UNIÃO CONJUGAL
REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL
PROPRIEDADE
ACESSÃO IMOBILIÁRIA INDUSTRIAL
Sumário


Sumário (da relatora):

1- Quando os membros de uma união conjugal sob o regime da separação de bens celebram em conjunto contrato de compra e venda de um imóvel, como adquirentes, não basta o facto do dinheiro provir apenas de um dos adquirentes para afastar a força das suas declarações relativas à aquisição do direito para ambos, em compropriedade, nem a subsequente presunção decorrente do registo a favor de ambos.
2- Porque resulta do artigo 1340º nº 1 do Código Civil que a aquisição da propriedade pelo interventor ou incorporante está, além do mais, dependente do pagamento que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações, deve condicionar-se a procedência do pedido a este pagamento.
3- O facto de o Autor não ter indicado o valor que se propõe pagar para a verificação do seu direito à acessão imobiliária industrial não obsta à procedência do pedido de declaração desse direito, podendo o tribunal declará-lo, visto que o limita, sujeitando-o a tal pagamento prévio, em prazo a fixar, sob pena de caducidade.
4- Só depois de depositado o respetivo montante pode ser efetuada, a requerimento do Autor, a declaração definitiva de que adquiriu o direito de propriedade e as suas consequências no sistema registal.
5.- Para que ocorra a acesso imobiliária industrial, pelo interventor, nos termos do artigo 1340º do Código Civil, é necessário que se logre demonstrar: .a) – uma intervenção ou incorporação que consista na realização da obra, sementeira ou plantação; .b) - que a mesma tenha lugar em terreno de que o interventor não seja exclusivo titular do imóvel, nem de qualquer outro direito que expressamente afaste este regime; .c) – que os materiais utilizados na intervenção sejam do interventor; .d) – que entre o terreno e a obra se forme uma unidade; .e) que o valor que as obras, sementeiras ou plantações tenham trazido à totalidade do prédio seja superior ao valor que o prédio tinha anteriormente; .f) - a boa fé do autor da incorporação.

Texto Integral


ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

Autor e Apelado:
A. C., NIF ………, divorciado, reformado, residente na Rua …, em Vila Nova da Telha, na Maia

Ré e Apelante:
M. P., NIF ………, divorciada, residente na Rua …, na Póvoa de Varzim

Autos de: apelação em ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum

I - Relatório

O Autor, na petição inicial, apresentou o seguinte petitório:
“- que se condene a Ré a reconhecer que o prédio denominado “Sorte de ... e ...”, sito no Lugar ..., na freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho, descrito na Conservatória de Registo ... sob o n.º ..., e inscrito na matriz predial urbana ....º (à data da escritura omisso à matriz), foi adquirido apenas pelo Autor e a expensas apenas do Autor, e que o Autor construiu a habitação no dito prédio a expensas exclusivamente suas, e, que o prédio identificado é da exclusiva propriedade do Autor;
- que se ordene e notifique para que a Conservatória de Registo ... corrija o registo do prédio descrito na Conservatória de Registo ... sob o n.º ..., o qual foi adquirido apenas pelo Autor, e cuja propriedade é apenas sua;

Subsidiariamente, e para o caso do anterior pedido improceder, que:
- se condene a Ré a reconhecer o direito do Autor a adquirir a propriedade do terreno ocupado – in casu, a parte da Ré -, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, nos termos e para os efeitos do artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil.”
Alegou, para tanto e em síntese, que:
-- Autor e Ré foram casados segundo o regime da separação de bens;
-- em 28 de abril de 2001, o Autor celebrou um contrato promessa de compra e venda do imóvel em litígio e, em 4 de maio de 2001, o contrato definitivo de compra e venda, tendo pago o sinal com dinheiro que transferiu de conta sua nos Estados Unidos da América. O mesmo sucedeu com o valor pago na data da outorga da escritura.
-- o autor mandou construir uma moradia no imóvel pelo preço total de € 92.500,00, que pagou a expensas suas.
-- a Ré nunca contribuiu para a economia do casal, para a aquisição do terreno, nem para a construção da referida moradia.

A Recorrida apresentou contestação, defendendo, em súmula, que se verificava a exceção dilatória da litispendência, visto correr a ação especial de divisão de coisa comum do imóvel destes autos. Mais invocou que, quer o contrato promessa, quer a escritura definitiva, foram por si assinadas, pelo que, concluído o negócio, a propriedade ficou em comum, ao que acresce ter subscrito os cheques para pagamento do imóvel. O Autor doou à Ré metade de todo o investimento; colocar em causa o que foi executado ao longo de quase quinze anos, só porque se divorciou da Ré, traduz-se em abuso de direito.

*
Foi proferida sentença que julgou a ação procedente e condenou a Ré a reconhecer que o prédio foi adquirido apenas pelo autor e a expensas dele, que o autor construiu a habitação no dito prédio a expensas exclusivamente suas, e, que o prédio identificado é da exclusiva propriedade do autor, ordenando que a Conservatória de Registo ... proceda à correção da descrição predial n.º ..., para que daí passe a constar que o prédio foi adquirido apenas pelo autor, e cuja propriedade é apenas sua.

A Ré apelou, apresentando as seguintes
conclusões:

“I - Não se podem dar como provados factos sobre os quais não há quaisquer depoimentos ou documento, tal como os que constam dos itens 3, 4, 5 e 6, que devem ser alterados para não provados.
II- Tem de ser eliminado o item 14, que é matéria conclusiva.
III - A confissão de dívida não está assinada por ninguém, pelo que deve ser dada como não provado os itens 18 e 19.
IV - Quanto aos itens 21, 22 e 23, suposta venda de 1 terreno e respetivo valor só se podia provar com a respetiva escritura de compra e venda.
V - No item 4, só pode ser dado como provado que o A. passou 1 cheque a J. L..
VI - Outrossim, por manifesta falta de documento, também não podem ser dados como provados os itens 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31, para além de que o item 28 contém matéria conclusiva.
VII - Por outro lado, devem ser dados como provados os itens 10 e 11 dos factos não provados, pois no artº 21 da Contestação a Ré alegou que foi ela que emitiu e preencheu os cheques da promessa de compra e venda do terreno e na resposta à Contestação, isso não foi negado pelo A..
VIII - Também alegou a Ré no item 26 da Contestação que os recibos que constituem o doc. nº 11 da P,, foram elaborados por ela, facto que o A. não contestou.
IX - O que em consequência determina que os itens 7 e 12 devem ser levados aos factos provados.
X - Na ação de divisão de coisa comum, nunca pode a Sentença basear-se em prova documental ou em documentos que não constam do contrato promessa ou da escritura de compra e venda.
XI - Se A. e Ré intervieram como adquirentes na escritura de compra e venda, tinha de ser impugnada eficazmente as declarações constantes dessa escritura, e, mesmo o facto de um ter pago mais que o outro, não é suficiente para infirmar que são comproprietários em partes iguais.
XII - A presunção de igualdade de quotas a que alude o artº 1403 nº2 do C.C. não se reconduz ao regime legal das presunções propriamente ditas não lhe sendo aplicável o nº 2 do artº 350 do C.C. e não havendo lugar à ponderação de prova em contrário, para além do que decorre do título constitutivo.
XIII - A parte beneficiada com a presunção não tem o ónus de provar o facto base, pois a Lei considera verificado o facto presumido, cabendo à contraparte a prova do contrário sendo denominadas "verdades interiores".
XIV - A presunção de igualdade de quotas, só pode ser afastada com recurso a elementos do próprio título constitutivo e não por elementos exteriores, sendo inadmissível a prova testemunhal para o efeito.
XV - A atribuição e contribuição para o pagamento do bem, fixa-se no momento da sua aquisição, independentemente das diferentes contribuições dos comproprietários para o pagamento do preço respetivo.
XVI - Existe abuso de direito, quando um casal, mesmo casado em regime de separação de bens, assina um contrato promessa e depois a escritura de aquisição do imóvel, com recurso a conta bancária solidária e não foi feita qualquer menção na escritura em sentido contrário e só depois do divórcio vem defender que só o marido contribuiu para a aquisição, frustrando as legitimas expectativas do outro cônjuge.
XVII - Se da escritura não constam qualquer repartição do esforço na aquisição do imóvel, não se pode recorrer a elemento exterior do título, para afirmar o contrário.
XVIII - A Lei que regula a compropriedade, estabelece um regime subsidiário do da comunhão e não o contrário, pelo que, não pode falar de qualquer contribuição por património próprio de um contra o do outro.”

