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ACÇÃO DECLARATIVA
APOIO JUDICIÁRIO
CITAÇÃO PESSOAL
PAGAMENTO
Sumário
Sumário (da relatora):
- Numa ação de natureza declarativa não deve ser exigido ao Requerente do processo, que goze do beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, nos casos em que seja determinada a citação pessoal do Requerido, qualquer pagamento para a realização dessa citação.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
Identificação do processo:
Requerente, cabeça-de-casal e apelante: C. L.
Autos de apelação em separado em processo de inventário
I. Relatório
É o seguinte o despacho recorrido:
“Veio a cabeça-de-casal requerer que o apoio judiciário de que beneficia se estenda às despesas com o agente de execução para efetivação da citação dos herdeiros cuja morada se desconhece. … À cabeça-de-casal foi concedido o benefício de apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono. Relativamente à atribuição de agente de execução, não resulta dos autos que a cabeça-de-casal tenha requerido tal modalidade, o que, salvo melhor opinião, justifica o agora requerido. Com efeito, tal prerrogativa não lhe foi concedida – ou porque não pediu ou porque não se reuniram os pressupostos para o seu deferimento. Assim, e porque entendemos que apenas com a atribuição de agente de execução ficaria a requerente dispensada de efetuar o pagamento das despesas em causa, indeferimos o requerido.”
A apelante pugna pela revogação desta decisão, apresentando as seguintes conclusões
“Ante o exposto até aqui, não pode a apelante conformar-se com decisão recorrida que não reconheceu a extensão do apoio judiciário às despesas com a citação a ser efetivada por agente de execução violando, s.m.j., o artigo 16º, 1, d, da DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro. Por essa razão, espera ver a decisão atacada ser substituída por outra que reconheça que o apoio judiciário do qual beneficia a cabeça de casal, é extensivo aos encargos referentes à remuneração do agente de execução, aplicando-se assim a alínea d, do número 1, o artigo 16º da DL n.º 34/2008, de 26 de fevereiro. Por derradeiro, requer seja o presente recurso instruído com certidão da decisão recorrida e do comprovativo de deferimento de AJ acostado aos autos do inventário, em que pese o recorrente já juntar fotocópias de tais peças em anexo às presentes alegações”
Foi apresentada resposta, com as seguintes conclusões:
“1. C. L. cabeça de casal da herança aberta por óbito de M. L. requereu a abertura de processo de inventário, peticionando, a final, além do mais, a citação dos demais herdeiros, além do mais, de F. O.. 2. A cabeça de casal, aqui recorrente C. L. beneficia de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação a patrono oficioso. 3. Uma vez que se frustraram todas as modalidades de citação quanto ao interessado F. O. foi determinada a sua citação por agente de execução. 4. Em 31-03-2021 foi junta aos autos provisão de honorários devidos à Exma. Senhora Agente de Execução pela realização da citação supra referida no montante de € 105,78 (cento e cinco euros e setenta e oito cêntimos). 5. Nessa sequência foi notificada a cabeça de casal, aqui recorrente, para proceder ao pagamento da provisão devida ao Agente de Execução pela citação. 6. Confrontada com tal notificação e não concordando com o pagamento da referida provisão, por ser beneficiária de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento de compensação a patrono oficioso, a cabeça de casal aqui recorrente, requereu, além do mais, que o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo englobasse as despesas com o agente de execução para efectivação da citação dos herdeiros cuja morada se desconhece. 7. O Tribunal a quo indeferiu a pretensão da requerente com fundamento de que “apenas com a atribuição de agente de execução ficaria a requerente dispensada de efetuar o pagamento das despesas em causa”. 8. Não se conformando com a douto despacho proferido a cabeça de casal C. L. interpôs recurso do mesmo. 9. Todavia, ressalvado o devido respeito, o Ministério Público entende não assistir razão à Recorrente, manifestando-se improcedente o presente recurso, não merecendo censura o despacho proferido em 09-04-2021. 10. O Tribunal a quo fez uma correcta apreciação do disposto no artigo 16.º, n.º 1, al. d) e g) do Regulamento das Custas Processuais. 11. Com efeito, salvo devido respeito é entendimento do Ministério Público que a citação realizada por agente de execução não tem acolhimento no artigo 16.º, n.º 1, al. d), do Regulamento das Custas Processuais. Pelo que ressalvada diferente e melhor apreciação de V. Exas., deverá ser negado provimento ao recurso, por manifestamente improcedente, mantendo-se na íntegra o decidido no douto despacho recorrido.”
