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SUSPENSÃO E DESTITUIÇÃO DO GERENTE
JUSTA CAUSA
VIOLAÇÃO GRAVE DOS DEVERES DO GERENTE
INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO NORMAL DAS FUNÇÕES
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário
Sumário (da relatora):
I - O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado. Na definição da questão a decidir relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir. II - Nos termos do art. 257º, nºs 4 e 6, do CSC, existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade, sendo que constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções. III – Sendo formulados pedido de suspensão e pedido de destituição do cargo de gerente com fundamento na alegada violação de deveres inerentes a tal cargo, nomeadamente dos deveres de cuidado, informação, lealdade e criteriosa gestão societária, a causa de pedir é ampla e complexa e alicerça-se no conjunto factual descrito como violador dos aludidos deveres. IV - A decisão que não se pronuncia a nível factual sobre todos os fundamentos invocados pela requerente, enquanto condutas suscetíveis de ser qualificadas como violadoras dos deveres de gerente e justa causa da sua destituição, incorre em nulidade por omissão de pronúncia. V- Ocorre inutilidade superveniente da lide sempre que o resultado ou efeito jurídico visado com a ação se mostrar atingido e, portanto, a solução do litígio deixar de interessar, o que se verifica quando um facto de verificação ulterior encerre em si virtualidades que permitam concluir que o resultado ou efeito jurídico visado com a ação se mostra alcançado. VI - A circunstância de, posteriormente à violação dos deveres que é imputada ao gerente, a situação vir a ser regularizada não tem a virtualidade de apagar a violação cometida e deixar de justificar os pedidos de suspensão e destituição. A violação, a ter sido cometida, cristalizou-se ou consolidou-se no momento em que foi praticada, o seu desvalor permanece e não é apagado pela ulterior regularização, pelo que esta, embora deva ser tida em conta para efeitos de valoração da gravidade da conduta do gerente, não constitui causa de inutilidade superveniente da lide.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
RELATÓRIO
A. N. intentou contra J. P. e B. B. , LDA. a presente ação de destituição de titulares de órgãos sociais pedindo:
a) que o requerido seja imediatamente suspenso do cargo de gerente da sociedade B. B. , Lda. e que a requerente seja nomeada gerente até à assembleia geral de nomeação de novo gerente;
b) que o requerido seja destituído com justa causa do cargo de gerente.
Como fundamento dos seus pedidos alegou, em síntese, que é sócia da sociedade requerida, cujo cargo de gerente é exercido pelo requerido.
Para além da requerente, são ainda sócios da aludida sociedade F. C. e a herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de F. M..
Esta herança indivisa pertence a J. P., F. C., A. N. e M. R., sendo representada por esta última.
Em 6 de novembro de 2016, teve lugar a reunião da assembleia geral da sociedade requerida com vista à discussão e deliberação sobre o relatório de gestão e as contas do exercício de 2015, na qual estiveram presentes todos os sócios.
As contas não foram aprovadas e tiveram o voto contra dos sócios F. M. e A. N., os quais emitiram uma declaração de voto.
A ata dessa assembleia não foi transcrita no livro de atas e, desde então, o requerido gerente não convocou qualquer assembleia geral com vista à apreciação das contas e não apresentou quaisquer contas.
Como tal, a sociedade não tem relatórios de gestão, contas de exercício e prestação de contas relativamente aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018, em violação do disposto no art. 65º, nº 5, do CSC, que impõe essa apresentação no prazo de 3 meses a contar do encerramento do exercício anual.
O requerido gerente não presta informações à requerente relativas à sociedade e impede que a contabilidade o faça, violando o dever de informar e prestar informação sobre a gestão da sociedade imposto pelo art. 214º do CSC.
Por isso, a requerente está impossibilitada de saber o destino dos movimentos financeiros, a atividade e negócios da requerida sociedade.
Sem as contas aprovadas e registadas, a requerida sociedade não consegue obter crédito junto de bancos e fornecedores o que degrada a sua imagem junto destes.
Além disso, a requerida sociedade está na eminência de ter de devolver subsídios concedidos pelo IAPMEI por falta de cumprimento dos requisitos legais.
Desde 2015 são feitos movimentos financeiros com os recursos da requerida sociedade para contas pessoais do gerente e de familiares, sem qualquer relação ou justificação com a atividade da empresa e sem qualquer justificação contabilística ou fiscal, constituindo apropriação pelo requerido de recursos da empresa.
O requerido gerente utiliza tais valores para liquidar acordos de pagamento de dívida pessoal de que é fiadora M. R., representante da herança que é sócia da sociedade requerida.
Mercê desta atuação, a requerida sociedade atrasa os seus pagamentos e não efetua investimentos.
Em 13 de fevereiro de 2020, o requerido gerente levantou € 3 700 da conta da requerida sociedade, valor que se encontrava depositado para pagamento de letra ao fornecedor J. T., Lda., tendo a letra sido devolvida por falta de pagamento.
Em consequência, este fornecedor comunicou aos sócios da requerida que propunha a venda de combustíveis apenas a pronto pagamento.
Devido à descrita atuação do requerido gerente, a requerida sociedade alarga os prazos de pagamento o que implica perdas ao nível dos preços de compra e perda de descontos financeiros por não dispor de poder negocial.
Esta atuação reiterada do requerido gerente pode levar a breve trecho à paralisação ou insolvência da requerida e consubstancia uma violação dos mais elementares deveres de gerente fazendo perigar de forma irreversível a relação de confiança para o exercício das funções de gerente.
