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CUMULAÇÃO DE INVENTÁRIOS
CABEÇA DE CASAL
COMPETÊNCIAS
FRUTOS CIVIS
Sumário
I- Em situação de cumulação de inventários a nomeação do cabeça de casal deve ser efectuada pela ordem estabelecida pelo art.º 2080.º do C. Civil, para cada um dos inventários, sem prejuízo do acordo de todos os interessados, nos termos do art.º 2084.º do C. Civil e de decisão do tribunal nas estritas condições do art.º 2083.º do C. Civil, pois que, inexiste norma que disponha de modo diverso e não se vislumbram quaisquer valores dignos de protecção legal, que devam ser acautelado por solução diversa, como seja a nomeação de um único cabeça de casal para todos os inventários. II- Pode, no entanto, acontecer numa situação de cumulação de inventários que haja conveniência objectiva em que o cargo de cabeça de casal seja exercício por uma única pessoa ou por mais de uma pessoa, indistintamente, sendo que, essa “conveniência” deverá ser sopesada na designação do cabeça de casal por acordo, nos termos do art.º 2084.º do C. Civil, nada obstando a que tal acordo seja sugerido pelo tribunal no exercício do seu poder/dever de direcção do processo, em ordem à consecução do seu fim, que é a realização da partilha. III- Não tendo sopesada a situação no acto de nomeação do cabeça de casal, não significa que não possa vir a ser ponderado, até tendo em consideração que há sempre um inventario que se incitou há mais tempo e que o melhor caminho para o rápido avanço de ambos os processos de partilha será a aproximação de posições entre os interessados. IV- O que o tribunal não pode é, de motu próprio, por razões de conveniência, ainda que de celeridade do processo, nomear um único cabeça de casal à revelia das normas legais supra citadas, que tal regulam. V- Isto porque, o cargo de cabeça de casal e o seu exercício configuram além de um dever, do qual se pode ser desonerado mediante pedido de escusa (art.º 2085.º do C. Civil), também um direito, do qual se pode ser destituído mediante remoção (art.º 2086.º do C. Civil). VI- O cabeça-de-casal, tal como preceituam os arts. 2079.º e 2087.º/1, do CC, até à liquidação e partilha, administra a herança, administra os bens próprios do falecido, ou seja, é de facto um mero administrador a quem é deferida uma tarefa precária. VII- No âmbito dessas suas competências o artigo 2088.º/1 CC atribui ao cabeça-de-casal a faculdade de pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e permite-lhe usar contra esses herdeiros ou terceiros de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído, sendo que, fazem parte da herança, entre outros, os frutos percebidos até à partilha (art. 2069.º/al. d) CC), sendo considerados frutos, de natureza civil, as rendas, mormente aquelas pagas no âmbito de contratos de arrendamento (art. 212.º/2 CC). VIII- Sendo assim, assiste ao cabeça de casal o direito de reclamar o pagamento dos frutos civis produzidos pelo património de cuja administração está incumbido.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Guimarães.
I – RELATÓRIO.
Recorrente: M. S. e marido, M. T..
Recorrido: N. P..
Tribunal Judicial da Comarca de Vila Real - Juízo Local Cível de Chaves - Juiz 1
N. P., casada, residente na Rua do…, Guimarães, intentou contra M. S. e marido, M. T., residentes na Rua …, Guimarães, a presente acção declarativa sob a forma comum de processo visando, pela sua procedência, e a título principal, a condenação dos RR.: - A entregarem-lhe metade do valor das rendas que receberam desde o óbito do pai da R. bem como das que “receberá” na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da respectiva mãe e demais activos que tenha recebido e venha a receber até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver a aludida qualidade de cabeça-de-casal da progenitora, quantificando o valor devido, à data da propositura da acção, em €33.542,60; - A reporem um prédio, que identifica, no estado em que se encontrava antes do derrube da totalidade das ramadas e bardos bem como a pagarem o montante (que relega para incidente de liquidação) relativamente ao lucro que deixou de ser auferido por conta do referido derrube; - A pagarem-lhe a quantia de € 2.000 a título de danos não patrimoniais.
Alternativamente, peticionou a condenação dos RR. no pagamento da quantia necessária quer à reposição de um prédio rústico na situação em que se encontrava antes da realização de determinada intervenção, que descreve, quer no pagamento da quantia necessária à compensação por lucros cessantes, ambas a determinar em sede de incidente de liquidação, e ainda no pagamento de €2.000 a título de danos não patrimoniais.
Alega, para tanto e em síntese, que ela e a R. são as únicas interessadas na herança aberta por óbito dos respectivos progenitores, M. L., falecida em -.07.2014, e M. C., falecido em -.08.2017, tendo sido instaurado processo para partilha de ambas as heranças e sido, no âmbito desse processo, ela, demandante, nomeada cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai e a demandada nomeada cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da mãe.
Mais alega que 9 dos 18 prédios que integram o património comum do falecido casal encontram-se arrendados, por valores que identifica, recebendo a R., mensalmente, a título de rendas a quantia de €2.580,20, sem que proceda à entrega a ela, demandante, da parte correspondente à administração da herança aberta por óbito do pai.
Aduz ainda que os RR., sem o seu consentimento ou conhecimento, em Julho de 2018 derrubaram todas as ramadas e bardos que ladeavam um determinado prédio rústico, que identifica, tendo transformado o rústico em causa num parque de estacionamento e arrecadando para si os lucros dessa exploração.
