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TÍTULO EXECUTIVO–SENTENÇA
COMPENSAÇÃO
RECONVENÇÃO
ADMISSÃO LIMINAR
Sumário
I – A compensação é uma causa de extinção das obrigações, diversa do cumprimento, por virtude da invocação pelo devedor do seu direito de crédito no confronto com o credor, em resultado da declaração do primeiro ao último, mesmo em acção judicial pendente. II – É admissível fazer operar a compensação em sede de oposição à execução não baseada em sentença ou injunção onde o opoente pode, em geral, deduzir a excepção de compensação, mesmo que o seu invocado contracrédito não esteja ainda reconhecido (judicial ou extra-judicialmente); igualmente se afigura que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito se não reporta a créditos já reconhecidos por via judicial, bastando, desde logo, que o contracrédito esteja reconhecido pela contraparte (caso em que é desnecessário um reconhecimento judicial). III - A Lei não estabelece qualquer restrição para a alínea h) do art.º 729º do Código de Processo Civil da forma que o estabelece para a alínea g) desta norma e os requisitos previstos para cada alínea não são cumulativos pelo que nada obsta a que os executados venham agora, em sede de embargos à execução, invocar e discutir o contracrédito que alegadamente detêm sobre a exequente, por forma a operar a compensação. IV - Ainda que assim não se considerasse, para além deste entendimento sobre a admissibilidade da invocação da compensação enquanto facto extintivo ou modificativo do crédito, em sede de embargos, mesmo quando a execução se funda em sentença, sempre se teria de entender que, no caso dos autos, era admissível aos executados apenas agora suscitarem este contracrédito uma vez que existe uma corrente doutrinária e jurisprudencial que não admite a dedução de reconvenção a título subsidiário.
Texto Integral
Acordam os Juízes na 6ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. Relatório:
M… instaurou ação executiva, da qual os presentes autos de embargos de executado constituem apenso, contra os executados J… e MT…, apresentando como título executivo sentença proferida no processo judicial que correu termos sob n.º 7507/16.6T8LSB no Juízo Local Cível de Lisboa J1 e pela quantia exequenda de 39.724,77 €.
Nesses autos foi A. a exequente M… e RR. os aqui executados J… e MT…, tendo a A. pedido a condenação dos réus a pagar-lhe o rendimento, em relação aos últimos cinco anos, correspondente à renda média de duas das quatro frações que lhes ficaram a pertencer e que no mínimo corresponde ao valor de 26.832,40 €, acrescido de juros legais desde a citação e a entregar mensalmente à A. enquanto for viva o rendimento com a mesma proveniência na indicada proporção que lhes pertence, no mínimo correspondente a conta mensal de 533,00 a contar de Março inclusive de 2016.
Alegou para tanto e em resumo, que a A., os RR., que são seu filho e nora, e sua filha, I…, eram, em comum e na proporção de 1/2, 1/4 e 1/4, respectivamente, proprietários do prédio urbano sito na P…, Queluz.
Que por escritura de 7 de Julho de 1978, a A. doou a nua propriedade da sua parte do identificado prédio aos seus mencionados e únicos filhos, reservando para si o usufruto vitalício dessa mesma parte.
O prédio foi constituído em propriedade horizontal, dando lugar a oito fracções.
O direito de usufruto que pertencia à A. foi objecto de penhora e arrematação em 27/1/1988, na execução sumária nº 512/83, que correu termos pelo 1º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, sendo a arrematante desse direito a referida filha da A. e comproprietária do mencionado prédio, I…
Na verdade, com o acordo dos seus filhos e seus cônjuges, foi a A. quem disponibilizou os valores relativos a essa arrematação, na condição de a arrematante, com o consentimento do seu cônjuge, transmitir aos réus metade do usufruto então adquirido, para a propriedade plena do referido imóvel ficar assim a pertencer a ambos, em partes iguais.
E também por esse acordo foi assumido pelos filhos da A. a obrigação de durante a sua vida lhe entregarem 1/2 do rendimento líquido mensal das rendas do referido prédio, para assim lhe assegurarem os proventos, que anteriormente lhe advinham do mencionado usufruto vitalício.
Para convalidar esses direitos, em relação ao identificado prédio e respectivas fracções, os filhos da A. e os seus cônjuges outorgaram a escritura de 19 de Junho de 1989, designada por compra e venda e divisão de coisa comum, através da qual a referida Isabel e seu marido venderam ao referido J… e sua mulher 1/4 do usufruto do mencionado prédio e puseram termo à indivisão, ficando a pertencer, a cada um deles, quatro das suas oito fracções.
Por efeito dessa divisão, o referido direito da A. passou a corresponder à renda média de duas das quatro fracções que ficaram a pertencer a cada um dos seus filhos.
Sucede que os RR. Deixaram de pagar desde Março de 2009 e só desde Maio de 2015 os RR. entregam mensalmente à A. 75,00 €, fazendo questão de remeter essa quantia directamente para o “Lar”, onde se encontra.
Os RR. fizeram ainda uma transferência bancária de 4.397,60 €.
A A. peticiona os pagamentos desde Março de 2011.
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Citados os RR., estes contestaram impugnando os factos invocados pela A., concretamente negando a existência de qualquer acordo verbal como alegado na p.i., não reconhecendo à A. qualquer direito de crédito.
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Realizou-se Audiência Prévia, onde foi tentada a conciliação das partes, sem sucesso, definiu-se o objecto do litigio; assentaram-se factos e enunciaram-se temas de prova; foi proferido despacho sobre os requerimentos probatórios e designou-se data para julgamento.
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Procedeu-se a julgamento, tendo em 1/9/2017 sido proferida Sentença onde se julgou a acção procedente e em consequência se condenaram os RR. a pagar à A. o rendimento, em relação aos últimos cinco anos, correspondente à renda média de duas das quatro frações que lhes ficaram a pertencer e que no mínimo corresponde ao valor de 26.832,40 €, acrescido de juros legais desde a citação até integral pagamento; e a entregar, mensalmente, à A. enquanto for viva o rendimento com a mesma proveniência na indicada proporção que lhes pertence, no mínimo correspondente a conta mensal de 533,00 € a contar de Março inclusive de 2016.
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A A. instaurou execução de sentença por Requerimento da execução de 15/12/2017, onde refere:
“Por douta sentença de 01.09.2017, os réus, ora executados, J… e mulher MT…, residentes … em Lisboa, foram condenados a pagar à autora, M…, residente no Lar …, Loures, a quantia de 26.832,40€, acrescida de juros legais desde a citação, efectuada em 04.04.2016 e que contados em relação a um ano e sete meses, até Novembro de 2017 correspondem a 1.699,37€. E também a entregar-lhe a quantia mensal de 533,00€, enquanto for viva, a contar de Março, inclusive, de 2016, e que contados até Novembro de 2017, num total de 21 meses perfaz o montante de 11.193,00€. Às mencionadas quantias corresponde o valor global de 39.724,77€, a que acrescem, em relação à quantia de 26.832,40€ juros legais até ao efectivo pagamento; e à quantia de 11.193,00€, sucessiva e mensalmente o indicado valor de 533,00€. A execução, que segue a forma sumária, tem por ora carácter provisório, por ter sido interposto recurso da douta sentença, que não se mostra admitido, processando-se em translado ou cópia. Valor da Execução: 39 724,77 € (Trinta e Nove Mil Setecentos e Vinte e Quatro Euros e Setenta e Sete Cêntimos)” Mais referiu nesse requerimento executivo: “Valor NÃO dependente de simples cálculo aritmético: 0,00 € Total: - Capital determinado por sentença - 26.832,40€ - Juros legais desde a citação em 04.04.2016 até Novembro de 2017 - 1.699,37€ - Valor mensal de 533,00€ desde Março, inclusive, de 2016 até Novembro de 2017 - 11.193,00€ - Total da quantia exequenda - 39.724,77€.”
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Citados os executados, estes deduziram embargos à execução, em 8/2/2018, invocando em primeiro lugar a inexequibilidade do título, uma vez que a sentença na qual se baseia a execução não transitou em julgado e ainda que a exequente apresentou como titulo executivo mera cópia de sentença em vez do translado de sentença, como impõe o art.º 85º do Código de Processo Civil; invocaram ainda a nulidade da sentença, a qual foi invocada pelos embargantes em sede do recurso que interpuseram a qual, a proceder, consubstancia igualmente a inexequibilidade do titulo; alegaram ainda a Incerteza, inexigibilidade de ou iliquidez da obrigação exequenda porquanto entendem que a sentença ao mencionar no “mínimo correspondente ao valor de € 26.832,40” e “no mínimo correspondente a conta mensal de 533,00” não se apresenta, desde logo, certa, liquida e exigível e referem a existência de erros materiais.