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O requerido gerente J. P. deduziu oposição na qual alegou, em síntese, que o direito de destituição do gerente invocado pela requerente se encontra prescrito porquanto tinha que ser exercido no prazo de 90 dias a contar do conhecimento por todos os sócios dos factos que o fundamentam, e, em qualquer caso e independentemente da data do conhecimento, no prazo de 5 anos contados desde o início dos factos, por aplicação analógica do disposto no art. 254º, nº 6, do CSC. Ora, no caso, os factos relativos aos levantamentos são conhecidos por todos os sócios pelo menos desde o ano de 2015, sendo que o prazo se inicia com a prática dos factos, independentemente de estes se poderem prolongar no tempo. Como tal, ambos os prazos se encontram ultrapassados, pelo que o direito se encontra prescrito, o que deve conduzir à absolvição do requerido gerente do pedido.
Invocou ainda a nulidade, por simulação, do negócio de cessão de quotas nos termos do qual A. N. e F. C. adquiriram 20% das quotas da sociedade pedindo que tais quotas ingressem na herança indivisa aberta por óbito de F. C..
Impugnou também a veracidade dos factos alegados pela requerente.
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A requerida sociedade B. B. , LDA. deduziu oposição invocando a exceção de prescrição do direito da requerente por os factos terrem ocorrido há mais de 90 dias e serem do conhecimento de todos os sócios também há mais de 90 dias.
Invocou ainda a falta de efeito útil da ação pois, ainda que o gerente seja destituído, provavelmente será novamente investido no cargo por vontade exclusiva da representante da herança, a qual é a sócia maioritária.
Invocou também que a ação não terá igualmente efeito útil porque a generalidade das questões que constituem o seu objeto será analisada na assembleia geral já convocada para 28.4.2020.
Considera finalmente que não existem fundamentos para a destituição de gerente pois não ocorreu a violação dos deveres que a requerente alega.
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Foi fixado à causa o valor de € 30 000,01.
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Foi proferido saneador sentença que conheceu do mérito da ação e culminou com a seguinte decisão:
“Pelo exposto, decide-se julgar: 5.1. procedente a alegada excepção de prescrição e consequentemente absolve-se o Réu J. P. e a Ré sociedade “B. B. , L.DA”, do pedido. 5.2. Julgar improcedente o pedido de condenação do Réu J. P. como litigante de má-fé.”
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A requerente não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
“I- Vem o presente recurso interposto da sentença que que julgou procedente a alegada excepção de prescrição e consequentemente absolveu o réu J. P. e a ré sociedade “B. B. , L.da” do pedido. II- A douta sentença não é reflexo da posição processual da recorrente, não resulta duma correcta apreciação da factualidade alegada, nem resulta de uma correcta aplicação do direito aos factos. III- Razão pela qual o motivo do inconformismo da recorrente em relação à sentença ora posta em crise é relativamente: A) nulidade da decisão por omissão de pronúncia/insuficiência dos factos apurados para a decisão B) incorrecta subsunção jurídica dos factos ao direito, C) nulidade por omissão de convite ao perfeiçoamento IV -. No direito das sociedades, a lealdade exprime o conjunto dos valores básicos do sistema que obriga a seguir as regras do bom governo das sociedades contido na regra de do “dever de cuidado e diligência” impondo que o gerente paute a sua actuação pelos critérios da isenção e do agir de boa-fé tendo em vista salvaguardar os interesses da sociedade. V - A violação do dever contemplado no artigo 64º do código das sociedades comerciais tem como sanção a responsabilidade civil dos gerentes para com a sociedade e a sua destituição com justa causa. VI - É nula a sentença quando:o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; VII - O meritíssimo juiz a quo focou a sua atenção, reduziu e limitou a apreciação da causa aos movimentos financeiros feitos pelo requerido em proveito pessoal nomeadamente em 2015, concluindo pela sua prescrição por entender que a requerente tem conhecimento dos mesmos pelo menos desde novembro de 2016. VIII –A causa de pedir é complexa e muito mais ampla que os factos analisados, que além de o mais são, concretizadores e demonstrativos, da violação grave do dever de diligência e lealdade imputados ao requerido. IX - Há movimentos de valor de 10.400 € efectuados nos 90 dias que precederam a entrada da petição inicial em juízo, os quais a recorrente alegou e dos quais, naturalmente só pode ter tomado conhecimento nesse lapso de 90 dias em que cada conduta do gerente requerido se consumou, pelo que independentemente do facto de a alegação do momento do conhecimento não constar expressa, o momento do conhecimento sempre terá que se verificar nos 90 dias anteriores à entrada do processo em juízo, não estando prescritos tais factos. X - Para além da questão da apropriação do património, existem outros fundamentos que são por si só suficientes e preenchem os requisitos para a suspensão e destituição de gerente, nomeadamente o alegado nos artigos 17.º a 27.º, 30.º, 32.º a 34.º, 38.º, 55.º e 56.º da petição inicial: XI - O apuramento dos factos supra referidos eram essenciais à boa decisão da causa e como tal impunha-se a sua averiguação para assim se poder decidir por qualquer das saídas permitidas pelo sistema legal, XII - Além das demais violações ao princípio da lealdade, a apropriação de valores/quantias, pertencentes à sociedade, por parte do gerente, designadamente as ocorridas nos 90 dias que antecederam a propositura da providência cautelar, no valor global de 7.700 €, e ainda a apropriação da quantia de 3.700 € verificada no dia 13 de fevereiro de 2020, conforme alegado no artigo 55.