O autor respondeu, pugnando pela manutenção do decidido, apresentando as seguintes
conclusões:

1. Salvo o devido respeito, que é muito, entendemos que, como se demonstrou, as alegações da Apelante estão desprovidas de fundamento, que mais não pretendeu do que arrastar o desfecho da lide;
2. Na verdade, não existiu qualquer violação dos meios de prova; assim sendo, o Douto Tribunal deu como provados factos que estavam acompanhados quer de prova documental, quer de prova testemunhal bastante;
3. O facto de o Apelado ter dois filhos de outro matrimónio, era do conhecimento da Apelante, razão pela qual esta nunca impugnou tal facto na Contestação;
4. Sem embargo, na ação em causa, tendo em conta a causa de pedir e o objeto do próprio processo, não se vislumbra necessária a prova documental da existência dos dois filhos, uma vez que não se trata de um facto essencial nuclear que careça dessa prova documental;
5. Por outro lado, logrou-se ainda demonstrar, através de prova documental e testemunhal, que foi o Apelado quem comprou o prédio objeto da causa;
6. Assim como foi o Apelado quem construiu a dita moradia a expensas exclusivamente suas;
7. Em nenhum momento a Apelante fez prova de algum contributo para a aquisição do terreno ou sequer para a construção da dita moradia;
8. A Apelante não tinha condições económico-financeiras para contribuir para a compra do terreno objecto da causa, e muito menos para a construção da moradia no mesmo;
9. O facto de a conta, onde todas as transações se realizaram, pertencer, em regime solidário, à Apelante e ao Apelado, não faz dela proprietária das quantias que nela foram depositadas, pois tais valores foram depositados só pelo Apelado e apenas a este pertenciam;
10. Apesar de ausência da menção, no acto do registo, ‘’a quem pertencia o dinheiro’’ ou ‘’com que parte contribuiu cada um dos estipulados como proprietários’’, apresentada prova em contrário, como foi o caso, de que só o Apelado contribui para a compra do prédio rústico e para a construção da moradia no mesmo, a presunção foi ilidida, pelo que tal menção acaba por se dispensada.”

II - Objeto do recurso

O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito. - artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.

Face ao teor das conclusões do recurso, são as seguintes as questões que cumpre apreciar, por ordem lógica, começando pelas que precludem ou contendem com as demais questões:

1--- se deve proceder a impugnação da matéria de facto e por via desta a aplicação do Direito;
2- Se, face ao teor da escritura de compra e venda de um imóvel, em que figuram duas pessoas como comproprietárias, pode uma delas, demonstrando ter sido a única a custear o preço, passar a ser o seu proprietário exclusivo.
3-Se se verificam os pressupostos da acessão imobiliária industrial.

III - Fundamentação de Facto

Na sentença foi efetuada a seguinte seleção da matéria de facto, desde já se indicando os factos que foram alterados nos termos que infra se fundamenta, com a respetiva motivação, o que se faz por simplicidade na futura consulta dos autos, colocando-se num só capítulo a decisão sobre a matéria de facto.

Factos provados:

1. O autor e a ré foram casados entre si, entre - de janeiro de 2001 e data não determinada, mostrando-se agora divorciados;
2. O casamento foi celebrado com convenção antenupcial, lavrada por auto na Conservatória da … em - de outubro de 2000, tendo sido estipulado o regime da separação de bens;
3. Facto que infra foi considerado não provado: O regime da separação de bens foi estipulado por exigência do autor, que contava, à data, com 58 anos, e tinha já dois filhos maiores de idade, de um anterior casamento;
4. Facto que infra foi considerado não provado: Como tal, o autor esclareceu a ré que não queria, com o casamento entre ambos, prejudicar a relação que tinha com os filhos;
5. Facto que infra foi considerado não provado: Nem tão pouco o património que os filhos herdariam, no futuro e à sua morte, do autor.
6. À data do casamento, o autor já contava com algumas poupanças, resultado de uma vida de trabalho nos Estados Unidos da América. (Facto que infra se manteve provado)
7. Por documento escrito, com data de 28 de Abril de 2001, sob a epígrafe “Contrato-Promessa de Compra e Venda”, M. M., representada por M. L. [primeiro outorgante] pelo preço global de 3.200.000$00, declarou prometer vender a A. C. [segundo outorgante], casado em regime de separação total de bens com M. P., que declarou prometer comprar, o prédio rústico denominado Sorte dos … ou …, omisso na matriz e descrito na Conservatória do Registo ... sob o n.º.../26092000;
8. Nesse documento encontra-se aposta, após a menção “O Primeiro Outorgante”, a assinatura de M. L. e, após a menção “O Segundo Outorgante” as assinaturas do autor e da ré.
9. Como antecipação do pagamento do preço estipulado, foi paga a quantia de 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos), através do cheque n.º ……, emitido sobre a conta bancária solidária n.º …., do Banco ... – Banco ..., com data de 30/04/2001;
10. Conta Bancária que o autor municiou, para o efeito, em 18 de abril de 2001, 30 de abril de 2001 e 2 de maio de 2001, com dinheiro que transferiu através de conta bancária sua nos Estados Unidos da América;
11. Mais concretamente 2.255.762$00 (dois milhões, duzentos e cinquenta e cinco mil, setecentos e sessenta e dois escudos), 1.626.965$00 (um milhão, seiscentos e vinte e seis, novecentos e sessenta e cinco escudos), e, 5.575.334$00 (cinco milhões, setecentos e setenta e cinco mil, trezentos e trinta e quatro escudos).
12. Por escritura pública de compra e venda, lavrada no dia 4 de Maio de 2001, no Cartório Notarial de …, exarada a fls.63, do Livro n.º …, declararam M. L., em representação de M. M., casada com A. R., M. E., casada com A. L., M. G. casada com J. P., J. M., solteiro, vender, em comum, a A. C., ora réu, e mulher M. P., que declararam aceitar, o seguinte imóvel: «prédio rústico denominado “Sorte dos ... e ...”, sito no lugar ..., da dita freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo predial deste concelho sob o número …, da respetiva freguesia, registado em comum e sem determinação de parte ou direito a favor dos vendedores pela inscrição G-um, omisso à matriz (…)».
13. Nessa data, através do cheque n.º …., emitido sobre a conta bancária solidária n.º …, do Banco ... – Banco ... foi liquidado o remanescente do preço, no montante de 2.000.000$00 (dois milhões de escudos).
14. Também esse dinheiro provinha da conta referida em 10, municiada nos termos ali descritos. - redação dada na sequência da impugnação da que anteriormente constava: “Também este dinheiro pertencia exclusivamente ao autor.”
15. Encontra-se descrita, através da Ap.1 de 2001/05/04, retificada através da Ap. 157 de 13/09/2011, a aquisição, por compra, a favor do autor A. C. e da ré M. P., do prédio rústico denominado Sorte de ... e ..., com a área total de 720 m2, a confrontar de norte e sul com caminho público, do nascente com M. F. e do poente com José, descrito na Conservatória do Registo ... sob o n.º .../20000926.
16. Na constância do matrimónio com a ré, o autor mandou construiu uma moradia nesse prédio rústico, dando lugar ao prédio urbano correspondente ao artigo matricial ...º, da freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho.
17. A obra de construção da moradia foi adjudicada a J. F., em 25/02/2003, pelo preço total de € 92.500,00 (noventa e dois mil e quinhentos euros).
18. Para o que o réu contraiu junto da sua irmã, M. C. e marido J. L. vários empréstimos; (Facto que infra se manteve provado)
19. Empréstimos, esses, titulados por meio de declaração de confissão de dívida. (Facto que infra se manteve provado).
20. O autor, com o avançar da construção da moradia, foi procedendo ao pagamento faseado da mesma ao construtor.
21. Além disso, o autor teve a necessidade de vender outro seu imóvel, para financiar a construção (Facto que infra se manteve provado)
22. Mormente um terreno sito na freguesia de …, no concelho de Vila do Conde. (Facto que infra se manteve provado)
23. Pelo qual recebeu, em 2 de agosto de 2005, a quantia de € 90.000,00 (noventa mil euros). (Facto que infra se manteve provado)
24. Com o resultado de tal negócio, o autor pagou a sua irmã e cunhado os referenciados € 90.000,00 (noventa mil euros) em 11 de agosto de 2005; (Facto que infra se manteve provado)
25. Ficando, então, por saldar a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros), por parte do autor à sua irmã e cunhado; (Facto que infra se manteve provado)
26. Que o autor apenas logrou pagar – o remanescente desse valor e outros montantes que, entretanto, pediu emprestados - em 4 de Maio de 2012; (Facto que infra se manteve provado)
27. Momento em que o autor entregou à sua irmã um cheque no montante de € 37.000,00 (trinta e sete mil euros). (Facto que infra se manteve provado)
28. A ré nunca contribuiu para a aquisição do terreno, nem para o financiamento da construção da referenciada moradia. (Facto que infra se manteve provado)
29. Pouco tempo após o casamento com o autor, a ré reformou-se, recebendo um reduzido valor a título de reforma. (Facto que infra se manteve provado)
30. Ao passo que a ré sempre apresentou a declaração de IRS em Portugal, por ter cá os seus rendimentos; (Facto que infra se manteve provado)
31. O autor apresenta as suas declarações de IRS nos Estados Unidos da América, por auferir lá os seus rendimentos (pensão de reforma). (Facto que infra se manteve provado)
32 – A Ré acompanhou todo o processo construtivo.” (Facto aditado ex vi artigo 607º nº 4 e 663º nº 2 do Código de Processo Civil)
33- O prédio, antes das obras, tinha o valor de mercado de 16.900,00 € (Facto aditado ex vi artigo 607º nº 4 e 663º nº 2 do Código de Processo Civil)
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Factos não provados:

