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LEI -4-B/2021 DE 1 DE FEVEREIRO (COVID 19)
SUSPENSÃO DOS PRAZOS PROCESSUAIS E PROCEDIMENTAIS
ACTOS DOS AGENTES DE EXECUÇÃO
PENHORA DO VENCIMENTO
Sumário
4.1.–A Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro , tendo alterado a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, veio v.g. aditar a este último diploma legal o Artigo 6.º-B [ com a epígrafe de “ Prazos e diligências”], passando a dispor o respectivo nº 6, alínea b), que São suspensos” Quaisquer actos a realizar em sede de processo executivo”;
4.2.–Em face do referido em 4.1., e durante o período de vigência do Artigo 6.º-B aditado, impedido está o AE de praticar quaisquer actos de penhora ou agressão do património do executado ;
4.3.–As “entregas” a efectuar pela entidade pagadora[no seguimento de decisão de adjudicação das quantias/rendimentos vincendos – cfrº alíneas b, dos nºs 3 e 4, do artº 779,do CPC ] directamente ao exequente, e ainda que respeitante a penhoras realizadas no pretérito, devem corresponder/equivaler ainda e também a actos a realizar em sede de processo executivo, integrando portanto a previsão da alínea b),do nº 6, do artº 6-B ,da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
4.4.–O referido em 4.3. justifica-se porquanto,sendo verdade que a penhora de rendimentos se concretiza- em termos legais e formais - apenas aquando da prática dos actos de notificação a que aludem os artºs 773º, nº1, e 779º, nº1, naqueles se esgotando, certo é que as respectivas consequências em termos de agressão do património do executado vão porém perdurar – em diversos actos posteriores e periódicos – e repetir-se no tempo , e até ao “ressarcimento” integral da quantia exequenda .
4.5.–Logo, tendo presente o elemento racional da interpretação ( também presente no nº 1, do artº 9º, do CC ), máxime a ratio legis da lei [ o seu fundamento racional objectivo ] e a occasio legis, também as entregas a efectuar pela entidade pagadora [no seguimento de decisão de adjudicação das quantias/rendimentos vincendos – cfrº alíneas b, dos nºs 3 e 4, do artº 779,do CPC ] directamente ao exequente, e ainda que respeitante a penhoras realizadas no pretérito, não devem ter lugar no período de vigência do Artigo 6.º-B , nº 6, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa
1.–Relatório
Em autos de execução que A [ ..., S.A ] intentou contra B [ Mónica ...], com vista à cobrança coerciva da quantia exequenda de 13.262,94 €, foi em 29/9/2020 efectuada a penhora de Crédito da executada proveniente da entrega – mensal - de leite na BEL- Portugal, S.A., no valor de € 249,63 e a ser efectuada até ao montante de 15.000,00.
1.1.-Notificada a executada – por carta registada enviada a 29-09-2020 - nos termos do disposto nos artigos 784º e 785º do Código Processo Civil (CPC) – e para, no prazo de 10 (dez) dias deduzir, querendo, oposição à penhora, veio a executada, a 12/3/2021, dirigir à Exmª Juiz titular da execução o seguinte requerimento:
“(...) B vem nos autos de Processo - n.° 1366/20.1T8PDL - requerer ao Tribunal que ordene à Sra. Agente de Execução que suspenda de imediato as penhoras que vem fazendo no único rendimento que a requerente possui que é o fornecimento de leite que faz à Fábrica Bel já cativa de outros credores, único fruto do trabalho familiar como lavradores. Por outro lado, tal atitude não cumpre a suspensão ordenada pela Lei 4-B/2021 designadamente no artigo 6.B, em violação da lei (que é em si uma emergência), aqui desrespeitada jurídica e eticamente. Espera deferimento em JUSTIÇA”
1.2.-Em Abril de 2021, pronunciando-se sobre o requerimento identificado em 1.1., proferiu a Exmª juiz titular dos autos a seguinte DECISÃO : “(...) No caso dos autos, estão a ser captados ao Executado pagamentos que são devidos ao Exequente através do produto da adjudicação de créditos penhorados (crédito proveniente da entrega de leite na BEL Portugal, S.A.), que teve lugar em 29.09.2020 (ref 3813258). A ser assim, como o é, no caso de adjudicação de quantias vincendas decorrente da penhora de rendimentos periódicos, o crédito do executado sobre a entidade devedora é transferido para o exequente. Vale isto por dizer que após a adjudicação, quem é titular do rendimento é o exequente.Por conseguinte, o que interessa ( nos termos e para os efeitos do estatuído na Lei n.° 4-B/2021 de 1 de Fevereiro ) é que a adjudicação tenha ocorrido antes de 22.01.2021 ( data da produção de efeitos da Lei n.° 4-B/2021 ), o que, in casu, ocorreu, razão pela qual se indefere o impetrado pelo Executado, devendo a Sr. AE proceder nos termos em que o vinha fazendo. Notifique. Ponta Delgada.”