º da petição, configuram violação do dever de lealdade a que está obrigado o gerente, e nessa medida, justa causa de destituição, não estando tais factos prescritos. XXIII - Não há qualquer analogia de situações entre a concorrência e a utilização de fundos da empresa, mormente pelo facto de este se tratar de facto instantâneo. XIV - A apropriação de dinheiro da sociedade e todas as posteriores utilizações e apropriações não são consequência do primeiro acto, mas sim novos actos, não constitundo factos continuados, mas antes actos - ilícitos - instantâneos. XV - Os factos referentes às apropriação desde 2017 até dezembro de 2019, conhecidos da requerente nos 90 dias que precederam a propositura do procedimento não estão prescritos; porque conhecidos nos 90 dias que precederam a apresentação da petição inicial. XVI – Não é defensável impedir o sócio que num momento não pode ou não quis agir contra o gerente desonesto e desleal, de reagir legalmente contra apropriações de dinheiro da sociedade, pois isso seria impor-lhe uma renúncia antecipada a factos e comportamentos desconhecidos. XVII – A renúncia antecipada é nula, principalmente quando respeite à violação de deveres impostos por lei, como são todos os deveres que deve observar o gerente criterioso, probo e diligente. XVIII - A renúncia imputada ficticiamente ao sócio não pode valer para os factos praticados ou conhecidos nos 90 dias anteriores à propositura da acção porque tal envolveria a privação do direito de acção, colidindo com a regra da proibição da indefesa, sem razoabilidade e despojado de fundamento jurídico material, de conteúdo objectivo e constitucionalmente legítimo, como até inconstitucional, por violação do artigo 20.º, n.º 1 da constituição XIX – Caso o tribunal entendesse padecer o articulado da recorrente de deficiente alegação da matéria fática subjacente à previsão legal do artigo 264.º do csc, deveria ter proferido despacho de convite da recorrente a aperfeiçoá-lo, completando-o com a alegação dos pertinentes factos. XX –Não o tendo feito incorreu em nulidade por omissâo de acto que influi na decisão da causa XXI – Como tal deveria o tribunal analisar e proceder à produçâo de prova e avaliar a actuação dos requeridos no seu conjunto ou ter convidado a requerente a esclarecer a concreta data em que teve conhecimento dos levantamentos ocorridos entre 2017 e 2019, XXII - A douta sentença recorrida violou, entre outros, os artigos 6.º, n.º 1, 7.º n.º 1, 152.º, 411.º, 547.º e 590.º, n.º 2, alinea a) e b) e n.º 4, 607.º, 608.º e 615.º do cpcivil e artigos 64.º, 72.º e 254.º do CSComerciais e artigo 20.º da constituição da república portuguesa.”
Termina pedindo que a decisão seja declarada nula ou revogada determinando-se a produção de prova ou, caso assim não se entenda, que seja formulado convite à requerente para suprir a concretização dos factos atinentes ao momento do conhecimento da apropriação pelo requerido gerente dos factos alegados no artigo 30 da petição inicial.
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A requerida sociedade contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, tendo formulado as seguintes conclusões:
“1. O tribunal ad quo fez adequada interpretação dos factos e consequente aplicação do direito porquanto a Recorrente alega factos relativos aos anos de 2015 a 2019, imputando ao gerente o incumprimento da obrigação de convocar assembleias gerais para aprovação de contas, violação de deveres de informação e apropriação de bens sociais, factos esses dos quais tem conhecimento pelo menos desde o ano 2016, conforme se pode concluir da matéria alegada no ponto 10º, 11º, 12º, 14º , 15º, 28º, 37º e outros da PI. 2. A causa de pedir deve ser lida, interpretada e enquadrada no conjunto de toda a matéria de facto trazida aos autos pela Recorrente a par com a prova documental junta aos autos e, consequentemente, não pode ser de admitir que a Recorrente queira agora conferir uma diferente leitura e interpretação da matéria por si alegada ou, por outro lado, que procure prevalecer-se de alegada deficiência da causa de pedir. 3. A Recorrente carece de razão quando afirma que a matéria alegada nos artigos 17º a 27º, 30º, 32º a 34, 38º, 55º e 56º da petição inicial é, por si só suficiente para preencher os requisitos de suspensão e destituição do gerente. 4. Nos artigos 17º a 27º da PI a Recorrente reporta-se, essencialmente, à falta de convocação das assembleias de aprovação das contas dos exercícios de 2015 a 2019 bem como à alegada falta de informação sobre as contas da sociedade. 5. Ora, conforme resulta da prova documental junta aos autos (requerimento com a referência Citius 1608221), por deliberação adotada em Assembleia Geral de sócios de 28 de abril de 2020 foram aprovadas e posteriormente depositadas as contas dos exercícios de 2015 a 2018 pelo que deixou de existir a alegada causa/fundamento de destituição do gerente. 6. Nos pontos 30º, 32º a 34º e 38º da PI, a Recorrente reporta-se a um conjunto de movimentos que imputa ao gerente, ocorridos no período desde 7/01/2017 até 23/12/2020, os quais afirma terem sido efetuados com o conhecimento e aprovação da sócia maioritária (ponto 37º da PI). 7. A pretensão da Recorrente visa, no essencial, que o tribunal satisfaça a vontade de uma sócia minoritária, substituindo-se à vontade declarada e manifestada da maioria dos sócios. 8. A conduta imputada ao gerente é conhecida de todos os sócios desde há vários anos, o que justifica e motiva o (re)conhecimento da prescrição do direito da Autora. 9. Ao contrário do que pretende a Autora, os movimentos financeiros realizados nos 90 dias que antecederam a entrada da ação em juízo não são por si só suficientes para o prosseguimento dos autos. 