INVENTÁRIO
DIVÓRCIO JUDICIAL
APENSO
Sumário


Sumário (da relatora):

No atual quadro legal, o inventário subsequente a divórcio judicial não corre por apenso a este, por falta de norma que o determine.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I RELATÓRIO.

F. C. veio, nos termos do disposto no artº 1133º, do CPC, requerer a instauração de processo de inventário, motivado por dissolução, por divórcio, da união matrimonial com M. C..
Fê-lo no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Famalicão da Comarca de Braga, por apenso ao processo de divórcio sem consentimento que correu termos naquele juízo, convertido em divórcio por mútuo consentimento. Mais alega que nesse juízo correu sob o n.º 862/18.5T8VNF arrolamento de bens comuns do ex-casal, cuja apensação requer. Invoca o artº. 1083º, nº. 1, b) do C.P.C. quanto à competência dos Tribunais judiciais, e ao disposto nos artºs. 206.º, n.º 2 do CPC e artigo 122.º, n.º 2 da LOSJ, para justificar a apensação ao divórcio.

No Tribunal “a quo” foi proferido o seguinte despacho:

“(…) A questão de saber se o processo de inventário subsequente ao divórcio/separação corre por apenso ou não é actualmente controvertida, não tendo nós, de momento, uma posição muito clara sobre tal matéria. Temos defendido que o mesmo não corre por apenso.
A primeira nota a reter coloca-se em saber se, tendo o divórcio sido decretado por um tribunal judicial, a competência é exclusiva do tribunal ou concorrente, por causa do critério da dependência referido no art. 1083.º/1, b), CPC. Se se entender que é competência exclusiva, então a consequência poderá, segundo alguns autores, e por força do art. 206º/2 CPC, que o processo de inventário corra por apenso. Se se defender que é competência concorrente com os cartórios, então não. Portanto, a questão tem de se colocar logo aqui: é de competência exclusiva dos tribunais ou podem as partes instaurar o processo no notário?
Alguns juristas defendem que sendo instaurado no tribunal, corra por apenso porque, já existindo um processo no tribunal que este visa "executar", então em vez de se juntar certidão da sentença que decretou o divórcio, apensa-se o inventário ao divórcio. Ou seja, justificando-se a dependência nestes casos por uma questão de economia processual, numa interpretação mais lata do conceito de dependência, e aceitando-se uma dependência "fraca" como suficiente. Mas esta solução não resolve a questão prévia de saber se o inventário é de competência exclusiva/concorrente, e que é a questão central.
Por outro lado, a ligação de dependência não é propriamente evidente, ao contrário do que sucede com os inventários de separação de meações em consequência de penhora ou insolvência - art. 1133.º CPC -, ou mesmo com os inventários por justificação de ausência. Nestes dois casos, temos um processo de inventário que se vai/pode reflectir no processo preeexistente, sendo o inventário como que um incidente do outro processo, que ainda não terminou ou pode ser reaberto. Ao que acresce que não temos uma norma como a do CPC anterior, que dizia expressamente que corriam por apenso ao divórcio, sendo certo que a regra de os processos "dependentes" correrem por apenso aos principais já existia também (art. 211/2 CPC anterior) - pelo que, se dependência houvesse, então não era necessário que o legislador expressamente estipulasse que corriam por apenso, tal apensação resultaria diretamente do então art. 211.º/2. E parecerá um pouco contraditório dizer-se que estes inventários são dependência do processo onde se decretou o divórcio e ao mesmo tempo termos inventários de separação de meações que não correm por apenso/nos próprios autos onde o divórcio foi decretado (os divórcios decretados nas conservatórias). Ou seja, pode haver separação de meações fora do processo de divórcio. Além de que o que sucede no inventário não vai reflectir-se no processo de divórcio, ao contrário dos inventários do art. 1133.º ou do inventário em justificação de ausência (neste último, apesar de tal poder não acontecer, há casos em que se pode ter de praticar alguns actos no processo onde se declarou a ausência, já depois do inventário pendente).
Defendendo-se um conceito restrito de dependência, ou de dependência "forte", a operação de partilhar não é dependente do processo de divórcio; é, sim, consequência (não necessária, pois podem partilhar por acordo) da decisão que o decretou, mas não do processo, que até já terminou.
Em suma, e por ora, defendemos que o processo de inventário não corre por apenso, porquanto o artº 1133º do CPC não o prevê, conforme dispunha o artº 1404º, nº 3, do CPC anterior, e porque não sendo da competência exclusiva dos tribunais, podendo o inventário efectuar-se no Notário, não poderá, obviamente, correr por apenso.
Como última nota, e como reflexão, deixamos no “ar” a seguinte questão: se as partes, após o divórcio ou separação, forem residir para um local muito longe (vg. Portimão), fará sentido o processo correr por apenso no Juízo de Família e Crianças de V. N. de Famalicão?
Assim sendo, e pelos fundamentos expostos, determino, após trânsito, a desapensação destes autos ao processo de inventário e a, oportuna, distribuição.
Notifique. “