Argui ainda que a vinha implantada no prédio em causa ainda produzia, pelo que não só a colocação de novas ramadas e videiras acarretará um gasto como será necessário aguardar cerca de 5 anos para que as novas plantas cheguem a um estado de maturação que lhes permita produzir.
Refere ainda que toda esta factualidade a faz sentir-se humilhada e enxovalhada, desgostosa e triste, acarretando-lhe incómodos, preocupações e canseiras.
Regularmente citados, contestaram os RR., excepcionando quer a impropriedade do meio processual, quer a ineptidão da petição inicial, quer a ilegitimidade activa da A., quer a ilegitimidade passiva do R. marido, quer a litispendência, ante a pendência de acção de prestação de contas que identifica. No mais, ainda que reconhecendo que o acervo hereditário dos falecidos pais é composto pelos 18 imóveis identificados na p.i., impugnou genericamente a factualidade aduzida quanto à recepção das rendas e especificadamente a invocada quanto à intervenção no prédio rústico.
Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, onde se fixou o valor da causa, se indeferiram as excepcionadas impropriedades do meio processual, ineptidão da petição inicial, ilegitimidade activa da A. e litispendência, se julgou verificada a espionada ilegitimidade passiva do R. marido somente quanto a dois dos pedidos formulados, se identificou o objecto da acção e se enumeraram os temas da prova, que não foram objecto de reclamação.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, que decorreu com observância das legais formalidades, como consta da respectiva acta, tendo em tal sede a A. desistido dos pedidos formulados, com excepção do da entrega de metade do valor das rendas recebidas desde o óbito do pai da R. bem como das que “receberá” na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da respectiva mãe e demais activos que tenha recebido e venha a receber até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver a aludida qualidade de cabeça-de-casal da progenitora.
Foi proferida sentença em que, respondendo à matéria de facto controvertida, se decidiu julgar a presente acção nos seguintes termos: Pelo exposto, o Tribunal decide julgar a presente acção parcialmente procedente e como tal condena a R. a entregar à A., na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de M. C., metade do valor das rendas que recebeu a partir de 08.03.2018 pela administração do património imobiliário identificado supra em 1.1.c) (por ser cabeça-de-casal da herança de M. L.) – e que à data da instauração da presente acção ascendia a €22.906,80 (vinte e dois mil, novecentos e seis euros e oitenta cêntimos) bem como metade do valor das rendas que entretanto recebeu bem como as que receberá no âmbito da administração desse património até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver o cargo de cabeça-de-casal da herança de M. L. e enquanto for cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de M. C. a aqui A.
Inconformado com tal decisão, apelam os Autores, pugnando pela respectiva revogação, formulam nas suas alegações as seguintes conclusões: 1º - Na presente acção – que se reconduz processualmente a uma exigência de prestação de contas de cabeça de casal – a Autora N. P., demandou a Ré M. S. pedindo a condenação desta a, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito da mãe de ambas, M. L., lhe entregar, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do pai, M. C., metade das rendas pela Ré recebidas desde o óbito do pai até ao termo do cabeçalato da Ré. 2º - A sentença recorrida condenou a Ré a entregar à Autora “na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de M. C.,metade do valor das rendas que recebeu a partir de 08.03.2018 pela administração do património imobiliário (…) por ser cabeça de casal da herança de M. L. – e que há data da instauração da presente acção ascendia a euros 22.906,80 (…) bem como metade do valor das rendas que entretanto recebeu, bem como das que receberá no âmbito da administração desse património, até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver o cargo de cabeça de casal da herança de M. L. e enquanto for cabeça de casal da herança aberta por óbito de M. C. a aqui Autora”, decisão que a Ré reputa de absolutamente ilegal, por mais do que uma razão. 3º - Com efeito, regendo-se a matéria do ponto de vista do direito material pelo disposto nos artigos 2079º, 2092º e 2093º do Código Civil, e do ponto de vista do direito processual pelo disposto nos artigos 941º e seguintes do Código do Processo Civil, e cabendo a cada uma das heranças o direito a receber metade do saldo a apurar entre rendimentos e despesas, deduzido de um provisão para cobrir os encargos do ano imediato, a herança aberta por óbito de M. C., representada pela Autora, só tem o direito de exigir à Ré metade do saldo que se apurar, contando receitas e despesas, deduzido ano a ano do valor de uma provisão correspondente à quantia necessária para encobrir os encargos do novo ano. 4º- Na verdade, ainda que se considerasse devido metade do valor global das receitas, ou até, como seria correcto metade do saldo das receitas e despesas, era ainda necessário, sob pena de violação da lei, deduzir a qualquer desses saldos, como provisão, o valor estimado das despesas previstas para o ano imediato (artigo 2093º n.º 3 do Código Civil), tudo porque a cada interessado no saldo assim achado só podia ser atribuído “até metade dos rendimentos que lhe caibam” (artigo 2092º do Código Civil); 5º - De resto, em 31/08/2017, faleceu M. C., de quem a Autora e a Ré foram as únicas e universais herdeiras, e, mercê desse óbito, foi instaurado inventário, em cúmulo e para partilhas dos mesmos bens com outro inventário já então pendente por óbito de M. L., tendo este como cabeça de casal a ré M. S. e aquele como cabeça de casal a autora N. P. (proc. n.º 5059/16 da notária P. S.) – o que significa que a presente instância devia ter sido julgada extinta por impossibilidade, atento que ocorria uma situação de duplo cabeçalato, que implica que ambas as partes sejam simultaneamente credoras e devedoras da mesma obrigação (cfr. o Acórdão do STJ de 29.11.2005, Proc. 05B 334, disponível em dgsi.net e na Colectânea de Jurisprudência de STJ 2005, 3, pag. 149, bem como o Acórdão da Relação de Coimbra de 02.06.2006, Proc.91/14.78SE 1.C1, disponível em www.dgsi.net , de que foi relator Barateiro Martins e que decidiu que “não podem exigir uns dos outros prestação de contas” ( os irmãos) “nas heranças de seus pais por serem devedores e credores da mesma obrigação”. 6º- Por último, nunca a Ré podia ser condenada nas custas da acção, mesmo que apenas em parte como foi, porque a Autora exerceu um direito potestativo (artigo 535º , n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil) e por isso as custas são inteiramente da sua responsabilidade, porque a Autora foi quem deu causa a acção porque não alega sequer ter exigido à Ré extrajudicialmente quaisquer importâncias, e porque, ainda que a Ré devesse ser condenada em custas, não podia ter sido condenada em mais do que ¼ (foi demandada a Ré e seu marido, tendo este sido totalmente absolvido do pedido, o que implicava, só por isso, que metade das custas fossem da responsabilidade da Autora, e dos pedidos formulados, a Autora desistiu de metade, o que significa que das restantes custas teria de ser responsável no mínimo por mais ½, do que tudo resultava que a Autora teria de suportar ¾ partes das custas e Ré ¼, ao que acresce ainda que, mesmo em relação ao valor atribuído pela Autora como recebido pela Ré até a propositura da acção – euros 33.542,60 – ocorreu decaimento, porque a sentença apenas reconheceu que esse valor era de euros 22.906,80).