1.3.-Notificada da Decisão identificada em 1.2., e da mesma discordando, interpôs então a executada B a competente Apelação, apresentando na respectiva peça recursória as seguintes conclusões : a)-A penhora do rendimento mensal do executado/recorrente, consubstancia-se numa diligência processual levada a cabo pela Agente de Execução, todos os meses. b)-Depois da entrada em vigor da Lei 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, e por força do seu artigo 6-B, todas as diligências são suspensas, e enquanto essa suspensão se encontrar em vigor a penhora tem de esperar. c)- Ao decidir o contrário, a douta decisão recorrida violou, salvo o devido respeito, essa disposição, pelo que deve ser revogada, em JUSTIÇA.
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Thema decidenduum
Colhidos os vistos, cumpre decidir, sendo que, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões [ daí que as questões de mérito julgadas que não sejam levadas às conclusões da alegação da instância recursória, delas não constando, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal ad quem ] das alegações dos recorrentes ( cfr. artºs. 635º, nº 3 e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho), e sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, a questão a apreciar e a decidir é apenas uma:
A)–Aferir se a decisão identificada em 1.1. se impõe ser revogada, sendo substituída por outra que defira ao requerido pela executada;
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2.- Motivação de Facto
A factualidade a atender em sede de julgamento do mérito da apelação pela executada interposta é a que se mostra indicada no Relatório do presente Acórdão, e para o qual se remete.
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3.- Motivação de Direito
3.1.–Se a decisão identificada em 1.2. se impõe ser revogada.
Emerge a instância recursória de uma acção executiva, a qual ,como decorre do disposto no artº 10º, nº 4, do CPC e artº 817º, do CC, tem por desiderato essencial assegurar ao credor a satisfação da prestação que o devedor não cumpriu voluntariamente, maxime através do produto da venda executiva de bens ou direitos patrimoniais ao referido devedor pertencentes, pois que , é o património do executado a garantia geral das suas obrigações ( cfr. artº 601º, do CC ) .
Na acção executiva, desempenha portanto a penhora um papeldeterminante, consubstanciando a mesma um “acto judicial de apreensão dos bens do executado, que ficam à disposição do tribunal para o exequente ser pago por eles…”(1) , ou , no dizer de Lebre de Freitas (2) , trata-se do acto fundamental do processo de execução de pagamento de quantia certa, isto porque é aquele em que é mais manifesto o exercício do poder coercitivo do Tribunal, pois que com ele fica o executado privado do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem que, a partir de então, ficará especificadamente sujeito à finalidade última de satisfação de crédito do exequente.
Porque in casu a penhora incidiu em 29/9/2020 sobre créditos/rendimentos periódicos da executada e, porque findo o prazo de oposição e não tendo a mesma sido deduzida, o agente de execução entrega ao exequente as quantias já depositadas que não garantam o crédito reclamado e ADJUDICA as quantias VINCENDAS (notificando a entidade pagadora para as entregar directamente ao exequente – artº 779º,3, do CPC ) , veio o primeiro Grau a julgar inaplicável à situação dos autos o estatuído na Lei n.° 4-B/2021 de 1 de Fevereiro, porque a aludida adjudicação ocorreu ainda antes de 2.02.2021 , isto é, anteriormente à data da produção de efeitos da Lei n.° 4-B/2021, de 1/2.
Ou seja, para o tribunal a quo, o disposto no artº 6º-B, nº 6, alínea b), da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro [ o qual reza que São também suspensos “ Quaisquer actos a realizar em sede de processo executivo, com excepção dos seguintes ...“], de normativo se trata que não poderia amparar/suportar a pretensão da executada, a saber, a suspensão das “penhoras” mensais que vêm incidindo sobre o único rendimento que a requerente possui.
