I - A competência, material e funcional, dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições do CPP e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária.
II - Adecisão que aplica medidas de garantia patrimonial é recorrível, pelo MP (quaisquer decisões), pelo arguido, assistente e partes civis, relativamente às decisões contra eles proferidas, assim como pelos terceiros visados por medida de garantia patrimonial para defenderem um direito afetado pela decisão.
III - Se a medida for aplicada por um juiz do STJ, que exerce as funções de JI, nas fases de inquérito e instrução, ou pelo juiz do processo na fase subsequente, o conhecimento do recurso cabe a uma das seções criminais (art. 11.º, n.º 4, al. b) e n.º 7, do CPP), e não ao pleno das seções criminais.
IV - As medidas de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz que deve ser fundamentado nos termos do art. 194.º/6, CPP; à fundamentação desse despacho não é aplicável o art. 374.º/2, CPP, nem as regras do processo civil.
V - Formulando o MP o pedido de decretamento dos arrestos depois de deduzida a acusação, os factos, a qualificação jurídica e as provas a levar ao requerimento de aplicação de medida de garantia patrimonial, são os da acusação, com o acrescento dos factos relativos aos pressupostos dos arrestos, para justificar o pedido e possibilitar, caso provados, o subsequente decretamento.
VI - A remissão para «os factos da acusação», não é uma qualquer remissão a granel para um qualquer documento, em que o destinatário terá de adivinhar o que releva, mas uma remissão especificada e direcionada a um conjunto definido, delimitado e estabilizado de factos concretos, concatenados e relevantes num determinado momento processual.
VII - A fundamentação do despacho que aplica uma medida de garantia patrimonial, por remissão para o requerimento do MP, não está vedada por lei, sendo em concreto mais ou menos viável, em face das exigências legais (arts. 97.º e 194.º, do CPP), o conteúdo do requerimento de aplicação e o tipo de decisão em concreto.
VIII - Mas importa afastar qualquer equívoco, é fundamental que ao aplicar uma medida de garantia patrimonial que o juiz o faça por decisão sua e não por se ter deixado “arrastar” pelo requerimento do MP, nesse sentido. É essencial que a decisão surja aos olhos do cidadão, efetivamente, como uma decisão pessoal do juiz. No Estado de direito, as aparências também têm o seu valor.
IX - O cumprimento do dever constitucional de fundamentação não proscreve, em absoluto, a possibilidade de o juiz fundamentar a sua decisão, mediante remissão para a promoção do MP, a cujo conteúdo dá adesão. O TC tem concluído (acs. 223/98, 189/99, 147/2000, 396/2003 e 391/2015), pela não inconstitucionalidade da solução normativa que admite a fundamentação por remissão.
X - Decretado o arresto o requerido pode usar simultaneamente os dois meios de defesa, recurso e oposição.
XI - São pressupostos do confisco/perda alargada:
a) A condenação pela prática de um crime do catálogo (art. 1.º da Lei n.º 5/2002);
b) Que o condenado tenha, ou tenha tido um património;
c) (Património) incongruente com o seu rendimento lícito.
XII - Perante um crime do catálogo e um património incongruente com o rendimento lícito do arguido o legislador presume (uma non-conviction based confiscation) que a diferença entre o valor do património apurado e aquele que é congruente com o rendimento lícito provem de atividade criminosa (art. 7.º, n.º 1, da Lei n.º 5/2002).
XIII - A presunção está, obviamente, arredada da matéria penal e da culpa, pois não é compatível com a presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, da CRP e art. 48.º, da CDFUE, ac. 101/2015, do TC).
XIV - Mas um mero não provado, firmado em matéria penal, não ilide a presunção tendo em vista o confisco. Esse não provado não exclui a presunção legal pois para ser ilidida exige-se a prova em contrário (arts. 349.º e 350.º, CC), prova que não sendo feita tudo se passa como provado para fins de confisco; a presunção só é ilidida se resultar provado o contrário, sublinha-se resultar provado, pois pode resultar de atividade oficiosa do tribunal.
XV - Pressuposto liminar de aplicação de qualquer das medidas cautelares é que não se verifiquem fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.