Finalmente, vêm invocar a existência de um contra crédito sobre a exequente nos seguintes termos:
“35º Da matéria dada como assente na douta sentença resulta no ponto 25 que “Os réus estão ainda obrigados a entregar à autora, pelo menos, € 26.832,40 a que haverá de deduzir alguns encargos, que só os réus, se quiserem, poderão indicar e provar que são dedutíveis no referido rendimento;” (doc.1). 36º Os embargantes realizaram obras no imóvel e nas frações, conforme resulta dos autos, de que resultou o pagamento do IMI, seguros, condomínio, obras, despesas e reparações, que haveriam de ser descontados ao montante de € 26.832,40. Assim, 37º Os embargantes gastaram a titulo de obras na fração G correspondente ao 3º andar direito o montante de € 26 400,00 (vinte e seis mil e quatrocentos euros), obras necessárias e que permitiram o arrendamento da fração por valor mais elevado do que até aí praticado, obtendo-se um maior rendimento, que se mantém até ao presente. (Doc. 5) 38º Os embargantes pagaram a titulo de encargos com as frações entre os anos de 2010 e 2016 os seguintes valores: A titulo de IMI o montante de € 2595,39; A titulo de seguro o montante de € 657,01 A titulo de condomínio o montante de € 3660,00 A titulo de reparações o montante de € 2971,50 A titulo de esgotos o montante de € 70,45 A titulo de despesas administrativas designadamente imposto de selo, certificado energético e despesas de arrendamento o montante de € 728,80 No total de: € 10.683,15 (dez mil seiscentos oitenta e três euros e quinze cêntimos), acrescidos dos valores correspondentes ao ano de 2017 e dos anos vincendos. Conforme resulta dos documentos que ora se junta e dá por reproduzido para os devidos efeitos legais (Doc. 6 a 45) 39º Os valores acima mencionados, teriam sempre de ser descontados ao montante de € 26.832,40, na correspondente porção de 1/2 imputável à embargada, a titulo de compensação pelas despesas e encargos efetuados com as aludidas frações e que permitiram auferir o rendimento invocado pela embargada. 40º Às despesas efetuadas deverão ser acrescidos os valores entregues pelos embargantes à embargada e que resultam dos factos provados da sentença. Assim, 41º Resulta do ponto 7 da sentença que “os Réus entregaram desde Maio de 2015 mensalmente à A € 75,00” (Doc. 1) 42º Resulta do ponto 9 da sentença que: “Os Réus entregaram à A. a quantia de € 4397,60 no dia 1/3/2016” 43º Do exposto resulta que os embargantes já entregaram à embargada desde Maio de 2015 até Dezembro de 2017 a importância de €2 325,00 acrescidos de 4 397,60 o que totaliza € 6 722,60, (seis mil setecentos vinte e dois euros e sessenta cêntimos) a que acrescerão as posteriores entregas mensais. 44º O contracrédito dos embargantes sobre a embargada é passível de integrar fundamento de oposição à execução nos termos da alínea h) do art. 729º do CPC. 45º A sentença ao não efetuar tais operações de quantificação das despesas e entregas efetuadas pelos embargantes nem deduzindo na condenação tais valores apresenta desconformidade que afeta também a sua eficácia, e que gera a sua incerteza, inexigibilidade e iliquidez, o que se requer e invoca para os devidos efeitos legais.”
Requereram ainda a suspensão da penhora.
Para prova do alegado juntou 45 documentos e arrolou uma testemunha.
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Foi proferido despacho liminar no Apenso de Embargos em 6/11/2018 com o seguinte teor:
“M… instaurou ação executiva da qual os presentes autos de embargos de executado constituem apenso, pela quantia exequenda de € 39.724,77, contra os executados J… e MT…, apresentando, como título executivo sentença proferida no âmbito de processo judicial que correu termos sob n.º 7507/16.6T8LSB no Juízo Local Cível de Lisboa J1. Alegou, para tanto, que os executados foram por via da sentença em causa condenados a pagar-lhe a quantia de € 26.832,40 acrescida de juros legais desde a citação, bem como a entregar-lhe a quantia de € 533,00 enquanto for viva, a contar de Março, inclusive de 2016, que contados até Novembro de 2017 perfaz o valor de € 11.193,00, logo alegando que da sentença apresentada foi interposto recurso que não se mostrava admitido. Citados, vieram os embargantes deduzir os presentes Embargos de Executado, alegando, em suma, que da sentença apresentada como título executivo foi interposto recurso, que foi admitido e subiu ao Tribunal da Relação de Lisboa, inexistindo título executivo por ter sido apresentada mera cópia da sentença em vez do translado da mesma. Alegaram ainda que a sentença em causa é nula por remeter exclusivamente para os preceitos legais sem fazer a competente interpretação, integração e enquadramento de tais artigos com a matéria dos autos, o que consubstancia a inexequibilidade do título, que a sentença ao mencionar o «mínimo correspondente ao valor de € 16.832,40» e no «mínimo correspondente a conta mensal de € 533,00» não é certa, líquida, nem exigível; que contraria os valores das rendas atuais, que a sentença condena os embargantes sem ter um padrão de certeza relativamente aos valor das rendas, não existe fundamentação para o valor de € 26.832,60 constante da sentença dado que não foi apurado o correspondente valor das rendas praticadas nos últimos cinco anos, que ao indicar valor de rendas apresenta desconformidade que afeta a sua eficácia e que gera também a sua incerteza, inexigibilidade e iliquidez. Alegaram ainda a existência de um contracrédito da exequente, por terem os embargantes despendido na fracção G o valor de € 26.400 e liquidado encargos, no valor de € 10.638,15, tendo ainda entregue à exequente a importância total de € 6.772,60, sendo que a sentença ao não efectuar tais operações de quantificação das despesas e entregas efectuadas pelos embargantes nem deduzindo na condenação tais valores apresenta desconformidade que afeta também a sua eficácia, o que gera a respectiva certeza, inexigibilidade e liquidez.(…) Por despacho proferido aos 05/07/2018, foi notificado o exequente para, em 10 (dez) dias, juntar aos autos certidão da sentença que constitui título executivo, bem como respectivo trânsito em julgado, o que foi reiterado por despacho de fls. 46, tendo a exequente procedido à junção dos documentos de fls. 43-44 e 48-56. (…) Cumpre apreciar antes do mais liminarmente a admissibilidade dos embargos deduzidos, sujeitando-se desde logo a questão suscitada da falta de título executivo a contraditório nos termos legais. Tendo em conta o título apresentado, os fundamentos de embargos de executado encontram-se necessariamente confinados às situações previstas no artigo 729.º do Código de Processo Civil. As questões suscitadas pelos embargantes nos pontos 17.º a 19.º, 23.º a 34.º do articulado de embargos de executado – com o que pretendem pôr em causa a sentença proferida (pese embora a denominação jurídica que deram a tal matéria) – não se subsume a nenhum dos fundamentos previstos no aludido normativo legal. Termos em que face ao exposto, indefiro parcial e liminarmente os presentes embargos de executado por não se ajustarem, nos seus pontos 17.º a 19.º e 23.º a 34.º, aos fundamentos legalmente admissíveis, nos termos do disposto no artigo 732.º, n.º 1, alínea b) do CPC. Notifique.(…) Quanto ao mais, por legal e tempestiva, recebo parcialmente os presentes embargos de executado, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 729.º e 732.º, ambos do CPC. Notifique, sendo a exequente para os efeitos do disposto no artigo 732.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.”