Dissentindo do aludido entendimento, para tanto amparada no artº 6.°-B, nº1, da Lei 4-B/2021 de 1 de Fevereiro [ o qual reza que “São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais...”.] e no pressuposto de que a ratio legis do referido normativo visa “apoiar as pessoas que doutro modo não conseguiriam sobreviver à catástrofe económica que a pandemia em curso gerou”, vem a executada impetrar a revogação da decisão impugnada.
Para tanto, aduz a apelante que não apenas a norma legal supra citada não excepciona da suspensão o caso sub judice, como, ademais, “A apropriação do rendimento do recorrente ... por banda do exequente, é feita através duma diligência processual efectuada pelo agente de execução, sem a qual, esse mesmo exequente não recebe o produto do trabalho do recorrente, enquanto a suspensão existir” e, “Na prática o recorrente poderá beneficiar de todo o rendimento do seu trabalho enquanto durar a suspensão, o que lhe permite sobreviver na tempestade económica provocada pela maldita pandemia em curso e, essa sim, sem possibilidade legal de ser suspensa “.
Por último, conclui a apelante que viola assim o despacho recorrido o “espírito e a letra do referido normativo”.
Quid Juris?
Ora, a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro (3), como é consabido, vem estabelecer um regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais decorrente das medidas adoptadas no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, tendo entrado em vigor no dia seguinte ao da sua publicação ( Artigo 5.º), sendo que o disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, produz efeitos a 22 de Janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e actos processuais entretanto realizados e praticados ( artº 4º).
Tendo aditado à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, diversos artigos [ 5.º-A, 6.º-B, 6.º-C, 6.º-D e 8.º-E ], o aditadoArtigo 6.º-B e com a epígrafe de “ Prazos e diligências”, veio dispor : 1- São suspensas todas as diligências e todos os prazos para a prática de actos processuais, procedimentais e administrativos que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional e entidades que junto dele funcionem, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal, sem prejuízo do disposto nos números seguintes. (...)
5-O disposto no n.º 1 não obsta: a)- À tramitação nos tribunais superiores de processos não urgentes, sem prejuízo do cumprimento do disposto na alínea c) quando estiver em causa a realização de actos presenciais; b)-À tramitação de processos não urgentes, nomeadamente pelas secretarias judiciais; c)- À prática de actos e à realização de diligências não urgentes quando todas as partes o aceitem e declarem expressamente ter condições para assegurar a sua prática através das plataformas informáticas que possibilitam a sua realização por via electrónica ou através de meios de comunicação à distância adequados, designadamente teleconferência, videochamada ou outro equivalente; (...)
6- São também suspensos: a)- O prazo de apresentação do devedor à insolvência, previsto no n.º 1 do artigo 18.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas; b)-Quaisquer actosa realizar em sede de processo executivo, com excepção dos seguintes: i)- Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados; e ii) Actos que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial. (...) 11-São igualmente suspensos os actos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das acções de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais actos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa. (...) “.
No essencial, vem o nº 6, alínea b), do Artigo 6.º-B supra transcrito, “repristinar”as medidas extraordinárias já implementadas no pretérito através da alínea b), do n.º 6, do artigo 7º, da Lei 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção que lhe foi então imposta pela Lei 4-A/2020, de 6 de Abril.
Com efeito, rezava a referida alínea b), do n.º 6, do artigo 7º, da Lei 1-A/2020, que : 6-Ficam também suspensos: (...) b)-Quaisquer atos a realizar em sede de processo executivo, designadamente os referentes a vendas, concurso de credores, entregas judiciais de imóveis e diligências de penhora e seus actos preparatórios, com excepção daqueles que causem prejuízo grave à subsistência do exequente ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 137.º do Código de Processo Civil, prejuízo esse que depende de prévia decisão judicial.
Tendo presente o conteúdo dos normativos acabados de transcrever, temos assim que o “nó górdio” da questão da presente apelação tem a ver com susceptibilidade e/ou pertinência de as “entregas” efectuadas directamente pela entidade pagadora à exequente [ aquelas a que se refém as alíneas b), dos nºs 3 e 4, do artº 779º,do CPC ] integrarem também a previsão do Artigo 6.º-B, nº6, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, ou seja, se são ainda e para todos os efeitos “actos a realizar em sede de processo executivo”,logo , devem também ser suspensas.