10. Conforme resulta da ata 55 junta aos autos (fls 31 do Livro de atas), o sócio F. C., então Diretor Financeiro da sociedade declarou em assembleia geral de sócios de 28/04/2020 que “O diretor financeiro viu-se obrigado de há 4 meses a esta parte a movimentar as contas de forma a não permitir que tenham saldo para que o gerente não possa retirar dinheiro sem qualquer justificação. As contas sempre estiveram devidamente aprovisionadas para fazer face aos compromissos assumidos pela empresa. (…)”. 11. Ora, se os movimentos ocorridos nos quatro meses anteriores, ou seja, pelo menos desde dezembro de 2019, foram declaradamente controlados pelo então Diretor Financeiro da empresa, o sócio F. C., não podem servir, agora, para sustentar a pretensão da Recorrente. 12. E o mesmo se diga quanto aos factos alegados nos artigos 55º e 56º da PI, reportados a 13 de fevereiro de 2020. 13. Sem prejuízo do que antecede e por mero dever de patrocínio, caso se entenda que a sentença recorrida padece de nulidade por falta de pronúncia expressa quanto aos factos ocorridos nos 90 dias que antecederam a entrada da ação em juízo, vem a Recorrida, nos termos do disposto no art. 636º n.º 2 CPC, a título subsidiário, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, requerendo ao abrigo do art. 640.º, nº1 CPC a ampliação da matéria de facto provada. 14. Com efeito, a prova documental junta aos autos permite e justifica dar por provados os seguintes factos: A – A 9 de Abril de 2020 a Autora A. N. recebeu os dossiers da prestação de contas dos anos 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 contendo, cada um, o balanço, demonstração de resultados por natureza, demonstração nas alterações no capital próprio, demonstração dos fluxos de caixa, anexo às demonstrações financeiras e relatórios de gestão. – resulta de prova documental - Doc. 7-A junto com a Oposição; B - Por deliberação adotada em Assembleia Geral de sócios de 28 de abril de 2020 foram aprovadas as contas dos exercícios de 2015 a 2018, as quais já se encontram depositadas: - Menção dep. 9/2020-05-04 – prestação de contas 2015; - Menção dep. 10/2020-05-04 – prestação de contas 2016; - Menção dep. 11/2020-05-04 – prestação de contas 2017; - Menção dep. 12/2020-05-04 – prestação de contas 2018; (Cf. ata n.º 55 e certidão permanente junta aos autos a 17/07/2020 (referência Citius 1608221) C - Em Assembleia Geral de sócios de 28/04/2020, o diretor financeiro e sócio F. C. declarou que “viu-se obrigado de há 4 meses a esta parte a movimentar as contas de forma a não permitir que tenham saldo para que o gerente não possa retirar dinheiro sem qualquer justificação.”, - Cf. Ata 55, folha 31 do livro junta aos autos a 17/07/2020 (referência Citius 1608221) 15. Aditando à matéria de facto provada os fatos enunciados nas alíneas A, B e C, supra, pode concluir-se que tendo sido aprovadas e depositadas as contas dos exercícios de 2015 a 2019 deixa de existir a alegada causa/fundamento de destituição do gerente, pelo que ocorre, nesta parte, causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide. 16. Não obstante, por se tratar de facto conhecido da sócia Recorrente há mais de 90 dias, não poderia também deixar de verificar-se a exceção de prescrição do direito. 17. Já no que diz respeito à alegada violação dos deveres de informação, a documentação junta aos autos (Doc. 7-A junto com a oposição) demonstra que a Recorrente recebeu toda a informação relativa à prestação de contas dos exercícios de 2015 a 2019. Paralelamente, a vasta documentação junta aos autos pela Recorrente, na qual abundam extratos bancários, não é compatível com a invocada violação dos deveres de informação, impondo-se, também, nesta parte, a improcedência da ação. 18. Todos os demais fatos alegados ocorreram e eram conhecidos da Recorrente há mais de 90 dias relativamente à data da propositura da ação ou ocorreram no período em que o Diretor Financeiro impedia o gerente de aceder e movimentar as contas bancárias, conforme evidenciam as declarações prestadas em Assembleia Geral de sócios de abril de 2020. 19. A Recorrente alega matéria nova – conhecimento dos factos nos 90 dias anteriores à entrada da ação em juízo – em oposição direta com os factos relatados na petição inicial e que permitem concluir pelo conhecimento dos factos imputados ao gerente ao longo dos anos 2016, 2017, 2018 e 2019 [“Os fundamentos do presente pedido tem vindo a ocorrer desde 2016” (ponto 10 da PI); “Sem as contas aprovadas e registadas…” [desde 2015] (ponto 27 da PI); “Desde 2015 que são feitos movimentos financeiros … »; (ponto 28 da PI); - “Quer o requerido J. P., quer a D. M. R., alertados múltiplas vezes ….reiteram não se coíbem a tal.” (ponto 37 da PI); “Atenta a reiteração da atuação do requerido”. (ponto 67º da PI)] 20. Toda a factualidade invocada pela Recorrente e a imputação da violação dos deveres do gerente é conhecida dos sócios pelo menos desde 2015, sendo certo que nenhuma outra interpretação é compaginável nem com o vertido na petição inicial nem com a realidade da sociedade, de cariz familiar, em que os três irmãos assumiam cargos de direção, sendo um deles até Diretor Financeiro. 21. A jurisprudência tem entendido, de forma reiterada, que o prazo de prescrição para o exercício, por qualquer um dos sócios, do direito de pedir a destituição do gerente, é de 90 dias, mesmo em situações que não se reconduzam à violação do dever de não concorrência, sendo que tal prazo se inicia no momento do conhecimento dos factos por todos os sócios da atividade do gerente que fundamenta a destituição, independentemente da natureza continuada dessa atividade, isto é, independentemente de tal atividade se poder prolongar no tempo. 22. Assim, não existe violação do direito à tutela judicial efetiva, mas sim, adequação do direito aos factos. 23. A conduta do gerente conhecida dos sócios ao longo de anos não pode, de um momento para o outro, constituir, de acordo com a vontade de uma minoria, justa causa de destituição. 