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O requerente veio interpor recurso do despacho proferido apresentando alegações com as seguintes
-CONCLUSÕES-

A. Porque a Lei n.º 117/2019, de 13-9, que entrou em vigor no dia 01-01-2020, veio, além do mais, revogar o regime jurídico do processo de inventário instituído pela Lei n.º 23/2013, de 05-03, aprovando um novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no CPC (artigos 1082.º a 1135.º) o inventário judicial.
B. Porque a mesma estabelece a repartição de competências para a tramitação do inventário entre os Tribunais Judiciais e os Cartórios Notariais, delimitando o artigo 1083.º do CPC os casos em que o processo de inventário é da competência exclusiva dos primeiros.
C. Porque o processo de inventário será, nomeadamente, da competência exclusiva dos Tribunais Judiciais “Sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial” (artigo 1083.º, n.º 1, alínea b) do CPC).
D. Porque o artigo 1133.º, n.º 1, do CPC postula que, “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”.
E. Porque o inventário para separação de meações constitui evidente dependência do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da Sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.
F. Porque o inventário tem de correr nos Tribunais Judiciais (Juízos de Família e Menores) quando seja subsequente a ação de divórcio judicial, de acordo com a referida alínea b) do n.º 1 do artigo 1083.º do CPC, e tendo em vista o disposto no n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ.
G. Porque o artigo 1133.º do CPC não prevê, de forma expressa, que o inventário requerido na sequência de divórcio seja tramitado por apenso ao processo judicial onde este foi decretado, ao contrário do que sucedia com o n.º 3 do artigo 1404.º do CPC que lhe correspondia na versão do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12-12, afigura-se-nos que é precisamente a dependência e a conexão entre ambos os processos que justificará a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para tramitar tais inventários.
H. Porque a regra da apensação, justificada pela relação de dependência e conexão entre ambos os processos, é a que melhor se coaduna com a competência exclusiva dos Tribunais Judiciais para tramitar, nomeadamente, o inventário requerido na sequência de divórcio judicial, sendo ainda a mais conforme com o princípio da economia processual, já que do processo de divórcio poderão constar elementos relevantes para a decisão da partilha (v.g., artigo 1789.º do CC, com a epígrafe “Data em que se produzem os efeitos do divórcio”).
I. Porque, tendo em conta o disposto no artigo 206.º, n.º 2 do CPC, não podemos retirar do confronto entre o atual artigo 1133.º do CPC e o correspondente artigo 1404.º do CPC de 1961 que o inventário será tramitado de forma autónoma e independente nos Tribunais de Família e Menores ainda que aí tenha corrido termos a ação que lhe deu origem e que com ele é conexa.
J. Cabe, pois, aos Juízos de Família e Menores preparar e julgar ações de separação de pessoas e bens e de divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil (sem prejuízo das competências atribuídas às conservatórias do registo civil em matéria de divórcio ou separação por mútuo consentimento), cabe-lhes ainda tramitar, por apenso, os processos de inventário que deles decorram, nos termos dos artigos 122.º, n.º 2, da LOSJ, e 206.º, n.º 2, do CPC.
K. Violou, assim, o Tribunal a quo, por errada aplicação e/ou interpretação, o disposto nos artigos 206.º, n.º 2 e 1133.º, n.º 1, ambos do CPC e artigo 122.º, n.º 2 da LOSJ.
Pede que o despacho seja revogado e em sua substituição seja proferido acórdão que determine a tramitação do presente inventário por apenso ao processo judicial.
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Após os vistos legais, cumpre decidir.
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II QUESTÕES A DECIDIR.