Ora, se para a apelante a resposta a tal questão só pode ser a afirmativa, já para a apelada/exequente [ tal como o manifestou nos autos ] mais sentido faz subsumir as “entregas” ao disposto em i) da alínea b) do nº 6 do artigo 6-B [ i) Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados ] do diploma em causa, sendo tal acto também uma excepção à regra da suspensão dos processos executivos.
O que dizer ?
Estando no fundamental o objecto da apelação relacionado com a questão da interpretação da Lei, então a respectiva resolução há-de necessariamente passar pela aplicação do disposto no artº 9º, do CC, o qual reza que : 1.-A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 2.-Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. 3.- Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Assim, e sendo – como decorre do normativo acabado de transcrever - o elemento/sentido literal apenas um dos primeiros a atender, logo o adverte o legislador que não é ele o decisivo, antes situa-se o mesmo no patamar inicial da actividade interpretativa, ou seja, o sentido literal é apenas o conteúdo possível da lei para se poder dizer que ele corresponde à mens legis, é preciso sujeitá-lo a crítica e controlo (4).
Importando portanto que a letra da lei seja entendida na sua conexão, ou seja, que o pensamento da lei seja inferida a partir de uma compreensão harmónica de todo o seu contexto, impõe-se portanto começar por afastar liminarmente uma interpretação do nº 6, alínea b), do Artigo 6.º-B supra transcrito como obrigando a mesma a uma total/absoluta paralisação da acção executiva, estando “proibidos” todos e quaisquer actos com aquela relacionados, directa ou indirectamente.
Incidindo agora a nossa atenção sobre o elemento racional da interpretação ( também presente no nº 1, do artº 9º, do CC ), máxime a ratio legis da lei [ o seu fundamento racional objectivo ] e a occasio legis ( a circunstância histórica que levou à sua implementação ), sabemos que as leis Covid de suspensão dos prazos processuais surgem no âmbito das medidas de contenção tomadas pela necessidade de controlo da pandemia Covid 19 e perante a declaração de estado de emergência, as quais, destinadas a evitar deslocações de pessoas aos tribunais com o consequente risco de aumento da doença, por contágio (5), isto por um lado e, por outro e com especial acuidade em relação a actos de agressão do património do devedor praticados em sede de instância executiva, visou-se essencialmente evitar que os actos a praticar nos referidos processos fossem susceptíveis de conduzir a uma deterioração da situação sócio económica que as partestinham antes do início da pandemia , importandopugnar pela defesa e protecção das famílias portuguesas nesta situação de medidas excepcionais e temporárias de resposta a esta situação epidemiológica. (6)
E, se no âmbito das partes do processo executivo a proteger logo surge “à cabeça” a do executado certo é que não menospreza totalmente o legislador o exequente [ consagrando assim a solução mais acertada ], pois que também ele não pode/deve ser atingido por Actos – por acção e omissão - que causem prejuízo grave à sua subsistência ou cuja não realização lhe provoque prejuízo irreparável – cfr. em ii) da alínea b) do nº 6 do artigo 6-B ,da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção da Lei n.º 4-B/2021,de 1 de Fevereiro.
Ora, perante a função e finalidade da norma covid supra referida, pacifico é que no período em que a mesma vigore estão compreensivelmente impedidos/vedados todos os actos dos Agentes de Execução que correspondam em rigor a actos de notificação de penhora ou actos de penhora ( a se) , como o são claramente aqueles a que aludem os artºs 773º, nº1, e 779º, nº1 – quanto aos primeiros - , e os artºs 757º nº1 e 764º, nº1 – quanto aos segundos - , todos do CPC .
Já os “actos de entrega” ao exequente de quantias depositadas à ordem do agente de execução em razão de actos de notificação de penhora ou actos de penhora ( a se) que tenham sido executados em data anterior à vigência da norma covid, e em razão do disposto em i) da alínea b) do nº 6 do artigo 6-B [ “ Pagamentos que devam ser feitos ao exequente através do produto da venda dos bens penhorados”], devem considerar-se como admitidos, desde logo porque insusceptíveis de deteriorar a situação sócio económica de qualquer das partes e tendo como referência o início da pandemia [ dir-se-á que o acto de agressão do património do executado fora efectuado em período anterior ].
