IMÓVEL DESTINADO A LONGA DURAÇÃO
VENDA DE IMÓVEL DEFEITUOSO
PRAZO DE CADUCIDADE
DENÚNCIA DOS DEFEITOS
PRAZO DE GARANTIA
CONTAGEM DO PRAZO
Sumário

I - Merece rejeição o recurso genérico da decisão da matéria de facto quando os recorrentes se limitam a impugnar em termos latos, genéricos e em bloco, sem fazer concreta, especificada e contextualizada análise crítica das provas que impõem decisão diversa de cada questão.
II - Apresentando o bem vendido defeito, a sua denúncia ao vendedor impõe-se, com o objetivo de o informar de que a coisa tem um vício ou falta de qualidade.
III - Relativamente a imóveis destinados a longa duração quanto à venda de consumo, a lei estabelece três prazos de caducidade: i) o de denúncia dos defeitos, de um ano, ii) o para o exercício de direitos, de três anos, a contar da atempada denúncia dos defeitos, iii) prazos esses, sempre, dentro do prazo limite máximo da garantia legal, de cinco anos (v. art.º 1225.º, do Código Civil e art.º 5º-A, n.º 2 e 3, do específico regime introduzido pelo Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei nº 84/2008 de 21 de Maio).
IV - Sendo três os prazos de caducidade, três podem ser as exceções perentórias deduzidas pelo vendedor, àqueles atinentes, a ele cabendo o ónus da prova dos concretos factos invocados como causa extintiva do direito do Autor (art. 342º, nº2, do Código Civil).
V - A contagem do prazo para a denúncia apenas se inicia com a efetiva e suficiente tomada de conhecimento do vício ou desconformidade, não relevando, para efeito de início de contagem, a estarem em causa questões de natureza eminentemente técnica, a mera possibilidade de defeito.
VI - E havendo reconhecimento do defeito pelo vendedor, expresso ou tácito (nº2, do art. 331º, do Código Civil), desnecessário é efetuar a denúncia, ocorrendo reconhecimento tácito quando aquele faz reparações na coisa, iniciando-se, em tal momento, a contagem do prazo de caducidade do direito de ação.

Texto Integral

Apelação nº 2873/18.1T8VNG.P1

Processo do Juízo Local Cível de Vila Nova de Gaia – Juiz 1
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto
Relatora: Eugénia Maria de Moura Marinho da Cunha
1º Adjunto: Maria Fernanda Fernandes de Almeida
2º Adjunto: António Eleutério
Sumário (cfr nº 7, do art.º 663º, do CPC):
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I. RELATÓRIO
Recorrentes: B…, SA, e C…, Lda
Recorrida: D…, Gestão e Administração de Condomínios, Lda

D…, Gestão e Administração de Condomínios, Lda., na qualidade de administradora do Condomínio do Edifício E…, sito nos n.ºs …, …, …, … e … da Rua… e no n.º … da Rua…, da União de Freguesias de …, do concelho de Vila Nova de Gaia, propôs a presente ação, sob a forma declarativa comum, contra B…, SA, e C…, Lda., pedindo a condenação destas, em regime de solidariedade, a:
- Reconhecerem as patologias e desconformidades existentes na central térmica do referido edifício e a procederem à reparação das mesmas;
- Pagarem, a título de sanção pecuniária compulsória, nos termos do disposto no art. 829-A do Código Civil, uma indemnização de €2.500,00 mensais, desde a citação e até ao efetivo cumprimento da obrigação referida no ponto anterior.
Alegou, para tanto, em síntese, que as Rés construíram o edifício e promoveram a venda das frações autónomas que o compõem, dotando-o de uma central térmica destinada ao aquecimento das águas sanitárias e à climatização das respetivas frações, a qual apresenta os problemas de funcionamento que discrimina, decorrentes da forma deficiente como foi configurada e instalada sendo as Rés, na qualidade de promotoras do edifício, responsáveis pela correção dessas deficiências, nos termos previstos no art. 1225º do Código Civil.
Na contestação, as Rés defenderam-se por impugnação, ao negarem os factos imputados, e por exceção, ao invocarem a ilegitimidade ativa e a caducidade do direito da Autora. Sustentam que, estando em causa reparações de defeitos nas frações autónomas, a Autora carece de legitimidade ativa, o que deve ter como consequência a sua absolvição da instância e, acrescentam que a denúncia dos defeitos foi feita em assembleia de condóminos realizada a 12 de março de 2015, pelo que a ação destinada a exigir a respetiva reparação deveria ter sido proposta até 12 de março de 2016 e, uma vez que a petição inicial apenas deu entrada no dia 3 de abril de 2018, caducou o direito que a Autora pretende fazer valer, sempre devendo a ação improceder.
Pediram a intervenção acessória da sociedade Construções F…, SA, alegado ter sido ela a construir o edifício e a montar a central térmica, na sequência de contrato de empreitada, pelo que, em caso de procedência da ação, terão direto de regresso contra a mesma.
A Autora respondeu, na sequência de despacho nesse sentido, pugnando pela improcedência das exceções invocadas pelas Rés, dizendo que estão em causa apenas defeitos numa parte comum do edifício, e não nas frações autónomas que o compõem, pelo que tem legitimidade para ação, em execução do que foi deliberado em assembleia de condóminos, e que apenas teve conhecimento dos defeitos com o estudo que encomendou, no ano de 2017 e, na sequência da apresentação do relatório desse estudo, enviou uma carta à Ré, por esta recebida a 17 de outubro de 2017, a dar conhecimento dos defeitos e a exigir a sua reparação, pelo que não só respeitou o prazo de denúncia, como o de propositura da ação.
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Foi deferido o pedido de intervenção acessória e julgada improcedente a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, dado estarem em causa defeitos em parte comum do edifício.
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Procedeu-se à audiência final, com a observância das formalidades legais.
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Foi proferida sentença, onde foi decidido:
Julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:
Condenar as Rés, B…, SA, e C…, Lda., a procederem à reparação das patologias da central térmica instalada no …, sito nos n.ºs … e … da Rua… e no n.º … da Rua…, da União de Freguesias de …, do concelho de Vila Nova de Gaia, discriminadas em III.1), pontos 20. a 43., mediante a realização dos trabalhos discriminados em III.1), ponto 44.;
Absolver as Rés, B…, SA, e C…, Lda., do demais peticionado pela Autora, D…, Gestão e Administração de Condomínios, Lda., na qualidade de administradora do …, sito nos n.ºs … e … da Rua… e no n.º … da Rua …, da União de Freguesias de …, do concelho de Vila Nova de Gaia.
Custas a cargo de Autora e Rés, na proporção dos respetivos decaimentos, que se ficam em 1/5 para a primeira e 4/5 para as segundas”.
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As Rés apresentaram recurso de apelação, pugnando por que seja revogada a sentença recorrida e julgada a ação totalmente improcedente, formulando as seguintes
CONCLUSÕES:
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O Autor apresentou contra-alegações onde invoca, relativamente à impugnação da decisão da matéria de facto, o incumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º, do CPC, e pugna por que seja negado provimento ao recurso, mantendo-se a sentença recorrida, dado ter sido efetuada correta interpretação e aplicação das referidas disposições legais.
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Após os vistos, cumpre apreciar e decidir o mérito do recurso interposto.
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II. FUNDAMENTOS
- OBJETO DO RECURSO
Apontemos as questões objeto do presente recurso, tendo presente que o mesmo é balizado pelas conclusões das alegações das recorrentes, estando vedado ao tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido – cfr. arts 635º, nº4, 637º, nº2 e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
Assim, as questões a decidir são as seguintes:
1. Do incumprimento dos ónus impostos para a impugnação da decisão da matéria de facto;
2. Do erro da decisão de mérito:
2.1- Se inexiste obrigação de reparar os defeitos da central térmica do edifício;
2.2- Se o direito de ação para reparação de defeitos se extinguiu, por caducidade.
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II.A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. FACTOS PROVADOS
São os seguintes os factos considerados provados, com relevância, para a decisão (transcrição):
1. O Edifício E…, sito nos n.ºs … e … da Rua… e no n.º … da Rua…, da União de Freguesias de …, do concelho de Vila Nova de Gaia, é composto por cinco blocos, com um total de 54 frações autónomas, estando inscrito na matriz sob o art. 6836 e descrito da CRP de Vila Nova de Gaia sob o n.º 3237.
2. Esse edifício foi construído pela interveniente Construções F…, SA, em execução de um contrato de empreitada celebrado entre esta e as Rés, proprietárias do terreno, conforme documento n.º 8 junto com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
3. As Rés promoveram a construção do edifício nos termos constantes de tal contrato, tendo em vista a comercialização das respetivas frações autónomas, destinadas à habitação.
4. A construção do edifício foi concluída no ano de 2014, tendo as Rés iniciado então a comercialização das frações autónomas.
5. A assembleia constituinte do condomínio realizou-se no dia 8 de outubro de 2014, tendo sido designada, por unanimidade dos presentes, a sociedade D…, Gestão e Administração de Condomínios, Lda., para o exercício da administração.
6. Nesse edifício foi montada uma central térmica composta por três caldeiras com queimadores a gás natural, instalação solar térmica de vinte coletores solares tipo vácuo, três depósitos de água quente e sistema de bombagem de água quente com cinco bombas de caudal constante, respeitando cada uma a cada prumada dos cinco blocos que compõem o empreendimento.
7. Consiste num sistema centralizado que produz água quente sanitária e água quente para climatização de cada uma das frações autónomas.
8. A climatização de cada fração autónoma é efetuada através de um sistema de piso radiante, que é controlado por uma válvula reguladora de caudal acoplada a um sensor de temperatura e bomba de circulação.
9. A água é aquecida através de um permutador que realiza a permuta entre o fluído primário e o fluído da central térmica.
10. A central dispõe de contador próprio de gás.
11. A eletricidade é partilhada pelo quadro elétrico do Bloco C.
12. As três caldeiras destinam-se à produção da água quente necessária para servir as necessidades de água quente sanitária e climatização através do piso radiante.
13. As três caldeiras funcionam a gás natural.
14. Devem ser ativadas quando a temperatura nas colunas está abaixo de um valor pré-definido.
15. As bombas que compõem a central, destinadas à distribuição da água quente, estas com caudal constante, estão alocadas a cada coluna.
16. A instalação solar é caraterizada por um sistema solar centralizado, comum aos vários blocos.
17. Os depósitos possuem, cada um, uma capacidade de armazenamento de 1500 litros.
18. Cada um dos depósitos solares está equipado com uma sonda que, em função dos valores e módulos de controlo, ordena a sua abertura ou fecho.