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A Exequente contestou em 4/12/2018, pugnando pela regularidade da tramitação efectuada e contestou o invocado “contracrédito sobre a exequente” nos seguintes moldes:
“(…) 7º Interessa a tal hipótese o disposto na alínea h) do artº 729º do Código de Processo Civil, tendo em vista obter a compensação. Conforme elucida o Prof. José Lebre de Freitas (acção executiva, 6ª edição, pg. 203) “…uma vez entendido que o titular do contracrédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua até á data da contestação; a invocação da compensação só não será pois admissível quando ela já era possível à data da contestação da acção declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do artº 729º”. Com particular interesse ao esclarecimento do tema, cita-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.10.2017 (www.dgsi.pt), do qual é relatora a Exmª Desembargadora Drª Margarida Sousa, onde, depois de ampla análise da figura do contra crédito, se apresenta o seguinte sumário: Para efeito da compensação (artigo 847º do Código Civil) só é judicialmente exigível o crédito já reconhecido, cujo credor esteja em condições de obter a sua realização coativa, instaurando a respetiva execução. E dessa análise salienta-se o douto Acórdão da Relação do Porto de 22.05.2017 (www.dgsi.pt), em que é Relatora a Exmª Desembargadora Drª Ana Paula Amorim, com o seguinte sumário: I “Em processo de execução de sentença, em sede de embargos de executado, a autonomização da compensação, nos termos do artº 729/h) CPC, visa demonstrar que também é possível deduzir oposição com tal fundamento, apesar da previsão do artº 266º/1/2c) CPC. II-A compensação, tal como os restantes factos extintivos da obrigação devem respeitar o caso julgado formado na execução que se executa. Apenas pode ser invocada desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (superveniência) e se prove por documento. III- Se até ao termo do prazo da contestação era possível invocar um contra crédito, será na acção declarativa que deve ser invocada a compensação, mediante reconvenção, sob pena de precludir o direito de o fazer em sede de oposição á execução”. 8º Com o supra exposto não se coaduna o que vem dito no nº 35º do requerimento dos embargantes, obviamente fora de contexto, considerando que: Os réus, ora embargantes, na acção a que se refere a aludida sentença, optaram por negar todo e qualquer direito a favor da autora, ora embargada. E só para a eventualidade de admitirem o direito que foi invocado, se disse, na petição inicial (nº 22º, parte final) o consignado no ponto 25º da matéria assente, para o que, obviamente, teriam de deduzir reconvenção. 9º Os embargantes não enveredaram por essa opção. 10º Os créditos a que se referem os nºs 36º a 39º do requerimento de embargos, reportados aos 45 ou 46 documentos juntos, sem qualquer numeração, com várias datas, desde 2008 (2010, 2011, 2013, 2014, 2015, 2016) a 2017/14 de Fevereiro (e nem todos se referem a despesas), são anteriores à data do encerramento da discussão, na referida acção, concretamente, em 9 de Maio de 2017, conforme se indica na 1ª parte do documento 2º, ora junto, onde, além da admissão do recurso, se dá procedência a reclamação, relacionada com o termo da audiência de julgamento. 11º Consequentemente, não se admite que, por essas alegações e por essa documentação, se configurem créditos, sem qualquer conhecimento, por parte da embargada; e sem que sejam, obviamente, idóneos à realização coactiva, no caso, para pagamento de quantia certa. Haverá, assim, de se concluir, para os fins pretendidos pelos embargantes, que é de todo inadequado e daí que especificadamente se impugne todo o alegado nos referidos nºs 36º a 40º do requerimento de embargos. 12º Como está bem de ver, o alegado nos nºs 40º (parte final), 41º, 42º e 43º do requerimento de embargos jamais poderia levar a admitir-se que as mencionadas quantias de 75,00€ e os referidos 4.397,60€ constituíssem créditos a favor dos embargantes. Na verdade, tais valores referem-se efectivamente a créditos a favor da embargada; e nessa medida foram atendidos pela douta sentença condenatória. 13º E, no que se refere á quantia de 75,00€, que os embargantes mensalmente entregam directamente ao “Lar”, onde a embargada se encontra, não têm fundamento para qualquer dedução, enquanto a referida douta sentença não transitar em julgado. E só depois da confirmação dessa douta sentença, no que se refere á quantia mensal de 533,00€ ou outro montante, que, como se espera, venha a ser admitido, para entrega mensal, por parte dos embargantes á embargada, enquanto for viva, será então de levar em conta a mencionada quantia de 75,00€. 14º Ao contrário do que os embargantes alegam, no nº 45º do seu requerimento e que especificadamente se impugna, não cabe nestes embargos a crítica que expressam e que os leva, erradamente, a admitir a incerteza, inexigibilidade e iliquidez da douta sentença dada à execução.”
A exequente veio ainda opor-se à suspensão da penhora.
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Por requerimento junto aos autos executivos principais aos 29/09/2019 veio a Exequente juntar aos autos certidão com nota do trânsito em julgado da sentença (07/01/2019).
Efectivamente, por Acórdão proferido nesta Relação de Lisboa de 15/2/2018 concluiu-se pela inexistência de nulidade da Sentença; foi alterada parcialmente a Matéria de Facto; improcedeu a invocação de incerteza, iliquidez e inexigibilidade da condenação; improcedeu a invocação de nulidade do usufruto e abuso de direito; a final foi julgada improcedente a apelação e confirmada a sentença.
Tendo deste Acórdão os RR. Interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, neste o Recurso não veio a ser admitido definitivamente por Acórdão de 6/12/2018, onde foi indeferida a reclamação, decidindo não se conhecer do recurso por ser inadmissível a revista.
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Foi ainda proferido em 6/12/2019 o seguinte despacho nos autos executivos principais:
“M…intentou execução de sentença contra J… e MT…, visando a cobrança coerciva da quantia de € 39.724,77. Na pendência da execução, veio a ocorrer o óbito da exequente, que entretanto veio a ser substituída na instância executiva, em sede de habilitação de herdeiros, por Isabel … (apenso B). Resulta destes autos e apensos que a Exequente, falecida na pendência da execução, era progenitora do aqui executado, que, juntamente com a Requerente no apenso de habilitação de herdeiros, já habilitada a intervir nos autos como exequente, é por essa via herdeiro daquela, integrando a 1ª classe de sucessíveis. Nesta sequência e do que se expôs na sentença proferida no apenso de habilitação de herdeiros (apenso B), tendo-se reunido as qualidades de devedor e credor quanto ao crédito exequendo em relação à pessoa do executado, importa, ao abrigo do disposto no artigo 868.º do Código Civil, extinguir, por confusão a metade do crédito exequendo, correspondendo ao quinhão do executado nesse mesmo crédito, o que se decide. A extinção parcial do crédito exequendo afere-se pelo valor da execução em face do que peticionado vem no requerimento executivo, e no confronto com os limites do título. Termos em que face ao exposto, julgo extinto, por confusão, metade do crédito exequendo, reduzindo-se o valor da execução em conformidade. Notifique.”
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Nos Embargos foi designada data para a realização de tentativa de conciliação em sede de audiência prévia, não se tendo logrado alcançar a mesma.
Na mesma ocasião convidaram-se as partes a alegar, uma vez que se entendia já estarem os autos em condições de proferir decisão de mérito, o que as partes fizeram.
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Em 20/11/2020 foi proferido Saneador Sentença onde se fixou à acção o valor de € 39.724,77 (trinta e nove mil, setecentos e vinte e quatro euros e setenta e sete cêntimos), correspondente ao valor do pedido exequendo; identificaram-se as partes e o objecto do litígio; procedeu-se ao saneamento; assentaram-se os factos e a final se decidiu pela improcedência dos embargos de executado, concretamente quanto ao invocado contracrédito entendeu-se que, por o mesmo vir alegado por factos anteriores à formação do título executivo, o conhecimento dos mesmos se encontra vedado por força do disposto no artigo 729.º do Código de Processo Civil, determinando-se que a execução prossiga os ulteriores trâmites legais.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela recorreram J… e mulher M…, embargantes nos autos à margem referenciados, concluindo da seguinte forma:
“A Meritíssima Juíz de Primeira Instância julgou em saneador sentença improcedentes por infundados os embargos interpostos pelos ora recorrentes.
Os Recorrentes deduziram embargos de executado com fundamento na existência de um contracrédito a seu favor com vista à obtenção da compensação de créditos.
O contracrédito reclamado nos embargos de executado deduzidos pelos embargantes não se encontra ainda judicialmente reconhecido mas é judicialmente exigível;
O contracrédito reclamado pelos embargantes, contrariamente ao constante do douto saneador sentença, resulta de fato da mesma espécie e qualidade sendo tal obrigação judicialmente exigível e que só agora pode ser acionada.
O contracrédito só nasceu, nesta sede, com a sentença que serve de título executivo, sendo por natureza impossível tê-lo discutido antes, na ação declarativa, essencialmente porque nessa altura ele não existia.
Contrariamente ao constante da decisão que ora se recorre, parte do contracrédito peticionado pelos embargantes resulta de entregas de dinheiro já efetuadas após a decisão/ sentença e de entregas posteriores a esta.
O contracrédito que pode ser comprovado judicialmente na oposição por embargos, que se traduz numa autêntica acção declarativa, contestável, como aliás aconteceu nos presentes autos.
Impedir-se o executado/credor de discutir em sede de embargos o seu crédito contraria os princípios da celeridade e da proibição da prática de atos inúteis e colide com o ónus da concentração processual.
O douto saneador sentença ao indeferir os embargos e designadamente o contra crédito reclamado vedou aos embargantes, nesta sede comprovar o mesmo contracrédito.
O artigo 729 alínea h) do CPC dispõe que um dos fundamentos de oposição à execução é a existência de um contracrédito sobre o exequente, com vista a obtenção de compensação de créditos.
O douto despacho saneador sentença ao indeferir os embargos obstou a que estes pudessem ser apreciados e reconhecido a existência, validade e exigibilidade do crédito que se pretende compensar, o que contraria o disposto a alínea h) do art. 729º do CPC
O douto saneador sentença recorrido ao indeferir os embargos, recusou conhecer o direito de crédito dos Recorrentes, e ao não conhecer, nem julgar, o direito de crédito da Recorrente, violou os artigos 847.º, n.º 1, do CC, e 731.º e 729.º, al. h), do CPC, razão porque deve ser revogado, seguindo-se os ulteriores termos do processo.