Incidindo agora a nossa atenção sobre as entregas a efectuar pela entidade pagadora [ no seguimento de decisão de adjudicação das quantias/rendimentos vincendos – cfrº alíneas b, dos nºs 3 e 4, do artº 779,do CPC ] directamente ao exequente [ razão porque não consubstanciam eles numa diligência processual levada a cabo pela Agente de Execução, todos os meses ], prima facie estarão as mesmas excluídas da previsão da alínea b), do nº 6, do artº 6-B ,da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção da Lei n.º 4-B/2021,de 1 de Fevereiro, porque em rigor e no sentido literal não consubstanciam já verdadeiros actosa realizar – v.g. pela agente de execução - em sede de processo executivo, e ,de resto, pode inclusive a execução mostrar-se jáextinta [ cfr. artº 779º,nº4,alínea b), in fine, do CPC ].
Acresce que, existindo nos autos decisão de adjudicação das quantias/rendimentos vincendos, nos termos dos nºs 3 e 4 do artigo 779.º do Código de Processo Civil, e ,conduzindo o pagamento da obrigação exequenda à extinção da execução ( artº 849º,nº1, alínea b), do CPC ) , certo é que aquele – o pagamento – pode ocorrer precisamente através da adjudicação dos bens penhorados – cfr. artº 795º,nº1, do CPC.
Logo – e como assim o considerou já o tribunal da Relação do Porto (7) – “ quando o agente de execução adjudicou ao exequente as quantias vincendas provenientes dos descontos determinados na pensão de reforma da executada, operou-se essa forma de pagamento da quantia exequenda e, consequentemente, “cessou a penhora” que é apenas uma diligência própria do processo executivo destinada a conservar os bens e afectá-los aos fins da execução, cessando por conseguinte quando esse fim é alcançado (designadamente quando os bens penhorados são vendidos ou adjudicados.
Porém - e porque como vimos supra o elemento/sentido literal é apenas um dos primeiros a atender em sede de actividade interpretativa – uma outra e diversa perspectiva pode justificar que as aludidas entregas ( efectuadas pela entidade pagadora directamente ao exequente ) processadas após a adjudicação das quantias vincendas devam outrossim integrar a previsão da alínea b), do nº 6, do artº 6-B ,da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção da Lei n.º 4-B/2021,de 1 de Fevereiro, ou sejam devam ainda equivaler a actos a realizar em sede de processo executivo.
Para o referido efeito, basta vg considerar que a extinção da execução ao abrigo do disposto no artº 779º,nº 4 ,b) do CPC, corresponda no essencial e tão somente a uma extinção meramente “administrativa/ contabilística”, e isto porque em rigor a obrigação exequenda apenas se extinguirá efectivamente pelo pagamento quando aquela se mostre satisfeita integralmente ( cfr. nº1, do artº 763º, do CC , e artº 849º,nº1, alínea b), do CPC).
Depois, sendo verdade que a penhora em termos legais e formais tem lugar apenas aquando da prática dos actos de notificação a que aludem os artºs 773º, nº1, e 779º, nº1, naqueles se esgotando, certo é que as respectivas consequências em termos de agressão do património do executado vão perdurar – em diversos actos posteriores e periódicos – e repetir-se no tempo e até ao ressarcimento integral da quantia exequenda .
É assim que, pelo referido motivo, considerou já a segunda instância que a extinção da execução a que se refere o artº 779º, nº4, alínea b), in fine, do CPC , é apenas formal e não definitiva e, de resto, o certo é que a execução continua a produzir materialmente os seus efeitos o que se manterá enquanto se justificarem [ enquanto não for atingido o valor ab initio previsto para o términus da penhora ] e estiverem em curso as entregas ao exequente dos rendimentos penhorados ao executado . (8)
Aqui chegados, tendo presente o elemento racional da interpretação da lei e, porque se exige que o jurista tenha sempre diante dos olhos o escopo da lei, quer dizer, o resultado prático que ela se propõe conseguir , no essencial (9), difícil e ousado não é assim conceber [ atento o espírito da lei covid ] que as entregas a efectuar pela entidade pagadora [ no seguimento de decisão de adjudicação das quantias/rendimentos vincendos – cfrº alíneas b, dos nºs 3 e 4, do artº 779º, do CPC ] directamente ao exequente devam corresponder/equivaler ainda e também a actosa realizar em sede de processo executivo, integrando portanto a previsão da alínea b),do nº 6, do artº 6-B ,da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, com a redacção da Lei n.º 4-B/2021,de 1 de Fevereiro.