19. No interior da central foram utilizados tubos de cobre e no exterior tubos de aço carbono.
20. Uma das caldeiras (a n.º 2), da marca G…, não dispõe de bomba circuladora entre a tubagem de retorno e ela própria, não sendo assim possível transferir a sua potência térmica, uma vez que o caudal que passa na sua tubagem é residual e aleatório.
21. A caldeira n.º 1 não possui válvula controladora, pelo que está permanentemente ligada.
22. As redes de drenagem de condensados não foram executadas.
23. Não foi colocado um controlador que permita a gestão sincronizada das três caldeiras nem outro equipamento que o substitua.
24. Por isso, as caldeiras funcionam autonomamente, com o comando de origem a ser dado pelos respetivos sensores internos.
25. Devido à inexistência do referido sistema de gestão, não é possível verificar algumas temperaturas, caudais ou pressões essenciais ao correto funcionamento da central.
26. Por essa razão, em algumas frações o caudal é de 265 litros por hora enquanto noutras é de 1267 litros por hora.
27. Para um correto funcionamento do sistema, é necessário que todos os caudais sejam de 600 litros por hora.
28. As tubagens têm uma espessura de 9 mm, que é insuficiente para a instalação.
29. Há troços da tubagem sem isolamento.
30. Os fins de linha de caba bloco encontram-se fechados, o que impede que os purgadores consigam purgar as partículas de ar que entrem no sistema.
31. A tubagem dos blocos A, C e E, que são mais afastados, é de diâmetro inferior ao recomendável.
32. Por essa razão, se o sistema for utilizado em todas as frações em simultâneo, ocorrem perdas de carga de 24,82 m nos blocos E e A e 21,363 m no bloco C.
33. Para evitar essa situação, é necessário substituir a referida tubagem deficitária numa extensão de 300 metros ou instalar bombas com maior potência.
34. As bombas utilizadas para a circulação de água em cada um dos blocos possuem caudal constante.
35. Tratam-se de bombas adequadas a instalações onde não haja alterações do caudal.
36. Existem frações a funcionarem em caudal aberto e outras em caudal fechado.
37. A situação origina consumos de energia superiores nas frações que funcionam em caudal aberto comparativamente com as restantes.
38. Nenhuma das bombas tem capacidade para vencer as perdas estimadas quando o edifício estiver em carga plena.
39. Em alguns blocos o caudal de água é na ordem dos 300 litros por hora, o que implica um aumento da temperatura, com o consequente aumento do consumo energético.
40. Se o caudal for inferior a 250 litros por hora, o sistema deixará de funcionar.
41. Na instalação solar, há tubos de vácuo que se encontram partidos.
42. O permutador não está isolado.
43. Não existem válvulas reguladoras de caudal à saída de cada grupo de coletores, o que é necessário para a regulação dos caudais.
44. Para a reparação das anomalias referidas é necessário instalar um sistema de gestão técnica, alterar as bombas de circulação de todos os blocos, alterar parcialmente a tubagem dos blocos A, C e E, corrigir os isolamentos das tubagens, instalar a caldeira desativada, otimizar o funcionamento da central através da criação de um depósito de inércia e alterar o sistema de funcionamento de algumas frações com vista à uniformização do modo de funcionamento da totalidade das mesmas.
45. À medida que os compradores das várias frações começaram a habitar no edifício, começaram a aperceber-se de problemas de funcionamento da central térmica.
46. Na assembleia de condóminos realizada no dia 12 de março de 2015, em que as Rés se fizeram representar pela Eng. H…, o administrador do condomínio comunicou aos presentes que, segundo as vistorias feitas ao sistema, este não está completo nem em perfeito funcionamento.
47. A representante das Rés expôs que as suas representadas estão a realizar diligências sobre aquilo que falta para que o sistema da central térmica fique em pleno funcionamento, tudo conforme ata junta como documento n.º 2 com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
48. Na assembleia de condóminos realizada no dia 13 de outubro de 2015, em que as Rés se fizeram representar pela Eng. H…, o administrador do condomínio esclareceu os presentes que tinha sido solicitada a uma empresa designada por I… o levantamento das deficiências e elementos em falta no sistema da central térmica, tendo a mesma orçamentado os custos para a referida intervenção.
49. Na mesma assembleia, a representante das Rés confirmou que teve acesso ao referido levantamento, tendo remetido o mesmo à construtora do edifício, tendo inclusive ficado a saber que os trabalhos em falta já haviam sido adjudicados à empresa KWH, tudo conforme ata junta como documento n.º 3 com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
50. Na assembleia de condóminos realizada no dia 31 de maio de 2016, o administrador do condomínio comunicou que foi feita uma pesquisa de empresas alternativas à gestão do sistema existente e, na sequência, apresentou o responsável da J…, Eng. K…, ali presente.
51. O representante da primeira Ré manifestou então a opinião de que, face ao descontentamento generalizado com o funcionamento do sistema, deveria ocorrer uma alteração do fornecedor do sistema de manutenção.
52. Na mesma assembleia, o referido Eng. K… disse que o sistema carecia de um meio de gestão da central, para ser otimizado, e enunciou os custos associados ao levantamento das lacunas e deficiências.
53. De seguida, já sem a presença do representante da primeira Ré, foi deliberado, por unanimidade dos condóminos presentes ou representados, adjudicar à J… o levantamento do sistema instalado e das suas possíveis deficiências, quer nas zonas comuns, quer nas frações autónomas, bem como a elaboração de um esquema de princípios, tudo conforme ata junta como documento n.º 4 com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
54. Na assembleia de condóminos realizada no dia 25 de outubro de 2016, em que as Rés estiveram representadas pela Eng. H…, o administrador do condomínio comunicou aos presentes que, “embora a promotora do edifício tenha assumido alguns compromissos[,] na realidade não cumpriu e (…) não entregou as plantas do sistema de aquecimento e AQS para se poder fazer o competente levantamento e consequente correção e regularização do sistema pela empresa J….”
55. A referida representante das Rés, no uso da palavra, “assumiu que as peças solicitadas e que assumiu entregar em setembro estão a ser finalizadas e vão ser entregues até ao final de outubro de 2016, tudo conforme ata junta como documento n.º 5 com a contestação, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
56. O referido Eng. K… fez uma inspeção à central térmica e, na sequência, elaborou um relatório que enviou à administração do condomínio, no qual elencou as patologias discriminadas supra.
57. Na assembleia de condóminos realizada no dia 30 de outubro de 2017, foi deliberado que as Rés, promotoras do edifício, são as únicas responsáveis pela reparação do sistema de AQS, pelo que o respetivo custo deve ser-lhes imputado e, para esse efeito, encarregaram a administração do condomínio de encetar as diligências necessárias para, pela via judicial, conseguir essa finalidade, tudo conforme ata junta como documento n.º 1 com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
58. Por cartas registadas a 17 de outubro de 2017, recebidas pelas Rés no dia seguinte, sob o assunto Denúncia de defeitos de construção Edifício E…, a Autora deu conhecimento àquelas do relatório da referida auditoria, fixando um prazo de dez dias para as sanarem, tudo conforme 3 e 4 juntos com a petição inicial, cujo conteúdo aqui é dado por integralmente reproduzido.
59. A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 3 de abril de 2018, conforme certificado pela aplicação informática Citius.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não resultou provado que:
60. O custo dos trabalhos referidos em 44 é de € 42.610,00.
61. As patologias descritas decorrem de falta de manutenção da central térmica e dos respetivos componentes.
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II.B - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
1. Do incumprimento dos ónus de impugnação da matéria de facto
Atendendo ao objeto do recurso, delimitado, como vimos, pelas conclusões das alegações, cumpre, em primeiro lugar, fixar a matéria de facto para que, de seguida, se possa entrar na apreciação da decisão de mérito. Para tal, e atenta a impugnação da matéria de facto, cabe analisar da observância pelas apelantes, impugnantes, dos ónus legalmente impostos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, e que vêm enunciados nos arts 639º e 640º, do Código de Processo Civil, diploma a que pertencem todos os preceitos citados sem outra referência, os quais constituem requisitos habilitadores a que o tribunal ad quem possa conhecer da impugnação.
O nº1, do art. 639º, consagrando o ónus de alegar e formular conclusões, estabelece que o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão, sendo as conclusões das alegações de recurso que balizam a pronúncia do tribunal (art. 635º).
E o art. 640º, consagra ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecendo no nº1, que, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a)- os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b)- os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c)- a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (negrito nosso).
O n.º 2, do referido artigo, acrescenta que:
a) … quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (negrito nosso).
Como resulta do referido preceito, e seguindo a posição de Abrantes Geraldes, quando o recurso verse a impugnação da decisão da matéria de facto deve o recorrente observar as seguintes regras:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; (negrito nosso)
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exactidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;(…)
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente[1].
Com efeito, com a reforma introduzida ao Código de Processo Civil pelos Decretos-Leis n.ºs 39/95, de 15/02 e 329-A/95, de 12/12, o legislador impôs o registo da audiência de discussão e julgamento, com a gravação integral da prova produzida, e conferiu às partes a possibilidade de impugnar a matéria de facto, passando o Tribunal de segunda instância a fazer um novo julgamento da matéria impugnada, assegurando, desse modo, um duplo grau de jurisdição em sede de impugnação da matéria de facto, como decorre do estatuído no nº1, do art. 662º, que consagra que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Verifica-se, assim, que a possibilidade de alteração da matéria de facto que, sendo excecional, passou a função normal do Tribunal da Relação, elevado a, verdadeiro, Tribunal de substituição, preenchidos que se mostrem os referidos requisitos legais, conferindo-se às partes um duplo grau de jurisdição, por forma a permitir-lhes reagir contra erros de julgamento, com vista a alcançar uma maior certeza e segurança jurídicas e a, desse modo, obter decisões mais justas e a alcançar maior equidade e paz social, sempre buscadas pelo Estado, verdadeiro interessado na realização da justiça.
O duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto pressupõe novo julgamento quanto à matéria de facto impugnada e tal só é alcançado “perante o exame e análise crítica das provas produzidas, a respeito dos pontos de facto impugnados” por forma a permitir ao Tribunal da Relação “formar a sua própria convicção, no gozo pleno do princípio da livre apreciação das prova, sem estar limitada pela convicção que serviu de base à decisão recorrida, em função do princípio da imediação da prova, princípio este que tido por absoluto transformaria este duplo grau de jurisdição em matéria de facto, numa garantia praticamente inútil”[2].
Tendo o recurso por objeto a impugnação da matéria de facto, à Relação cabe proceder a um novo julgamento, limitado, contudo, à matéria de facto impugnada, procedendo à efetiva reapreciação da prova produzida, devendo nessa tarefa considerar os meios de prova indicados no recurso, assim como, ao abrigo do princípio do inquisitório, outros que entenda relevantes, apreciando livremente as provas, segundo a sua prudente convicção, acerca de cada facto impugnado, exceto no que respeita a factos para cuja prova a lei exija formalidades especiais ou que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documento, acordo ou confissão (nº5, do art. 607º).