Termos em que e nos mais de Direito deverá ser deferido o presente recurso e revogada a decisão, com as devidas consequências legais, com o que se fará Justiça.”
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Contra-alegou a Recorrida: Isabel …(habilitada), nos seguintes termos:
“1º - A douta sentença recorrida, julgou os embargos improcedentes, com os seguintes fundamentos:
“Nos termos do artº 847º e 848º do Código Civil, o crédito a compensar deve ser certo e seguro e imediatamente exigível no momento da invocação”.
“Porém, no caso dos autos, o contracrédito vem alegado por factos anteriores à formalização do título executivo, cujo conhecimento nesta sede, pela forma com o vêm configurados os embargos de executado, se encontra vedada por força do disposto no artº 729º do CPC.”
Portanto, a douta sentença observa o disposto no artº 595º, nº 1, alínea b) do Código de Processo Civil, pelo que a decisão de mérito ocorreu quando a Meritíssima Juíza “a quo” admitiu que sobre as questões de facto e de direito suscitadas podia emitir juízo de apreciação.
2º - É manifesto que a invocação de meras circunstâncias, designadamente obras “no imóvel e fracções”, com base num simples orçamento, não provam despesas; e os ditos valores entregues à primitiva exequente, M…, ou foram atendidos na douta sentença que constitui o título executivo ou pagos em cumprimento do julgado por essa mesma decisão.
Como vem provado, os créditos reclamados configuram, na sua totalidade, situações anteriores à data do encerramento da discussão na acção cuja douta sentença serve de título executivo.
3º - A douta sentença recorrida, ao anotar que os factos alegados são anteriores à formalização do título executivo, segue a Jurisprudência uniformemente estabelecida, conforme, aliás, se referiu na contestação dos embargos, citando o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 12.10.2017, onde se dá destaque ao douto Acórdão da Relação do Porto de 22.05.2017 (www.dgsi.pt), com o seguinte sumário:
“I em processo de execução de sentença, em sede de embargos de executado, a autonomização da compensação, nos termos do artº 729º/H) CPC, visa demonstrar que também é possível deduzir oposição com tal fundamento, apesar da previsão do artº 266º/1/2C)CPC.
II - A compensação, tal como os restantes factos extintivos da obrigação devem respeitar o caso julgado formado na execução que se executa. Apenas pode ser invocada desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração (superveniência) e se prove por documento.
III – Se até ao termo do prazo da contestação era possível invocar um contra crédito, será na acção declarativa que deve ser invocada a compensação, mediante reconvenção, sob pena de precludir o direito de o fazer em sede de oposição á execução”.
Sobre essa questão, o Prof. José Lebre de Freitas (acção executiva, sexta edição, pg. 203), anota o seguinte: “(…) uma vez entendido que o titular do contra crédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua até á data da contestação; a invocação da compensação só não será pois admissível quando ela já era possível á data da contestação da acção declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com o da alínea g) do artº 729º”.
4º - As alegações e conclusões apresentadas pelo recorrente não fazem a análise crítica dos fundamentos da douta sentença recorrida, afastando-se do critério supra exposto, discorrendo sobre o requisito da exigibilidade do contracrédito, quando, com tal fundamento, não foram os embargos postos em crise, uma vez que foram recebidos e julgados, atendendo aos factos e direito aplicável.
5º - As primeiras 4 conclusões da alegação do recorrente não comportam qualquer apreciação crítica do julgado, sendo o entendimento expresso na conclusão seguinte de todo desajustado, porquanto a sentença não emite qualquer juízo que não seja a decorrência lógica das posições de litigância assumidas pelas partes, atendendo ao objecto do litígio. As questões a resolver serão tão somente as que as partes tenham submetido a apreciação, conforme dispõe o artº 608º, nº 2 do Código de Processo Civil, daí que não se admita a alegação do recorrente de que o contracrédito “só nasceu (…) com a sentença que serve de título executivo” (sic).
6º - As 2 últimas conclusões dessa mesma alegação laboram em erro, porquanto não seria na douta sentença recorrida o lugar próprio para o indeferimento dos embargos, que ocorreu, em parte, mas por douto despacho, transitado em julgado, proferido em 20.11.2018, daí que não se vislumbre onde tenha a douta sentença recorrida violado, no que se refere à compensação, a disposição do artº 847º, nº 1, do Código Civil, nem, no que se refere ao contracrédito, o disposto no artº 729º, alínea h) do Código de Processo Civil.
7º - Salvo melhor apreciação ás restantes conclusões, não contêm questões para apreciação, no âmbito da apelação de que o recorrente se socorre.
Consequentemente, com o douto suprimento de V. Exªs, deve o recurso ser julgado improcedente, com as legais consequências, mantendo-se a douta sentença recorrida.”
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O Recurso foi devidamente admitido, com efeitos e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos cumpre decidir.
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II. Questões a decidir:
Como resulta do disposto pelos artigos 5º; 635º, n.º 3 e 639º n.º 1 e n.º 3, todos do Código de Processo Civil (e é jurisprudência consolidada nos Tribunais Superiores) para além do que é de conhecimento oficioso, e porque os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente.
Deste modo no caso concreto as questões a apreciar consistem em saber se é admissível em sede de embargos deduzidos contra uma execução com fundamento em Sentença invocar a existência de um crédito, por forma a obter a compensação, ainda que os factos pertinentes tenham ocorrido em data anterior à da prolacção da referida Sentença.
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III. Fundamentação de Facto.
Com interesse para a decisão do presente recurso, há que atender: Ao que decorre do relatório supra; Aos factos que foram dados como provados na 1ª Instância:
1) Foi dada à execução título executivo consistente em sentença proferida no âmbito do processo 7507/16.6T8LSB do Juízo Local Cível de Lisboa J11, transitada em julgado em 07/01/2019 – cfr. certidão junta aos autos executivos principais a fls. 44 «verso» e seguintes e cujo teor se considera aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
2) A certidão com nota do trânsito em julgado foi apresentada pela Exequente na pendência da execução, por requerimento aí introduzido aos 29/09/2019. Aos factos que se assentam ao abrigo do disposto no art.º 662º do Código de Processo Civil:
3) Na Sentença proferida no Proc. n.º7507/16.6T8LSB do Juízo Local Cível de Lisboa J11, foi a seguinte a decisão sobre a matéria de facto:
“1.Conforme consta da Ap. 24 de 1972/03/02,consignada na certidão de registo predial, que se junta, passada pela Conservatória do Registo Predial de Queluz, válida até 09.05.2016, a autora, os réus, que são seu filho e nora, e sua filha, I…, eram, em comum e na proporção de 1/2, 1/4 e 1/4, respetivamente, proprietários do prédio urbano sito na P…, Queluz, descrito nesta Conservatória sob o nº 000, no Livro nº 00, inscrito no artigo 000 da matriz predial urbana da União das Freguesias de Massamá e Monte Abraão; 2. Por escritura de 7 de Julho de 1978, a autora doou a nua propriedade da sua parte do identificado prédio aos seus mencionados e únicos filhos, reservando para si o usufruto vitalício dessa mesma parte; 3. Mantendo-se a indivisão do referido prédio, o mesmo foi constituído em propriedade horizontal, dando lugar a 8 frações, designadas pelas letras A a H, todas com 125 de permilagem; 4. O direito de usufruto que pertencia à autora foi objeto de penhora e arrematação em 27.01.1988, na execução sumária nº 512/83, que correu termos pelo 1º Juízo Cível desta Comarca, sendo exequente o Banco Português do Atlântico, conforme certidão passada por aquele Juízo em 09.03.1988.; 5. A arrematante desse direito, pelo preço de 401.000$00, foi a referida filha da autora e comproprietária do mencionado prédio, I…, que, desse modo, nominalmente, passou a ter 3/4 do usufruto desse imóvel; 6. Teor do documento 4 junto com a petição inicial que se dá aqui por integralmente reproduzido; 7. Os réus entregam, desde maio de 2015, mensalmente à autora € 75,00, fazendo questão de remeter essa quantia diretamente para o “Lar”, onde se encontra; 8. A autora encontra-se desde março 2005 a viver no lar "A…"; 9. Os réus entregaram à autora a quantia de € 4.397,60 no dia 01-03-2016; 10. Com o acordo dos seus filhos e seus cônjuges, foi a autora quem disponibilizou os valores relativos a essa arrematação, na condição de a arrematante, com o consentimento do seu cônjuge, transmitir aos réus metade do usufruto então adquirido, para a propriedade plena do referido imóvel ficar assim a pertencer a ambos, em partes iguais; 11. Por esse acordo foi assumido pelos filhos da autora a obrigação de durante