24. A Recorrente não alegou qualquer circunstância que pudesse levar à conclusão que o não exercício, da sua parte, do direito de requerer destituição dentro do prazo legalmente previsto para o efeito se tivesse ficado a dever a qualquer conduta dos Requerido, passível de lhe gerar confiança ou expectativa de alteração de conduta a seu contento. 25. Pelo que nada obsta à verificação da aludida prescrição, desde logo porque o n.º 6 do art. 254 CSC tem plena aplicação em casos como o presente, tanto mais que os movimentos financeiros relativos ao período de 3 de dezembro de 2019 a 3 de março de 2020 foram sindicados e controlados pelo então Diretor Financeiro da sociedade, o sócio F. C., pelo que não podem sustentar a pretensão da Recorrente. 26. E o mesmo se diga quanto aos factos alegados nos artigos 55º e 56º da PI, reportados a 13 de fevereiro de 2020. 27. No caso dos autos, a Recorrente nunca quis levar – como podia e devia ter feito – a destituição do gerente à discussão em Assembleia Geral de sócios, ao invés, optou por intentar uma ação judicial na expectativa de que o tribunal dê cumprimento à vontade que não consegue ver realizada em Assembleia geral de sócios. 28. A Recorrente alega, por último, a verificação de nulidade processual, por omissão de ato que influi na decisão da causa, em resultado de violação, por omissão, do disposto nos artigos 6º, n.º 1, 7º n.º 1, 411º, 547º e 590º, n.º 2, al. a) e b) e n.º 4 al. d) do n.º 1 do art. 615º CPC, porquanto entende que o tribunal deveria ter proferido despacho de aperfeiçoamento, convidando-a a alegar o momento do conhecimento dos factos. 29. Ora, embora o convite ao aperfeiçoamento se encontre sujeito a limites e não compreenda o suprimento da falta de omissões de alegação de um núcleo de factos essenciais e estruturantes da causa de pedir parece-nos que, no caso sub judice, a questão não se coloca nos limites do despacho de convite ao aperfeiçoamento porquanto a matéria alegada pela Recorrente não deixa dúvida quanto ao momento do conhecimento dos factos [Veja-se pontos 10, 11, 12, 27, 28, 37 e 67 da PI) 30. O tribunal recorrido não teve dúvidas quanto ao momento do conhecimento pelo que não faria sentido proferir despacho de convite ao aperfeiçoamento. 31. E, para que dúvidas não subsistam, na petição inicial do processo n.º 212/20.0T8MDL, a correr termos no Juízo de Competência Genérica de Mirandela – J1, a Recorrente reproduziu quase integralmente o alegado nestes autos, tendo alegado que “Por elementos documentais que foi verificando e somando ao longo dos anos” (ponto 54), conforme evidenciará certidão de peça processual a juntar aos presentes autos. 32. Assim, em face de todo o supra exposto, deve o recurso improceder.”
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O requerido gerente não apresentou contra-alegações.
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A requerente não apresentou resposta ao pedido de ampliação do recurso formulado pela requerida sociedade.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente nos próprios autos, com efeito devolutivo.
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Apesar de não ter sido proferido o despacho referido no art. 617º, nº 1, não se determinou a baixa dos autos à 1ª instância, por se ter considerado que não se verificava a situação de indispensabilidade referida no nº 5, do art. 617º, ambos do CPC.
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Foram colhidos os vistos legais.
OBJETO DO RECURSO
Nos termos dos artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC, o objeto do recurso está delimitado pelas conclusões contidas nas alegações dos recorrentes, estando vedado ao Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso, sendo que o Tribunal apenas está adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso.
Nessa apreciação o Tribunal de recurso não tem que responder ou rebater todos os argumentos invocados, tendo apenas de analisar as “questões” suscitadas que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respetivo objeto, excetuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.
Por outro lado, o Tribunal não pode conhecer de questões novas, uma vez que os recursos visam reapreciar decisões proferidas e não analisar questões que não foram anteriormente colocadas pelas partes.
Neste enquadramento, as questões relevantes a decidir, elencadas por ordem de precedência lógico-jurídica, são as seguintes:
A) quanto ao recurso da recorrente:
I – saber se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia;
II – em caso de resposta negativa, saber se, face aos factos dados como provados, se deve considerar que a prescrição não se verifica por não ter decorrido o prazo de 90 dias após o conhecimento dos factos por todos os sócios;
III – saber se deveria ter sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial para que a requerente indicasse a data em que teve conhecimento dos factos ocorridos em momento anterior a 3.12.2019;
B) quanto à ampliação do recurso apresentada pela recorrida:
IV – saber se a matéria de facto deve ser ampliada;
V – saber se, tendo em conta os factos constantes dessa ampliação, ocorre inutilidade superveniente da lide.
FUNDAMENTAÇÃO
FUNDAMENTOS DE FACTO
Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:
1. A requerente (à data da interposição da presente ação) é sócia da sociedade por quotas, aqui requerida “B. B. , Lda.”, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de …, sob o n.º ……….
2. A sociedade Ré tem o capital social 299.300 €.
3. À data da interposição da presente ação eram sócios
- A. N. – aqui requerente - com uma quota de 59.860 €
- F. C. – com uma quota de 59.860 €
- Herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de F. M. – com quota de 179.580 €.
4. A herança referida supra pertence em comum e sem determinação de parte ou direito a M. R., J. P., F. C. e A. N., tendo vindo a ser representada pela referida M. R..
5. À data da interposição da presente ação, a gerência sociedade é exercida pelo requerido J. P., obrigando-se a mesma com a sua assinatura.