Contudo, o legislador, ao impor ao recorrente o cumprimento das supra referidas regras, visou afastar soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente[3]. Apenas se mostra consagrada a possibilidade de reapreciação pelo tribunal superior e, consequente, formação da sua própria convicção (à luz das mesmas regras de direito probatório a que está sujeito o tribunal recorrido), quanto a concretos pontos de facto julgados provados e/ou não provados pelo tribunal recorrido e a possibilidade de reapreciação da prova produzida em 1ª instância, enquanto garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver a reapreciação global de toda a prova produzida, continuando, por isso, o Tribunal da Relação, de 2ª instância, a ter competência residual em sede de reponderação ou reapreciação da matéria de facto[4], não podendo conhecer de matéria de facto fixada pelo tribunal a quo que não seja objeto de impugnação.
E impõe-se, desde logo, por isso, ao recorrente, sob cominação de rejeição do recurso, para além de delimitar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, deixar expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, sendo que, como refere Abrantes Geraldes, esta última exigência (plasmada na transcrita alínea c) do nº 1 do art. 640º) vem reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente (…) por forma a obviar a interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, devendo ser apreciada à luz de um critério de rigor enquanto decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo[5].
É imposição da lei e entendimento doutrinal e jurisprudencial uniforme que, nas conclusões das alegações, que têm como finalidade delimitar o objeto do recurso (cfr. nº4, do art. 635º, do CPC) e fixar as questões a conhecer pelo tribunal ad quem, o recorrente delimite o objeto da impugnação de forma rigorosa, indicando os concretos pontos da matéria de facto que considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso, como a lei adjetiva comina no nº1, do art. 640º.
Não obstante o consagrado alargamento e reforço dos poderes da Relação no domínio da reapreciação da matéria de facto, deve ser rejeitado o recurso, no atinente a tal ponto, quando o recorrente não cumpra os ónus impostos pelos nº1 e 2, a), do art. 640º [6], impondo-se a rejeição total ou parcial do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto quando ocorra:
a) falta de conclusões sobre a impugnação da matéria de facto (art. 635º, n.º 4 e 641º, n.º 2, al. b);
b) falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640º, n.º 1, al. a));
c) falta de especificação (que pode constar apenas na motivação), dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.) que impõem decisão diversa da impugnada;
d) falta de indicação exata, (que pode constar apenas na motivação), das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) falta de posição expressa, (que pode constar apenas na motivação), sobre o resultado pretendido a cada segmento da impugnação”[7], critérios estes que têm sido aplicados pelo Supremo Tribunal de Justiça[8].
Este Tribunal Superior começou a distinguir, quanto aos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, entre ónus primário ou fundamental, que se reportam ao mérito da pretensão, dos ónus secundários, que respeitam a requisitos formais e, quanto aos primários, onde inclui a obrigação do recorrente de formular conclusões e nestas especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados e a falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados e falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação, requisitos estes sobre que versa o n.º 1, do art. 640º, do CPC, a jurisprudência tem considerado que aquele critério é de aplicar de forma rigorosa, pelo que sempre que se verifique o incumprimento de algum desses ónus por parte do recorrente se impõe rejeitar o recurso[9].
Contudo, vem-se a assistir na Jurisprudência, principalmente na do STJ, a um decréscimo da exigência de rigor, quando razões de proporcionalidade e razoabilidade a não imponham, passando a admitir a apreciação do recurso mesmo em casos de conclusões omissas quanto aos concretos pontos impugnados desde que os mesmos se encontrem devidamente especificados no corpo das alegações[10].
Assim vem sendo entendido e decidido pelos vários Tribunais da Relação e foi-o em diversos acórdãos, designadamente em que a ora relatora foi adjunta no Tribunal da Relação de Guimarães[11] e, também, em relatados pela ora relatora[12]. E, com efeito, o “ónus de impugnação especificada”, emergente do disposto no art. 640º, n.º 1, do C. P. Civil, prende-se em especial com a definição do objeto da impugnação (clara enunciação dos pontos de facto em causa); com a seriedade da impugnação (meios de prova indicados ou meios de prova oralmente produzidos que são explicitados) e com a assunção clara do resultado pretendido (indicação da decisão da matéria de facto diversa da decisão recorrida)[13].
Destarte, cumpre ao recorrente indicar os pontos de facto que impugna, pretensão esta que, delimitando o objeto do recurso, deve ser inserida também nas conclusões (art. 635º).[14].
Como de forma elucidativa considerou o Tribunal da Relação de Guimarães, ao rejeitar o recurso no que se refere à impugnação da decisão que fixou a matéria de facto, “deverá o recorrente enunciar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (alínea a) do n.º 1), requisito essencial já que delimita o poder de cognição do tribunal ad quem, se a decisão incluir factos de que se não possa conhecer ex. officio e se estiverem em causa direitos livremente disponíveis. Deve ainda o recorrente indicar os meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida (alínea b) do n.º 1), assim como apresentar o seu projecto de decisão, ou seja, expor, claramente, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (alínea c) do n.º 1)”, mais referindo “Sabemos que o preceituado no citado artº 640 em conjugação com o que se dispõe no artº 662º do mesmo diploma legal permite a este Tribunal de instância julgar a matéria de facto.
Todavia a redacção de tais normativos não permite a repetição por este Tribunal do julgamento, tal como rejeita a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas as divergências dos recorrentes - cf. neste sentido António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., 2016, Almedina, pág. 124 e entre outros, os Acórdãos do STJ de 9.07.2015, P..405/09.1TMCBR.C1. S1 e de 01.10.2015, P. 6626/09.0TVLSB.L1. S1 in dgsi.pt. e Acórdão do STJ proferido no processo nº 471/10. T1 CSSC.L1. S1 com data de 09.02.2017.
O acolhimento da pretensão da recorrente traduzir-se-ia numa total reapreciação da prova pela 2.ª Instância e a abertura do caminho à admissibilidade de recursos genéricos, o que não foi querido pelo legislador- acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 11 de abril de 2018 e proferido no processo nº 786/16.5T8VRL.G1. S1 consulta de todos in dgsi.pt.
(…) o escrutínio da matéria de facto por parte da Relação é seletivo não se confundindo com uma mais ou menos genérica, abstrata e difusa reapreciação dos factos e das provas- ver acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 18.01.2018 e proferido no processo nº 668/15.3T8FAR.E1: S2 in dgsi.pt
(…) Não apontam em concreto qualquer erro de julgamento, limitando-se a indicar provas – as que vão de encontro à sua pretensão - que avaliam de um certo modo – diferente do que o tribunal efectuou e propondo a seguir, conjuntamente, a alteração das respostas de acordo com a sua versão.
Porém a impugnação da matéria de facto não pode fundar-se na simples discordância sobre a valoração de um meio de prova devendo ter por fundamento um erro de percepção desse meio de prova ou os meios de prova – por ex.: o tribunal, na fundamentação, refere que determinada testemunha afirmou este e aquele facto, e ela não produziu tais afirmações.
Na essência, os recorrentes limitam-se a fazer a sua própria apreciação de parte da prova que apresenta em sentido diferente daquele que foi sufragado pelo Senhor Juiz do Tribunal a quo, pretendendo por esta via impor a sua própria valoração dos factos ao tribunal e atacando a convicção que o julgador for­mou sobre cada um desses depoimentos.
Acontece que não compete a este Tribunal sindicar a credibilidade do Tribunal recorrido.
A credibilidade de um depoimento decorre directamente da imediação, ou seja, do contacto direto com a testemunha na audiência, da forma como a mesma encara e responde às questões que lhe são colocadas, elemento que tem uma clara dimensão subjetiva inerente à apreciação do juiz e que escapa à sindicância do tribunal de recurso, na falta de bases objetivas que lancem a dúvida sobre a razoabilidade da credibilidade inspirada- neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado de 04.04.2018 proferido no processo nº 462/09.0TTBRP.L2.S1 in dgsi.pt
Pelo que pretendendo os recorrentes estribarem a impugnação da decisão da matéria de facto apenas na convicção diversa que formaram sobre a credibilidade de alguns meios de prova, sem que sustentadamente mostrassem que a mesma violou qualquer regra da experiência comum, naturalmente que isso impede que dela se conheça. (…)
Sob pena de se estar a considerar a “livre convicção dos Recorrentes”, em detrimento da “livre convicção do julgador”, é inaceitável que se fundamente o ataque à matéria de facto fornecendo apenas a versão dos factos que se considera mais correta.
Desde logo porque, tratando-se em ambos os casos de “livre convicção”, com o que ela tem de pessoal, incumbiria sempre a mesma pergunta: qual delas seria a mais consentânea com a realidade material?
«Pretende-se que o advogado apresente um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se «impunha» a formação de uma convicção no sentido pretendido pelo recorrente.
Se o não fizer, ainda que de forma deficiente, salvo se o erro na apreciação da prova for ostensivo, o tribunal de recurso não tem uma questão de facto para decidir, ou seja, à argumentação do tribunal recorrido não se opõe qualquer outra argumentação alternativa.» - Acórdão do TRP, de 17.03.2014 (processo 3785/11.5TBVFR.P1, Relator Alberto Ruço)”[15].
“Nos termos do nº1, al. b), recai sobre o apelante o ónus de fundamentar a discordância quanto à decisão de facto proferida, ónus esse que atua numa dupla vertente: cabe-lhe rebater, de forma suficiente e explícita, a apreciação crítica da prova feita no tribunal a quo e tentar demonstrar que tal prova inculca outra versão dos factos que atinga o patamar da probabilidade prevalecente. Deve o recorrente aduzir argumentos no sentido de infirmar diretamente os termos do raciocínio probatório adotado pelo tribunal a quo, evidenciando que o mesmo é injustificado e consubstancia um exercício incorreto da hierarquização dos parâmetros de credibilização dos meios de prova produzidos, ou seja, que é inconsistente”[16].
Assim, e como decidiu o STJ, “O apelante pretendendo que o Tribunal da Relação reaprecie o julgamento da matéria de facto, para dar cabal cumprimento ao preceituado na al. c) do nº1, do art. 640º, do NCPC (2013), deve ser claro e inequívoco, afirmando que os pontos da matéria de facto impugnados deveriam ter as respostas que segundo a sua apreciação deveriam ter tido, indicando-as, de harmonia com as provas que indicou.” e “Tal ónus não se satisfaz expressando o recorrente meras apreciações discordantes do julgamento e juízos de valor críticos, referidos aos depoimentos das testemunhas indicadas”. Mais esclarece “A mera indicação de que certos pontos da matéria de facto, que são indicados, não deveriam ter tido as respostas que tiveram, sem se dizer quais as respostas que numa correta apreciação deviam merecer, não cumpre aquele ónus”[17].