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A Apelada apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência da apelação interposta.
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Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II- Do objecto do recurso.
Sabendo-se que o objecto do recurso é definido pelas conclusões no mesmo formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso, as questões decidendas são, no caso, as seguintes:
- Existência ou não do direito da A. a recebimento de metade do valor das rendas recebidas desde o óbito do pai da R. bem como das que venha arreceber na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da respectiva mãe e demais activos que tenha recebido e venha a receber até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver a aludida qualidade de cabeça-de-casal da progenitora.
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III- FUNDAMENTAÇÃO.
Fundamentação de facto.
A factualidade dada como provada e não provada na sentença recorrida é a seguinte:
Factos provados.
a) Encontra-se pendente no Cartório Notarial da Dr.ª P. S. o processo de inventários cumulados a que foi atribuído o n.º 5059/16 para partilha das heranças abertas por óbito de M. L., falecida em -.07.2014, e M. C., falecido em -.08.2017;
b) No âmbito do processo identificado em a), por despacho datado de 08.03.2018 foi nomeada cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da M. L. a aqui R., e foi nomeada cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do M. C. a aqui A.;
c) Integravam o património comum do casal formado por M. C. e M. L. os seguintes imóveis:
i. Prédio urbano situado no lugar ..., freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/20010222;
ii. Prédio urbano situado no lugar ..., freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/20010222;
iii. Prédio urbano situado no lugar …, freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ….º;
iv. Prédio misto situado no lugar do …, freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob os arts. ….º urbano e ...º rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/19950323;
v. Prédio urbano situado no lugar …, freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º;
vi. Prédio misto situado no lugar ... Alto, freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob os arts. ...º urbano e ...º rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/19950323;
vii. Prédio urbano situado no lugar de …, freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/19960718;
viii. Prédio urbano situado na Rua …, freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/20101019;
ix. Fracção autónoma designada pelas letras BB destinada a habitação, a qual faz parte do prédio urbano situado no Gaveto … e Rua …, freguesia de …, concelho de Guimarães, inscrita na matriz sob o art. ...º BB e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/19990421-BB;
x. Prédio urbano situado no Lugar …, freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º;
xi. Prédio urbano situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º;
xii. Prédio urbano situado na Rua …, n.º …, freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º …/20000211;
xiii. Prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º;
xiv. Prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º;
xv. Prédio rústico situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ….º;
xvi. Prédio rústico situado no Lugar ..., ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ….º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o n.º …/20021112;
xvii. Prédio rústico situado no Lugar ..., ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ...º;
xviii. Prédio rústico situado no Lugar ..., ..., freguesia de ..., concelho de Guimarães, inscrito na matriz sob o art. ….º;
d) Os imóveis identificados em c)i. a ix. encontravam-se à data da propositura da acção, e já à data do óbito de M. C., arrendados:
i. O identificado em i. a J. P. e M. L., pela renda mensal de €77,78;
ii. O identificado em ii. a D. C. e M. M., pela renda mensal de €92,20;
iii. O identificado em iii.:
- Uma parte habitacional a F. C. e M. A., pela renda mensal de €150;
- Outra parte habitacional a P. R., pela renda mensal de €80;
- Uma outra parte habitacional a P. G., pela renda mensal de €100;
iv. O identificado em iv. a A. M. e P. L., pela renda mensal de €158,80;
v. O identificado em v.:
- O r/c C a Manuel, pela renda mensal de €114,05;
- O r/c H a M. G. e M. F., pela renda mensal de €82,17;
- O 1.º andar a J. R., pela renda mensal de €200;
vi. O identificado em vi.:
O r/c 1 a J. O. e L. B., pela renda mensal de €152;
- O r/c 2 a A. J. e R. F., pela renda mensal de €132;
- O 1.º A a R. J. e T. O., pela renda mensal de €200;
vii. O identificado em vii. a J. A., pela renda mensal de €250;
viii. O identificado em viii. a B. B., pela renda mensal de €600;
ix. O identificado em ix. a J. G., pela renda mensal de €315;
e) Desde a data do óbito de M. C. que é a R. quem recebe as rendas identificadas em d), com excepção da indicada em d)iv, que é recepcionada pela A.;
f) A R. nunca entregou à A. qualquer valor das rendas mencionadas em e). Factos não provados
Nenhuns.