a sua vida lhe entregarem 1/2 do rendimento líquido mensal das rendas do referido prédio, para assim lhe assegurarem os proventos, que anteriormente lhe advinham do mencionado usufruto vitalício; 12. Para convalidar esses direitos, em relação ao identificado prédio e respetivas frações, os filhos da autora e os seus cônjuges outorgaram a escritura de 19 de Junho de 1989, designada por compra e venda e divisão de coisa comum; 13. Nos termos então estabelecidos, a referida Isabel e seu marido venderam ao referido J… e sua mulher 1/4 do usufruto do mencionado prédio, pelo preço de 150.000$00, que não foi pago; e puseram termo à indivisão, ficando a pertencer, a cada um deles, 4 das suas 8 frações, mediante tornas de 60.398$00, que estes também não pagaram; 14. Por efeito dessa divisão, o referido direito da autora passou a corresponder à renda média de duas das quatro frações que ficaram a pertencer a cada um dos seus filhos; 15. À data da escritura de divisão das frações do referido prédio, a sua administração era exercida pela filha da autora, que manteve esse encargo até agosto de 1997 e sempre repartiu os seus rendimentos na forma que a cada um consensualmente pertenciam; 16. Os réus passaram depois a ter a administração das suas próprias frações, designadas pelas letras B, C, F, G, correspondentes, respetivamente, ao R/c Esqº,1º Dtº, 2º Esqº e 3º Dtº, aproveitando-se disso para entregar à autora apenas parte do rendimento que lhe era devido; 17. Depois de em 2007, o filho dos réus, T…, ter ido habitar 1º andar, direito, fração C, do referido prédio, os réus queriam, incorretamente, que o referido rendimento da autora correspondesse a 1/2 das rendas mensais das restantes três frações, que lhes pertencem; 18. Desse modo, pretendiam os réus diminuir o rendimento que, pela sua parte, deviam à autora; e que, depois de março de 2009, deixaram definitivamente de lhe entregar, com o pretexto de que, para as despesas que tinha no “Lar”, onde se encontra desde março de 2005, não precisava desse rendimento; 19. E porque desde essa data os réus não lhe prestam contas, a autora não sabe exatamente a quanto correspondem as rendas que determinam o rendimento líquido mensal que eles estão obrigados a entregar-lhe; 20. [Redacção alterada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa] Considerando que, quando a administração do imóvel era exercida por sua filha, essas rendas, em relação ao rés-do-chão e segundo andar, esquerdos (frações B e F), antigas, correspondiam a € 150,00 e a renda do terceiro andar, esquerdo (fração G) correspondia a € 500,00, o valor actual das rendas €229,14 (fracção B), €156,78 (fracção F) e €400,00 (fracção G) e que o filho dos réus habita a fracção C, desde 2007, o valor mensal global das rendas não é inferior a €800,00, donde resulta que os réus deixaram de entregar à autora, pelo menos, o valor de €523,95. 21. Com esse procedimento, os réus privaram a autora dos rendimentos que lhe estavam atribuídos e de que precisava para as suas despesas, sendo a sua filha quem teve de suportar parte das mesmas, no referido “Lar” e que, desde 15 de março de 2005 até 22 de abril de 2015, se cifraram em 10.390,40 €; 22. Só desde maio de 2015 os réus entregam mensalmente à autora € 75,00, fazendo questão de remeter essa quantia diretamente para o “Lar”, onde se encontra; 23. O réu na carta que remeteu à autora, com o comprovativo da transferência bancária, reconhece expressamente o direito da autora e justifica o seu Incumprimento; 24. A autora respondeu a essa missiva dos réus para dizer que não abdica do direito de receber o referido rendimento e conceder prazo, que não foi atendido, para o réu liquidar o que lhe é devido, daí que para tanto tenha de enveredar pela via judicial; 25. Os réus estão ainda obrigados a entregar à autora, pelo menos, € 26.832,40 a que haverá de deduzir alguns encargos, que só os réus, se quiserem, poderão indicar e provar que são dedutíveis no referido rendimento; 26. [Redacção alterada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa] A acrescer a essa quantia, calculada até ao termo do mês de fevereiro de 2016, em conformidade com o acordo consensualmente estabelecido, também os réus, estão obrigados a entregar à autora, enquanto for viva, o rendimento que mensalmente lhe é devido e que, pelo menos, corresponde à indicada quantia de € 523,95. 27. [Aditamento efectuado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa] Aquando da entrega da quantia referida em 9 os réus propuseram o acordo contante de fls. 46, aqui dado por reproduzido. 28. [Aditamento efectuado pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa] A autora não assinou o acordo. * IV. Factos Não Provados. Com interesse para a decisão da causa não se provou que: 1. Ao longo do tempo decorrido sempre foram os réus que receberam, na sua qualidade de proprietários, todos os rendimentos das referidas frações e pagaram todos os encargos com ela devidos, designadamente despesas de condomínio e pagamento de impostos; 2. Em abril de 2015 veio a autora solicitar aos réus, através de mandatário judicial o "pagamento do excedente das despesas de gastos em relação ao "Lar" e outras necessidades inadiáveis da autora; 3. Em novembro de 2015, vieram a autora e I…, sua filha e irmã do réu, exigir dos réus a sua participação no pagamento das despesas suportadas por esta relativas a necessidades inadiáveis da autora no “Lar” relativo ao período de 15 de março de 2005 a 15 de setembro de 2010 e de 16 de setembro de 2010 a 22 de abril de 2015; 4. Foi proposto aos réus uma minuta de acordo; 5. Os réus chegaram a acordo com a autora e I…, filha da autora e irmã do réu, quanto ao valor a pagar de € 4.397,60 euros; 6. Os réus propuseram a introdução no acordo da seguinte cláusula: “As outorgantes, M… e I… declaram para os devidos efeitos nada mais poderem reclamar aos outorgantes J… e mulher, MT…, para além do estabelecido no presente acordo e que quaisquer despesas extras a partir desta data só poderão ser efetuadas com o acordo de ambas as partes, caso contrário, quem nelas incorrer não poderá reclamar quaisquer contrapartidas”; 7. Tal cláusula foi recusada pela autora o que inviabilizou a assinatura do denominado acordo de pagamento de despesas; 8. Com o envio da carta junta aos autos como doc. 6 da petição inicial os réus estavam convictos da resolução do assunto; 9. Entendem os réus, que a presente ação só encontra justificação pelo facto de o prédio necessitar de obras avultadas, para as quais, a filha da autora, I…, irmã do réu, não tem disponibilidade económica para as suportar, tanto mais que tem dívidas ao condomínio que se encontra a pagar em prestações, beneficiando, assim, da ajuda da autora para, em conjunto, obterem dos réus a contrapartida monetária para a realização de tais obras.”
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IV. Do Direito.
Como vimos, em causa nos autos está a admissibilidade ou não da invocação de um crédito pelos embargantes, a fim de fazer operar uma compensação.
Quanto ao direito de compensação, em sede de direito substantivo, dispõe o art.º 847.º do Código Civil:
“1. Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.
3. A iliquidez da dívida não impede a compensação.”
Nos termos do n.º 1 do art. 848.° do Código Civil, a compensação torna-se efectiva, mediante declaração de uma das partes à outra, sendo que, de acordo com o art.º 854.º do mesmo diploma, “Feita a declaração de compensação, os créditos consideram-se extintos desde o momento em que se tornaram compensáveis.”
Trata-se, pois, de uma causa de extinção das obrigações, diversa do cumprimento, por virtude da invocação pelo devedor do seu direito de crédito no confronto com o credor, em resultado da declaração do primeiro ao último, mesmo em acção judicial pendente.
Como sintetiza Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. 2.º, AAFDL, p. 219, para que a extinção da dívida por compensação possa ser oposta ao credor, exige-se a verificação dos seguintes requisitos, nos termos do art.º 847 do Código Civil supra citado:
a) a existência de dois créditos recíprocos;
b) a exigibilidade (forte) do crédito do autor da compensação;
c) a fungibilidade e a homogeneidade das prestações;
d) a não exclusão da compensação pela lei;
e) a declaração de vontade de compensar.
A fonte legal de exclusão da compensação, encontra-se no art.º 853.º do Código Civil que dispõe:
“1. Não podem extinguir-se por compensação:
a) Os créditos provenientes de factos ilícitos dolosos;
b) Os créditos impenhoráveis, excepto se ambos forem da mesma natureza;
c) Os créditos do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas, excepto quando a lei o autorize.
2. Também não é admitida a compensação, se houver prejuízo de direitos de terceiro, constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis, ou se o devedor a ela tiver renunciado.”
Não se configurando no caso dos autos uma causa de exclusão da compensação, impõe-se então averiguar se no caso dos autos se verificam os demais requisitos da compensação, concretamente o que se prende com a exigibilidade do crédito.