Das conclusões é exigível que, no mínimo, conste, de forma clara, quais os pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, sob pena de rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto. E não observado o ónus primário de indicação da decisão a proferir, a que respeita a al. c) do nº 1 do artigo 640º por parte do recorrente é de rejeitar a reapreciação da decisão de facto[18].
É, pois, pacífico, na Doutrina e na Jurisprudência, que as conclusões, que balizam o âmbito do conhecimento do tribunal ad quem, têm de conter além da indicação de quais os concretos pontos de facto cuja alteração se pretende, o concreto, específico, sentido e termos dessa alteração, “ónus que verdadeiramente permite circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto” (Ac. STJ de 3.03.2016, proc. 861/13.3TTVIS.C1.S1 (Ana Luísa Geraldes)).
Assim, mesmo o “Supremo Tribunal de Justiça continua, de uma forma reiterada, a decidir que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.
São, assim, dois os ónus que, em sede das conclusões do Recurso, impendem sobre o Recorrente que pretende impugnar a matéria de facto.
O primeiro ónus é constituído pela indicação dos pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo Tribunal de Recurso.
O segundo ónus é constituído pela indicação da decisão alternativa que se pretende que o Tribunal de Recurso adopte.
Ora, é patente e manifesto que a Recorrente não cumpriu aqueles ónus, ao não indicar nas conclusões do Recurso, qual era a matéria de facto (provada e não provada) que pretendia, de uma forma especificada, impugnar.
Nessa medida, tem que se entender que a Recorrente, ao não cumprir esse ónus, acabou por não circunscrever o objecto do recurso no que concerne à matéria de facto nos termos exigidos pelo legislador.
Este não cumprimento deste ónus tornaria, assim, impossível a pronúncia do Tribunal sobre essa factualidade, pois que a consequência desse não cumprimento (imposto pela citada al. a), do nº1, do art. 640º, do CPC) é a rejeição da impugnação na parte correspondente – e caso o presente Tribunal se pronunciasse poder-se-ia até entender que incorreria no vício de excesso de pronúncia e, portanto, na nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC como de uma forma precisa se conclui no recente ac. do STJ de . 19.6.2019 (Relator: Helder Almeida) atrás citado”[19].
E a delimitação tem de ser concreta e específica. O recorrente tem de indicar, com clareza e precisão, os meios de prova em que fundamenta a sua impugnação, bem como as concretas razões de censura da decisão impugnada. Tal tem de ser especificado quanto a cada concreto facto. Não pode ser efetuado em termos latos, genéricos e em bloco, sendo “de rejeitar a impugnação da decisão da matéria de facto, se a alusão a determinados meios probatórios bem como ao quadro factual alegado é efetuada de forma genérica, sem que se estabeleça a necessária ligação entre os meios probatórios (ou as circunstâncias processuais mencionadas) e um determinado ou concreto resultado[20].
Analisando as conclusões das alegações das Apelantes, constata-se que as Recorrentes, que impugnam a decisão da matéria de facto, não fazem referência a concretos pontos da matéria de facto que consideram incorretamente julgados indicando, justificadamente, os elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada concreto ponto, de cada concreta e especificada questão e a decisão que devia ter sido proferida quanto a cada concreto facto, procedendo a uma análise critica das provas e indicando a decisão que devia ter sido proferida sobre as concretas questões de facto impugnadas, em obediência às três alíneas do nº1, do referido art. 640º.
Na verdade, e após o que referem no corpo das alegações, formulam as Rés as conclusões supra referidas, que, como se referiu, delimitam o objeto do seu recurso.
E, efetivamente, verifica-se que as recorrentes, embora indiquem especificadamente os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados, que pretendem sejam considerados não provados, não especificam os meios probatórios que determinam/impõem decisão diversa da tomada em Primeira Instância para cada um dos factos impugnados, analisando criticamente as provas no contexto da análise efetuada pela decisão impugnada.
Assim, e na verdade, o referido nas alegações e conclusões da alegação não basta para que se possa considerar cumprido aquele ónus, o que obsta ao conhecimento do objeto de recurso, pois que nesta Segunda Instância não se realiza novo julgamento sendo, tão só, de reapreciar os concretos meios probatórios relativamente aos pontos de facto impugnados. A falta de indicação por parte dos apelantes dos elementos probatórios que conduziriam à alteração de cada um desses pontos nos termos por eles propugnados tem, como consequência, a imediata rejeição do recurso, na parte respeitante aos pontos da matéria de facto relativamente aos quais se verifica a omissão, pois que quanto ao recurso da matéria de facto não existe despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, por aplicação do disposto no nº3, do art. 639º[21].
Acresce que as Recorrentes não fazem, também, qualquer apreciação crítica dos meios de prova produzidos e considerados pelo Tribunal a quo, quanto a cada concreto facto, a justificar o erro de julgamento que invocam, em termos genéricos, tendo de o fazer, pois que só assim cumpririam a exigência de obrigatória especificação imposta pelo nº1, do art. 640º.
E, como se decidiu a Relação de Lisboa “Ao impugnar a decisão de facto, à luz do NCPC, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, expressar o sentido da decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica, de que não poderá demitir-se, dos meios de prova produzidos/invocados – exigência nova de reforço do ónus de alegação e conclusão, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente – sob pena de rejeição da impugnação, por insuficiência ou obscuridade, na parte não fundamentada em exame crítico das provas” e “Tais exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, em decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão de facto se transforme em simples manifestação de inconsequente inconformismo[22].
No mesmo sentido se orienta toda a jurisprudência – v., designadamente Ac. da Relação de Guimarães de 3/3/2016, Processo 283/08 e de 4/2/2016:Processo 283/08.8TBCHV.A.G1, ambos in dgsi.net – onde se refere que “Tal como se impõe, por mor do preceituado no nº4, do art. 607º, do CPC, que o tribunal de 1ª instância faça a análise crítica das provas (de todas as provas que se tenham revelado decisivas) também o recorrente, ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa, deve fundamentar tal pretensão numa análise (crítica) dos meios de prova, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos.
Não cumpre o ónus de impugnação da decisão relativa à matéria de facto a que se refere a al. b), do nº1, do art. 640º, do NCPC, o recorrente que se limita a transcrever uma parte … do depoimento, daí partindo para a formulação da sua pretensão de modificação de diversos pontos da matéria de facto que indicou em bloco”.
E, servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, nelas devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objeto de impugnação (quanto aos demais previstos no art. 640º, é suficiente que constem de forma explícita na motivação do recurso)[23].
Sendo função das conclusões do recurso indicar, embora de forma sintética, os fundamentos porque se pede a alteração (seja de facto seja de direito) da decisão, nelas tem o recorrente, que impugna a matéria de facto, de especificar os concretos factos que entende estarem mal julgados. A aferição deste mau julgamento é a questão colocada à decisão do tribunal de 2ª instância e, como tal, tem de constar das conclusões ou estará fora do objeto do recurso. Já a especificação dos concretos meios de prova que impunham decisão diversa e o cumprimento da exigência indicada na al. a), do nº2, do art. 640º do NCPC têm a sua sede própria no corpo da alegação. Acresce, ainda, que cabe ter em conta, que, quanto ao recurso da decisão da matéria de facto, não existe a possibilidade de despacho de convite ao aperfeiçoamento, sendo este tipo de despacho reservado somente aos recursos em matéria de direito. A falta de especificação nas conclusões dos factos concretos que se consideram mal julgados não dá lugar a despacho de aperfeiçoamento no quadro do nº3, do art. 639º do NCPC[24].
Deste modo, impugnada a matéria de facto pelas Apelantes, verifica-se que não foram inteiramente cumpridos os ónus impostos pelo artº 640º, do C.P.C..
Como bem refere a recorrida, as recorrentes fazem comentários à análise probatória vertida na sentença recorrida em termos genéricos, omitindo o que impõe decisão diversa, que não indicam, concreta e justificadamente,
Refere-se que, na “jurisprudência do Supremo, é notória a prevalência do entendimento no sentido de evitar a exponenciação dos ónus que a lei prevê nesta sede ou fazer deles uma interpretação excessivamente rigorista, a ponto de ser violado o princípio da proporcionalidade e de ser denegada a pretendida reapreciação da matéria de facto, com a invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador”[25], sendo, contudo, de considerar que é “evidente que a previsão destes ónus tem razão de ser, quer para garantia do contraditório, quer para efeito de rigorosa delimitação do objeto do recurso, até porque o sistema consagrado não admite recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto[26] , tendo de se considerar que “o modo como se interpretam as normas sobre recursos não deve alhear-se dos grandes objetivos do processo civil, os quais tutelam no essencial a apreciação do mérito das pretensões”[27], desde que fundadas, justificadas, contextualizadas e devidamente analisadas de modo critico, por forma a evidenciarem impor-se o entendimento apontado.
Ora, na verdade, no caso, havendo clareza na identificação dos pontos de facto impugnados, não é efetuada análise crítica das provas nem análise critica e contextualizada do, sobre elas, decidido, sequer são apontadas respostas que se imponham.
Com efeito, afirmam as apelantes “Compulsada a prova produzida-documental e testemunhal- entende a Recorrente que a mesma impunha a sua absolvição» e «que o Tribunal a quo, considerando os meios probatórios sobreditos, deveria ter dado como não provado os factos constantes dos pontos 20 a 43, 45, 45, 48 da matéria de facto provada», certo sendo que as Recorrentes não especificaram a prova documental, testemunhal ou outra que, no seu entendimento, implicaria que cada um dos factos em questão não resultasse provado, tanto mais que elas próprias referem apenas diligências para reparação de “alguns”, sem qualquer determinação, sem qualquer concretização ou precisão. Não apresentam, pois, especificada análise crítica das provas, por forma a fundamentar erro de julgamento, não indicando o que impõe decisão diversa da dada para cada concreta questão de facto.
Apontam erro de apreciação da prova por parte do Tribunal a quo quanto aos factos que indicam, mas sem fazem a análise crítica da decisão - de acordo com a livre convicção formada pelo julgador e objetivamente revelada -, não apresentando a análise crítica das provas nem indicando decisão que se imponha.
No caso presente, ainda que se conceda que as apelantes, ao impugnarem, tenham cumprido os ónus da alínea a) e c), apesar de fazerem menção, em bloco, aos concretos pontos de facto incorretamente julgados, não satisfizeram as imposições da alíneas b), pois não indicaram os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida. E, na verdade, a lei não se contenta com que o recorrente diga qual a matéria de facto que considera incorretamente julgada, impondo-lhe, além disso, que indique os concretos meios probatórios que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Ora, os recorrentes não mencionam as razões porque foi errada a decisão e porque decisão diversa da tomada se impõe facto por facto.