Decorre da conjugação do disposto nos artºs. 608º, nº. 2, 609º, nº. 1, 635º, nº. 4, e 639º, do Código de Processo Civil (C.P.C.) que são as conclusões das alegações de recurso que estabelecem o thema decidendum do mesmo. Impõe-se ainda ao Tribunal ad quem apreciar as questões de conhecimento oficioso que se resultem dos autos.

Impõe-se por isso no caso concreto e face às elencadas conclusões decidir se:
-o processo de inventário proposto na sequência de divórcio que correu termos no tribunal deve correr por apenso a este.
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III MATÉRIA A CONSIDERAR.

A matéria a ter em conta para a decisão a proferir é o elenco que consta do relatório “supra”.
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IV- O MÉRITO DO RECURSO.

A matéria em discussão tem vindo a criar dúvida aos julgadores, sendo que em sede de Tribunais da Relação a posição adotada vai no sentido de entender que em casos como o dos autos o inventário corre por apenso ao processo onde foi decretado o divórcio –Acs. das Relações de Lisboa de 14/7/2020, Guimarães de 11/2/2021 e Coimbra de 23/2/2021 (todos em www.dgsi.pt).
E a dúvida surge em face da inexistência no actual artº. 1133º do C.P.C. de norma correspondente ao anterior nº. 3 do artº 1404º do Código de Processo Civil revisto, que expressamente determinava tal apensação.
Trilhando o mesmo caminho que os acórdãos citados, e de modo a fazer o respetivo enquadramento, temos que a Lei nº. 117/2019, de 13/9, que entrou em vigor em 1/1/2020, veio, entre outros, revogar o regime jurídico do processo de inventário que resultava da Lei nº. 23/2013, de 5/3, aprovando um novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no Código de Processo Civil o inventário judicial, bem como um regime transitório (cfr. artºs. 12º e 13º). A estes aplicam-se as normas dos artºs. 1082º a 1135º do C.P.C., assim reintroduzidas com nova versão (1082º a 1085º) e aditadas (1086º a 1135º).
Temos então atualmente de confrontar as normas vigentes e que podem dar alguma orientação à questão em apreço, já que o legislador não lhe deu resposta expressa –e esta, a nosso ver, traduz já uma determinada orientação, como justificaremos.
Em primeiro lugar temos normas delimitadoras de competências.
A primeira diz respeito à repartição de competências entre os tribunais judiciais e os cartórios notariais. O artº. 1083º relativo à “Repartição de competências” diz que “O processo de inventário é da exclusiva competência dos tribunais judiciais (…) b) –“sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial”. E de acordo com o seu nº. 2, Nos demais casos, o processo pode ser requerido, à escolha do interessado que o instaura ou mediante acordo entre todos os interessados, nos tribunais judiciais ou nos cartórios notariais”.
O artº. 1133º, nº. 1, do C.P.C., diz-nos que: “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”
Por sua vez, quanto à competência material, o n.º 2 do art.º 122.º da Lei Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), diz que que: “Os juízos de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos” (cfr. artº. 65º do C.P.C.).
Temos dificuldade em retirar desta conjugação de normas o comando de apensação do processo de inventário ao divórcio que correu no tribunal.
Dispõe o artº. 206º, nº. 2, C.P.C., que “As causas que por lei ou por despacho devam considerar-se dependentes de outras são apensadas àquelas de que dependam.”
Quanto à prolação de despacho determinativo da apensação dispõe o artº. 267º do C.P.C..
Com todo o respeito, daquela norma (artº. 206º, nº. 2) também não resulta qualquer indicação relativamente à questão da dependência, pelo contrário, o que daí resulta, para nós, é que a apensação tem de resultar da lei ou de despacho, contendo este artigo “apenas” uma regra relativa à distribuição dos processos em 1ª instância, á sua operacionalização. Conforme se menciona no despacho recorrido, não se pode retirar daí uma interpretação no sentido de determinar a apensação, porque esse corresponde ao anterior artº. 211º, nº. 2, C.P.C. Velho, e coexistia com o artº. 1404º, nº. 3, C.P.C. (portanto não dispensava a essa determinação).
A “lei” que determina a apensação, a que Alberto dos Reis chamava “norma de conexão” (“Comentário ao Código de Processo Civil”, Vol 1º, pag. 202 da 2ª edição, a propósito da ação de honorários), terá de resultar de forma expressa do regime processual aplicável ao processo/matéria em causa, ou pelo menos de forma clara. Pensamos que é neste contexto que tem de se ler o artº. 206º, nº. 2, C.P.C..