A propósito deste requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito (art.º 847.º, n.º 1, al. a), do Código Civil), podemos encontrar duas correntes jurisprudenciais:
- Uma corrente jurisprudencial com um entendimento mais restritivo que defende que só é judicialmente exigível o crédito já reconhecido, cujo credor esteja em condições de obter a sua realização coactiva, instaurando a respectiva execução. Veja-se, nesse sentido, o Ac. Rel. Porto, de 19/01/2006, Proc. 0536641 (Rel. Fernando Baptista), disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual só podem ser compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação – isto é, de os executar, querendo, já que a execução é o meio de obter coercivamente a satisfação do direito do credor. Assim, para operar a compensação não bastaria invocar um crédito hipotético e controvertido, antes se impondo que a existência do crédito esteja reconhecida no momento em que a compensação é invocada, pois só assim se poderia afirmar ser o crédito do compensante “exigível judicialmente”. No mesmo sentido – exigindo que o crédito a invocar para efeitos de compensação, no âmbito da oposição à execução, esteja previamente reconhecido judicialmente, já que o seu reconhecimento não pode ser feito no âmbito da oposição à execução – cfr. os Acs. do STJ, de 27/11/2003, Proc. 03B3096 (Cons. Ferreira Girão), e de 14/12/2006, Proc. 06A3861 (Cons. João Camilo), e, bem assim, os Acs. Rel. Lisboa, de 06/07/2005, Proc. 4154/2005-8 (Rel. António Valente), de 09/03/2006, Proc. 1561/2006-6 (Rel. Pereira Rodrigues), e de 26/06/2007, Proc. 3067/2007-1 (Rel. Maria José Simões) todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Outra corrente jurisprudencial mais abrangente, que defende que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito nada tem a ver com um prévio reconhecimento judicial ou extrajudicial desse crédito, considerando que a exigibilidade em questão se reporta, diversamente, à possibilidade de o compensante impor à outra parte a realização coactiva do seu crédito - Cfr., neste sentido, Acs. do STJ, de 14/02/2008, Proc. 07B4401 (Cons. Pereira da Silva), e de 06/07/2006, Proc. 06S1067 (Cons. Sousa Peixoto), Ac. da Rel. Lisboa, de 13/11/2008, Proc. 2511/2008-6 (Rel. Márcia Portela), Ac. Rel. Guimarães, de 08.09.11, Proc. 723/08 (Rel. Maria Luísa Ramos), todos disponíveis em www.dgsi.pt, e Ac. Rel. Coimbra, de 10/03/2008 (Rel. Fernandes do Vale), in CJ, 08, II, 173. Ainda no mesmo sentido pode ver-se o Ac. Rel. Porto, de 09/05/2007 (Rel. Henrique Araújo), CJ, 07, III, 172, referindo que a exigibilidade judicial do crédito e o reconhecimento judicial do mesmo para efeitos do funcionamento do mecanismo da compensação, são realidades distintas, sendo a primeira um requisito da declaração de compensação e a segunda condição da sua eficácia.
Adere-se a esta segunda orientação, tendo em consideração que é uniformemente tido por admissível, nomeadamente, fazer operar a compensação em sede de oposição à execução não baseada em sentença ou injunção onde o opoente pode, em geral, deduzir a excepção de compensação, mesmo que o seu invocado contracrédito não esteja ainda reconhecido (judicial ou extra-judicialmente); igualmente se afigura que o requisito substantivo da exigibilidade judicial do crédito se não reporta a créditos já reconhecidos por via judicial, bastando, desde logo, que o contracrédito esteja reconhecido pela contraparte (caso em que é desnecessário um reconhecimento judicial).
A este respeito refere Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª Ed., Almedina, pg. 204: “(…) para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra crédito) que se arroga contra este”, acrescentando ser “judicialmente exigível a obrigação que, não sendo voluntariamente cumprida, dá direito à acção de cumprimento e à execução do património do devedor”, requisito este “que não se verifica nas obrigações naturais”, ou “nas obrigações sob condição ou a termo, quando a condição ainda se não tenha verificado ou o prazo ainda se não tenha vencido”.
Assim, a nota/característica da exigibilidade judicial da obrigação não se prende com a existência de título executivo, dela não dependendo, pois que, como é consabido, pode o credor estar munido de título executivo e a obrigação corporizada nesse título não ser exigível (por não estar verificada uma condição ou por não estar ainda vencida), caso em que a execução se inicia pelas diligências necessárias a tornar a obrigação exigível.
Acresce que a inexistência de título executivo não constitui impedimento a que a obrigação possa ser imediatamente exigível, apresentando-se o credor, nesse caso, a peticionar, em acção declarativa, o respectivo cumprimento imediato.
A exigência de uma decisão judicial a reconhecer o crédito porém, é sempre imprescindível (excepto nos casos de cumprimento voluntário) nos casos em que a própria existência desse crédito se mostra dependente da própria decisão, do que são exemplo os casos de créditos indemnizatórios por facto ilícito (em sede de responsabilidade civil contratual ou extracontratual), cuja existência, salvo o caso de aceitação da responsabilidade e entendimento quanto ao valor indemnizatório, sempre está dependente de decisão judicial, mediante sentença que reconheça/verifique a existência dos pressupostos da responsabilidade civil e fixe o montante indemnizatório adequado ao dano sofrido/apurado.
É esse o ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Vol. II, pg. 136, na Anotação 3. do art.º 847º, quando afirmam que “a necessidade de a dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta, por sua vez, a possibilidade de, em acção de condenação pendente, o demandado alegar como compensação o crédito de indemnização que se arrogue contra o demandante, com base em facto ilícito extracontratual a este imputado, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade civil do arguido. Embora a dívida retroaja neste caso os seus efeitos ao momento da prática do facto, ela não é obviamente exigível – enquanto não estiver reconhecida a sua existência”.
Como pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto de 3/11/2010, Proc. N.º 8607/08.1YYPRT-A.P1 “ao invés do que acontece com qualquer outro crédito e, designadamente, com um crédito proveniente de um contrato – em que a existência do crédito e respectiva obrigação (obrigação de prestar) decorre da mera celebração do contrato, que, uma vez provado, permitirá concluir pela existência do crédito – a existência de um crédito emergente de responsabilidade civil (a que corresponde uma obrigação de indemnizar) pressupõe a apreciação de diversos factos (acto gerador do dano, culpa, nexo de causalidade, etc.) que constituem pressupostos dessa responsabilidade e que terão que ser analisados e apreciados pelo julgador. De facto, a existência de responsabilidade civil não é um facto que exista por si e que seja susceptível de prova directa; a existência de responsabilidade civil pressupõe a análise e apreciação de um conjunto de factos, pelo que não será possível afirmar a existência de um crédito daí emergente sem que exista, previamente, uma decisão que declare a existência de responsabilidade civil”.
E, como prossegue o mesmo Acórdão, “estando em causa uma obrigação de indemnizar (emergente de responsabilidade civil), essa obrigação e respectivo direito de crédito não tem existência real sem que seja declarada a verificação do facto de que emerge esse crédito (a responsabilidade civil), pelo que, enquanto não existir decisão judicial que reconheça esse facto, o eventual crédito daí emergente não pode ser invocado para efeitos de compensação.”
No caso dos autos, a exequente logrou obter a condenação dos executados no pagamento de quantias acordadas correspondentes a rendimentos de fracções do prédio urbano sito na P…Queluz, do que os executados são comproprietários.
Os executados, ora embargantes, pretendem fazer operar a compensação relativamente a encargos (obras, pagamentos de IMI, seguros…) relativos ao mesmo prédio.
Antes de mais, cumpre referir que não cumpre nesta sede, atento o objecto do Recurso e a delimitação que o mesmo impõe a este Tribunal, apreciar da existência deste eventual direito que os embargantes invocam, discussão que deverá ter lugar em momento processual posterior, apenas cumprindo referir que não se verifica qualquer causa de rejeição liminar do mesmo.
Como vimos, do ponto de vista substantivo, admite-se que a discussão do mesmo possa ter lugar em sede de contestação ou embargos, por via de reconvenção ou excepção.
Aqui chegados, impõe-se agora verificar se, nos termos do art.º 729º do Código de Processo Civil é admissível a invocação de um contra crédito pelos embargantes, uma vez que a execução se funda em Sentença; ou seja, cumpre analisar a sua admissibilidade processual.
De acordo com o disposto no artigo 729.º do Código de Processo Civil os fundamentos admissíveis para dedução de embargos quando a execução se funda, como no caso dos autos, em sentença, são os seguintes:
“a) Inexistência ou inexequibilidade do título;
b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução;
c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento;
d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo;
e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução;
f) Caso julgado anterior à sentença que se executa;
g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; a prescrição do direito ou obrigação pode ser provada por qualquer meio;
h) Contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos;
j) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.”