E fundamentou, de forma detalhada, o Tribunal a quo a sua livre convicção.
Na verdade, para que a decisão da matéria de facto possa ser impugnada necessário é que se especifique e fundamente o que impõe decisão diversa, não bastando mera convicção, opinião ou ato da vontade das recorrentes de aceitar ou não aceitar, não bastando, pois inconformismos ou referências vagas e genéricas, nada podendo a referência a alguns, mencionada nas conclusões da apelação, representar.
Depreende-se a não concordância das apelantes com a decisão proferida, nomeadamente quanto aos factos que referem mas não indicam, nem nas conclusões nem no corpo alegatório e de forma especificada, concreta, expressa, como lhe era imposto, as razões do sentido da decisão a proferir por referência a cada um dos pontos da decisão de facto que pretendem atacar, nada especificando quanto a depoimentos de testemunhas e a prova documental que referem genericamente.
Analisadas as conclusões de recurso bem como o corpo alegatório e no seguimento do que se referiu, constata-se a omissão pelas recorrentes do cumprimento do ónus estatuído na al b), do nº1 do art. 640º, pelo que se impõe rejeitar o recurso da matéria de facto interposto pelas Rés Apelantes, nesta parte.
Assim, por falta de observância integral do disposto nas alíneas b), do nº1, do art. 640º, do CPC, nos termos supra expostos, rejeita-se o recurso, na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto, nenhuma alteração havendo a fazer à decisão da matéria de facto, pois que se não impõe decisão diversa, antes a matéria de facto se mostra devidamente decidida e se mantem.
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2. Do erro da decisão de mérito:
2.1- Da obrigação de reparação dos defeitos
Embora reconhecendo que a reparação sempre é um direito concedido por lei ao comprador de coisa defeituosa, a poder ser exercido logo em primeiro lugar, o que é pacificamente aceite, insurgem-se as recorrentes contra a decisão de mérito, que pretendem ver alterada, desde logo, por, na sequência da procedência da impugnação da decisão da matéria de facto e da sua consequente alteração, não resultarem os defeitos verificados.
Contudo, não existindo qualquer modificação na matéria de facto considerada provada, nenhuma crítica pode ser apontada à decisão de mérito proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, podendo, aqui, manter-se, a fundamentação de direito que aquele Tribunal desenvolveu na sentença que proferiu, onde se considerou verificado que a interveniente acessória procedeu à construção do edifício que está em causa nos autos, mediante um contrato de empreitada celebrado com as Rés, então proprietárias do prédio, que, depois de constituída a propriedade horizontal, procederam à venda das várias frações autónomas que compõem o edifício, radicando a pretensão da Autora nos contratos de compra e venda das várias frações, celebrados entre RR. e condóminos, e na verificação dos apontados defeitos, carecidos de reparação, como demonstrado, surgidos em parte comum do edifício, denunciados as Rés, conforme o que resulta dos factos provados.
E concluem as apelantes não ser admissível à Autora proceder, em administração direta, à eliminação dos defeitos, pois isso seria uma forma de autotutela, não admitida na lei.
Porém, nenhuma pretensão relacionada com a eliminação de defeitos pela própria Autora vem formulada, sendo que o que pedido vem é, tão só, relativo à reparação pelas Rés.
Com efeito, o que vem pedido é o reconhecimento dos defeitos densificados na petição inicial e que as Rés sejam condenadas a repará-los, sendo evidente que, uma vez reconhecida a sua verificação, que provada se encontra, não pode deixar de ser reconhecido o direito que a Autora pretende fazer valer na presente ação, bem fundamentando o Tribunal a quo o direito à reparação, que assiste à Autora, e sempre a invocada causa extintiva do mesmo improcede, como se verá.
Importa, pois, conhecer da outra questão objeto do recurso – a da procedência da exceção da caducidade do direito que a Autora pretende fazer valer, por a ação não ter sido proposta no prazo de um ano subsequente à denúncia e tão somente dela (outra defesa das Rés se mostrando precludida e a este Tribunal, de recurso, vedado está o conhecimento de questões novas, não de conhecimento oficioso).
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2.2- Da caducidade do direito de ação
A integrar matéria de exceção relativamente ao exercício de direitos pelo comprador de coisa defeituosa, encontram-se estatuídos na lei três prazos de caducidade:
i)- o de denúncia dos defeitos;
ii)- o para o exercício de direitos (designadamente o de reparação/eliminação de defeitos);
iii)- o, em que aqueles se têm de conter, referente ao limite máximo da garantia legal[28].
E bem analisa a Relação de Coimbra no referido Acórdão que “se funcionam e se articulam 3 prazos de caducidade – o prazo de denúncia dos defeitos, o prazo para o exercício dos direitos e o chamado limite/prazo máximo da garantia legal – isso também significa que estamos perante 3 possíveis excepções de caducidade, ou seja, o vendedor, quando invoca a caducidade dos direitos do comprador de coisa defeituosa, tem que a reportar ao prazo que considera excedido e se só menciona um prazo como excedido só essa respectiva caducidade pode ser considerada como invocada”, acrescentando “Caducidades que, para poderem ser conhecidas, têm que ser invocadas na contestação (como o exige o princípio da eventualidade ou preclusão, constante do art. 573.º do C. P. Civil), uma vez que (não se estando perante matéria que não está excluída da disponibilidade das partes, cfr. art. 323.º do C. Civil) não podem ser conhecidas oficiosamente”.
Em causa nos autos estão defeitos na central térmica, destinada à produção da água quente sanitária e da água quente para climatização das frações do edifício, parte comum do mesmo (cfr al. d), do nº1, do art. 1421º), provado se encontrando que tal central enferma das patologias discriminadas, que prejudicam o seu funcionamento em termos de satisfação das necessidades de água quente, para uso doméstico e climatização, dos condóminos, peticionando a A. a reparação dos defeitos, o que bem foi determinado.
Na verdade, verificados se encontrando os invocados defeitos e tendo a Autora o direito que se apresentou a exercer - à sua reparação –, analisada da extinção de tal direito, como concluem as apelantes, por ter caducado o direito de ação, dado o decurso do prazo previsto no nº2, do art. 1225.º sem que, dentro do mesmo, a ação, destinada a exercer o direito à reparação dos defeitos, tivesse sido proposta e sem que tivesse havido o reconhecimento, pelas vendedoras, dos defeitos (nos termos do nº2, do art. 331º), verifica-se que assim não aconteceu, bem tendo a exceção sido julgada improcedente.
Analisemos das razões da improcedência da referida exceção e, consequentemente, também, das, atinentes, conclusões da apelação.
Consagra aquele artigo, com a epigrafe “Imóveis destinados a longa duração”, pacificamente o caso dos autos, aplicável não só ao empreiteiro, mas também ao vendedor/construtor (ex vi nº4):
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 1219.º e seguintes, se a empreitada tiver por objecto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente.
2 - A denúncia, em qualquer dos casos, deve ser feita dentro do prazo de um ano e a indemnização deve ser pedida no ano seguinte à denúncia.
3 - Os prazos previstos no número anterior são igualmente aplicáveis ao direito à eliminação dos defeitos, previstos no artigo 1221.º
4 - O disposto nos números anteriores é aplicável ao vendedor de imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado” (negrito nosso).
Com efeito, o referido nº 4 prevê que o vendedor, que tenha construído, reparado ou modificado imóvel de longa duração - o construtor vendedor -, responderá nos mesmos e precisos termos que o empreiteiro responde perante o dono da obra: responde nos termos estatuídos nos nºs 1 a 3, do art. 1225º, tratando este preceito, apenas, “as situações de administração direta do vendedor”, que “será somente aquele que o tenha construído, reparado ou modificado com intervenção direta (Cura Mariano, cit., pp. 184 a 188; e Pedro de Albuquerque e Assis Raimundo, cit, pp. 462 a 464). Isto significa, portanto, não se aplicar este regime ao vendedor profissional que tenha contratado um terceiro para a realização da obra e posterior venda”[29] [30], o caso.
E, na verdade, “Se os Réus mandaram construir o prédio e venderam as frações autónomas com escopo lucrativo a situação faz apelo ao regime legal de defesa dos consumidores a que se referem a Lei nº 24/96, de 31/7 (LDC) e o DL nº 67/2003, de 8/4, não se aplicando à situação o regime de caducidade a que aludem os arts 916º, nº3 e 917º, do CC (regime geral relativo à compra e venda de bens)”[31], como acontece no caso. “Aos contratos de empreitada de consumo aplica-se, para obter a reparação, eliminação ou substituição dos defeitos da obra, a legislação de defesa do consumidor (Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio) e só subsidiariamente o Código Civil”, sendo que “A entrega considera-se feita no momento em que o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos, correspondendo, assim, o dies a quo a partir do qual se conta o início do prazo dos cinco anos à transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos, através da sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra” e “Segundo os arts 5.º, n.º 1 e 5.º - A do Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, o adquirente beneficia de um prazo de cinco anos para o conhecimento da desconformidade do objeto, do prazo de um ano, a contar do conhecimento do defeito, para exercer o direito de denúncia e de um prazo de três anos, subsequente à denúncia, dentro do qual terá de ser instaurada a ação destinada a exercitar o direito à reparação ou eliminação dos defeitos”[32] [33] (negrito e sublinhado nosso), específico regime a que o caso se subsume e que afasta o regime geral, in casu, menos favorável ao consumidor.
Julgou, o Tribunal a quo improcedente a invocada exceção da caducidade, considerando que, sempre, e seja qual for o regime, “é necessário que o comprador denuncie o defeito, que dê dele conhecimento ao vendedor ou ao empreiteiro, para que este possa agir prontamente, eliminando as desconformidades qualitativas da coisa relativamente ao convencionado (arts. 916, 1220 e 1225/2).
A denúncia é uma declaração de vontade unilateral, válida independentemente da forma que revestir (art. 219) e, sendo receptícia, apenas se torna eficaz quando chega ao poder do vendedor ou é por ele conhecida (art. 224/1). A sua falta leva a que o comprador perca todos os direitos decorrentes da prestação defeituosa, com exceção dos que respeitam à indemnização dos danos sequenciais, os quais estão sujeitos ao regime geral da responsabilidade civil (neste sentido, Romano Martinez, Cumprimento…, p. 372). É que a falta de reclamação do credor equivale a uma aceitação da desconformidade.
O ónus da prova da efetivação da denúncia compete ao dono da obra, atenta a sua natureza de condição de exercício dos direitos deste (art. 342/1). Já o ónus da prova do decurso do prazo de denúncia compete ao empreiteiro (art. 343/2), não sendo possível o tribunal conhecer oficiosamente da respetiva exceção de caducidade, uma vez que nos encontramos perante direitos disponíveis (art. 303, aplicável ex vi do art. 333/2).