6. A requerida sociedade tem por objeto social: fabrico de coberturas, pisos e abobadilhas, podendo dedicar-se a qualquer outro ramo de atividade legalmente permitido, por simples deliberação em assembleia geral.
7. A Autora no artigo 10.º da PI refere que: os fundamentos do presente pedido têm vindo a ocorrer desde 2016, mas agravaram-se de forma substancial nos últimos meses.
8. No dia 06 de Novembro de 2016, mediante prévia convocatória do requerido gerente, reuniu-se a assembleia geral da requerida sociedade tendo como pontos da ordem de trabalhos:
Ponto Um – Discussão e deliberação sobre o Relatório de Gestão e as Contas do exercício de dois mil e quinze.
Ponto Dois – Discussão e deliberação sobre a proposta de resultados do mesmo exercício.
9. Na assembleia referida em 8 estiveram presentes os sócios A. N. (aqui Autora), F. e a herança representada pela D. M. R., o gerente J. P., tendo sido secretariados pelo Dr. P. S.,
10. Na assembleia referida em 8 o sócio F. M. fez a seguinte declaração e voto “Porque não concorda com os movimentos efetuados pelo gerente, não concorda com os saldos de caixa e com os desvios orçamentais em relação à rubrica conservação e reparação”.
11. Na assembleia referida em 8 a requerente apresentou a seguinte declaração de voto: “Não aprova porque os pressupostos financeiros não são efetivos, nem reais e como tal as contas finais não estão verificadas não espelhando a realidade financeira da empresa. As contas não retratam a totalidade da realidade económica, financeira e fiscal do exercício e da atividade societária” .
12. A Autora afirma no artigo 28.º da PI que:
desde 2015 são feitos movimentos financeiros com os recursos da empresa através de levantamentos bancários ou transferências para as contas pessoais do gerente e de familiares, sem que esses movimentos tenham qualquer relação ou justificação com a atividade da empresa.
13. A Autora afirma no seu articulado que o requerido J. P. efetuou, pelo menos, os seguintes movimentos financeiros das contas da empresa, para as suas contas pessoais e de familiares, apropriando-se dos seguintes valores:
Ano 2017 Total: 51.277,94 €
Ano 2018 Total: 100.005,49€
Ano 2019 Total: 100.829,86€
14. Os presentes autos deram entrada em juízo em 03.03.2020.
FUNDAMENTOS DE DIREITO
I – Nulidade da sentença por omissão de pronúncia
A recorrente considera que a decisão é nula, por omissão de pronúncia, por o tribunal recorrido, na apreciação da prescrição, não ter tido em conta todos os factos invocados pela requerente como integrando uma situação de justa causa de destituição e se ter limitado aos factos atinentes aos movimentos financeiros feitos pelo requerido em proveito pessoal desde 2015.
Dispõe o art. 615º, nº 1, do CPC, que é nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
As nulidades da sentença são vícios formais e intrínsecos de tal peça processual e encontram-se taxativamente previstos no normativo legal supra citado.
Os referidos vícios, designados como error in procedendo, respeitam unicamente à estrutura ou aos limites da sentença.
As nulidades da sentença, como seus vícios intrínsecos, são apreciadas em função do texto e do discurso lógico nela desenvolvidos, não se confundindo com erros de julgamento (error in judicando), que são erros quanto à decisão de mérito explanada na sentença, decorrentes de má perceção da realidade factual (error facti) e/ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponde à realidade ontológica ou normativa, com a errada aplicação das normas jurídicas aos factos, erros de julgamento estes a sindicar noutro âmbito (cf. Acórdão desta Relação de 4.10.2018, Relatora Eugénia Cunha, in www.dgsi.pt).
O vício da sentença decorrente da omissão de pronúncia relaciona-se com o dispositivo do art. 608º do C.P.C., designadamente, com o seu nº 2, que estabelece as questões que devem ser conhecidas na sentença, havendo, assim, de por ele ser integrado.
Desta conjugação de normativos resulta que a nulidade da decisão com fundamento na omissão de pronúncia apenas se verifica quando uma questão que devia ser conhecida nessa peça processual não teve aí qualquer tratamento, apreciação ou decisão, sem que a sua resolução tenha sido prejudicada pela solução, eventualmente, dada a outras.
Importa, porém, não confundir questões com factos, argumentos ou considerações. A questão a decidir está intimamente ligada ao pedido da providência e à respetiva causa de pedir. Relevam, de um modo geral, as pretensões deduzidas e os elementos integradores do pedido e da causa de pedir.
Neste sentido, veja-se o Acórdão do STJ, de 9.2.2012, segundo o qual “a nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (...), sendo certo que não se tem por verificada quando o tribunal deixa de apreciar algum ou alguns dos argumentos invocados pela parte tendo em vista a decisão da questão ou questões que a mesma submete ao seu conhecimento, só ocorrendo quando o tribunal deixa de se pronunciar sobre a própria questão ou questões que lhe são colocadas ou que tem o dever de oficiosamente apreciar, entendendo-se por questão o dissídio ou problema concreto a decidir e não os simples argumentos, razões, opiniões ou doutrinas expendidos pela parte na defesa da sua pretensão.”
“O conceito (questões) terá ser considerado num sentido amplo, ou seja, englobando tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que sobre elas as partes hajam suscitado” (Acórdão da Relação de Guimarães, de 5.4.2018, Relator Jorge Teixeira, in www.dgsi.pt).
Uma vez que as questões a decidir não se confundem com os argumentos fáctico-jurídicos apresentados, a não pronúncia sobre factos juridicamente irrelevantes ou inócuos não gera a nulidade da decisão; todavia, a decisão tem que se pronunciar sobre todos os factos alegados que possam ser relevantes segundo as várias soluções plausíveis do ponto de vista jurídico, sob pena de, não o fazendo, incorrer no vício da nulidade por omissão de pronúncia.