Em causa está o invocado direito de compensação pelos recorrentes.
Desde já se adianta que se julga que a Lei não estabelece qualquer restrição para a alínea h) da forma que o estabelece para a alínea g) desta norma e que os requisitos aí previstos não são cumulativos.
No entanto, é certo que a este propósito, se verifica a existência, mais uma vez, de uma corrente doutrinária que defende que, sendo os créditos anteriores à prolacção da sentença que serve de fundamento à execução, impõe-se ao credor invoca-los e deduzir pedido reconvencional na acção declarativa, atento o princípio da concentração da defesa.
A este respeito e sintetizando tais posições, pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto de 14/1/2020, Proc. n.º 3013/18.2T8AGD-A.P1:
“Por via do estabelecido neste preceito do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, o legislador quis clarificar a admissibilidade da compensação como fundamento de oposição a uma execução, não querendo dizer que, caso a execução seja baseada em sentença, podem ser compensados todos e quaisquer créditos (mesmo os constituídos em data anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração) e que os mesmos podem ser provados por qualquer meio. Lebre de Freitas, em A Acção Executiva – Á luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2014, pág. 203, entende que: “… uma vez que o titular do contracrédito tem hoje o ónus de reconvir, o momento preclusivo recua à data da contestação (a reconvenção não pode ser deduzida em articulado superveniente) … a invocação da compensação só não será pois admissível quando ela já era possível à data da contestação da ação declarativa, só assim se harmonizando o regime da alínea h) com a alínea g) do artigo 729”. (…) De qualquer forma, cremos que a pedra angular e a razão primeira para se decidir, no caso, quando a compensação pode ser invocada na oposição à execução reside no respeito pelo princípio da concentração da defesa, da preclusão e autoridade de caso julgado. Na verdade, quando o título executivo é uma sentença, isso quer dizer que o processo de execução foi precedido de processo declarativo, onde intervieram as partes, deduzindo as pretensões que entenderam devidas e esgrimindo os argumentos de defesa que consideraram oportunos. Proferida a sentença e promovida a execução dela, o executado está inibido de opor ao exequente aquilo que já opôs ou poderia ter oposto no processo de declaração. “A força e autoridade do caso julgado obstam a que o executado se insurja contra a sentença que o condenou; aquilo que foi ou poderia ter sido matéria de defesa no processo declarativo tem de arredar-se completamente, sob pena de se comprometer e invalidar a eficácia do caso julgado.”- Vide Alberto dos Reis, Processo de Execução, Volume 2.º, 1985, pág. 17. Assim sendo, não pode agora o executado vir invocar como fundamento de oposição factos que podia ter alegado em sua defesa na acção declarativa.”
Em sentido contrário, e aquele ao qual aderimos, adiante-se desde já, pode ler-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 28/1/2020, Proc. n.º 51796/18.1YIPRT-B.C1:
“Na verdade, a nova norma tem a utilidade de deixar claro que a compensação (até ao montante da obrigação exequenda) pode constituir fundamento de embargos de executado. Fora de questão está, agora como dantes, que o executado cujo contracrédito seja superior ao do exequente possa invocar a sentença que a seu favor venha a ser proferida como condenação do exequente no pagamento da diferença entre os dois créditos, nem sequer como mero reconhecimento da existência da dívida pelo excesso, nem obter o pagamento forçado dessa diferença no processo executivo a que se opôs. E se, principalmente, no passado, se defendia que a compensação só podia ser alegada se a existência do contracrédito e os requisitos substantivos da compensação se provassem por documento com força executiva, posição também assumida pela jurisprudência [De entre vários, cf. o acórdão do STJ de 14.3.2013-proc. 4867/08.6TBOER-A.L1.S1(…)], hoje, face à previsão da alínea h) art.º 729º do CPC de 2013, nada autoriza esta restrição: ao alegar a compensação, o executado pretende apenas fazer valer um facto extintivo do direito exequendo (na acção declarativa de embargos de executado), nada mais lhe sendo consentido em processo executivo; não está em causa ´executar´ aí o contracrédito e não se vê, por isso, que este tenha de constar de título executivo. Assim, quer o invocado crédito do executado seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente, é-lhe permitido deduzir a excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente ter declarado querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de oposição). (…) a) O art.º 729º, alínea h) do CPC permite que, numa execução baseada numa sentença, o executado deduza oposição à execução com fundamento num contracrédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos; não tem sentido admitir a tramitação de uma complexa e custosa acção executiva quando o crédito exequendo pode afinal ser extinto através do reconhecimento de um contracrédito do executado; não é aceitável submeter o devedor a um processo executivo quando possui um contracrédito sobre o exequente que é susceptível de extinguir, no todo ou em parte, o crédito exequendo. (…) Seria muito surpreendente que, enquanto a doutrina alemã maioritária procura não aplicar à compensação uma regra legal que literalmente a abrange (o § 767 (2) ZPO), a doutrina portuguesa percorresse precisamente o caminho inverso e, a partir de uma base legal que não impõe nenhuma preclusão quanto à invocação da compensação na acção executiva, acabasse afinal por vir a defender essa mesma preclusão. (…) De resto, o disposto no art.º 732º, n.º 5, CPC permite concluir que, se o executado não alegar o contracrédito através dos embargos de executado, nunca mais o pode alegar para provocar a extinção do crédito exequendo (ou uma outra parcela do mesmo crédito que seja alegada numa execução posterior); portanto, onde realmente o direito positivo consagra um ónus de invocar o contracrédito é na acção executiva. Assim, onde realmente há um ónus de concentração da defesa e um ónus de alegação do contracrédito, não é na acção declarativa, mas na acção executiva. (…)”.
Nestes termos, vemos que nada obsta a que os executados venham agora, em sede de embargos à execução, invocar e discutir o contracrédito que alegadamente detêm sobre a exequente, por forma a operar a compensação.
Ainda que assim não se considerasse, para além deste entendimento sobre a admissibilidade da invocação da compensação enquanto facto extintivo ou modificativo do crédito, em sede de embargos, mesmo quando a execução se funda em sentença, sempre se teria de entender que, no caso dos autos, era admissível aos executados apenas agora suscitarem este contracrédito.
De facto, sucede que, como alegam os embargantes, estes contestaram o crédito da A. em sede de acção declarativa.
Assim, colocava-se ainda no caso dos autos a questão da possibilidade de dedução de reconvenção a título subsidiário, ou condicional, o que mais uma vez divide a doutrina e jurisprudência.
Como vem referido no Acórdão da Relação do Porto de 18/6/2020, Proc. n.º 586/19.6T8VNG-A.P1, este por sua vez citando o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9/9/2010: “...quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e tornar essa compensação efectiva através de uma declaração deste último. Ora, o recurso à compensação, enquanto excepção dilatória, postula, como sucede no direito substantivo, o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra-crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo”.
Nesse mesmo sentido, Acórdão da Relação do Porto de 18/6/2020, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/2/1983: “A pessoa que pretende liberar-se ou desobrigar-se, pelo recurso à compensação, tem, necessariamente, de admitir a preexistência de um crédito por banda daquele a quem se acha juridicamente vinculado.”
Este Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/2/1983 contou com um Voto de Vencido do Conselheiro Mário Brito, no sentido em voto da admissibilidade da invocação a título subsidiário ou eventual, em consonância com a posição que na doutrina defendia o Prof. Menezes Cordeiro.
Sobre este Voto de Vencido pode ler-se no Acórdão da Relação do Porto de 18/6/2020 ao qual se tem vindo a fazer referência: “O mencionado voto de vencido adere à posição defendida pelo Prof. Vaz Serra, no Estudo que elaborou enquanto Presidente da Comissão encarregada de preparar o Projecto de Novo Código Civil, e ao Prof. Antunes Varela, nas suas “Das Obrigações em Geral”. No referido estudo, publicado no BMJ nº 31, de 1952, a págs. 13 a 210, em que o autor expõe os fundamentos do entendimento que perfilha, convocando idênticas opções de outros ordenamentos jurídicos de então, chega o mesmo a propor a inclusão de um artigo 18.º, epigrafado de “Compensação em Juízo, Compensação eventual” com um n.º 6 com a seguinte redacção: ”Pode uma das partes declarar em juízo ou fora dele a compensação para o caso de existir o crédito da outra parte ou de não serem procedentes as excepções invocadas contra ele…”. O Prof. Antunes Varela, amparando-se no mesmo Estudo do Prof. Vaz Serra, também admite que “Isso não obsta, porém, a que a compensação possa ser invocada apenas subsidiária ou eventualmente no processo”. Porém, aquela proposta legislativa do Prof. Vaz Serra, que ficou vertida no Anteprojecto do Novo Código Civil - artigo 479º-4 da Proposta reduzida e artigo 668º-5 da Proposta extensa - , foi eliminada logo na 1.ª Revisão Ministerial do Anteprojecto que, eliminando as excepções previstas no artigo 665,º-3 da Proposta extensa para o caso de compensação feita sob condição, determinou no artigo 831.º-2 que “A declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo”. E a 2ª Revisão Ministerial manteve a eliminação da compensação eventual e fez constar um artigo 848º-2, onde dispõe que “A declaração é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo”, redacção que tem actualmente consagração no Código Civil. Do exposto parece assim resultar que o legislador optou claramente por não verter em letra de lei a proposta do Prof. Vaz Serra, indo mesmo mais longe, proibindo expressamente a declaração de compensação feita sob condição, até sem a escapatória prevista no artigo 665º-3 da Proposta extensa do Anteprojecto, ou seja, que a declaração de compensação feita sob condição é ineficaz a não ser que “não deem lugar a uma insegurança na situação jurídica da outra parte que prejudique os legítimos interesses desta…”.