Dito de uma outra forma, são as referidas entregas e em rigor actos a realizar ainda em sede de processo executivo ou actos de execução [utilizando a terminologia legal do Artº 6º-E, nº 7, alíneas b) e c), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 5/4 ], de penhoras já ordenadas, iniciadas, mas ainda não finalizadas/esgotadas,
E, assim sendo, das duas uma :
Ou para efeitos de cumprimento da alínea b), do nº 6, do artº 6-B ,da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março [ com a redacção da Lei n.º 4-B/2021,de 1 de Fevereiro ], tem o Agente de Execução a iniciativa de notificar a entidade pagadora para, durante o período abrangido pela suspensão decretada pela Lei covid, suspender de imediato as entregas – em curso - ao exequente ; ou ,não ocorrendo tal notificação, então , nada obstará a que seja o próprio executado a solicitar ao Juiz titular dos autos que ordene a referida suspensão, o que in casu veio a fazer a apelante.
3.2.- Em conclusão, deve assim a apelação proceder, porque na previsão do Artigo 6.º-B, nº6, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, cabem não apenas as novas penhoras (a se)a efectuar/determinar, como também as já efectuadas/realizadas mas ainda em execução e/ou actuação.
Importa portanto revogar a decisão apelada, impondo-se que o primeiro Grau, deferindo o requerido pela apelante, proferira decisão em conformidade com o determinado na Artigo 6.º-B, nº6, alínea b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e no tocante ao período da respectiva vigência, ou seja, desde a entrada em vigor da mesma ( 02 de Fevereiro de 2021 ) e até à entrada em vigor da Lei n.º 13-B/2021 de 05 de Abril ( 06 de Abril de 2021), diploma último este que [ cessando o regime de suspensão de prazos processuais e procedimentais adoptado no âmbito da pandemia da doença COVID-19, alterando a Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Marco ], revoga os artigos 6.º-B e 6.º-C da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, na sua redacção actual.
A apelação, portanto, procede in totum.
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4– Sumariando (cfr. artº 663º,nº7, do CPC): (supra transcrito)
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5.–Decisão
Em face do supra exposto, acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa , em , concedendo provimento à apelação da executada B; 5.1.- Revogar a decisão recorrida ; 5.2.-Determinar que o tribunal a quo profira decisão que, deferindo o requerido pela ora apelante no seu requerimento identificado em 1.1., extraia de tal deferimento as necessárias consequências.
Sem custas na apelação .
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(1)Cfr. Ana Prata, in Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, Almedina, 2008, p. 1035. (2)In A Acção Executiva Depois da reforma da reforma , 5ª Edição , Coimbra Editora, págs. 205/206. (3)Que procede à nona alteração à Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, alterada pelas Leis n.os 4-A/2020, de 6 de Abril, 4-B/2020, de 6 de Abril, 14/2020, de 9 de Maio, 16/2020, de 29 de maio, 28/2020, de 28 de Julho, 58-A/2020, de 30 de Setembro, 75-A/2020, de 30 de Dezembro, e 1-A/2021, de 13 de Janeiro, que estabelece medidas excepcionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19. (4)Cfr. FRANCISCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 4ª Edição, Coimbra 1987, pág.138. (5)Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13/5/2021, proferido no processo nº 598/18.7T8LSB.L1-8, e disponível em www.dgsi.pt. (6)Cfr. parecer do Conselho Profissional do Colégio dos Agentes de Execução Posição do CPCAE quanto à Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro, em http://www.osae.pt/Uploads/fichs/20210202113016.pdf (7)Ac. de 9/11/2017, proferido no processo nº 6959/15.6T8PRT-A.P1 , e disponível em www.dgsi.pt (8)Cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Évora, de 22/9/2016 [ proferido no processo nº 261/09.0TBARL-A.E1], e Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 13/10/2020 [ proferido no processo nº 19954/19.7T8PRT.P1 ], ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
(9)Cfr. FRANCISCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, 4ª Edição, Coimbra 1987, pág.137.
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LISBOA, 17/6/2021
António Manuel Fernandes dos Santos ( O Relator) Ana de Azeredo Coelho (1ª Adjunta) Eduardo Petersen Silva (2º Adjunto)