II.Objeto do recurso
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, mas esta limitação não abarca as questões de conhecimento oficioso, nem a qualificação jurídica dos factos (artigos 635º nº 4, 639º nº 1, 5º nº 3 do Código de Processo Civil).
Este tribunal também não pode decidir questões novas, exceto se estas se tornaram relevantes em função da solução jurídica encontrada no recurso ou se versarem sobre matéria de conhecimento oficioso, desde que os autos contenham os elementos necessários para o efeito.- artigo 665º nº 2 do mesmo diploma.
Desta forma, face ao alegado nas conclusões das alegações, a questão que cumpre apreciar é a seguinte:
.1- Se deve ser exigido ao Requerente do processo, que goze do beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono, nos casos em que seja determinada a citação pessoal do Requerida, o pagamento de provisão de despesas requeridas pelo agente de execução para a realização dessa citação.
III. Fundamentação de Facto
São os seguintes os factos processuais relevantes para a decisão:
1. A Recorrente goza do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento da compensação de patrono.
2. A Recorrente apresentou o presente inventário na qualidade de cabeça-de-casal.
3. No decurso dos autos foi decidido efetuar-se a citação de um dos herdeiros por contacto pessoal na forma do artigo 231º nº 1 do Código de Processo Civil.
4. Foi solicitado à cabeça-de-casal o pagamento de provisão de despesas requeridas pelo agente de execução.
IV. Fundamentação de Direito
O apoio judiciário faz parte de um sistema criado para “que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meios económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos”, como regula o artigo 1º, nº 1 da Lei n.º 34/2004.
Esta ideia, que funda toda a matéria que aqui se discute, tem particular importância, por enformar as interpretações a efetuar deste regime, e é a expressão dos princípios constitucionais do Acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva a que se reporta o artigo 20º º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
Visa-se que ninguém seja impedido de se defender e de fazer valer em juízo os seus direitos e interesses legalmente protegidos, de forma tecnicamente efetiva e eficaz, por impossibilidade económica. Para a concessão da possibilidade de litigar e defender-se em posição de igualdade com os demais e de forma eficiente àqueles que não disponham de meios para tal, importa também assegurar que possam ser assistidos por advogado, habilitados e mais idóneos a exercer o patrocínio judiciário.
O apoio judiciário comporta várias vertentes e modalidades, que entre si não são excludentes.
Enuncia-se no artigo 2º, nº 2, dessa lei, que o acesso ao direito compreende a informação jurídica e a proteção jurídica.
A proteção jurídica, por seu turno, compreende a consulta jurídica e o apoio judiciário.
Por fim, o apoio judiciário compreende as modalidades elencadas no artigo 16º, nº 1, deste diploma, que as refere em diversas alíneas:
a) Dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
b) Nomeação e pagamento da compensação de patrono;
c) Pagamento da compensação de defensor oficioso;
d) Pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo;
e) Nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono;
f) Pagamento faseado da compensação de defensor oficioso;
g) Atribuição de agente de execução.
A decisão recorrida entendeu que não podia ser atribuída à parte a dispensa de pagamento da provisão para a prática de ato por agente de execução, fundando-se na existência de diversas modalidades de apoio judiciário e não constar das modalidades atribuídas a prevista na ora citada alínea g).
Antes de mais, há que salientar que a consequência direta da concessão do apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução é a nomeação de um oficial de justiça para o efeito, determinado segundo as regras da distribuição, nos termos do artigo 35º-A desta Lei, sendo questão diversa, mas conexa, a da existência da obrigação de pagamento de provisão do agente de execução a quem beneficia da dispensa de pagamento de encargos com o processo.
Importa igualmente ter em atenção o artigo 8º-A deste diploma, aditado pela Lei n.º 47/2007, de 28 de agosto, o qual determina, no nº 1, que a apreciação da insuficiência económica das pessoas singulares, para os efeitos daquela lei, é efetuada considerando o rendimento médio mensal do agregado familiar do respetivo requerente, com vista à determinação sobre se este: “a) Não tem condições objetivas para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo, caso em que beneficia igualmente de atribuição de agente de execução e de consulta jurídica gratuita;
b) Tem condições objetivas para suportar os custos de uma consulta jurídica sujeita ao pagamento prévio de uma taxa, mas não tem condições objetivas para suportar pontualmente os custos de um processo e, por esse motivo, beneficia de apoio judiciário nas modalidades de pagamento faseado e de atribuição de agente de execução;
c) Não se encontra em situação de insuficiência económica.” (sublinhado nosso)
Assim, quando os serviços de segurança social concluem que o Requerente não tem condições para suportar qualquer quantia relacionada com os custos de um processo, como foi o caso, concede-lhe o beneficio do apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, mas o beneficiário tem também direito a beneficiar de atribuição de agente de execução e de consulta jurídica gratuita.