Conclui-se então neste Acórdão que não é admissível fazer operar a compensação através de reconvenção deduzida com pedido subsidiário, para o caso da acção proceder porquanto “(…) Sendo requisitos da compensação a exigibilidade judicial do contra crédito sem que contra ele proceda excepção peremptória ou dilatória, de direito material e terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade, a montante terão sempre de ser considerados os pressupostos da validade do crédito principal e da reciprocidade creditícia. Ora, negando o compensante o crédito da parte activa na acção, jamais poderá contra ela fazer valer o contra-crédito, através do instituto da compensação que, como se disse, pressupõe, antes de tudo, a reciprocidade de créditos. Aliás, é, no mínimo, incongruente, no caso dos autos, a posição sustentada pela ré que, afirmando peremptoriamente nada dever à autora, não tendo qualquer obrigação para com ela, venha, a final, para o caso de eventual procedência da acção, peticionar que a totalidade do crédito reclamado pela parte activa na acção seja compensado pelo crédito de que a ré se arroga também titular sobre aquela, extinguindo-se, por via da compensação, a obrigação que tinha para com a primeira. Como precisa a decisão sob recurso, “...a possibilidade de invocar a compensação, por via reconvencional, não se verifica no caso em apreço, dado que, como bem referiu a autora, a ré, por um lado, nega a existência do crédito que é peticionado no articulado inicial e, por outro, deduz uma pretensão a título reconvencional que pressupõe que o crédito anteriormente negado exista na esfera jurídica da reconvinda. Tal significa que estamos perante uma declaração feita a título condicional, o que acarreta a ineficácia da mesma, atento o disposto no art. 848.º, n.º 2, do Código Civil”. Ou a ré aceita que a autora tem sobre si um direito de crédito, podendo, nesse caso, deduzir contra ela reconvenção, operando, através dela, a compensação para extinguir a obrigação que tem para com aquela, desde que reunidos os demais pressupostos, ou, negando o crédito, não poderá formular, subsidiariamente ou sob condição, pedido reconvencional de modo a operar a compensação para o caso de a pretensão da autora vir a obter vencimento.”
No mesmo sentido, da não admissibilidade da reconvenção nestes termos - reconvenção para compensação eventual, relativa a um crédito eventual, que o reconvinte não reconhece – vai o Acórdão da Relação de Lisboa de 16/11/2016, Proc. n.º 3942/15.5T8CSC-A.L1-4.
Não é este o entendimento que se perfilha, uma vez que se segue o que vem referido em comentário, de 9/7/2020, O que é a compensação subsidiária?, relativo ao Acórdão da Relação do Porto, Proc. n.º 586/19.6T8VNG-A.P1, de Miguel Teixeira de Sousa, no Blog do Instituto Português de Processo Civil, IPPC, acessível em https://blogippc.blogspot.com/2020/07/o-que-e-compensacao-subsidiaria.html:
“A realidade é, pois, precisamente aquela que a RP não aceita como admissível: a enorme maioria das compensações judiciárias deduzidas com base no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC são compensações subsidiárias. Como é claro, se assim não pudesse ser, a aplicação do disposto no art. 266.º, n.º 2, al. c), CPC não passaria de uma raridade. (…) b) É certo que a RP cita alguma jurisprudência do STJ que rejeita a admissibilidade da dedução subsidiária da compensação. Só que essa jurisprudência -- anterior ao CPC de 2013 -- padece, ela própria, de um enorme equívoco. Como se sabe, durante a vigência do CPC/1961 havia uma orientação -- talvez até maioritária -- que entendia que, até ao montante dos créditos compensáveis, a compensação devia ser deduzida por via de excepção. Pois bem, perante isto cabe perguntar o seguinte: onde é que alguma vez se entendeu que uma excepção peremptória não pode ser alegada a título subsidiário da defesa por impugnação? A resposta só pode ser esta: isso jamais foi defendido! Sempre se aceitou, com a maior das naturalidades (e das justificações), que o réu pode começar por se defender por impugnação ("não celebrei o contrato com o autor") e, a título subsidiário, alegar uma excepção peremptória ("se se reconhecer que celebrei o contrato, então o mesmo é nulo"). Transposta esta indiscutível solução para a compensação, isto tinha necessariamente de conduzir, na altura, à admissibilidade de o réu negar o crédito invocado pelo autor (defesa por impugnação) e alegar, a título subsidiário, a excepção de compensação (defesa por excepção). Sendo assim, a transposição para a actualidade dessa pouco feliz jurisprudência não deveria ter sido realizada sem uma ponderação da sua difícil sustentabilidade no próprio momento em que foi proferida. 3. Contra a admissibilidade da reconvenção subsidiária, a RP invoca o disposto no art. 848.º, n.º 2, CC, que determina que a declaração de compensação é ineficaz, se for feita sob condição ou a termo. Salvo o devido respeito, há aqui uma confusão. Uma coisa é não ser possível fazer uma declaração de compensação sujeita a uma condição, outra coisa completamente diferente é deduzir em juízo a compensação para o caso de o crédito do autor vir a ser reconhecido. No primeiro caso, a compensação só operaria se se verificasse a condição aposta pelo declarante, no segundo a compensação opera, sem qualquer condição aposta pelo réu reconvinte, logo que esteja verificada a existência do crédito do autor. Acresce que a existência do crédito do autor não é uma condição da compensação, mas antes um requisito da compensação. Portanto, a dedução subsidiária da compensação em juízo nada tem a ver com a inadmissibilidade da sujeição da declaração de compensação a uma condição. (…)”.
Apesar de ser este o entendimento a que se adere, como referido, a consequência porém de se verificar esta controvérsia e posições jurisprudenciais distintas não pode deixar de levar à conclusão que os embargantes efectivamente corriam o risco de não ver admitida a reconvenção que deduzissem a título subsidiário na acção declarativa; perante esta circunstância julga-se que a dedução do contracrédito pelos embargantes em sede de embargos à execução não pode deixar de ser admitida, devendo nesta parte revogar-se a decisão proferida em sede de primeira instância.
De facto, a oposição que alguma doutrina e jurisprudência efectuam à possibilidade de ser invocada a compensação em sede de embargos à execução com fundamento em Sentença, motivada pelo princípio da concentração da defesa, não teria aqui cabimento, uma vez que existia essa possibilidade de tal invocação não ser admitida na acção declarativa, por ser deduzida a título subsidiário.
Aqui chegados, cumpre agora verificar se os autos contém desde já assentes todos os factos que permitam a esta relação conhecer da questão suscitada, nos termos do art.º 655º do Código de Processo Civil.
Ora, perante o momento processual em que a decisão foi proferida (Saneador-sentença); a impugnação dos montantes efectuada pela embargante (para além, como supra ficou dito, se se afigurar ser ainda possível discutir a verificação do crédito); sendo ainda possível, se o Tribunal assim o entender, proferir convite ao aperfeiçoamento (art.º 591º, n.º 1, c) do Código de Processo Civil) e às partes produzir prova (e mesmo, nos termos do art.º 598º do Código de Processo Civil, requerer prova), julga-se não poder este Tribunal da Relação proferir decisão, devendo os autos prosseguir a sua tramitação na 1ª Instância.
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Vencida na causa, é a Apelada a responsável pelas custas devidas pelo Recurso, conf. art.º 527º, n.º 1 e n.º 2 do Código de Processo Civil.
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DECISÃO:
Por todo o exposto, acorda-se em julgar procedente o Recurso interposto, revogando-se a Sentença proferida e determinando-se o prosseguimento dos autos, para discussão do invocado contracrédito pelos Recorrentes.
Custas pela Apelada.
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Registe e notifique.
Lisboa, 2/6/2021
Vera Antunes
Aguiar Pereira
Teresa Soares