Se o vendedor reconhecer a existência do defeito, torna-se desnecessária a denúncia, que seria então um ato redundante. É o que resulta do n.º 2 do art. 1220, norma que deve ser aplicada analogicamente ao contrato de compra e venda, conforme entende Romano Martinez (Cumprimento…, p. 374).
No regime da compra e venda, a denúncia deve ser feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa. Os prazos acabados de referir são alargados para um e cinco anos caso a coisa vendida seja um imóvel (art. 916/2 e 3). Na compra e venda de consumo, cujo objeto mediato seja um imóvel, os prazos são também de um e de cinco anos, respetivamente (art. 5.º/1 e 3 do DL n.º 63/2003).[34].
A ação de anulação caduca, diz o art. 917, findo os referidos prazos sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses.
Apesar de a norma aludir apenas à ação de anulação, tendo em conta a unidade do sistema jurídico no que respeita ao contrato de compra e venda, tem sido entendido, quer na doutrina, quer na jurisprudência, que o prazo de seis meses é válido não só para interpor o pedido judicial de anulação do contrato como também para intentar qualquer outra pretensão baseada no cumprimento defeituoso. [Cf., na doutrina, Carvão da Silva, Compra e Venda…, ps. 74 – 75; Carneiro da Frada, “Perturbações Típicas do Contrato de Compra e Venda”, AAVV. Direito das Obrigações (org. de Menezes Cordeiro), Lisboa: AAFDL, 1991, ps. 84 – 85; Pedro Romano Martinez, A Garantia…, p 187, e Cumprimento…, p. 413; Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, II, 4.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 213; Luís Menezes Leitão, Direito das Obrigações, III, 3.ª ed., Coimbra: Almedina, 2005, ps. 125 – 126; na jurisprudência os seguintes arestos: Ac. do STJ de 26.06.1980, BMJ, 298, ps. 300 e ss.; Ac. do STJ de 28.05.1981, BMJ, 307, ps. 216 e ss.; Ac. do STJ de 19.01.1984, BMJ, 333, ps. 433 e ss.; Ac. do STJ de 29.11.1988, BMJ, 381, ps. 690 e ss.; Ac. do STJ de 12.01.1994, processo n.º 084501, www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 4.12.1996, processo n.º 085875, www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 9.03.2006, processo n.º 06B066, www.dgsi.pt; Ac. do STJ de 6.11.2007, processo n.º 07A3440, www.dgsi.pt.] “De facto, escreve Pedro Romano Martinez (Cumprimento…, p. 413), não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando os outros pedidos sujeitos à prescrição geral de 20 anos (art. 309); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as ações derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (art. 916), não parece sustentável que se distingam os prazos para o pedido judicial; por último, se o art. 917 não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos”.
No regime estabelecido pelo art. 1225, a denúncia deve ser feita no prazo de um ano a contar do conhecimento do defeito e dentro de cinco anos após a entrega da coisa. O direito à eliminação dos defeitos deve ser exercido, sob pena de caducidade, no ano seguinte à denúncia (art. 1225/1 a 3).
No caso, conforme dissemos, importa, todavia, atentar no regime do art. 5.º-A/3 do DL n.º 67/2003, de 8.04, norma aditada pelo DL n.º 84/2008, de 21.05, que alarga para três anos o prazo subsequente à denúncia para a propositura da ação”.
Consagra tal artigo, com a epigrafe Prazo para exercício de direitos”:
1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detetado.
3 - Caso o consumidor tenha efetuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data”.
(…)
Bem considerou o Tribunal a quo e, na verdade, a “denúncia tem como objetivo informar o vendedor de que a coisa tem um vício ou uma falta de qualidade. Revela-se, portanto, desnecessária se o comprador tiver conhecimento de que o vendedor sabe do vício ou falta de qualidade da coisa. É o que sucede, nomeadamente, se o vendedor reconhecer a existência do vício ou falta de qualidade (art. 331º, nº2), expressa ou tacitamente, fazendo p. ex. reparações na coisa ou participando a ocorrência à seguradora. Em sede de empreitada defeituosa, o art. 1220º, nº2, também estabelece que “equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro, da existência do defeito”[35].
“O ónus da denúncia dos defeitos ao vendedor de coisa defeituosa resulta de um dever de colaboração entre os contratantes, posto que as condições em que se fazem muitas vendas tornam por vezes impossível ao vendedor estar a par da desconformidade” e “A contagem do prazo para a denúncia apenas se inicia com a tomada de conhecimento suficiente da desconformidade (ou vício), não relevando a mera possibilidade de conhecimento ou o desconhecimento da extensão integral do defeito quando este revista uma natureza eminentemente técnica”[36].
A denúncia, não sujeita a forma especial, podendo ser feita oralmente ao vendedor, tem de fazer referência ao vício ou falta de qualidade invocada pelo comprador, não relevando, pois, para este efeito observações genéricas e vagas sobre o estado da coisa. E o vício ou falta de qualidade que se manifeste depois de uma denúncia de outro vício ou falta de qualidade não se encontra abrangido por ela, devendo o comprador voltar a contactar o vendedor, denunciando o novo vício ou a nova falta de qualidade[37], sendo que o prazo de cinco anos, a que alude o nº3, do art. 916º, conta-se a partir da data da entrega da coisa.
Na ausência de denúncia (e sem reconhecimento do direito), os direitos do comprador caducam. E, sendo de aplicar as regras gerais sobre a caducidade, a terem caducado, necessário se tornaria apreciar da verificação de causa impeditiva da caducidade, nos termos do art. 331º, sendo que, para além da própria prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei ou convenção atribua esse efeito impeditivo – v. nº1 -, em conformidade com o nº2, impede, nos direitos disponíveis, manifestamente o caso, “a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser exercido”.
Assim, se o vendedor admitir o defeito, de forma expressa ou tácita, o prazo de caducidade da ação deixa de correr, podendo o direito ser exercido após o seu termo[38], sendo que o reconhecimento do direito não origina a abertura de novo prazo de caducidade[39], antes a caducidade para definitivamente[40], sendo que, contudo, “impedida a caducidade e estabilizado o direito, não fica, no entanto, o direito imune às regras da prescrição que lhe serão, em princípio, aplicáveis” (Ana Filipa Morais Antunes, 2008:178)[41].
Necessário se torna, contudo, para que releve como causa impeditiva da caducidade, que o reconhecimento:
i) seja realizado pela pessoa contra quem o direito seria exercido (legitimidade para o reconhecimento);
ii) ocorra até ao final do prazo de caducidade, já que posteriormente o direito se encontra extinto, por caducidade[42] (tempo para a sua prática);
iii) seja concreto, claro e inequívoco (características exigíveis ao ato de reconhecimento), que não pode, nunca, ser revestido de declarações vagas, gerais e dubitativas[43] [44].
E, na verdade, “O acto de reconhecimento pelo vendedor, da responsabilidade pela eliminação dos defeitos em imóvel vendido, acompanhando de atuação consentânea com esse mesmo reconhecimento, releva para efeitos de impedimento da caducidade do direito de ação respetivo” sendo que “O comprador pode pedir a condenação no valor da reparação sem ter pedido a eliminação dos defeitos, quando o vendedor (tal como ocorre com o empreiteiro) se encontre numa situação de incumprimento definitivo, quando o obrigado emite declaração de recusa ou em casos de urgência incompatível com a natural demora na resolução do diferendo”[45], não sendo este o caso em que se está meramente a exercer o Direito à reparação, à eliminação dos defeitos.
Cumpre, ainda, referir que o prazo de denúncia se não confunde com o prazo para propositura da ação, tendo, para poder ser conhecidas de ambas as causas de caducidade, que, como vimos, não são de conhecimento oficioso, têm de ser invocadas as duas e, apesar de a letra da lei (cfr. art. 917º) apontar apenas a caducidade da “ação de anulação por simples erro”, o espírito do legislador abarca, também, o exercício dos direitos de reparação, substituição e redução do preço pelo comprador[46], como bem analisou o tribunal a quo.
Ora, apesar de, as Rés, arguirem a caducidade do direito de ação, sustentando que, tendo a ação sido proposta no dia 3 de abril de 2018, logo na assembleia de condóminos realizada no dia 12 de março de 2015, foi feita a denúncia dos defeitos, o que voltou a acontecer nas assembleias seguintes, assim se não pode considerar.
Na verdade, bem entendeu o Tribunal a quo que, por um lado, as declarações ali emitidas pelo administrador do condomínio, a propósito dos problemas sentidos com o funcionamento da central térmica, não tiveram como destinatário o representante legal das Rés, mas um mero representante voluntário, com poderes limitados e circunscritos à participação naquela assembleia, e, por outro, o que aquelas declarações consubstanciam não é mais que uma manifestação de incerteza quanto às causas dos problemas e do estado de funcionamento da central térmica e o pedido para as Rés colaborarem na sua resolução.
E bem sustenta que, perante esse pedido, a representante das Rés transmitiu que as suas representadas estavam a realizar diligências para apurar os problemas, de modo a resolvê-los, colocando a central em pleno funcionamento e na assembleia seguinte, realizada a 13 de outubro de 2015, a mesma deu conhecimento das diligências realizadas pelas Rés e afirmou que os “trabalhos em falta foram inclusivamente já adjudicados à empresa KWH.”, pelo que mesmo que se admitisse configurar aquela declaração do administrador do condomínio “uma denúncia, este comportamento permite concluir, a um tempo, que estava a decorrer uma tentativa de resolução extrajudicial da questão, que constitui causa de suspensão do prazo de caducidade, nos termos previstos no art. 5.º-A/4 do DL n.º 67/2003, e, a outro, que as Rés criaram, por essa forma, na Autora, a expetativa de que assumiriam a sua responsabilidade, desincentivando-a agir judicialmente. Invocar a caducidade nestas circunstâncias constituiria uma violação das cláusulas gerais da boa fé e do abuso do direito, que assim teria de ser paralisado por força do disposto no art. 334 do Código Civil”.
Ora, bem se entendeu que, suscitadas questões e equacionados problemas, só com a peritagem se vieram a determinar os defeitos, posteriormente denunciados. E tendo a peritagem que instruiu a denuncia dos defeitos ficado concluída em outubro de 2017, as cartas para denuncia dos defeitos foram enviadas às promotoras imobiliárias que venderam as frações autónomas, ora Rés/Recorrentes, nesse mesmo mês e, de acordo com o FP 59, a ação, foi instaurada em 03 de abril de 2018, antes, por isso, de concluído sequer um ano.
E, na verdade, como vimos, na realização, antes do final do prazo de caducidade, de obras de reparação pelo construtor/vendedor não pode deixar de se considerar incito o reconhecimento da existência de defeitos, o que até dispensa a denúncia, dado o conhecimento por aquele dos defeitos, sendo esse o termo inicial para o exercício dos direitos.