Fundamentação de direito. Como fundamento da sua pretensão recursória alega a Recorrente, em síntese, que na a presente acção – que se reconduz processualmente a uma exigência de prestação de contas de cabeça de casal – a Autora N. P., demandou a Ré M. S. pedindo a condenação desta a, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito da mãe de ambas, M. L., lhe entregar, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito do pai, M. C., metade das rendas pela Ré recebidas desde o óbito do pai até ao termo do cabeçalato da Ré.
Ora a sentença recorrida condenou a Ré a entregar à Autora “na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por óbito de M. C., metade do valor das rendas que recebeu a partir de 08.03.2018 pela administração do património imobiliário (…) por ser cabeça de casal da herança de M. L. – e que há data da instauração da presente acção ascendia a euros 22.906,80 (…) bem como metade do valor das rendas que entretanto recebeu, bem como das que receberá no âmbito da administração desse património, até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver o cargo de cabeça de casal da herança de M. L. e enquanto for cabeça de casal da herança aberta por óbito de M. C. a aqui Autora”.
Tal decisão, contudo, em seu entender, será absolutamente ilegal, pelas seguintes ordens de razões: - Em primeiro lugar, regendo-se a matéria do ponto de vista do direito material pelo disposto nos artigos 2079º, 2092º e 2093º do Código Civil, e do ponto de vista do direito processual pelo disposto nos artigos 941º e seguintes do Código do Processo Civil, e cabendo a cada uma das heranças o direito a receber metade do saldo a apurar entre rendimentos e despesas, deduzido de um provisão para cobrir os encargos do ano imediato, a herança aberta por óbito de M. C., representada pela Autora, só tem o direito de exigir à Ré metade do saldo que se apurar, contando receitas e despesas, deduzido ano a ano do valor de uma provisão correspondente à quantia necessária para encobrir os encargos do novo ano.
- Com efeito, ainda que se considerasse devido metade do valor global das receitas, ou até, como seria correcto metade do saldo das receitas e despesas, era ainda necessário, sob pena de violação da lei, deduzir a qualquer desses saldos, como provisão, o valor estimado das despesas previstas para o ano imediato (artigo 2093º n.º 3 do Código Civil), tudo porque a cada interessado no saldo assim achado só podia ser atribuído “até metade dos rendimentos que lhe caibam” (artigo 2092º do Código Civil);
- De resto, em 31/08/2017, faleceu M. C., de quem a Autora e a Ré foram as únicas e universais herdeiras, e, mercê desse óbito, foi instaurado inventário, em cúmulo e para partilhas dos mesmos bens com outro inventário já então pendente por óbito de M. L., tendo este como cabeça de casal a ré M. S. e aquele como cabeça de casal a autora N. P. (proc. n.º 5059/16 da notária P. S.) – o que significa que a presente instância devia ter sido julgada extinta por impossibilidade, atento que ocorria uma situação de duplo cabeçalato, que implica que ambas as partes sejam simultaneamente credoras e devedoras da mesma.
Definidos mos termos da controvérsia, temos que, e em primeiro lugar, o que começa por ser questionado é a própria natureza ou enquadramento jurídico da acção interposta, pois que, em contrário do enquadramento efectuado na decisão recorrida, que a considera como sendo uma acção declarativa comum de condenação, a Recorrente entende que do ponto de vista do direito processual a situação será subsumível ao disposto nos artigos 941º e seguintes do Código do Processo Civil, ou seja, estar-se-á perante uma acção de prestação de contas, do que, em seu entender, incontornavelmente resulta que, havendo uma situação de cúmulo para partilhas dos mesmos bens com outro inventário já então pendente, atento a que ocorria uma situação de duplo cabeçalato, a presente instância deveria ter sido julgada extinta por impossibilidade, já que ambas as partes são simultaneamente credoras e devedoras da mesma obrigação, e, por isso, “não podem exigir uns dos outros prestação de contas” (os irmãos) “nas heranças de seus pais por serem devedores e credores da mesma obrigação”.
Ora, começando por este último aspecto, salvo muito e devido respeito, não se nos afigura que isto assim seja, pois que, em nosso entender, por um lado, nada obsta, em termos de direito positivado, à existência de situações de duplo cabeçalato, e por outro, mesmo a entender-se estar perante uma acção de prestação contas, não lhe são aplicáveis as aludidas restrições decorrentes de os herdeiros serem simultaneamente devedores e credores.
Na verdade, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/06/2012, “Em situação de cumulação de inventários a nomeação do cabeça de casal é feita pela ordem estabelecida pelo art.º 2080.º do C. Civil, para cada um dos inventários, sem prejuízo do acordo de todos os interessados, nos termos do art.º 2084.º do C. Civil e de decisão do tribunal nas estritas condições do art.º 2083.º do C. Civil, uma vez que não existe norma que diversamente disponha, não se vislumbrando também qualquer valor digno de protecção legal, que deva ser acautelado por solução diversa, como seja a nomeação de um único cabeça de casal para todos os inventários” (1).