E efetivamente, o que vemos na nossa lei processual, são várias disposições que impõe a apensação de processos, seja por exemplo o artº. 73º, nº. 2, relativo à ação de honorários, sejam os artºs. 78º, nº. 2, relativamente aos procedimentos cautelares e diligências antecipatórias, e 87º, nº. 2, relativo à execução por indemnizações, seja o artº. 122º, nº. 1, no que concerne à suspeição, seja o artº. 344º, nº. 1, quanto aos embargos de terceiro, seja o artº. 352º, nº. 2, quanto ao incidente de habilitação, seja o caso óbvio dos procedimentos cautelares tal como dispõe o artº. 364º, nºs. 2 e 3, a oposição à execução por força do artº. 732º, nº. 1, e as reclamações de créditos conforme artº. 788º, nº. 8, a justificação de ausência conforme artº. 881º, nº. 3, ou as prestações de contas nos casos do artº. 947º, a atribuição da casa de morada de família por dependência da ação de divórcio pendente ou finda conforme artº. 990º, nº. 4, a autorização para a prática de atos por dependência de processo de inventário ou de maiores acompanhados -artº. 1014º, nº. 4-, a nomeação judicial de titulares de órgãos sociais para efeito de representação da pessoa coletiva em causa pendente –artº. 1054º, nº. 2; ou ainda nos casos previstos nos arts. 881º, nº. 3 (a justificação de ausência é dependência do processo de curadoria provisória), 914º e 915º (prestação de caução), todos do C.P.C..
Todos esses casos referem de forma expressa a apensação ou a relação de dependência processual. São pois “normas de conexão”. Essa dependência é legalmente determinada.
Outra situação seria se a relação de dependência não teria de ser suportada em norma, mas apenas decorrente da “lei”, sendo outro o significado do artº. 206º, nº. 2, que não aquele que lhe demos. Ou seja se a referência a lei não é a norma, mas à regulamentação legal.
Para além de, no caso em apreço nos autos, a lei não determinar a apensação, a nosso ver ela não resulta (de forma clara) da conjugação das já citadas disposições, nem resulta da regulamentação legal da matéria em apreço, de forma que para nós seja evidente, uma relação de dependência.
Uma coisa é dizer que há dependência porque o inventário é consequência do divórcio, pois que deriva dele (como nos casos citados em que uma ação deriva da outra e ainda assim existe a indicação da apensação). Outra coisa é dizer que há uma relação de dependência enquanto relação de ligação entre as duas ações, sendo que esta última razão é que fundamentaria uma apensação. A dependência enquanto consequência também existe quando o divórcio é decretado na Conservatória e nesse caso o inventário corre autonomamente.
De facto, com a atribuição de competência para decretar o divórcio por mútuo consentimento às Conservatórias do Registo Civil nos termos operados pela Lei 272/2001 de 13/10, podendo inclusive os ex-cônjuges beneficiar do regime que decorreu do DL nº. 324/2007 de 28/9 e fazer a partilha no ato, e desde que a Lei nº. 61/2008 de 31/10 eliminou o conceito de culpa do divórcio, nomeadamente retirando as consequências que daí derivavam para a partilha (cfr. artº. 1790º C.C., além doutras matérias tratadas nos seguintes), o paradigma vigente nestas matérias alterou-se substancialmente.
Assim, ao processo de divórcio, para além da sentença transitada que o decreta, vai “buscar-se” hoje “apenas” a data da cessação das relações patrimoniais que deve constar da mesma sentença/ou da certidão da mesma (nesta se mencionando a data da propositura da ação; cfr. artº. 1789º C.C.), e, sendo caso, a relação de bens comuns (cfr. artºs. 1775º, 1778º e 1778º-A, C.C.).
De tudo o exposto decorre que deixou de ser imperativo que a um divórcio (necessariamente) judicial se siga um inventário judicial (-e até que a um divórcio se siga um inventário, face á possibilidade de partilha prevista nos artºs. 272º-A e segs. do Código de Registo Civil introduzidos pelo citado DL nº. 324/2007).
Assim deixou de ser quando todos os inventários corriam no cartório –Lei nº. 23/2013.
