PRESCRIÇÃO
CONTUMÁCIA
DENÚNCIA CALUNIOSA
Sumário


1 - A contumácia de um arguido e correspondente suspensão dos termos do processo não obsta à declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição.
2 - A denúncia caluniosa é um crime de perigo e consuma-se com a realização da declaração falsa, com a intenção de que seja intentado um procedimento, sabendo-se da referida falsidade.
3 . Assim, é a partir desse momento e não do correspondente ao conhecimento dos factos pelo ofendido ou da extinção desse procedimento, que deve contar-se o início do prazo prescricional.

Texto Integral


Decisão Sumária

- Tribunal Recorrido – Juízo Local Criminal de Guimarães – Juiz 1
- Proc.º 329/16.6T9GMR-A.G1
- Recorrente - K. D. (Assistente)
- Recorridos - Ministério Público;
- A. B. (Arguido)
- F. B. (Arguido)

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Por despacho proferido nos autos principais em 24 de Março de 2 020, decidiu-se declarar prescrito o procedimento criminal contra F. B., por prescrição do procedimento criminal, sendo a arguida contumaz.
Discordando desta decisão, da mesma recorreu a assistente K. D..
Considera-se que o recurso deve ser decidido por decisão sumária do relator, dada que “manifestamente improcedente”, o que se fará nos termos do disposto nos arts.º 417º/6, b), C.P.P. e 420º/1, a), C.P.P.
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Da Contumácia e da Declaração de Extinção do Procedimento Criminal

Por despacho proferido quanto à arguida F. B., que era contumaz, declarou-se extinto por prescrição o procedimento criminal contra si, sendo que nos autos existem mais dois outros arguidos.

A assistente K. D. recorreu deste despacho e, como primeiro argumento invoca que estando a arguida contumaz e por via disso suspensos os termos ulteriores do processo, não podia conhecer-se da prescrição.
E, com efeito, esta é a interpretação que parece decorrer diretamente da lei.
Assim é, que com base no disposto no art.º 335º/3 C.P.P., a contumácia implica a suspensão dos termos ulteriores do processo, até à apresentação ou à detenção do arguido. Daqui que, para o recorrente, não pudesse ser declarada a prescrição por o processo estar suspenso.
É um argumento literal, mas que não vale tudo.
É que este tipo de argumentos só podem manter validade, enquanto não se tornem absurdos e devem ceder quando põem em causa outro tipo de princípios gerais.
Ora e desde logo e como vem reconhecendo a Jurisprudência, a suspensão dos termos ulteriores do processo não impede que o Tribunal determine se proceda à realização de diligências com vista à procura do arguido, sua detenção para prestação de T.I.R. e até à sua prisão preventiva, mediante despacho nesse sentido.
Com efeito, a contumácia não pode significar que o arguido atingiu um “oásis processual”, em que nada pode ser feito.
E muito mais, quando o que está em causa á própria existência do processo criminal.
Imagine-se um processo em que um contumaz morre e o processo tem acesso à própria certidão de óbito. Como é óbvio, a morte extingue a responsabilidade criminal (art.º 127º C.P.), o que quer dizer que o arguido não mais pode ser perseguido criminalmente, implicando pois e também aquela, extinção do procedimento criminal.
Ora, aquele entendimento levaria ao absurdo de também neste caso se não poder declarar a extinção do procedimento criminal, por o arguido ser contumaz; e, por estar morto, este estado do processo nunca poderia alterar-se uma vez que nunca o arguido se poderia apresentar ou ser detido (art.º 336º/1 C.P.P.), únicas formas de se poder operar a caducidade da contumácia.
O que determinaria que o procedimento criminal se mantivesse suspenso para sempre por via da contumácia, o que seria um contra censo.
Ora, o Direito e a Justiça quando provocam contra censos no caso concreto, têm de ser repensados. Por isso existem as interpretações restritivas, extensivas ou analógicas, nomeadamente tendo por referência o elemento teleológico.
Ora e no caso dos autos perguntar-se-á também que razão há em manter um processo suspenso e pendente, quando o mesmo está notoriamente prescrito, em termos de procedimento criminal? Mais, quando se o arguido se apresentasse ou fosse detido, o único despacho admissível depois de declarar a caducidade da contumácia fosse o da declaração de extinção do procedimento criminal, por prescrição.
É óbvio que a manutenção deste processo suspenso, por via da contumácia briga com as mais elementares regras da economia processual, impostas por lei – cfr. arts.º 6º/1 e 130º C.P.V., via art.º 4º C.P.P.
Ora, tendo neste processo sido atingido o prazo prescricional do procedimento criminal quanto à arguida F. B., nenhum sentido faz manter-se contra ela o procedimento criminal, até com a inerente prática de atos inúteis.
Deste modo, entende-se que nestes casos em que está em causa a própria existência do procedimento criminal e uma causa da sua extinção, deve a mesma ser declarada, sob pena de estarem a ser praticados atos inúteis – interpretando-se pois restritivamente, nestes casos tal como nos outros já referidos, a suspensão dos termos processuais provocada pela contumácia.
Termos em que improcede, o primeiro argumento suscitado no recurso.