No caso em apreço, foi formulado pedido de suspensão do gerente e pedido da sua destituição com fundamento em justa causa.
Nos termos do art. 257º, nºs 4 e 6, do CSC, existindo justa causa, pode qualquer sócio requerer a suspensão e a destituição do gerente, em ação intentada contra a sociedade, sendo que constituem justa causa de destituição, designadamente, a violação grave dos deveres do gerente e a sua incapacidade para o exercício normal das respetivas funções.
Quer o pedido de suspensão, quer o pedido de destituição do requerido do cargo de gerente formulados pela requerente na presente ação assentam na alegada violação de deveres inerentes a tal cargo, nomeadamente dos deveres de cuidado, informação, lealdade e criteriosa gestão societária.
Esses diversos fundamentos, que já supra se sintetizaram, assentam, no plano factual, designadamente nos seguintes atos:
- não apresentação das contas de 2015 (depois de as mesmas não terem sido aprovadas na assembleia de 6 novembro de 2016);
- não transcrição em ata do teor da assembleia de 6.11.2016;
- não convocação pelo requerido gerente de assembleia geral em período posterior a 6.11.2016, data da última assembleia por si convocada;
- inexistência de relatórios de gestão, de contas e de prestação de contas de 2015 a 2018;
- não prestação de informações sobre a gestão da sociedade;
- “má gestão” do requerido que afeta a imagem da sociedade, dificulta a obtenção de créditos junto de bancos e fornecedores, gera atrasos nos pagamentos, não permite a realização de investimentos e faz com que os bens sejam adquiridos por preço mais elevado;
- movimentos bancários feitos em proveito pessoal.
Portanto, trata-se de uma causa de pedir ampla e complexa, que se alicerça no conjunto factual aqui resumido, mas descrito de forma concreta e pormenorizada na petição inicial, e que não se restringe unicamente à não aprovação das contas na assembleia de 6.11.2016 e à movimentação de saldos bancários no período de 2015 a 2019.
A decisão recorrida apreciou a exceção da prescrição unicamente no confronto com parte da causa de pedir invocada, pois incidiu unicamente sobre a questão da não aprovação das contas de 2015 e sobre a questão dos movimentos bancários realizados em proveito próprio, e estes resumidos ao valor global anual movimentado, tendo concluído que ambos eram do conhecimento de todos os sócios há mais de 90 dias, além de que já tinha decorrido o prazo de 5 anos, razão pela qual considerou prescrito o direito acionado e absolveu os réus do pedido.
A decisão recorrida não se pronunciou a nível factual sobre os demais fundamentos invocados pela requerente enquanto condutas violadoras dos deveres de gerente e justa causa da sua destituição.
Na verdade, do extenso conjunto de factos que a requerente alegou na p.i. o tribunal só se pronunciou sobre a não aprovação de contas de 2015 (factos 8 a 11) e sobre os movimentos financeiros (factos 12 e 13). E, no que concerne a estes últimos, limitou-se a dar como provado os valores dos movimentos globais anuais, sem descriminação dos concretos valores movimentados e datas em que foram realizados.
Quanto à demais matéria factual alegada como integradora de justa causa de destituição do gerente, por consubstanciar violação dos deveres inerentes ao cargo, a decisão recorrida não se pronunciou, não tendo considerado tais factos como provados ou não provados e, consequentemente, também não efetuou qualquer análise jurídica sobre os mesmos.
Ora, do ponto de vista das soluções jurídicas plausíveis, os demais factos alegados são relevantes, não podendo ser liminarmente descartados sem qualquer análise. Os referidos factos, em abstrato, são aptos, a integrar a facti species da norma que prevê a possibilidade de destituição do gerente com justa causa. Por isso, corporizando os mesmos a causa de pedir ampla e complexa que foi trazida a estes autos, tais factos têm que ser objeto de análise primeiro a nível factual, em termos de serem considerados provados ou não provados, depois a nível jurídico, em termos de se apurar, dos que se provaram e que poderão constituir uma situação de justa causa de destituição, se estão ou não prescritos.
De relembrar que, podendo ocorrer a prescrição quanto a alguns atos ou omissões violadores dos deveres de gerente, isso não significa que ocorra quanto aos demais. Como tal, a prescrição quanto a parte dos factos não prejudica a análise quanto aos restantes.
Portanto, tinham que ser apreciados todos os factos invocados pela recorrente suscetíveis de integrar condutas violadoras dos deveres do gerente e só após essa apreciação factual total seria possível concluir pela verificação, ou não, da prescrição.
Porém, a decisão fez uma análise meramente parcial dos factos e, com base na mesma, considerou prescrito o direito e absolveu os requeridos do pedido.
Tal não é admissível e implica efetivamente nulidade por omissão de pronúncia sobre parte da causa de pedir invocada, a qual não foi objeto de análise na decisão recorrida.
Não é possível fazer operar a regra da substituição ao tribunal recorrido porquanto a apreciação integral dos fundamentos invocados como violações dos deveres do gerente justificativos da destituição depende do apuramento de matéria factual que ainda se encontra controvertida.
Como tal, conclui-se que a decisão que apreciou a prescrição é nula por não se ter pronunciado sobre parte dos factos invocados como constituindo violação dos deveres do gerente e integradores de justa causa da sua destituição, devendo os autos prosseguir com vista ao apuramento de toda a matéria factual relevante, nos termos explanados.
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Perante esta conclusão, ficam prejudicadas as demais questões suscitadas pela recorrente.