Como também deixou de ser imperativo que o inventário siga por apenso ao divórcio –assim deixou de ser quando os divórcios por mútuo consentimento passaram a ser decretados pelas Conservatórias do Registo Civil, tal como ainda é atualmente nesses mesmos casos: em todas estas situações o inventário não corria/não corre por apenso ao processo de divórcio. Aliás, até de discutiu na jurisprudência e formou-se uma corrente que decidia que, no caso de divórcios decretados na Conservatória, e precisamente porque não resultava a apensação do artº. 1404º, nº. 3, C.P.C., e por isso não estava incluído na competência deferida aos tribunais de família nos termos do artº. 81º, nº. 1, c), da Lei nº. 3/99 de 13/01, eles corriam antes nos juízos cíveis por força do artº. 94º da mesma Lei – por exemplo, Ac. da Rel. De Évora de 12/10/2006 (www.dgsi.pt).
Assim sendo, pergunta-se então porque é que atualmente no caso do divórcio ser decretado em Tribunal o inventário deve correr por apenso, se a lei não o diz? E mais, quando a norma que o previa foi eliminada quando o legislador regulou toda a matéria relativa à tramitação dos processos de inventário (-sem qualquer explicação ou indicação dada pelo legislador que faça concluir que não existe a norma porque se entendeu como desnecessária a afirmação da relação de dependência)?
Em suma, o artº. 1033º atual não tem a norma de conexão que constava no nº. 3 do artº. 1404º do C.P.C. que lhe correspondia na versão do DL nº 329-A/95, de 12.12.
Não se diga que o artº. 1083º, nº. 1, b), do C.P.C., fica esvaziado de conteúdo, pois casos há em que essa dependência existe declaradamente na lei, pois que, para além do artº. 1133º, nº. 1, do C.P.C. (“Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”), temos a considerar o caso referido no despacho recorrido do nº. 1 do artº. 1135º, C.P.C. (“Se for requerida a separação de bens nos casos de penhora de bens comuns do casal ou se houver que proceder-se à separação por causa da insolvência de um dos cônjuges, aplica-se o disposto no regime do processo de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento, com as especificidades previstas nos números seguintes.” –artºs. 740º, nº. 2, C.P.C. e artº. 141º, nº. 1, b), 144º, nº. 1 e 132º, do CIRE); e o caso do inventário subsequente a justificação de ausência (artºs. 885º e 886º do C.P.C.).
Igualmente não fica esvaziado de conteúdo o artº. 122º, nº. 2, da LOTJ pois que o Juízo de Família tem competência material para os inventários subsequentes a divórcio quando os interessados assim optem nos termos do artº. 1083º, nº. 2, bem como para aqueles que sejam remetidos pelo notário nos termos legalmente previstos – além do mais ali previsto.
Assim sendo, porque entendemos que o inventário não corre por apenso ao processo de divórcio judicial por falta de norma expressa, não se verifica a relação de dependência que confere competência exclusiva aos tribunais para o inventário subsequente a divórcio judicial (-não sendo de fazer o raciocínio de forma inversa, ou seja, a relação de dependência é que conferia competência exclusiva). E por isso vigora a regra do nº. 2 do artº. 1083º que permite a opção entre propor o inventário no notário ou no tribunal, neste caso sendo um processo autónomo, sujeito a distribuição, e da competência material dos Juízos de Família (tal como no caso dos inventários subsequentes a divórcios decretados nas Conservatórias).
O artº. 122º, nº. 2, não é uma norma de atribuição de competência “exclusiva” aos Tribunais.
Frisa-se que a nosso ver não se justifica uma diferença de regime nesta matéria consoante o divórcio é decretado na Conservatória ou no Tribunal, sendo que em ambos os casos, no primeiro necessariamente, ele pode ter sido decretado de forma consensual, portanto a diferença de tratamento também não pode ir aí buscar a sua razão de ser.
Parece-nos por isso que a razão que subsiste para “justificar” a apensação –uma questão de ordem prática, tornando desnecessária a extração de uma certidão- não foi acolhida pelo legislador.
Apenas uma questão fica por responder nesta nossa posição: o legislador, na Lei 117/2019 aditou o artº. 72º-A ao C.P.C. relativo à competência territorial dos tribunais no caso de inventário por morte (“matéria sucessória). E nada disse para o inventário subsequente a divórcio. Teria sido porque tal não era necessário face á apensação? Seria essa una indicação do legislador (que “supra” dissemos não encontrar)? Pensamos que não, pois que nos casos em que os ex cônjuges podem optar pelo tribunal, tendo o divórcio sido decretado na Conservatória, também não há aquela previsão.