1. Para casar com a ré, o autor viu-se forçado a regressar a Portugal, pois aquela não estava na disposição de ir viver para os Estados Unidos da América;
2. Para tanto, o autor viu-se na contingência de, rapidamente (o que o fez perder dinheiro), ter que vender o seu negócio – uma oficina de peças para automóveis;
3. E, bem assim, os imóveis de que era ali proprietário.
4. A ré nunca contribuiu para a economia familiar.
5. A reforma auferida pela ré sempre foi depositada (no caso, transferida) numa conta bancária na qual a ré era a única titular.
6. O casal decidiu comprar um terreno para nele construir uma moradia para férias;
7. A ré sempre acompanhou o autor nas diligências para comprar o terreno e nada foi decidido sem o aval dela; (Facto que infra se manteve não provado)
8. O autor sempre prometeu à ré que o património adquirido em Portugal o seria em nome dos dois para garantir património à mesma;
9. Uma vez que nos Estados Unidos já teria feito partilhas com os seus filhos;
10. A conta bancária solidária n.º …, sempre foi livremente movimentada pelo autor e pela ré; (Facto que infra se manteve não provado)
11. Os cheques referidos em 9. e 13. dos factos provados foram preenchidos, datados e assinados pela ré; (Facto que infra se manteve não provado)
12. Toda a negociação para a adjudicação da construção da casa, projeto e escolha de materiais contou com a participação ativa e determinante da ré; (Facto que infra se manteve não provado)
13. O autor sempre afirmou que a casa era para a ré, já que ela não tinha habitação própria e os filhos do autor nunca viriam para Portugal.
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IV - Fundamentação de Facto e de Direito

-A. --Da impugnação da matéria de facto provada e não provada

--a)- Dos pontos 4 a 6 da matéria de facto provada

Em primeiro lugar a Recorrente insurge-se contra o facto de se ter dado como provado, sem qualquer documento nesse sentido, que o Autor fora casado e tinha 2 filhos de anterior casamento.
É sabido que em sede de avaliação da prova, o princípio da livre apreciação, que vigora como regra no Código de Processo Civil, está delimitado por todos aqueles casos em que a lei impõe critérios de avaliação vinculada.
Entre os factos subtraídos à livre apreciação estão aqueles para os quais a lei exige formalidade especial, o que ocorre quando impõe que constem de determinados documentos.
As exigências de prova sobre determinados factos têm como razão de ser a importância dos mesmos no mundo jurídico e razões de segurança: face ao seu relevo e implicações que têm que estar sujeitos a determinado formalismo para poderem ter efeitos (como ocorre com a compra e venda de imóveis que aqui se discute) e logo não podem ser provados por outra forma sob pena de se desvirtuar a necessidade dessa formalidade ou, pela sua importância, a lei determina que só podem ser provados por determinada forma (como ocorre com o casamento supra discutido).
No entanto, quando tais factos não são centrais no processo e neste não têm qualquer efeito jurídico relevante, apenas importando como factos sociais que explicam determinados comportamentos, não estão sujeitos a tais requisitos probatórios, visto que as normas especiais sobre prova ali nada têm a proteger, porquanto nenhuns efeitos jurídicos diretos se retiram dos mesmos, sendo atendidos apenas na sua vertente psicossocial.
É claro que nos termos dos artigos 1°, nº 1, al. d), 4º e 211º do Código de Registo Civil o casamento apenas se pode provar por certidão extraída do respetivo assento.
Há, no entanto, que ter em atenção a relevância do facto dentro da ação, isto é, se está em causa na ação a prova de determinado casamento, como facto jurídico relevante para a sua procedência ou improcedência, ou se o mesmo não é chamado à lide para dele se retirarem os competentes efeitos jurídicos, mas apenas como facto social, livre de carga jurídica, que auxilia a perceber os contornos da situação concreta e da posição psicológica dos sujeitos.
É o que ocorreu no caso concreto, em que nem sequer se indicou com quem fora o Autor casado (antes da celebração do casamento que relacionou Autor e Ré), não se pretendendo retirar qualquer efeito jurídico desse prévio contrato. O mesmo ocorre com a circunstância do Autor ser pai de dois filhos nessa data, visto que, também aqui, não está em causa qualquer relação familiar (nem sequer se indica quem são os seus filhos).
Tem, há muito, ganho pano a jurisprudência que, indo bem mais longe do que ora se afirmou, entende que “Em processo civil, o estado civil ou o parentesco podem alcançar-se mediante acordo das partes ou confissão sempre que os respetivos factos jurídicos não constituam objeto direto da ação, antes constituindo relações jurídicas prejudiciais ou condicionantes, meros pressupostos da decisão a proferir, elementos da hipótese de facto da norma.”, como se sumariou no acórdão de 06-02-2003, Revista n.º 4731/02 - 7.ª Secção, in https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/sumarios-civel-2003.pdf, embora tal conceção não seja pacífica (cf .contra, entre muitos, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 06/05/2008, no processo 06/05/2008).
No presente caso, tais factos (a existência de um prévio casamento e filhos) nem sequer são pressupostos da aplicação de qualquer norma, pelo que nada obsta a que se considerem provados por outros meios de prova, nomeadamente por confissão ficta.
No entanto, os factos em causa foram impugnados no artigo 7º da contestação.
Nenhuma prova foi produzida sobre os factos nºs 3 a 5, pelo que tem a Recorrente razão quanto à sua passagem para o âmbito dos factos não provados.
O facto nº 6 foi mencionado, de forma clara, convicta e com conhecimento de facto, pela irmã do Autor, a testemunha M. C., pelo que se deve manter como provado.