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II – Ampliação da matéria de facto e inutilidade superveniente da lide
Em sede de contra-alegações, a requerida sociedade veio, ao abrigo do disposto no art. 636º, nº 2, do CPC, a título subsidiário, para a hipótese de se considerar que a decisão padece de nulidade, requerer a ampliação da matéria de facto dada como provada, pedindo que se aditem aos factos provados os seguintes:
A – A 9 de Abril de 2020 a Autora A. N. recebeu os dossiers da prestação de contas dos anos 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 contendo, cada um, o balanço, demonstração de resultados por natureza, demonstração nas alterações no capital próprio, demonstração dos fluxos de caixa, anexo às demonstrações financeiras e relatórios de gestão.
B - Por deliberação adotada em Assembleia Geral de sócios de 28 de abril de 2020 foram aprovadas as contas dos exercícios de 2015 a 2018, as quais já se encontram depositadas:
- Menção dep. 9/2020-05-04 – prestação de contas 2015;
- Menção dep. 10/2020-05-04 – prestação de contas 2016;
- Menção dep. 11/2020-05-04 – prestação de contas 2017;
- Menção dep. 12/2020-05-04 – prestação de contas 2018;
C - Em Assembleia Geral de sócios de 28/04/2020, o diretor financeiro e sócio F. C. declarou que “viu-se obrigado de há 4 meses a esta parte a movimentar as contas de forma a não permitir que tenham saldo para que o gerente não possa retirar dinheiro sem qualquer justificação.”
Defende que, com o aditamento destes factos, deixa de existir a alegada causa/fundamento de destituição do gerente, o que gera a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
Como se escreveu no Acórdão do STJ, de 8.5.2013, (in www.dgsi.pt)“a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causas determinantes da extinção da instância (...) resultarão de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida. A inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á, pois, quando seja patente, objetivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que se visou atingir ou assegurar com a ação judicial intentada. Por outras palavras, quiçá mais explícitas (...) a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a ação foi atingido por outro meio”.
Assim, sempre que o resultado ou efeito jurídico visado com a ação se mostrar atingido e, portanto, a solução do litígio deixar de interessar, o processo não deve continuar, mas antes cessar.
Verificado o facto, o tribunal não conhece do mérito da causa, limitando-se a declarar aquela extinção.
Daqui decorre que o facto suscetível de determinar a extinção da instância por inutilidade da lide, além de dever ser superveniente, ou seja, de verificação ulterior, deve encerrar, em si, virtualidades que nos permitam concluir que o resultado ou efeito jurídico visado com a ação se mostra alcançado.
Para a integração do conceito em causa é, pois, necessário averiguar, antes de tudo o mais, qual é o objeto da lide, determinado em razão da pretensão ou pretensões deduzidas (cf. Acórdão do STJ, de 22.11.2018 in www. dgsi.pt).
No caso em apreço, a pretensão da requerente consiste na suspensão provisória do gerente e na sua destituição definitiva.
Quer uma, quer outra pretensão decorrem da existência de justa causa e esta, por sua vez, decorre da violação grave de deveres inerentes ao exercício do cargo de gerente.
Ora, a circunstância de posteriormente à violação dos deveres que é imputada ao gerente, a situação vir a ser regularizada (matéria que decorre dos factos cuja ampliação é requerida) não tem a virtualidade de apagar a violação cometida e deixar de justificar os pedidos de suspensão e destituição. A violação, a ter sido cometida, cristalizou-se ou consolidou-se no momento em que foi praticada e, independentemente da sua posterior regularização, o seu desvalor permanece e não é apagado pela ulterior regularização. Esta, quando muito, poderá, ou melhor deverá, ser tida em conta na análise da gravidade da situação para efeitos de determinar se se justifica ou não a destituição, podendo funcionar como circunstância atenuante da violação cometida. Porém, não tem a virtualidade de erradicar a existência dessa violação.
Se, por exemplo, se demonstrar que o requerido violou o dever de informação isso pode, em tese, constituir motivo para a sua justa destituição ainda que, em momento posterior, o gerente tenha acabado por cumprir o dever que inicialmente havia omitido. A situação ficou regularizada para o futuro, mas não apagou a violação cometida no passado a qual tem de ser apreciada à luz dos princípios gerais com vista a determinar se a mesma tem ou não gravidade suficiente para constituir justa causa de destituição.
Idênticas considerações valem, mutatis mutandis, para a questão da não prestação de contas. A prestação de contas ocorrida em momento posterior à instauração da ação não torna de forma alguma inútil o apuramento da violação desse dever que ocorreu no passado por forma a integrá-lo no conceito de justa causa de destituição de gerente.
Como tal, a requerida ampliação da matéria de facto é inútil por não influenciar a concreta decisão a proferir no recurso, além de que a mesma não integra uma causa de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide pois mantém-se o interesse na apreciação da existência da invocada violação de deveres enquanto justa causa de suspensão e destituição do gerente.
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Resta, pois, concluir que o recurso deve proceder e que a decisão recorrida tem que ser declarada nula, por omissão de pronúncia, e que os autos devem prosseguir com vista à apreciação da integralidade da causa de pedir invocada pela requerente e posterior decisão sobre a verificação da prescrição.
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Tendo os requeridos ficado vencidos com a decisão ora proferida, os mesmos têm de suportar as custas, nos termos do art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC
DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação:
A) em julgar a apelação procedente e, em consequência, declaram a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia, devendo os autos prosseguir com vista à apreciação da integralidade da causa de pedir invocada pela requerente e posterior decisão sobre a verificação da prescrição;
B) em julgar improcedente a pretensão formulada pela recorrida em sede de ampliação do âmbito do recurso.
Custas da apelação pelos requeridos.
Notifique.