A definição da competência territorial já consta nos seguintes casos:

.nos processos que se mantém no notário sob a aplicação da Lei 23/2013 -cfr. artº. «Artigo 26.º-A Intervenção do juiz 1 - A apreensão e venda de bens no âmbito do processo de inventário são realizadas pelo tribunal da área da situação dos bens, a requerimento do notário. 2 - Compete ainda ao juiz, a requerimento do notário, a aplicação de multas processuais, a adoção de meios coercitivos e a verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo.» -cfr. ainda artº. 11º da Lei 117/2019;
.nos processos remetidos pelo notário para o Tribunal ao abrigo do artº. artigo 12.º desta mesma Lei –“Remessa dos inventários notariais 1 - O notário remete oficiosamente ao tribunal competente os inventários em que sejam interessados diretos menores, maiores acompanhados ou ausentes. 2 - Nos restantes inventários, qualquer dos interessados diretos na partilha pode requerer a remessa ao tribunal competente, sempre que: a) Se encontrem suspensos ao abrigo do disposto 16.º do regime jurídico do processo de inventário há mais de um ano; b) Estejam parados, sem realização de diligências úteis, há mais de seis meses. 3 - A remessa do processo para o tribunal competente também pode ser requerida, em qualquer circunstância, por interessado ou interessados diretos que representem, isolada ou conjuntamente, mais de metade da herança. 4 - A remessa pode ser requerida não só para o tribunal territorialmente competente, nos termos do artigo 72.º-A do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela presente lei, mas também para qualquer tribunal que, atendendo à conveniência dos interessados, estes venham a escolher”;
.no anexo desta Lei que prevê a tramitação dos processos no notário, nos casos de intervenção do Tribunal: artº. 2º, nº. 4 que diz “Compete ao tribunal de comarca da circunscrição judicial da área do cartório notarial praticar os atos que caibam ao juiz, bem como apreciar os recursos interpostos de decisões do notário.”.
E igualmente prevê no artº. 1º, nº. 2, deste mesmo anexo a competência territorial do cartório notarial nos seguintes termos: “Os interessados podem escolher, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 1083.º do Código de Processo Civil, o cartório notarial em que pretendem instaurar o inventário, desde que exista uma conexão relevante com a partilha, estabelecida em função, nomeadamente, do local de abertura da sucessão, da situação da maior parte dos imóveis ou do estabelecimento comercial que integram a herança ou da residência da maioria dos interessados diretos na partilha.”.
A Lei 23/2013 no seu artº. 3º também continha uma regra de competência territorial.
Cremos pois que se verificou no caso em apreço uma lacuna legislativa, que terá de ser preenchida, mas que não significa para nós que tenha sido algo intencional, pois que, como já dissemos, igual dificuldade se coloca nos casos em que o divórcio correu na Conservatória e a parte pretende intentar no Tribunal subsequente inventário ao abrigo da faculdade prevista no artº. 1083º, nº. 2, C.P.C.. Tal como nada se diz quanto ao Tribunal competente nos casos de requerimento de remessa do processo do notário para o Tribunal ao abrigo do artº. 1083º, nº. 3, C.P.C..