--b)- Dos pontos 14 da matéria de facto provada

Afirma a Recorrente que dizer-se que “14. Também este dinheiro pertencia exclusivamente ao autor.” é matéria conclusiva.
Lido o mesmo de forma crua, desinserida dos demais factos, é evidente que assim é: determinar o direito de propriedade de uma coisa ou direito implica a aplicação de regras de direito que não podem ser levadas à matéria de facto provada.
No entanto, é necessário ler qualquer afirmação no seu contexto: se deste resultar sentido que pode ser aproveitado, há que atribuir-lhe tal sentido e, caso tal se mostre necessário, corrigir a sua formulação.
Este ponto da matéria de facto provada vem na sequência do ponto 6, onde se esclareceu que à data do casamento o autor já contava com algumas poupanças, resultado de uma vida de trabalho nos Estados Unidos da América e do ponto 10 da matéria de facto provada, onde se escreveu que o autor municiou, para o efeito, em 18 de abril de 2001, 30 de abril de 2001 e 2 de maio de 2001, com dinheiro que transferiu através de conta bancária sua nos Estados Unidos da América.
Assim, onde se escreveu “14. Também este dinheiro pertencia exclusivamente ao autor.” o que efetivamente se tinha em mente, resulta claro de todo o contexto, é que “Também esse dinheiro provinha da conta referida em 10, municiada nos termos ali descritos”.
Afirma ainda a Recorrente que não há qualquer elemento no processo de onde se possa concluir a quem pertence o dinheiro existente numa conta solidária, mas carece de razão, porquanto resulta do documento 6 junto em 22-2-2016 a proveniência das quantias ali descritas, conjugados com o depoimento da irmã do Autor; provenientes do estrangeiro, das poupanças que aí o Autor tinha efetuado.
--c)- dos pontos 18 e 19
Afirma a Recorrente que, porque a declaração de dívida a que se reportam estes pontos da matéria de facto provada se não encontra assinada, se não pode dar como provado, quer a celebração de um empréstimo, quer que este foi titulado por um documento.
Há que ter em conta que apenas está em causa a forma como o Autor adquiriu fundos para suportar a construção da moradia, não a validade, vinculação e relevância jurídica desse contrato.
Também a menção a que o empréstimo teria sido titulado não foi utilizada em sentido técnico, tanto mais que o julgamento sobre a força executiva de um documento não poderia ser efetuada em sede de discussão da matéria de facto. Não obstante o termo ter um sentido que remete para a existência de um título executivo, pode reportar também a existência de uma mera representação do facto e é nesse sentido que aqui se tem que atender.
Desta forma, nada obsta à manutenção destes dois factos.
--d)- dos pontos 21, 22 e 23
Todo o supra exposto quanto à exigência de determinado tipo de prova para a demonstração de determinados factos se aplica aqui: no presente caso, não releva qual a forma que tomou o contrato de compra e venda do imóvel no concelho de Vila do Conde, sequer se o mesmo é válido, não sendo o mesmo observado nestes autos como um facto jurídico hábil à produção de efeitos jurídicos. Importa, sim, saber se mercê de um qualquer acordo celebrado exclusivamente pelo Autor com respeito a bens que havia adquirido antes do casamento ou pelo seu trabalho (estamos no âmbito de um casamento sob o regime de separação de bens) este recebeu fundos com os quais financiou a construção da moradia em discussão.
Assim, nada obsta que se dê como provada a realização de uma compra e venda relativa a tal imóvel, apesar de não ter sido junta a respetiva escritura (caso a mesma tenha tido lugar); importa, sim, que este tenha recebido determinadas quantias que aplicou na construção da moradia, como retorno da declaração de transmissão de propriedade de um bem do Autor.
--e) ponto 24 da matéria de facto provada
Afirma a Recorrente que “quanto ao item 24, só pode ser provado que o A. passou um cheque de 90.000$00 a J. L., em consonância com a cópia do cheque constante dos autos.” Não explica porque entende que assim deve ser, nem tal se vislumbra, atentas as declarações de M. C., conjugadas com tal documento.
--f) ponto 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31 da matéria de facto provada
Afirma a Recorrente que para a demonstração destes factos “só temos um depoimento testemunhal que é a irmã do A. M. C., sendo manifesta a sua intenção de fazer com que o seu irmão tivesse ganho de causa. Porém, quem apresentou documentos para a prova dos itens 29, 30 e 31 dos Factos Provados? Ninguém.”
Ora, não se encontram indícios de que M. C. não tenha sido fiel à verdade, antes pelo contrário, parte do que afirmou tem suporte documental, como a origem dos montantes que foram depositados na conta bancária referida em 10. Por outro lado, não é exigível prova documental para que se considerem tais factos como provados.
O facto 28 não é conclusivo: nele apenas se explica que a Ré não procedeu, com dinheiros que recebeu, a qualquer entrega para pagamento do terreno ou para pagamento das despesas inerentes à construção da moradia.
Mantém-se nesta parte o elenco da matéria de facto provada.
--g).- pontos 7, 10, 11, 12 da matéria de facto não provada
Entende a Recorrente que toda a matéria que invocou na contestação e que não foi diretamente impugnada pelo Autor se deve ter por provada.
No entanto, não justifica tal asserção, nem a mesma pode estribar-se na lei, porquanto deixou de existir articulado próprio para o Autor se pronunciar sobre a matéria de facto que fundamenta as exceções invocadas pelo Réu.
É certo que a alínea c) do artigo 572º do Código de Processo Civil, quanto aos elementos da contestação, expressa que o réu deve “ Expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação” e que o artigo 587º nº 1 do Código de Processo Civil determina que “a falta de apresentação da réplica ou a falta de impugnação dos novos factos alegados pelo réu tem o efeito previsto no artigo 574.º”
No entanto, o novo Código de Processo Civil (artigo 584º) apenas admite a apresentação da réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, (ou, nas ações de simples apreciação negativa, para o autor impugnar os factos constitutivos que o réu tenha alegado e para alegar os factos impeditivos ou extintivos do direito invocado pelo réu).
Deixou, assim, de existir um articulado próprio destinado a responder às exceções, pelo que se tem entendido que nos casos em que não há lugar à apresentação de réplica não se verifica qualquer efeito confessório.
É certo que o autor pode exercer o direito ao contraditório quanto a tal matéria, como expõe o nº. 4 do artigo 3º deste diploma: “Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final.” No entanto, esta norma remete para uma mera possibilidade, não resultando claro da lei o efeito cominatório (ainda que apenas ao nível dos factos) que o não exercício desta faculdade possa trazer ao autor. Ora, sem uma estatuição clara das consequências da omissão de resposta não é possível impor à parte tão grave consequência.
Desta forma, resulta do artigo 587º nº 1 do Código de Processo Civil que o autor apenas se encontra onerado com a impugnação dos factos alegados pelo réu na contestação nos casos em que a réplica é admissível.
Enfim, não basta que a ré tenha alegado os factos e o Autor os não tenha especificadamente impugnado para que os mesmos se considerem provados, visto que os presentes autos não comportavam réplica.
Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto não provada, procedendo, quanto aos factos provados, apenas no que respeita aos pontos 3, 4, 5 e 14, já anotados no respetivo capítulo.