Como decidiu a Relação de Coimbra no Ac. acima citado “em matéria de “reconhecimento” e do art. 331.º/2 do C. Civil, há que distinguir duas situações/reconhecimentos: o reconhecimento da existência dos defeitos, hipótese em que o dono da obra/empreiteiro está dispensado de os denunciar, contando-se o prazo do exercício dos direitos desde a declaração de reconhecimento dos defeitos; e, coisa diversa, o reconhecimento da existência dos direitos, o qual tem como efeito impedir a caducidade dos direitos, passando o exercício dos direitos reconhecidos a estar sujeito apenas ao prazo de prescrição ordinário”, sendo que “A circunstância do vendedor se ter deslocado à coisa defeituosa e ter procedido à realização (…), vale como reconhecimento da existência de defeitos na coisa/fracção, equivalendo e dispensando a sua denúncia; mas não vale como um reconhecimento de direitos, que tem de ser concreto, preciso, indiscutível, evidente, real e categórico, sem margem de vaguidade ou ambiguidade, de tal modo que torne o direito certo e faça as vezes da sentença”, valendo, contudo a realização de trabalhos pelo vendedor “como termo inicial para o exercício dos direitos, isto é, tendo sido efectuada a denúncia dos defeitos e tendo, na sequência de tal denúncia, sido realizados trabalhos de eliminação de defeitos na coisa/fracção, trabalhos esses sem sucesso, mantendo-se a coisa/fracção defeituosa, o prazo de caducidade em causa conta-se, não desde a data da denúncia dos defeitos, mas sim a partir da data em que tais trabalhos, sem sucesso, de eliminação dos defeitos, foram realizados[47].
Assim, demonstrados os defeitos, como resultou da decisão da matéria de facto, tem a Autora direito à sua reparação, bem tendo a exceção da caducidade do direito de ação sido julgada improcedente por entre a denúncia dos defeitos, até reconhecidos pelas Rés, que assumiram reparações, e a propositura da ação não ter decorrido o específico prazo de três anos, aplicável ao caso, como acima referido.
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Improcedem, por conseguinte, as conclusões da apelação, não ocorrendo a violação de qualquer dos normativos invocados pela apelante, devendo, por isso, a decisão recorrida ser mantida, com condenação das Rés a reparar os defeitos verificados, dada a improcedência da exceção de caducidade do direito da Autora.
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III. DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmam, integralmente, a decisão recorrida.
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Custas pelas apelantes, pois que ficaram vencidas – art. 527º, nº1 e 2, do CPC.

Porto, 10 de maio de 2021
Assinado eletronicamente pelos Juízes Desembargadores
Eugénia Cunha
Fernanda Almeida
António Eleutério
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[1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, págs 155 e seg.
[2] Ac. STJ. de 14/02/2012, Proc. 6823/09.3TBRG.G1.S1, in base de dados da DGSI.
[3] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 4ª Edição, 2017, pag. 153
[4] Ibidem, pág. 153.
[5] Ibidem, pags 155 e seg e 159
[6] Ac. da Relação do Porto de 18/12/2013, Processo 7571/11.4TBMAI.P1.dgsi.Net
[7] Abrantes Geraldes, idem, pags 155-156
[8] Acs. do STJ 12/5/2016: Proc. 324/10.9TTALM..L1.S1 e de 31/5/2016: Proc. 1184/10.5TTMTS.P1:S1, (Relatora: Ana Luísa Geraldes), ambos acessíveis in dgsi.net, onde, em ambos, se considerou: “No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe”, “ Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso” e “O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado”.
[9] Acs. do STJ de 27/10/2016, proc. 110/08.6TTGDM.P2.S1 (Relator: Ribeiro Cardoso) e proc. 3176/11.8TBBCL.G1.S1 (Relator: José Rainho), este onde se decidiu “Omitindo o recorrente o cumprimento do ónus processual fixado na alínea c) do nº 1 do art. 640º do CPCivil, impõe-se a imediata rejeição da impugnação da matéria de facto, não sendo legalmente admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões”, “ A rejeição da impugnação da matéria de facto não está dependente da observância prévia do contraditório no quadro dos art.s 655º e 3º do CPCivil” e “A interpretação dos art.s 639º e 640º do CPCivil no sentido de a rejeição da impugnação da matéria de facto não dever ser precedida de um despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões não viola o art. 20º da Constituição da República Portuguesa”, ambos acessíveis in dgsi.net
[10] Acs. do STJ de 8/2/2018, proc. 8440/14.1T8PRT.P1.S1 (Relatora: Maria da Graça Trigo), onde se entendeu “De acordo com a orientação reiterada do STJ, a verificação do cumprimento do ónus de alegação do art. 640.º do CPC tem de ser realizada com respeito pelos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, dando-se prevalência à dimensão substancial sobre a estritamente formal” e “Tendo a recorrente identificado, no corpo das alegações e nas conclusões, o ponto da matéria de facto que considera incorrectamente julgado, identificando e transcrevendo o depoimento testemunhal que, no seu entender, impõe decisão diversa e retirando-se da leitura das alegações, ainda que de forma menos clara, qual a decisão que deve ser proferida a esse propósito, mostra-se cumprido, à luz da orientação referida em III, o ónus de impugnação previsto no art. 640.º do CPC.” e de 6/6/2018, proc. 1474/16.3T8CLD.C1.S1 (Relator: Ferreira Pinto), onde se decidiu: “Na verificação do cumprimento dos ónus de alegação previstos no artigo 640º do CPC, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade” e “Limitando-se o Recorrente a afirmar, tanto na alegação como nas conclusões, que, face aos concretos meios de prova que indica, “se impunha uma decisão diversa”, relativamente às questões de facto que impugnara, deve o recurso ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto, por não cumprimento do ónus processual fixado na alínea c), do n.º 1, do artigo 640º, do CPC”, ambos acessíveis in dgsi.pt.
[11] Acs. RG de 31/10/2018, proc. 5151/16.7T8GMR-B.G1 e de 23/5/2019, proc.234/15.3T8AVV.G1 (Relator: José Alberto Moreira Dias) , que seguimos.
[12] Ac da RG de 21/9/2017, proc. 8834/12.7TBBRG-A.G1, de 18/12/2017, proc. 4601/13.9TBBRG.G1, de 1/2/2018, proc. 1045/16.4T8BRG.G1 e Acs da RP de 13/1/2020, Proc. 2494/18.9T8VLG.P1 e de 18/11/2019, proc. 1592/13.0TBMTS-A.P1, este in dgsi, onde se decidiu “1-O apelante deve, nos termos do art. 639º, do CPC, apresentar a sua alegação concluindo, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão, por forma a que as conclusões sejam um resumo preciso do que alegou e pretende seja apreciado, delimitando elas o objeto do recurso. 2- Ao impugnar a decisão de facto, cabe ao recorrente, em sede conclusiva, definir o objeto fáctico da impugnação, não podendo deixar de indicar quais os concretos factos que deixa impugnados. As referidas faltas de indicação especificada por parte do apelante, têm, como consequência, a imediata rejeição do recurso”.
[13] Ac. RG de 24/4/2019, proc. 3966/17.8T8GMR.G1(Relator: António Penha).
[14] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, O Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág.770
[15] Ac. RG de 14/3/2019, proc. 491/17.0T8BGC.G1 (Relatora: Maria Purificação Carvalho), in dgsi.pt
[16] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[17] Ac. do STJ proferido em 3/5/2016, Processo 17482/13: Sumários, Maio/2016, p 2
[18] Acs da RP de 27/1/2020, proc. 192/17.0T8BAO.P1 e de 11/5/2020, proc. 4435/17.1T8VNG.P1(Relatora M. Fátima Andrade, que a ora relatora subscreveu como adjunta), este onde se escreve “Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição do mesmo.
Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.
Embora na jurisprudência se encontrem posições mais ou menos exigentes quanto aos elementos que das conclusões devem constar, este é um denominador mínimo comum a todas elas.
Fazendo uma resenha alargada desta temática vide:
- Ac. TRG de 07/04/2016, Relator José Amaral in www.dgsi.pt/jtrg;
- Acs. STJ de 01/10/2015, Relatora Ana Luísa Geraldes, de 22/09/2015, Relator Pinto de Almeida, de 29/10/2015 Relator Lopes do Rego, de 06/12/2016 Relator Garcia Calejo (todos in www.dgsi.pt/jstj );
- Ac. STJ de 27/09/2018 Relator José Sousa Lameira, onde se afirma “Como decorre do artigo 640 supra citado o recorrente não satisfaz o ónus impugnatório quando omite a especificação dos pontos de facto que entende terem sido incorretamente julgados, uma vez que é essa indicação que delimita o objeto do recurso”;
- e mais recentemente, Ac. STJ de 21/03/2019, Relatora Rosa Tching, no qual e após se ter feito uma distinção entre ónus primários e secundários de alegação e concretização para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º do CPC (nos seguintes termos e tal como ali sumariado)
“I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, nº1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto.
E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida.”,
se concluiu, para o efeito convocando os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na aferição do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no artigo 640º no que concerne aos aspetos de ordem formal
“III. (…) enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso.
IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.””.
[19] Acs da RP de 18/11/2019, proc. 796/14.2T8VNG.P2 (Relator: Pedro Damião e Cunha, que subscrevemos como adjunta), onde se refere “Em cumprimento da obrigação de proceder à análise crítica da prova produzida, o Juiz, quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda de liberdade de julgamento garantida pela manutenção da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5 do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos.
IV- Tal como se impõe que o tribunal faça esta análise critica das provas, também o Recorrente ao enunciar os concretos meios de prova que devem conduzir a uma decisão diversa deve seguir semelhante metodologia, não bastando reproduzir um ou outro segmento descontextualizado dos depoimentos, sendo que, quando isso suceda, deve tal conduta processual constituir motivo de rejeição da Impugnação da matéria de facto” e de 18/11/2019, processo151/14.4TBBAO.P1 onde se decidiu “Deve ser rejeitado o recurso genérico da decisão da matéria de facto apresentado pelos Recorrentes quando não se deixa expressa a decisão que, no entender dos mesmos, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
[20] Acs. RG de 9/4/2019, proc. n.º 673/17.5T8PTL.G1 e de 13/6/2019, proc. n.º 12903/17.9YIPRT.G1 (Relator: Paulo Reis), acessíveis in dgsi.pt, onde se refere “tal como resulta do sumário do Ac. STJ de 19-05-2015 (relatora: Maria dos Prazeres Beleza) , «A impugnação da decisão de facto, feita perante a Relação, não se destina a que este tribunal reaprecie global e genericamente a prova valorada em 1.ª instância, razão pela qual se impõe ao recorrente um especial ónus de alegação, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
(…) Não observa tal ónus o recorrente que identifica os pontos de facto que considera mal julgados, mas se limita a indicar os depoimentos prestados e a listar documentos, sem fazer a indispensável referência àqueles pontos de facto, especificando os concretos meios de prova que impunham que cada um desses pontos fosse julgado provado ou não provado»”.
