária os documentos dos veículos penhorados no âmbito dos presentes autos, bem como informar o local ou locais onde os mesmos se encontram, com a advertência das sanções decorrentes do incumprimento do determinado, por remissão para o constante do auto de penhora, cuja cópia acompanhou a notificação efetuada.
Tratando-se da penhora de veículos automóveis que não foram removidos pela agente de execução, sendo certo que configuram bens móveis suscetíveis de serem ocultados com relativa facilidade, verifica-se que a notificação dirigida à depositária, no sentido de indicar o local onde se encontram os veículos e proceder à entrega dos respetivos documentos, se integra na obrigação de apresentação dos bens imposta pelo artigo 771.º, n.º 1, do CPC, ao depositário.
Nesta conformidade, incumpre a obrigação de apresentação dos bens, imposta pelo artigo 771.º, n.º 1, do CPC, a depositária de veículos automóveis penhorados que, notificada pela agente de execução para, no prazo de 5 dias, indicar o local onde se encontram os veículos e proceder à entrega dos respetivos documentos, não o faz, nem justifica tal omissão.
Perante o incumprimento pela apelante do dever de apresentação dos bens imposto pelo artigo 771.º, n.º 1, do CPC, mostra-se acertada a decisão recorrida, ao ordenar o arresto em bens da depositária suficientes para garantir o valor do depósito e das custas e despesas acrescidas, conforme determina o n.º 2 do preceito.
Nas alegações da apelação, a recorrente suscita, ainda, a questão do âmbito do arresto realizado, sustentando que excedeu o ordenado no despacho que o determinou.
Porém, esta questão encontra-se fora do âmbito do presente recurso, o qual se limita à impugnação do despacho que ordenou o arresto.
Acresce que a indicada questão não foi suscitada na 1.ª instância, mas apenas em sede de recurso, nas alegações da apelação. Se a questão não foi suscitada na 1.ª instância, que sobre a mesma não se pronunciou, e não se tratando de questão de conhecimento oficioso, não pode ser arguida no recurso de apelação, que visa reapreciar a decisão impugnada e não criar decisões sobre matéria nova.
Como tal, atenta a novidade da indicada questão, a qual não é de conhecimento oficioso, não será a mesma apreciada.
Improcede, assim, a apelação.
3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.
Évora, 17-06-2021
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Cristina Dá Mesquita
(1.ª Adjunta)
José António Moita
(2.º Adjunto)