-B. --Da aplicação do Direito

--a)- Da compropriedade ou propriedade exclusiva

Desde já cumpra salientar que questão aqui em debate não se enquadra, de forma alguma, no âmbito do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência 12/2015, Diário da República n.º 200/2015, Série I de 2015- 10-13, o qual discute a natureza do bem como próprio de um dos cônjuges ou comum do casal, em função da não observância do preceituado no artigo 1723.º c) do Código Civil, curando de “saber se o bem imóvel comprado, na constância do casamento com dinheiro que era bem próprio de um cônjuges, não comparecendo ele na escritura de compra e venda, mas apenas o seu cônjuge, não constando nesse documento qualquer menção sobre a proveniência do dinheiro reempregado no negócio aquisitivo, o bem adquirido mantinha a natureza de bem próprio, ou se, por força da omissão das menções previstas naquele normativo, deve ser considerado bem comum do casal”. Nesse acórdão conclui –se que “Estando em causa apenas os interesses dos cônjuges, que não os de terceiros, a omissão no título aquisitivo das menções constantes do art. 1723.º, c) do Código Civil, não impede que o cônjuge, dono exclusivo dos meios utilizados na aquisição de outros bens na constância do casamento no regime supletivo da comunhão de adquiridos, e ainda que não tenha intervindo no documento aquisitivo, prove por qualquer meio, que o bem adquirido o foi apenas com dinheiro ou seus bens próprios; feita essa prova, o bem adquirido é próprio, não integrando a comunhão conjugal.”
Com efeito, o artigo 1723º do Código Civil visa delimitar o património conjugal face aos bens próprios de cada um dos cônjuges, tendo em conta a regra que fazem parte da comunhão de bens, no regime da comunhão de adquiridos, os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados por lei. Pretende-se no regime da comunhão de adquiridos, que apenas ingressem no património comum os bens que resultam do esforço conjunto do casal, o que justifica que os bens adquiridos na constância do casamento por virtude de direito próprio anterior ao matrimónio sejam considerados próprios.
Esta norma não veio estabelecer qualquer exceção ao regime da compropriedade, nem quanto à forma de adquirir ou provar a propriedade, mas tão só a regulação dos bens que se consideram próprios e comuns face à norma que estipula que se presumem comuns todos os bens adquiridos durante o casamento.
No presente caso, em que os cônjuges estão casados no regime de separação de bens, não existe qualquer comunhão conjugal, não havendo a possibilidade de aplicar a norma ali em discussão.
A comunhão conjugal não se confunde com uma típica situação de compropriedade, como aliás, também salienta a sentença em apreço: “Na comunhão conjugal os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afetação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são titulares de um único direito sobre ela.
Como tal, essa massa patrimonial não se reparte entre os cônjuges por quotas ideais, como acontece na compropriedade, pertence “à coletividade” por eles formada, e tem como seus traços característicos que a distinguem da compropriedade o facto de o direito dos contitulares não incidir diretamente sobre cada um dos elementos que constituem o património, mas sobre todo ele, concebido como um todo unitário, bem como não poder qualquer deles pedir a divisão desse património coletivo enquanto não cessar a causa determinante da sua constituição, enquanto que na compropriedade podem os cônjuges dela sair mediante o processo de divisão de coisa comum, como dos arts. 1412.º e 1413.º do Cód. Civil.”
Nos termos do artigo 1735º do Código Civil, se o regime de bens imposto por lei ou adotado pelos esposados for o da separação, cada um deles conserva o domínio e fruição de todos os seus bens presentes e futuros, podendo dispor deles livremente. Neste regime de separação de bens, mesmo havendo dúvidas sobre a propriedade exclusiva de um dos cônjuges sobre simples bens móveis não se presume que os mesmos façam parte de uma comunhão, mas sim que a sua titularidade se faz no âmbito do regime da compropriedade.
Dúvidas não há que Autor e Ré foram casados no regime de separação de bens e que, não obstante, celebraram juntos a escritura pela qual aceitaram que a venda do prédio rústico fosse efetuada a ambos em comum.
Não se apuraram as razões que determinaram que os dois, casados no regime da separação de bens, se deslocassem ao Cartório Notarial para celebrar a venda nesses termos, nem tão pouco que as declarações então efetuadas por ambos não correspondessem à sua pretensão.
Importa, pois, apurar se o simples facto de o dinheiro provir apenas de um dos adquirentes afasta a força das suas declarações quanto à transmissão do direito para ambos e a presunção decorrente do registo.
Afirmando que “Constitui no entanto jurisprudência e doutrina dominante a ideia de que caso o autor invoque uma forma de aquisição originária – usucapião, ocupação ou acessão – só precisa de provar os factos de que emerge o seu direito, porque este é autónomo; se invoca uma forma de aquisição derivada – compra e venda, doação, permuta etc. -, tem igualmente de provar que o direito já existia no transmitente, na medida em que os negócios jurídicos translativos não criam a propriedade, apenas a transferem”, a sentença conclui que a presunção de contitularidade decorrente do registo predial se mostrou ilidida, porquanto o autor demonstrou que as quantias entregues para liquidação do preço da aquisição do prédio, eram sua propriedade exclusiva, assim como que o preço da obra correspondente à execução da empreitada também foi liquidado.
Enfim, afirma que, por o Autor ter demonstrado que por o preço estipulado na compra e venda foi pago com dinheiro exclusivamente seu, apenas ele terá adquirido o direito de propriedade.
Não se consegue sufragar este entendimento.
Não é a titularidade das quantias utilizadas para o pagamento do preço de um imóvel que determina a propriedade do mesmo: como tão bem explana a sentença, a propriedade pode ingressar no património por via de uma aquisição originária ou derivada. Mesmo no caso da aquisição derivada, há que remontar à prova que o transmitente da propriedade a detinha, remetendo para uma aquisição originária.
Para obviar a tal diabólica prova, existe a presunção decorrente do registo.
Ora, para ilidir a presunção da compropriedade constante do registo, e provar a sua propriedade exclusiva sobre o imóvel, o Autor tinha que demonstrar alguma forma de aquisição originária, o que não fez.
Acresce que a transmissão da propriedade por via do contrato de compra e venda é independente do efetivo pagamento do preço: a compra e venda tem como efeitos essenciais a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito; a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço, mas transmitida a propriedade da coisa, ou o direito sobre ela, e feita a sua entrega, o vendedor não pode, salvo convenção em contrário, resolver o contrato por falta de pagamento do preço, como dispõem os artigos 879º e 886º do Código Civil.
Está claramente expresso no artigo 408º nº 1 do Código Civil o principio do nosso direito que reconhece ao contrato eficácia real, para além da sua eficácia obrigacional, ressalvadas as exceções previstas na lei.
Assim, tendo Autor e Ré celebrado o contrato de compra e venda do referido imóvel, e declarado seriamente tal intenção, correspondente à sua vontade, (caso se considere demonstrado que o(s) vendedor(es) eram os efetivos titulares desse direito), ter-se-á transmitido a ambos a propriedade por via desse contrato, em compropriedade, independentemente de quem pagou o preço.
Não é possível atribuir exclusivamente ao Autor a propriedade do mesmo, porquanto a lei não atribui ao simples pagamento do preço de um bem a virtualidade de o adquirir, sem que seja celebrado o respetivo contrato (o qual, no presente caso, tem que obedecer a forma especial).
Nem pode presumir-se que foi vontade das partes excluir a ré da aquisição por esta não ter participado no custeio do imóvel, tanto mais que a disciplina imperativa imposta pelo artigo 364.º n.º 1, com referência ao artigo 875.º, ambos do Código Civil, exigindo que a compra e venda de imóveis seja celebrada por escritura pública ou documento particular autenticado, implica que a forma dessa declaração não pode ser substituída por outro meio de prova ou outro documento que não seja de força probatória superior.
(Tudo, sem prejuízo, evidentemente, de se poder verificar se ocorreu ou não enriquecimento sem causa de um dos contraentes à custa do outro, questão muito diversa da que aqui nos prende: a das formas de aquisição da propriedade e da sua prova).
Assim, tal exclusividade na titularidade do dinheiro utilizado para a compra não afeta de qualquer modo a presunção do registo a que se refere o artigo 7º nº 1 do Conservatória do Registo Predial.
Desta forma, tal como se menciona no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 260/11.1TVLSB.L1-2 de 09/12/2019, “não há incompatibilidade em se considerar que, por força das regras jurídicas vigentes (que no caso dos autos têm a ver com o facto de na escritura constar expressamente que a compra foi feita em comum e em partes iguais e os factos não apontarem para a falta de vontade de se ter querido dizer isso mesmo), o bem se tem de ter como bem comum e, apesar disso, ficar provado que foi um dos cônjuges que pagou todo o preço”.
Termos em que não pode proceder o pedido principal, na parte em que pretende que se declare que o prédio é da exclusiva propriedade do Autor.
*
--b)- Da acessão imobiliária industrial: o primeiro pedido subsidiário