Da Consumação do Crime de Denúncia Caluniosa

Um outro argumento é suscitado no recurso da assistente. Com efeito, considera a mesma que o crime de denúncia caluniosa só se consuma quando o ofendido toma conhecimento de que contra si foram imputados factos falsos e também a partir do momento em que o processo baseado em factos falsos é arquivado.
Com efeito, correu um Processo Crime contra K. D. pela prática de um crime de coação na forma tentada, p. e p. pelos arts.º 154º/1 e 2), 155º/1, a) e 22º C.P..
A respetiva queixa, formulada por F. B., deu entrada em 6/8/2 012, tendo a mesma sido inquirida em 25/9/2 012 e sem marido A. B. em 28/12/2 012, altura em que confirmaram a referida queixa – fls. 48/50, 51/52 e 53/55. O ora assistente veio a ser absolvido por sentença de 22/5/2 014 (fls. 157V.º/163 e 164/165), proferida no Proc.º 901/12.3PBGMR.
A declaração de contumácia da arguida F. B. nestes autos data de 26/6/2 019 e, na opinião do Tribunal recorrido, a prescrição do procedimento criminal contra a dita F. B. data de 6/8/2 017, justamente cinco anos após a data da queixa.
A questão tem pois a ver com o momento a partir do qual se deve ter por iniciado, o prazo para prescrição do procedimento criminal: se do momento em que foram feitas as afirmações que constituem a invocada denúncia caluniosa (queixa), se do momento em que as mesmas foram conhecidas pelo ora ofendido ou finalmente, se apenas a partir do momento em que arquivado o processo que teve origem nas mesmas declarações (sentença absolutória).
Conforme o entendimento, terá já decorrido o prazo prescricional ou não.
Nos termos do disposto no art.º 119º/1 C.P., o prazo prescricional deve começar a ser contado, a partir da consumação do próprio crime.
Nos autos está em causa a prática do crime de denúncia caluniosa, p. e p. pelo art.º 365º/1 C.P. Que, nos termos do mesmo dispositivo, é praticado de entre o mais, quando alguém denuncia a suspeita de prática de crime por outrem com a intenção de que se inicie contra ela procedimento, tendo consciência da falsidade da imputação (art.º 365º/1 C.P.).
Ou seja: decorre do próprio tipo, que o crime se consuma com uma denúncia nestes termos, sem necessidade de qualquer conhecimento pelo ofendido ou do decaimento no que se visava com a denúncia.

Das Custas
Como ressalta do que já se disse, o recurso vai ser rejeitado por “manifestamente improcedente” (arts.º 417º/6, b) e 420º/1, a), C.P.P.).
Para estes casos, prevê a lei uma tributação em custas, entre 3 (três) e 10 (dez) U.C.`s – art.º 420º/3 C.P.P.
Os arts.º 513º C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P. regulam a condenação em custas, pelo decaimento.
Daí, que haja quem entenda que, no primeiro caso se tributa a lide temerária e no segundo a sucumbência, pelo que a condenação em custas deve ser feita nos termos de cada um daqueles normativos – sendo assim imputadas duas taxas de justiça, uma nos termos do disposto no art.º 420º/3 C.P.P. e outra, nos termos do disposto nos arts.º 513º C.P.P., 8º/9 e tabela 3), anexa ao R.C.P.
Não se escondendo que a questão é duvidosa, parece-nos porém que o estatuído no art.º 420º/3 C.P.P. é antes, uma regra especial em face do art.º 513º C.P.P. e com uma punição em abstrato, muito mais pesada. Considera-se assim, que visa tributar a lide temerária e também, necessariamente, a sucumbência, que é uma sua consequência lógica.
Como se trata de lei especial, afasta a aplicação da lei geral.
Assim, o arguido recorrente será condenado numa única taxa de justiça – a prevista no art.º 420º/3 C.P.P., a que não acrescerá a prevista no citado art.º 513º C.P.P.
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Termos em que,

3 – Decisão

a) se rejeita, por manifestamente improcedente, o recurso apresentado pelo arguido A. B..
b) Custas pelo arguido recorrente, com 4 (quatro) U.C.`s de taxa de justiça – art.º 420º/3 C.P.P.
d) Notifique.
Guimarães,