E ainda a propósito do tema refere-se ainda na fundamentação deste acórdão o seguinte: (…) O cabeça de casal tem, no inventário, as importantes funções que lhe são directamente atribuídas, entre elas, genericamente, fornecer os elementos necessários para o prosseguimento do inventário (art.º 1338.º, n.º 2, do C. P. Civil), e mais especificamente, prestar informações, apresentar documentos e a relação de bens que constitui a herança (art.º 1340.º do C. P. Civil), mas essas funções não se esgotam no processo de inventário. Antes de mais, e mais do que essas funções processuais, o cabeça de casal tem as funções de administração da herança até à sua liquidação e partilha (art.º 2079.º do C. Civil), incluindo os bens comuns do casal se os houver (art.º 2087.º, n.º 1, do C. Civil), podendo cobrar dívidas (art.º 2089.º, do C. Civil), vender frutos (art.º 2090.º, do C. Civil), pedir a entrega de bens da herança (art.º 2078.º, do C. Civil), sobre ele impendendo o dever de prestar contas (art.º 2093.º, do C. Civil). Atentas essas importantes funções, o art.º 2080.º do C. Civil estabelece a ordem de atribuição e exercício desse cargo, a qual pode, desde logo ser alterada por acordo de todos os interessados (art.º 2084.º do C. Civil), podendo o cabeça de casal ser nomeado pelo tribunal, mas nas estritas condições do art.º 2083.º do C. Civil como, para o processo de inventário estabelece, declaradamente, o art.º 1339.º, n.º 1, do C. P. Civil. Na parte que ora nos interessa, exceptuado o caso previsto no art.º 2083.º do C. Civil, o juiz não pode subverter a ordem estabelecida no art.º 2080.º do C. Civil, nomeando pessoa diversa daquela que dessa ordem resulta. E nomeado o interessado a quem o cargo couber, para além do seu decesso, o mesmo só pode ser removido do cargo nos casos estabelecidos pelo art.º 2086.º do C. Civil. É que o cargo de cabeça de casal e o seu exercício não configuram um mero dever, apesar da sua gratuitidade (art.º 2094.º do C. Civil), constituindo também um direito, como interessado na herança e como interessado com uma relação tendencialmente mais próxima do de cujus e o seu acervo hereditário do que os outros interessados, ainda que, por vezes, essa proximidade seja apenas uma presunção legal, que não uma realidade física. O cargo de cabeça de casal e o seu exercício configuram um dever, do qual se pode ser desonerado mediante pedido de escusa (art.º 2085.º do C. Civil) e um direito, do qual se pode ser destituído mediante remoção (art.º 2086.º do C. Civil). No caso sub judice está em causa o exercício do cargo de cabeça de casal na herança por óbito de A…. À data da morte A…encontrava-se casado com a agravante pelo que, nos termos do disposto no art.º 2080.º, n.º 1, al. a), do C. Civil, o exercício do cargo de cabeça de casal, relativo a essa herança, pertence à agravante B…. E pertence-lhe nas duas perspectivas que apontámos, de cumprimento de um dever e de exercício de um direito. E este é o regime legal aplicável também para a situação de cumulação de inventários, para a qual não existe norma que diversamente disponha, não se vislumbrando também qualquer valor que deva ser acautelado por solução diversa, como seja a nomeação de um único cabeça de casal para ambos os inventários, caminho seguido pelo tribunal a quo. O que pode acontecer numa situação de cumulação de inventários é que haja conveniência objectiva em que o cargo de cabeça de casal seja exercício por uma única pessoa ou por mais de uma pessoa, indistintamente. Mas esta “conveniência” terá de ser sopesada na designação do cabeça de casal por acordo, nos termos do art.º 2084.º do C. Civil, nada obstando a que tal acordo seja sugerido pelo tribunal no exercício do seu poder/dever de direcção do processo, em ordem à consecução do seu fim, que é a realização da partilha. A situação dos autos apresenta ainda a particularidade de o de cujus A…. ter desempenhado o cargo de cabeça de casal na herança aberta por morte da C….(primeiro inventário), para a qual já foi nomeado cabeça de casal o outro aí interessado B…. Em ordem a evitar dissensões com a entrega de bens ao cabeça de casal de cada uma das heranças (art.º 2088.º do C. Civil) e atentas as posições assumidas pela agravante D… e pelo agravado B… previamente ao despacho de 23/4/2010, a primeira admitindo o que apelidou de duplo cabeçalato e o segundo invocando as suas qualidades de administração em relação a bens determinados da herança, poderia ter sido ponderada a possibilidade de acordo entre os interessados relativamente a essas duas matérias, a saber, o exercício do cargo de cabeça de casal e relativamente a que bens. Essa possibilidade poderia e deveria ter sido avaliada, desde logo, no acto de nomeação de cabeça de casal no primeiro inventário.
Tal não aconteceu, o que não significa que não possa vir a ser ponderado, até tendo em consideração que o primeiro inventário se iniciou há dez anos e que o melhor caminho para o rápido avanço de ambos os processos de partilha será a aproximação de posições entre os interessados. O que o tribunal não pode é, de motu próprio, por razões de conveniência, ainda que de celeridade do processo, nomear um único cabeça de casal à revelia das normas legais supra citadas, que tal regulam. (…)
Destarte, nada obstando, em termos de direito positivado, à existência de situações de duplo cabeçalato, passemos à agora ao enquadramento jurídico da presente acção, sendo certo que, a assistir razão à Recorrente, poderemos estar perante um caso de inadequação da forma de processo utilizada, eventualmente subsumível ao disposto no art.º193.º, n.º1, do Código de Processo Civil, que prescreve que “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei”, sendo que, em conformidade com o nº 2, do mesmo preceito, “Não devem, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu”.