O autor peticionou, subsidiariamente, que se lhe reconhecesse o direito a adquirir a propriedade do terreno ocupado – in casu, a parte da Ré -, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, nos termos e para os efeitos do artigo 1340.º, n.º 1, do Código Civil.
A acessão industrial imobiliária é, como se sabe, uma das formas de adquirir o direito de propriedade (artigo 1316º e 1317º alínea d) do Código Civil), a qual, no entanto, tem que ser judicialmente decretada.
O fundamento último da acessão, ainda mais do que a defesa da propriedade do que dela beneficia, é o interesse público em findar o concurso de vários direitos de propriedade pertencentes a pessoas diferentes, tendo por objeto um prédio ou a unidade solo/obra, plantação ou sementeira, que em regra impede a sua administração de forma eficiente, obstando a que tal bem seja devidamente aproveitado e assim permitindo o desperdício de bens que de outra forma beneficiariam o seu titular e por essa via enriqueceriam a sociedade como um todo.
Ora, tal como resulta do artigo 1340º nº 1 do Código Civil, a aquisição da propriedade pelo interventor ou incorporante (verificadas as demais condições que lhe atribuem o direito jurídico potestativo) está também dependente do pagamento que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações. Sem que ocorra tal pagamento, mostra-se impossível reconhecer que o interventor pode adquirir a propriedade do terreno ocupado pelas suas construções ou sementeiras, por se não mostrarem demonstradas todas as condições para a sua formação.
É claro o artigo 1340º nº 1 do Código Civil, sendo despiciendo discutir aqui o carater automático ou a caracterização da acessão como um direito potestativo (1), aceite que se encontra já na jurisprudência, pelo menos quanto ao incorporante, a segunda posição. (2)
Aliás, caso assim se não entendesse, o proprietário do imóvel incorporado perderia automaticamente o seu direito, sem qualquer compensação, criando-se uma situação injusta, que o direito visa evitar.
Resume o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 06/22/2005, no processo 05B1524, no que aqui se discute: “É ainda pressuposto da acessão industrial imobiliária o pagamento do valor que o prédio tinha antes da obra.”
E nessa sequência o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, a 01/31/2017, no processo 368/04.0TBPRG-AB.G2.S1: “Sendo todavia potestativo o direito de aquisição e constituindo o pagamento da correspondente indemnização a contrapartida sinalagmática do reconhecimento daquele direito, deve concluir-se que o juiz tem de condicionar a procedência do pedido ao referido pagamento” (vide Quirino Soares no artigo citado e Ac. STJ de 22/06/2005 in http://www.dgsi.pt/jstj; Ac. RG de 08/05/2014 in http: /www.dgsi.pt/jtrg e Ac. RC de 22/11/2005 in http://www.dgsi.pt/jtrc ) É que, não se trata aqui de quantificar uma indemnização devida em função do prévio reconhecimento de um direito, trata-se, sim, de apurar valores que funcionam como condição necessária do reconhecimento do próprio direito.», apud Ac STJ de 7 de Abril de 2011 (Relator Moreira Alves).”
Esta situação tem paralelismo no direito a preferir previstos no artigo 1410º nº 1 do Código Civil ou no regime do arrendamento Rural (atual 31º nº 6 do DL n.º 294/2009, de 13 de outubro, semelhante ao anterior diploma, por este revogado: o artigo 28º nº 5 do DL n.º 385/88, de 25 de outubro), ou, mesmo, no direito à aquisição por execução específica no contrato promessa, com a especificação do artigo 830º nº 5 do Código de Processo Civil.
Assim, ou se entende que o Autor não invocou, desde logo, um dos pressupostos necessários para o reconhecimento do seu direito: a necessidade de pagar o valor do prédio antes da obra e tal valor, ou, entendendo que a mesma decorre da lei, deve desde logo verificar-se tal obrigação.
Em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2 de fevereiro de 1973, Revista de Legislação e Jurisprudência”, 107.º ano – 1974-1975, n.os 3514-3537, Coimbra Editora, Coimbra 1975, págs. 41 a 48, Vaz Serra fala da relevância do pagamento da indemnização na transmissão do direito de propriedade na acessão. Ao fazer depender a transmissão da propriedade do pagamento da prestação pecuniária exigida pela lei e da reparação dos prejuízos, constitui uma forma de proteção do dono do terreno, pois está se a garantir que esse pagamento e reparação serão efetivamente realizados. Assim, o autor considera que “a sentença [deve] tornar dependente destes factos a transmissão da propriedade, ou fixar o tribunal ao autor um prazo para consignar em depósito a sua prestação, só depois dessa consignação podendo ser julgada procedente a acção”91 (“cf. Revista de Legislação e Jurisprudência” (…), págs. 47)