Citando os mesmos comentários a propósito da matéria que os acórdãos que “supra” enunciamos mencionam, temos Pedro Pinheiro Torres (Cadernos do CEJ “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, pag. 31): (…) Será, porventura, relevante fazer referência aos tribunais competentes para a instauração do processo de inventário para partilha de bens comuns do casal dissolvido por divórcio, uma vez que a solução quanto ao tribunal competente dependerá do órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente o divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC; (…).”
António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa(“Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2020, Vol. II, pag. 527)” dizem “(…) Agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do art. 206º, nº 2.(…).”.
Aderimos antes à posição de Tomé D'Almeida Ramião (Cadernos do CEJ, “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, pags. 39 e 40), que salienta que o artº. 1133º do C.P.C. não refere se o inventário corre autonomamente ou por apenso ao divórcio, ao contrário do que previa o correspondente artº. 1404º, nº. 3, do anterior C.P.C., e conclui que: “(…) Perante a ausência de norma expressa em sentido adverso, o processo de inventário instaurado no âmbito do artigo 1133.º do C. P. Civil continua a ser tramitado como processo autónomo e independente, cuja competência está deferida aos Tribunais de Família e Menores, nos termos do referido n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ.(…).”
Da nossa posição resulta consequentemente, como já mencionamos, que o inventário subsequente a divórcio judicial não é da competência exclusiva do Tribunal por não caber no disposto no artº. 1083º, nº. 1, b), do C.P.C..
Entendemos por tudo o exposto que a decisão proferida e recorrida é a que melhor encontra enquadramento legal, não procedendo, na nossa opinião, os argumentos recursivos.
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V DISPOSITIVO.

Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar o recurso improcedente e, em consequência, negar provimento à apelação, mantendo o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, C.P.C.).
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Guimarães, 2 de junho de 2021.
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Os Juízes Desembargadores
Relator: Lígia Paula Ferreira Sousa Santos Venade
1º Adjunto: Jorge dos Santos
2º Adjunto: Maria da Conceição Bucho, com voto de vencida nos seguintes termos:

De acordo com o disposto na alínea b) do artigo 1083º do Código de Processo Civil o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais Judiciais sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.
O artigo 1133, nº 1, do mesmo código dispõe que: “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.”
Deste modo o inventário para separação de meações constitui dependência do processo de divórcio judicial, na medida em que é consequência do que nele foi decidido, pois é da sentença de divórcio que emerge o direito à partilha dos bens comuns do casal.
Assim, estando determinado que é competente, para a tramitação dos processos de inventário, subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, o Tribunal Judicial onde decorreram os referidos processos, a tramitação dos mesmos deve correr por apenso aos mesmos (processos), nos termos do artigo 206º, nº 2 do Código de Processo Civil - (competência por conexão).
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(A presente peça processual tem assinaturas eletrónicas)