Como ensinava Alberto dos Reis (com plena actualidade), “os processos destinam-se ou a fazer declarar em juízo os direitos substanciais ou a dar realização efectiva a direitos já declarados. Compreende-se facilmente a necessidade ou a conveniência de que a forma do processo se ajuste à substância do direito que se pretende fazer reconhecer ou executar. Ora, se a grande massa dos direitos materiais pode perfeitamente fazer-se valer em juízo mediante a ritologia do processo comum (…) a verdade é que alguns direitos substanciais, dada a sua natureza, feição e estrutura peculiar, demandam ritos e formas especiais de processo. (…). Verificada esta realidade, só havia um caminho a seguir: criar processos cuja tramitação se ajustasse à índole particular do direito, isto é, cujos actos e termos fossem adequados para se obter o fim em vista – a declaração de execução do direito de que se trata. Por outras palavras: a criação de processos especiais obedece ao pensamento de ajustar a forma ao objecto da acção, de estabelecer correspondência harmónica entre os trâmites do processo e a configuração do direito que se pretende fazer reconhecer ou efectivar (2).
Ora, como é consabido, o objecto da acção de prestação de contas encontra-se definido no art. 941.º do C. de Proc. Civil, segundo o qual “a acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se”.
Deste artigo resulta que o direito de exigir a prestação de contas está directamente relacionado com a qualidade de administrador em que alguém se encontra investido quanto a bens que não lhe pertencem ou que não lhe pertencem em regime de exclusividade.
E a administração da herança por parte de tal cabeça-de-casal é uma das situações em que a lei prevê expressamente a obrigação de prestar contas, na medida em que se diz no art. 2093.º/1 do C. Civil que “o cabeça-de-casal deve prestar contas anualmente” (3).
Ora, sendo certo que se nos não afigura que a situação vertente se subsuma expressa ou taxativamente à previsão contida no artigo 2093, nº 1, do C. Civ., ela não deixa de ser análoga ou mesmo sucedânea das que a esse preceito se subsumem de modo directo, que são as contas a prestar aos herdeiros ou ao cônjuge meeiro, pois que, na presente situação, na perspectiva da Autora, uma das questões colocadas são contas a prestar ao cabeça de casal da herança por óbito de um dos cônjuges, que incide sobre bens comuns à herança do outro, também falecido.
E isto mesmo nos parece ter sido considerado na decisão recorrida quando refere que “sendo o património administrado pela A. o mesmo que é administrado pela R. (tendo o Tribunal dificuldade em compreender a razão desta designação dupla de cabeçalato, se o património a partilhar era integralmente comum ao casal), os frutos civis que esta deverá entregar àquela deverão corresponder somente a metade do valor global percepcionado, devendo posteriormente (e com uma cadência anual – cfr. art. 2093.º/1 CC) a A. prestar contas à R. dos valores que esta lhe vier a entregar”.
E assim sendo, dúvidas não podem restar de que o processo especial de prestação de contas, se o pedido tivesse sido formulado, poderia ser o adequado ao fim pretendido pela Autora e que vem reflectido na petição porquanto na versão aí descrita, ou seja, a Autora actua enquanto cabeça de casal da herança da mãe que engloba bens comum à herança do pai, cuja administração pertence lhe pertence.
Todavia, e pese embora o exposto, como resulta da análise do conteúdo da petição inicial, a A. não deduz apenas pedido de condenação da Ré a entregar-lhe metade do valor das rendas que receberam desde o óbito do pai da R. bem como das que “receberá” na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da respectiva mãe e demais activos que tenha recebido e venha a receber até que finde o processo de partilha ou enquanto mantiver a aludida qualidade de cabeça-de-casal da progenitora, mas deduz também o pedido de que os RR. sejam condenados a repôr um dos bens da herança no seu estado anterior, por alegadamente o terem danificado.
No despacho saneador sobre esse alegado vício de erro na forma de processo refere-se o seguinte: (…) Entendem os RR. que nos presentes autos se verifica uma “impropriedade do meio processual” (forma distinta de arguir um manifesto erro na forma de processo), pois que a A. deveria ter-se socorrido ou de uma acção executiva, já que a decisão que a nomeou cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai transitou em julgado, ou uma acção de prestação de contas. Nos termos do disposto no art. 546.º/1 CPC, o processo pode ser comum ou especial, aplicando-se este aos casos expressamente previstos na lei e aquele a todos os casos a que não corresponda processo especial. O processo comum de declaração segue forma única (art. 548.º CPC); já o processo comum executivo segue forma única se for para entrega de coisa certa e para prestação de facto (art. 550.º/4 CPC) ou a forma ordinária ou sumária se for para pagamento de quantia certa (art. 550.º/1 CPC). Começando pela primeira alegação (de que a A. se socorreu indevidamente do processo declarativo quando deveria ter instaurado execução), desde logo resulta com clareza do disposto no art. 535.º/2/al. c) CPC que nestas situações não existe qualquer erro na forma de processo: nada impede um credor, ainda que munido de um título executivo, de se socorrer de uma acção declarativa para ver reconhecido o seu direito; o que acontece nessas situações é ter de suportar as custas do processo, se se verificar tal circunstancialismo. Relativamente à segunda alegação, não assiste qualquer razão aos RR.. Com efeito, o art. 941.