Tem, na jurisprudência, sido unânime esta opção, seja suprindo a falta de indicação da mesma, seja determinando-a, mesmo em valor superior ao valor invocado pelo beneficiário do direito à acessão. Exemplificando:
- no processo 368/04.0TBPRG-AB.G2.S1 de 31/1/2017; “Sendo o pedido formulado pela Autora a declaração da acessão industrial imobiliária, nos termos do artigo 1340º do CCivil, este direito pressupõe a aquisição da propriedade mediante o pagamento do valor que o prédio tinha antes da incorporação. V. Tal significa que, o pagamento do valor do prédio está subjacente ao pedido da aquisição da propriedade, independentemente do quantitativo que o interessado lhe atribua. VI. Tal valor, indicado pela Autora, contrariado pelos Réus, constitui matéria alegada pelas partes, que fazia parte, como faz, do objecto do processo, sujeita por isso ao princípio do contraditório e porque parte integrante do direito que a Autora pretendia fazer valer - direito de propriedade por aquisição através de acessão imobiliária – e condição sine qua non do mesmo direito, o valor a pagar não poderá estar na disponibilidade daquele que o vai adquirir, sob pena de se criarem situações de enriquecimento sem causa.”
- no processo 179/08.3TBSAT.C1 de 08/02/2011 “A aquisição por acessão tem natureza potestativa (depende de declaração de vontade do beneficiário da acessão), estando dependente do pagamento da “indemnização”. a indemnização [na hipótese do nº. 1 do art. 1340º] a pagar pelo beneficiário é dada pelo valor que o prédio tinha antes da” incorporação e que a dívida em causa se trata “de uma dívida de valor que, como tal, não está condicionada ao princípio nominalista consagrado no art. 550º do CC. O montante a pagar pelo beneficiário da acessão deve ser a expressão pecuniária atualizada do valor que o prédio tinha antes da incorporação”
-- no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça em 10/02/2000, no processo 99B1208: “ O montante a pagar pela parcela de terreno onde as obras se encontram incorporadas deve ser a expressão pecuniária atualizada do valor que essa parcela tinha antes da incorporação, no âmbito dos artigos 1342, n. 1 e 1334, n. 4, do citado diploma substantivo.”
--- no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 11/22/2005, no processo 3204/05 e, com particular interesse,
--- o acórdão proferido pelo supremo Tribunal de Justiça, em 30/06/2009, no processo 268/04.3TBTBU.C1.S1. (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt)
Este, em caso semelhante ao nosso, em que apenas se requereu o reconhecimento do direito, sem que se indicasse o concreto valor fixou oficiosamente tal obrigação, sob pena de caducidade. Afirma: “Porém, este tipo de acessão industrial imobiliária representa uma forma potestativa de aquisição do direito de propriedade, de reconhecimento, necessariamente, judicial, em que o pagamento do valor da unidade predial em causa funciona como condição suspensiva da transmissão do direito, embora com efeito retroativo ao momento da incorporação (remetendo para o acórdão do STJ, de 13-2-1979, BMJ nº 284, 176.).
Considerando, porém, que o montante da indemnização só se define, por via da sentença final de mérito, o princípio da adequação formal aponta no sentido de o autor da obra pagar ou depositar o preço, em prazo a determinar, sob pena de caducidade do respetivo direito, aplicando-se, subsidiariamente, a solução consagrada pelo artigo 28º, nº 5, do DL nº 385/88, de 25 de Outubro (Lei do Arrendamento Rural)”. [com idêntico regime ao atual, como já supra salientado – artigo 31º nº 6 do DL n.º 294/2009, de 13 de Outubro).”
Também José de Oliveira Ascensão (“Acessão”, in Scientia Ivridica, Revista Bimestral Portuguesa e Brasileira, Tomo XXII, n. os 122-125, Maio/Agosto de 1975) vai neste sentido, apontando, no entanto, para o disposto no artigo 830º nº 5 do Código Civil (nº 3, à data), por entender que também aqui “ao obrigado é lícito invocar a exceção de não cumprimento” e logo o tribunal deve fixar um prazo para que o beneficiário consigne em depósito a sua prestação, sob pena da improcedência da ação”: “esta ratio é inteiramente aplicável ao caso da acessão. Também aqui a vitória da pretensão do autor está dependente duma prestação da sua parte. Há, pois, a base suficiente de analogia que nos permite encontrar a solução deste caso”, embora também apresente como alternativa a aplicação analógica do artigo 28.º n.º 5 do DL n.º 385/88, de 25 de Outubro (acolhido no novo regime, como vimos).
Igualmente segue este entendimento Quirino Soares in “Acessão e Benfeitorias”, Separata dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, pag. 26, 1996.
Nesta senda, conclui-se que o facto de o Autor não ter indicado o valor que se propõe pagar para a verificação do seu direito à acessão não obsta à sua procedência, podendo o tribunal declarar o direito que este pediu, desde que o limite, nos termos da lei, com as condições a que o mesmo está sujeito.
E, após, depositado que esteja o respetivo montante, pode requerer, na 1ª instância, a declaração definitiva de que adquiriu o direito de propriedade e as suas consequências no sistema registal.

--c)- Pressupostos

Nos termos do artigo 1340º do Código Civil, aquele que incorpore em terreno alheio materiais, semente ou plantas próprias, de boa-fé, pode adquirir o terreno, desde que a intervenção traga à totalidade do prédio valor que é superior ao valor que o prédio tinha antes dela e o interventor aja em boa-fé (nos termos do nº 4 do citado preceito).
Importa, para que esta opere, que se logre demonstrar:
.a) – uma intervenção ou incorporação que consista na realização da obra, sementeira ou plantação;
.b) - que a mesma tenha lugar em terreno de que o interventor não seja exclusivo titular do imóvel, nem de qualquer outro direito que expressamente afaste este regime.
.c) – que os materiais utilizados na intervenção sejam do interventor;
.d) – que entre o terreno e a obra se forme uma unidade;
.e) que o valor que as obras, sementeiras ou plantações tenham trazido à totalidade do prédio seja superior ao valor que o prédio tinha anteriormente
.f) - a boa fé do autor da incorporação.

Dúvidas não existem sobre a construção de uma moradia no prédio mandada fazer pelo Autor e por este custeada (ponto 16 da matéria de facto provada). Assim, não há dúvidas que este realizou uma obra no imóvel, preenchendo o primeiro requisito.
Pode pôr-se em causa se a mesma teve lugar em terreno alheio. Pires de Lima e Antunes Varela, em anotação ao artigo 1340º do Código Civil, no seu Código Civil anotado. vol III, 1987, fls 163, (citando, no entanto, em sentido contrário Sá Carneiro, VT, ano 92, pag 360, bem como Vaz Serra, ver de Leg e Jur, ano 108º, p. 266), afirmam que “A benfeitoria consiste num melhoramento feito por quem está ligado à coisa em consequência de uma relação ou vínculo jurídico, ao passo que a acessão é um fenómeno que vem do exterior, de um estranho, de que uma pessoa que não tem contacto jurídico com ela… São assim benfeitorias os melhoramentos feitos na coisa pelo proprietário, pelo antigo enfiteuta, pelo possuidor (artigos 1273º - 1275º), pelo locatário (artigo 1046º, 1074º e 102º)”… (3) Daqui concluem estes autores que “Se o autor dos atos de incorporação for comproprietário do terreno não poderá beneficiar do regime da acessão, quer por força desse critério, quer porque não se trata de um terreno alheio. O regime aplicável, em tal caso, será o da compropriedade.”
Já Menezes Cordeiro critica esta posição (4), afirmando que o que ocorre é que determinadas benfeitorias podem levar à aplicação do regime da acessão. Porque o interventor em regra age energicamente sobre a coisa e logo como seu possuidor; a restrição operada pela exigência da ausência de um vínculo possessório esvaziaria o conceito de acessão. Por outro lado, o regime da acessão é geralmente mais favorável para o interventor do que o regime das benfeitorias: a lei não pretenderia favorecer o estranho face ao possuidor, que tem melhor título para a utilização da coisa. É, no entanto, de ter em conta que a lei apenas permite a aquisição do prédio onde se incorporou a obra ou sementeira àquele que agiu de boa-fé, sendo esta ou o desconhecimento de que o terreno era alheio ou o consentimento na incorporação pelo dono do terreno.
Mesmo que se siga esta última posição, há ainda que perguntar se se pode considerar que o interventor comproprietário da coisa construiu em terreno alheio. Entende-se que sim: o mesmo não tem a exclusividade no exercício dos direitos inerentes ao direito de propriedade e por isso não tem total disponibilidade do bem, colocando-se o problema que o regime da acessão visa resolver, entre o dono da obra e o dono do solo.
Veja-se que o regime legal da compropriedade não resolve esta questão.
Tem sido aceite na jurisprudência a possibilidade de o comproprietário adquirir a totalidade do direito sobre o imóvel por acessão industrial, como é exemplo o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 05/28/2009, no processo 133/1994-2 ou do Supremo Tribunal de Justiça de 11/08/2007 no processo 07B3545, que a tem como pacífica.
Contra o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 06/26/2014 no processo 3568/07.7TJVNF.P1, mas este atribui à acessão caracter expropriativo que se lhe não reconhece, por ser tão só uma forma de resolução de conflitos de direitos, como, aliás, foi referido no acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 205/2000/T. Const, publicado no Diário da República n.º 251/2000, Série II de 2000-10-30.
A posição do comproprietário não interventor fica sempre assegurada nos casos em que ficou convicto, por ação do construtor, que a obra seria para o benefício ou uso comum, por poder sempre recorrer à figura do abuso do direito (que nestes autos foi invocada e julgada improcedente por decisão não posta em causa neste recurso).
Inverificada que seja a má-fé do comproprietário que constrói no imóvel para poder adquirir a sua totalidade, não se vê o que obste a que este possa beneficiar da acessão, nos mesmos termos que outrem.
Dúvidas não há, da matéria de facto provada, que a obra foi custeada integralmente pelo Autor: adjudicou a obra por 92.500,00 € e pagou com o dinheiro que obteve de vários empréstimos que contraiu junto da sua irmã e cunhado, tendo pago à sua irmã 90.000,00 € em 2005 com dinheiro proveniente da venda de um prédio seu e o restante em 2012, quantia que restituiu à mutuante, sem que a ré tenha contribuído para tal obra.
Assim, há que se considerar que a obra foi efetuada com material e mão de obra que custeou e em prédio alheio. A moradia formou uma unidade com o terreno em que foi implantada.
Na obra gastou a quantia de 92.500,00 € e o prédio custou 15.961,53 € (apesar de, à data, como veremos o seu valor ser de 16.900,00 €), pelo que se pode ter por claro o maior valor da obra relativamente ao terreno e, ainda assim, assumir-se que o que esta acrescentou à unidade que se criou tenha sido de valor superior ao valor do prédio, atenta a discrepância de valores (não se verificando qualquer facto que inculque em sentido contrário).
A boa-fé decorre do consentimento da Ré, que afirma no seu articulado que acompanhou o processo construtivo, tendo que se aditar tal facto, em que ambas as partes estão de acordo, nos termos do artigo 607º nº 4, ex vi 663º nº 2 do Código de Processo Civil.
Verificam-se, pois, todos os pressupostos que permitem que, mediante pagamento do correspetivo valor, o Autor possa aceder à titularidade da totalidade do prédio onde construiu a sua moradia.
**
--d)- Da indemnização