É certo que na notificação da decisão de que o pedido foi deferido se não indicou como concedida a modalidade de atribuição de agente de execução.
No entanto, há que ter em atenção a natureza não executiva da presente ação: como é sabido, é no processo executivo que o agente tem particular preponderância, não tendo particular intervenção no processo declarativo, exceto em questões mais pontuais.
Nos termos do artigo 16º, nº 1 alínea d), do Regulamento das Custas Processuais, são encargos, além do mais, os pagamentos devidos ou pagos a quaisquer entidades pela produção ou entrega de documentos, prestação de serviços ou atos análogos, requisitados pelo juiz a requerimento ou oficiosamente, salvo quando se trate de certidões extraídas oficiosamente pelo tribunal. São encargos do processo todas as despesas resultantes da condução do mesmo, requeridas pelas partes ou ordenadas pelo juiz da causa, diz-nos oartigo 529º nº 2 do Código de Processo Civil.
A necessidade de pagamento de determinada quantia aquando da nomeação de agente de execução para efetuar a citação da parte e com vista a suportar dos seus honorários é uma despesas resultante da condução do processo, pelo que tem que ser considerada um encargo com o mesmo.
Os encargos que sejam da responsabilidade de uma parte isenta ou dispensada por beneficiar do apoio judiciário, são sempre adiantados pelo Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., impõe o artigo 19.º, n.º 1, do Regulamento das custas Processuais.
Ora, estando a parte dispensada dos encargos em que se traduzem os honorários do agente de execução, por virtude da concessão do apoio judiciário na modalidade de dispensa do seu pagamento, nunca lhe poderia ser exigido que efetuasse o pagamento com esse objetivo.
Seria efetivamente totalmente contrário ao espírito do sistema, que a parte que beneficia do apoio judiciário, quer na modalidade de dispensa de pagamento de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, quer de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, estando, pois, reconhecida, desde o início, a sua impossibilidade de suportar “qualquer quantia relacionada com os custos do processo”, ficasse impedida de exercer o seu direito em virtude de lhe ser exigido o prévio pagamento de quantias em função de lhe ter sido nomeado agente de execução para efetuar a citação.
Aliás, já foram proferidas decisões que consideram que o apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução apenas pode ter lugar no caso em que o Requerente do apoio judiciário intervenha como Exequente (cf acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/07/2019 no processo 2702.13.2.YYLSB-B.L1-8, sendo este e todos os demais acórdãos citados sem menção de fonte, consultados in dgsi.pt com a data na forma ali indicada: mês/dia/ano).
De qualquer forma, não se pode exigir a um cidadão que peticiona a concessão de apoio judiciário, não só na modalidade de dispensa de pagamento das custas e encargos, mas também na de nomeação de patrono e pagamento dos seus honorários, que saiba que há a possibilidade de, no processo declarativo, ter de recorrer a agente de execução para a prática de determinados atos e por isso também seria de boa técnica peticionar o apoio judiciário na modalidade da sua atribuição. Assim, sempre seria desrazoável, exagerado e, substancialmente, tornaria ineficaz o sistema de equitativo acesso aos tribunais que se pretendeu instituir, exigir a cidadão necessitado do apoio judiciário, não técnico, nem assessorado por advogado, que conheça a necessidade de peticionar também a modalidade de atribuição de agente de execução mesmo para ações de natureza não executiva.
Dúvidas não há, pois, que não pode ser exigido à beneficiária do apoio judiciário que suporte o encargo consistente nas despesas com a citação de partes, por contacto pessoal, realizada por agente de execução, de maneira incidental no processo.
Poderia eventualmente ponderar-se se se deveria entender que, nesse caso, à semelhança do que ocorre quando se concede o apoio judiciário na modalidade de atribuição de agente de execução, este deveria ser um oficial de justiça, determinado segundo as regras da distribuição, mas essa é questão que extravasa já a matéria que foi colocada à nossa decisão.
V.Decisão
Por todo o exposto, delibera-se julgar o recurso procedente e em consequência revogar o despacho recorrido e dispensar a Recorrente do pagamento das despesas referentes à citação com recurso a agente de execução. Custas pela Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Guimarães,
Sandra Melo Conceição Sampaio Elisabete Coelho de Moura Alves