[21] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág. 770
[22] Ac. da Relação de Lisboa de 13/3/2014, Processo 569/12.7TVLSB.L1-6 (Relator: Vitor Amaral), acessível in dgsi.Net
[23] Ac. da Relação de Évora de 3/11/2016, processo 1070/13. dgsi.Net
[24] Acórdão do STJ de 3/5/2016, Processo 145/11, Sumários, Maio/2016, p.3
[25] António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Idem, pág.770
[26] Ibidem, pág 770 e seg
[27] Ibidem, pág 771
[28] Cfr. Ac. da RC de 12/3/2019, proc. 190/15.8T8CNT.C2, in dgsi.pt, onde se decidiu “Em relação às partes comuns, o prazo de 5 anos do chamado limite máximo da garantia legal só se inicia no momento em que os órgãos de administração do condomínio (o administrador e a assembleia de condóminos) passam a estar em condições de poderem exercer os referidos direitos (cfr. art. 329.º do C. Civil), ou seja, a partir da data em que o construtor faz a transmissão dos poderes de administração das partes comuns para os condóminos ou, não se podendo precisar o momento em que tal sucedeu (expressa ou tacitamente), a partir do momento em que os condóminos constituíram a sua estrutura organizativa (reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o administrador).
[29] João Serras de Sousa, em anotação ao artigo 1225º, Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 1524.
[30] Cfr. Ac. do STJ de 5/5/2015, proc. 346/07: Sumários, maio /2015, p. 13, citado in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, abril de 2018, Ediforum, pág. 1140, onde se escreve que “O regime do nº4 do art. 1225º, do CC não é aplicável ao dono da obra que vendeu o imóvel destinado por natureza a longa duração, construído por outrem, no âmbito de uma relação jurídica consubstanciada num contrato de empreitada, pois ele não é “o vendedor do imóvel que o tenha construído, modificado ou reparado”.
[31] Ac. do STJ de 20/5/2014, proc. 492/07: Sumários, 2014, p. 311 citado in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 20ª Edição Actualizada, abril de 2018, Ediforum, pág. 1140,
[32] Ac. do STJ de 31/5/2016, proc. 721/12.5TCFUN.L1.S1, in dgsi.pt
[33] Cfr., ainda, Ac. do STJ de 17/10/2019, proc. 1066/14.1T8PDL.L1.S1, in dgsi.pt, onde se analisa, “I. Visando responder às distorções que o regime civil tradicional encerra em casos de cumprimento defeituoso, foi criada a Lei n.º 24/96 de 31 de Julho (LDC), alterada pelo Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de Abril (que transpôs para a ordem jurídica nacional a Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), cuja primeira alteração decorre do Decreto-Lei n.º 84/2008 de 21 de Maio que reconhece ao consumidor um direito à qualidade dos bens ou serviços destinados ao consumo, direito esse que é objecto de uma garantia contratual injuntivamente imposta, no âmbito da qual “os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, segundo as normas legalmente estabelecidas ou, na falta delas, de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor”, assegurando, inequivocamente, a protecção dos interesses dos consumidores nos contratos de transmissão de bens de consumo. II. As normas contidas na Lei de Defesa dos Consumidores constituem normas especiais relativamente às regras gerais do Código Civil, derrogando estas com as quais se revelem incompatíveis no seu campo de aplicação, que é o da relação de consumo, e como lei especial, deverá prevalecer o seu regime, a menos que a disciplina da venda de coisa defeituosa do Código Civil, se revele mais favorável para o comprador/consumidor.
III. O âmbito de aplicação da garantia contratual de bens de consumo é indicado pelo art.º 1º do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril, cujo n.º 1, refere a hipótese da venda de bens de consumo, tutelando os interesses dos consumidores, tal como definidos pelo art.º 1º-B alínea a), e cujo art.º 1º nº. 2, na republicação do Decreto-Lei nº. 67/2003, de 8 de Abril, em razão do Decreto-Lei nº. 84/2008, de 21 de Maio, determina a sua aplicação “com as necessárias adaptações, aos bens de consumo fornecidos no âmbito de um contrato de empreitada”, sendo esta garantia restrita aos contratos entre aqueles fornecem bens de consumo no exercício de uma actividade económica que visa a obtenção de benefícios e consumidores, pessoas que adquirem bens de consumo com fins não profissionais. IV. Estando em causa a extensão aos bens de consumo no âmbito de um contrato de empreitada impõe-se reconhecer tendo a Ré, enquanto empreiteiro, construído o edifício a solicitação da dona da obra, não interveniente nos autos e que promoveu a venda aos condóminos, representados pelo Condomínio/Autor, no âmbito da sua actividade profissional do ramo imobiliário, desenvolvendo uma actividade económica lucrativa, ter-se-á que admitir que para a aplicação do regime da Lei de Defesa do Consumidor, ao terceiro adquirente, Condomínio, aqui Autor, depende de este, ficcionando-se, poder ser qualificado como consumidor se tivesse sido parte no primeiro contrato. V. A lei estabelece o prazo de denúncia dos defeitos e o prazo para o exercício do direito de eliminação dos defeitos, a par do limite máximo de 5 (cinco) anos da garantia legal, sendo o primeiro, de 1 (um) ano, estando em causa um imóvel destinado a longa duração quanto à empreitada de consumo (art.º 1225.º, n.º 2 do Código Civil e art.º 5º-A, n.º 2 do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/208 de 21 de Maio), sendo o prazo para o exercício do direito de eliminação dos defeitos, na empreitada de consumo, de 3 (três) anos, a contar da denúncia atempada dos defeitos (art.º 5º-A, n.º 3, do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei84/208 de 21 de Maio). VI. No Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei 84/208 de 21 de Maio, os direitos conferidos ao consumidor são independentes uns dos outros, podendo exercê-los livremente, com respeito pelos princípios da boa-fé e dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido (que se traduz, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos), sendo as particularidades do caso concreto que enquadrarão as possibilidades de exercício dos diferentes direitos colocados ao dispor do adquirente consumidor - art.º 4º, n.ºs 1 e 5 do Decreto-Lei 67/2003 de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-Lei84/208 de 21 de Maio - importando reconhecer ao consumidor, no condicionalismo concreto apurado em cada caso, o direito de proceder à realização dos trabalhos que se impõem, por terceiro por ele contratado, assistindo-lhe o direito de indemnização em dinheiro, correspondente ao custo dessas reparações, a satisfazer pelo empreiteiro”.
[34] Estando em causa um condomínio resultante da propriedade horizontal, surgem dificuldades quanto ao momento em que se considera ter ocorrido a entrega, certo como é que a alienação das várias frações é, em regra, realizada em momentos distintos.
Nos acórdãos de 23.09.2003 (processo n.º 03A1955, www.dgsi.pt) e de 19.06.2007 (processo n.º 07A1454, www.dgsi.pt), o STJ entendeu que o prazo máximo de garantia se inicia com a última entrega de fração a condómino adquirente.
Salvo o devido respeito, apesar de admitirmos que a entrega das frações autónomas corresponde também à entrega dos espaços comuns do edifício, entendemos que o direito dos condóminos foge às regras gerais da compropriedade. Como vimos, assume uma configuração própria, em que a vontade dos condóminos não é valorada individualmente, mas sim enquanto membros de uma organização dotada de órgãos próprios que formam e exprimem a vontade coletiva do grupo. Competindo à assembleia de condóminos decidir sobre o exercício dos direitos derivados do incumprimento defeituoso, não releva o momento em que são entregues, a cada um dos condóminos, as diversas frações autónomas, mas sim o momento em que os órgãos do condomínio passam a estar em condições para poderem exercer os referidos direitos.
Decisiva é, portanto, a data em que o promotor fez a transmissão dos poderes de administração das partes comuns aos condóminos, o que só pode ter sucedido quanto estes constituíram a sua estrutura organizativa, reunindo em assembleia de condóminos e elegendo o seu administrador. Neste sentido, vide os Acs. do STJ de 6.06.2002, processo n.º 02B1285, 29.06.2010, processo n.º 12677/03.0TBOER.L1.S1, e 1 de junho de 2010, processo n.º 4854/03.0TBGDM.P1.S1, e os Acs. da RL de 21.04.2005, processo n.º 2667/2005-6, e de 18.01.2011 (processo n.º 9480/09.8TBOER.L1-1), todos disponíveis em www.dgsi.pt. Na doutrina, João Cura Mariano, Responsabilidade…, p. 200 – 201. Não se tendo verificado um ato expresso e datado de transmissão de poderes de administração das partes comuns do promotor para os órgãos de administração do condomínio, deve considerar-se, como data em que tacitamente ocorreu essa transmissão, o dia em que a assembleia de condóminos elegeu o administrador do condomínio. Nessa data ficou operacional a estrutura organizativa encarregada da administração das partes comuns do condomínio, podendo ela exercer os já referidos direitos, iniciando-se, portanto, o prazo de garantia. A propósito, vide o Ac. da RL de 7.04.2011 (processo n.º 121/07.9TBALM.L2-2, disponível em www.dgsi.pt).
[35] Jorge Morais Carvalho, em anotação ao artigo 916º, Ana Prata Coord., Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 1132.
[36] Ac. RP de 25/3/2019, proc. 1159/17.3T8GDM.P1, in dgsi.pt
[37] Ibidem, pág. 1133
[38] Ibidem, pág. 1134
[39] Júlio Gomes, em anotação ao artigo 331º, in Comentário ao Código Civil, Parte Geral, Universidade Católica, pág. 781
[40] Ricardo Bernardes, em anotação ao artigo 331º, Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 403
[41] Júlio Gomes, Idem, pág. 781
[42] Ac. RE de 15/4/1993, BMJ, 426º, 545
[43] Ricardo Bernardes, Idem, pág. 403
[44] Ac. do STJ de 25/11/1998, BMJ, 481º, 430, onde se refere que “O reconhecimento do direito como causa impeditiva da caducidade (art. 331º, nº2, do CC) deve ser expresso, concreto e preciso, de modo a não subsistirem dúvidas sobre a aceitação pelo devedor do direito do credor” e Ac. da RL de 19/5/2005, proc. 4339/2005-6.dgsi.net onde se refere ter o reconhecimento de ser “claro e distinto”.
[45] Ac. RL de 12/3/2009: CJ, 2009, 2º, 72
[46] Jorge Morais Carvalho, em anotação ao artigo 916º, Ana Prata (Coord.), Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, pág. 1134
[47] Ac. da RC de 12/3/2019, proc. 190/15.8T8CNT.C2, in dgsi.pt