º CPC preceitua que “A acção de prestação de contas pode ser proposta por quem tenha o direito de exigi-las ou por quem tenha o dever de prestá-las e tem por objecto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios [sublinhado meu] e a eventual condenação no pagamento do saldo que venha a apurar-se.” O cabeça-de-casal, sublinhe-se, não é um mandatário ou gestor de negócios, é um mero administrador (cfr. art. 2079.º CC) a quem é deferida uma tarefa precária, não por competência funcional mas por proximidade do inventariado, Daí que o exercício do cargo seja gratuito, não obstante os encargos que podem resultar da administração (cfr. art. 2094.º CC). Ora, como resulta com clareza dos pedidos formulados, a A. não pretende o pagamento a seu favor de qualquer saldo que venha a apurar-se entre receitas obtidas e despesas realizadas; a A., enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai (e é nessa qualidade que começa por se apresentar em juízo) pretende por um lado que lhe sejam entregues partes integrantes da herança que administra, como sejam metade do valor das rendas percebidas pela R. (cfr. art. 2069.º/al. d) e 212.º/2, ambos do CC), e por outro ver os RR. condenados a repôr um dos bens da herança no seu estado anterior, por alegadamente o terem danificado. Tais pretensões inserem-se no âmbito das acções possessórias, a que o cabeça-de-casal pode recorrer, até mesmo contra outros herdeiros (cfr. art. 2088.º/1 CC) e têm natureza declarativa, seguindo a forma comum de processo. (…)
E à luz do exposto, parece-nos: - Legitima a conclusão de que, resulta dos pedidos formulados, que a A. não peticionou expressamente a prestação de contas por parte da Ré, já que esse propósito não decorre com linear clareza dos fundamentos da acção, dado que não se pretende o pagamento a seu favor de qualquer saldo que venha a apurar-se entre receitas obtidas e despesas realizadas; - E, bem assim, que a A., enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai (e é nessa qualidade que começa por se apresentar em juízo) pretende, por um lado, que lhe sejam entregues partes integrantes da herança que administra, como sejam metade do valor das rendas percebidas pela R., e, por outro, ver os RR. condenados a repôr um dos bens da herança no seu estado anterior, por alegadamente o terem danificado.
E, assim sendo, consideradas todas a pretensões deduzidas, parece com segurança poder concluir-se, como se faz no despacho saneador, que a presente acção se insere no âmbito das acções possessórias.
Na verdade, considerado tudo o exposto, indubitável resulta igualmente, como se salienta na decisão recorrida, que o cabeça-de-casal, tal como preceituam os arts. 2079.º e 2087.º/1, do CC, até à liquidação e partilha, administra a herança, administra os bens próprios do falecido, ou seja, é de facto um mero administrador a quem é deferida uma tarefa precária.
No âmbito dessas suas competências, o artigo 2088.º nº 1 CC atribui ao cabeça-de-casal a faculdade de pedir aos herdeiros ou a terceiro a entrega dos bens que deva administrar e que estes tenham em seu poder, e permite-lhe usar contra esses herdeiros ou terceiros de acções possessórias a fim de ser mantido na posse das coisas sujeitas à sua gestão ou a ela restituído, sendo que, fazem parte da herança, entre outros, os frutos percebidos até à partilha (art. 2069.º/al. d) CC), sendo considerados frutos, de natureza civil, as rendas, mormente aquelas pagas no âmbito de contratos de arrendamento (art. 212.º/2 CC).
Sendo assim, com linear evidência resulta que assiste, efectivamente, direito à A. de, enquanto cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do pai, reclamar da R. o pagamento dos frutos civis produzidos pelo património de cuja administração está incumbida.
Destarte, como assertivamente se refere na decisão recorrida, sendo o património administrado pela A. o mesmo que é administrado pela R. (e embora haja dificuldade em compreender a razão desta designação dupla de cabeçalato, se o património a partilhar era integralmente comum ao casal), os frutos civis que esta deverá entregar àquela deverão corresponder somente a metade do valor global percepcionado, devendo posteriormente (e com uma cadência anual – cfr. art. 2093.º/1 CC) a A. prestar contas à R. dos valores que esta lhe vier a entregar.
Por último, cumprirá ainda referir que, como igualmente se salienta na decisão recorrida, a demanda da A. nesta acção não se relaciona com a pretensão de, individualmente, e enquanto interessada na herança, ver antecipado um rendimento que lhe será devido, mas sim com o cargo de cabeça-de-casal que desempenha, ou seja, no âmbito e exercício de um poder que lhe é legalmente atribuído, enquanto cabeça-de-casal, e que lhe confere legitimidade para recorrer às acções possessórias, não só contra terceiros, mas também contra os próprios herdeiros.
Daqui decorre que, e como igualmente se refere na peça processual recorrida, todo o rendimento que a A. venha a receber por ser a administradora da herança do pai (designadamente as quantias que lhe venham a ser entregues em cumprimento desta sentença) não consubstancia rendimento que lhe seja devido enquanto interessada, estando, por isso, vinculada à obrigação de, quanto a esse rendimento, prestar contas aos demais interessados (o que não aconteceria se o rendimento em causa tivesse sido distribuído ao abrigo do disposto no art. 2092.º CC).
É esse valor assim determinado que tem de ser entregue pela Ré.
Por último, no que concerne ao dies a quo a considerar para efeitos de recepção dos rendimentos em causa, como igualmente refere a decisão recorrida, não poderá deixar de ser o do dia 08.03.2018, já que foi nessa data que a A. foi nomeada cabeça-de-casal da herança do pai pois, e da prova produzida resultou que o exercício do cabeçalato foi de facto assegurado pela R. a partir do momento em que o pai faleceu, sendo que, em tal data, era já cabeça-de-casal – de facto – da herança aberta por óbito da mãe).