Já supra se concluiu, porque o direito à acessão só opera com o pagamento de uma contrapartida a quem fica despojado da propriedade, que não é possível declarar tal direito sem se declarar também a condição a que o beneficiário fica adstrito: o pagamento do valor que o prédio tinha antes das obras.
E como o proprietário do solo não pode ficar desprotegido, ficando sem limite temporal à espera desse pagamento, mas logo despojado do respetivo bem, há que recorrer ao disposto no artigo 31º nº 6 do DL n.º 294/2009, de 13 de outubro, por analogia, entendendo-se que se tal preço não for pago o ou depositado dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da respetiva sentença, ocorre a caducidade do direito à acessão.
Importa, pois, verificar qual o valor a fixar para tal efeito.
São várias as teses sobre esta matéria, uma atendendo ao valor que o prédio teria no momento da fixação da compensação (caso não tivessem sido realizadas as obras), outra ao valor do prédio à data da realização da obra, sementeira ou plantação, discutindo, ainda, aqueles que escolhem esta última posição, se o mesmo deve ser sujeito a atualização, e, em caso afirmativo, até que momento: o da expressão da vontade de adquirir, da prolação da sentença ou do pagamento da indemnização.
Face à taxatividade do nº 3 do artigo 1340º do Código Civil, que remete para “o valor que o prédio tinha antes das obras”, na sequência da ideia, expressa do artigo 1317º, alínea d), todos do Código Civil, que a acessão ocorreria no momento dos “factos respetivos”, seguimos o entendimento que há que atender ao momento da sua realização para apurar o valor do prédio.
Mas por outro lado, há que buscar que nenhuma das partes seja prejudicada, havendo uma efetiva aproximação da indemnização pela perda do direito ao seu valor efetivo, procurando alcançar uma indemnização justa. E assim, porque se está perante uma dívida de valor, há que determinar a sua atualização, em função do Índice de Preços do Consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.5
Face ao disposto no artigo ...º nº 2 do Código Civil, devendo o tribunal reportar-se à data mais recente que puder atender, deve ter-se como limite o momento do efetivo pagamento, visto esta ser a última condição para operar a aquisição do direito que se visa compensar.
Não consta da matéria de facto provada o valor do imóvel à data da sua aquisição (2001), mas tão só o preço pelo qual foi adquirido (PTE 3.200.000$00, equivalente a 15.961,53 €). No entanto, a perícia realizada respondeu a tal questão, fixando-o em 16.900,00 €, o qual foi expressamente aceite pelo Recorrido na resposta ao convite para pronúncia sobre o montante da indemnização, sendo facto que beneficia a parte contrária, por superior ao valor da compra. Assim, face à confissão do Recorrido que aceita este valor, superior ao da compra e venda declarada, como o que correspondia ao preço de mercado no momento anterior à construção da habitação, entende-se poder aditar este facto no elenco da matéria de facto provada, nos termos do artigos 607º nº 4 ex vi artigo 663º nº 2 do Código de Processo Civil.
Desta forma, o valor da indemnização a pagar pelo Recorrido corresponde a metade deste montante, visto que a Recorrente é, apenas, comproprietário do imóvel, acrescido da atualização em função do Índice de Preços do Consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística até efetivo pagamento.

V - Decisão

Por todo o exposto, julga-se:
--- a apelação interposta pela Ré parcialmente procedente e em consequência, revogando-se parcialmente a sentença proferida:
- condena-se a Ré a reconhecer que o prédio denominado “Sorte de ... e ...”, sito no Lugar ..., na freguesia de ..., concelho de Vieira do Minho, descrito na Conservatória de Registo ... sob o n.º ..., e inscrito na matriz predial urbana ....º (à data da escritura omisso à matriz), foi adquirido apenas a expensas do Autor, e que o Autor construiu a habitação no dito prédio a expensas exclusivamente suas;
- condena-se a Ré a ver reconhecido o direito do Autor a adquirir a sua quota na propriedade do terreno, ficando único proprietário do mesmo, mediante o pagamento da quantia de 8.450,00 €, acrescido da atualização em função do Índice de Preços do Consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística até efetivo pagamento, direito este que caducará caso o Autor não consigne em depósito esse valor, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado desta decisão.
Custas por Recorrido e Recorrente na proporção de 12% para o primeiro e o restante para a segunda.
Guimarães,

Sandra Melo
Conceição Sampaio
Elisabete Coelho de Moura Alves



1. Veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/27/2008, no processo 08B1276: “I_A acessão industrial imobiliária é uma forma de aquisição originária do direito de propriedade. II A aquisição do direito de propriedade pela forma nomeada, essa, não ocorre automaticamente, por via e no momento da incorporação, sem necessidade de qualquer manifestação de vontade nesse sentido, antes só sendo realidade com e no instante de tal declaração de vontade, por banda do dono da obra e sequente pagamento da correspondente indemnização ao dono do terreno, pagamento esse que funciona como condição suspensiva da transmissão do predito direito, com efeito retractivo, embora, ao momento da incorporação.” O qual fundamenta: “sustentando que tal aquisição só é realidade com e no momento da manifestação da vontade da respetiva aquisição, por banda do dono da obra e sequente pagamento da correspondente indemnização ao dono do terreno, vide, entre outros, para além das decisões nesta alínea já referidas: acórdãos do STJ, de 29-01-04 (revista nº 4163/03-2ª) e de 12-02-04 (revista nº 4377/03-7ª, in "Sumários" Nºs 77 e 78, pp. 39 e 24 e 25, respetivamente; Quirino Soares, in "Acessão e "Benfeitorias" - CJ - Ano 96 - tomo I, pp. 11 e segs.; Menezes Cordeiro, in "Direitos Reais", 1979, pp. 503 e 504, e Oliveira Ascensão, in "Direitos Reais", pp. 438 e segs..”
2. (Quanto ao dono do solo, nomeadamente nos casos em que o incorporante não quis exercer a sua faculdade ou a deixou caducar, haverá que atentar na força da “vis attractiva” da propriedade e a regra da primazia do solo, mencionada no brocardo “superficies solo cedit”, sendo norma supletiva que o direito de propriedade absorve tudo o que, por ação natural ou humana, acresce ao seu primitivo objeto, posição defendida por Quirino Soares in, “Acessão e Benfeitorias”, Separata dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano IV, Tomo I, 1996, pág. 22.)
3. no mesmo sentido acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça, de 09/27/2012, no processo 1696/08.0TBFAR.E1.S2, (sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano).
4. Direitos Reais, Reprint 1979, Lex ed. jurídicas 1993, p. 513