Improcede, assim, nesta parte a presente apelação.
Mais alega a Recorrente que nunca a Ré podia ser condenada nas custas da acção, mesmo que apenas em parte como foi, porque: - A Autora exerceu um direito potestativo (artigo 535º, n.º 2 alínea a) do Código de Processo Civil) e por isso as custas são inteiramente da sua responsabilidade; - Porque a Autora foi quem deu causa a acção porque não alega sequer ter exigido à Ré extrajudicialmente quaisquer importâncias; - E porque, ainda que a Ré devesse ser condenada em custas, não podia ter sido condenada em mais do que ¼ (foi demandada a Ré e seu marido, tendo este sido totalmente absolvido do pedido, o que implicava, só por isso, que metade das custas fossem da responsabilidade da Autora, e dos pedidos formulados, a Autora desistiu de metade, o que significa que das restantes custas teria de ser responsável no mínimo por mais ½. - Do que tudo resultava que a Autora teria de suportar ¾ partes das custas e a Ré ¼, ao que acresce ainda que, mesmo em relação ao valor atribuído pela Autora como recebido pela Ré até a propositura da acção – euros 33.542,60 – ocorreu decaimento, porque a sentença apenas reconheceu que esse valor era de euros 22.906,80).
Como é sabido, o direito potestativo constitui a afectação jurídica que consiste na possibilidade de actuação de um poder, por mera vontade de um titular, cujos efeitos se projectam nas esferas de outros sujeitos, ou seja, a constituição desse direito traduz o exercício de um direito, ao qual corresponde uma sujeição.
Daqui decorre que o direito potestativo, «mal se acaba de concretizar o condicionalismo justificativo, previsto na lei (...), fica a outra parte sujeita à possibilidade de o direito vir (ou não vir) a ser exercido. Porém, uma vez exercido pelo seu titular, os efeitos do direito impõem-se imediatamente à outra parte que se encontra naquele estado de sujeição. Deste modo, o atingido pelo exercício de um direito potestativo não pode subtrair-se ao mesmo, não pode violá-lo; apenas pode, isso sim, fazer valer a falta dos pressupostos para o seu exercício eficaz, ou seja, a não verificação do condicionalismo justificativo (...) ou a invalidade da maneira como o direito (existente) foi invocado ou, eventualmente, ainda, o carácter abusivo com que foi exercido.» (4) Portanto, em termos processuais, significa isto que à Autora bastava o ónus de alegação e prova das circunstâncias factuais consubstanciadoras da previsão legal para o reconhecimento do direito potestativo, ou seja, das circunstâncias que lhe conferem esse mesmo direito - art. 342º nº 1 CC.
Ora, salvo o muito e devido respeito, e como decorre dos respectivos fundamentos e do pedido formulado, na presente situação estamos perante um direito de crédito e não de um direito potestativo que se constitua por simples declaração de vontade com eficácia erga omnes.
Na verdade, enquanto estes últimos direitos configuram situações jurídicas passivas absolutas, que têm como correspectivo um ónus material ou encargo também absoluto ou, dito de outro modo, uma obrigação passiva universal, o direito de crédito configura uma situação jurídica activa relativa, que tem como correspectivo um ónus material relativo, ou seja, que só pode exercido contra as pessoas que estejam vinculadas a determinada obrigação ou conduta, e não contra todos.
Como a própria Recorrente expressamente reconhece, “a pretensão formulada” desdobrou-se em várias pretensões autonomizadas, com relação a algumas das quais houve desistência, tendo sido já atribuída a responsabilidade pelas custas referentes aos pedidos extintos por desistência.
Com efeito e como resulta e consta da própria acta de julgamento, no seu decurso foi efectuado um requerimento e proferida a seguinte decisão: (…) Neste acto, pela autora foi pedida a palavra e no seu uso disse que desistia dos pedidos formulados em B, C e D. Após, a Mmª Juiz proferiu a seguinte: Por ser possível (arts. 289.º/1, a contrario, e 283.º/1 e 286.º/2, todos do CPC), subscrita por quem tem legitimidade para tal (arts. 283.º/1 CPC), e efectuada pelo meio prescrito por lei (art. 290.º/1 CPC), aceito a desistência apresentada, pelo que absolvo os Réus dos pedidos formulados em B, C e D. Custas nesta parte a cargo da Autora, de harmonia com o disposto no artigo 537º n.º 1 do C. P. Civil. Registe e notifique. (…)”
Assim sendo, tendo em consideração essa responsabilidade já fixada, procede nesta parte a apelação, devendo as custas ainda em dívida a juízo ser fixadas na proporção dos respectivos decaimentos, como e correctamente parece também resultar do expendido pela Recorrente.
IV- DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, e, em consequência, decide-se revogar a decisão recorrida relativamente às custas, as quais, devem ser fixadas nos seguintes termos: “Custas ainda em dívida a juízo na proporção dos respectivos decaimentos”.
Custas por Apelante e Apelada, na proporção dos seus respectivos decaimentos.
Guimarães,
Processado em computador. Revisto – artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil.
1. Cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 19/06/2012, proferido no processo nº 38591/02.9TJLSB-D.L1-7.
2. Cfr. Processos Especiais, Vol. I, pag. 1.
3. Cfr. Acórdão da Relação do Coimbra de 2/02/2016, proferido no processo nº 91/14.7T8SEI.C1
4. Heinrich Ewald Hörster, “A Parte Geral do Código Civil Português”, Almedina, 2ª reimpressão, pág. 250.