XVI - São pressupostos ou requisitos do decretamento do arresto tendo em vista o confisco (perda clássica) a verificação cumulativa do a) fumus commissi delicti e o b) periculum in mora (art. 391.º, n.º 1, do CPC, ex vi, art. 228.º, n.º 1). É necessário que o requerente alegue a probabilidade de existência de indícios da prática de crime e o fundado receio de perda da garantia patrimonial do pagamento do valor que venha a ser confiscado/declarado perdido.
XVII - São pressupostos de decretamento do arresto para garantia do confisco do património incongruente, «valor correspondente ao liquidado (apurado) como constituindo vantagem da atividade criminosa» (arts 7.º e 10.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002): (a) o procedimento por um crime do catálogo, (b) «a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais» e (c) «fortes indícios da prática do crime», do catálogo (arts 7.º e 10.º, da Lei n.º 5/2002).
XVIII - Existindo fortes indícios da prática do crime (do catálogo, art. 10.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002), o arresto poder ser decretado independentemente da verificação do periculum in mora.
XIX - No procedimento para decretar o arresto tendo em vista garantir a perda alargada (património incongruente, princípio de taxatividade de crimes art. 1.º, da Lei n.º 5/2002), o MP está liberto da prova do periculum in mora (art. 10.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, e art. 227.º, do CPP), desde que prove os a) fortes indícios da prática de um dos crimes de catálogo e b) os fortes indícios da desconformidade do património do arguido, condição que emerge como um requisito não expresso, mas pressuposto pelo legislador.
XX - O arresto para garantia da perda alargada está ainda sujeito aos princípios aos princípios gerais da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193.º, n.º 1, do CPP).
XXI - Os «fortes indícios da prática do crime», são os mesmos fortes indícios da prática de crime exigidos para a aplicação das medidas de coação mais graves (art. 202.º, n.º 1, 201.º, 200.º, n.º 1, do CPP), sem que qualquer norma exija, quanto às medidas de garantia patrimonial, que o crime seja doloso e por boas razões, dado que o presuposto legal da aplicação das medidas de garantia patrimonial não é a gravidade do crime, mas as necessidades cautelares.
XXII - É válida a inferência de que se verifica o periculum in mora, a justificar o decretamento da providência de arresto, quando há uma desproporção manifesta entre ativo e passivo e este sobreleva aquele.
I.
1. No inquérito n.º 19/16.0YGLSB, em que são arguidos, entre outros, AA, BB, CC e DD, o Ministério Público deduziu contra estes arguidos, acusação pública, pedido de indemnização civil, em representação do Estado Português, e requerimento de arresto preventivo, nos termos do 228.º, n.º 1, do CPP e arresto nos termos do art. 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro.
2. O Ministério Público na acusação deduzida imputa aos mencionados arguidos a prática dos seguintes crimes e pede a aplicação das seguintes penas acessórias:
AA, em concurso real e na forma consumada:
- em coautoria material com EE, CC e FF, na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, agravado, p e p nos art. 373º, nº 1 e 374º-A, nº 2 e 3, por referência aos art. 26º, 202º, al. b) e 386º, nº 1, al. d), todos do C. Penal (corruptor activo, HH).
- na prática de dois crimes de abuso de poder, p e p no art. 382º do C. Penal, por referência ao art. 386º, nº 1, al. d), do mesmo diploma legal, sendo um, cometido em coautoria com EE (art. 26º do C. Penal).
- em coautoria material com BB, na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, agravado, previsto e punido nos artigos 373.º, nº 1 e 374-A, nº 2, do Código Penal por referência aos art. 26º, 202º, al. b) e 386º, nº 1, al. d), todos do C. Penal (corruptor activo GG e FF).
- em coautoria material com II, JJ e KK, na prática de um crime de recebimento indevido de vantagem, previsto e punido nos artigos 26º e 372.º, nº 1 do Código Penal;
- em coautoria material com BB e LL, na prática de um crime de abuso de poder, com plúrimas execuções, previsto e punido pelo disposto nos artigos 26.º, 28.º n.º 1 e 382.º, todos do Código Penal;
- na prática de um crime de usurpação de funções, p e p no art. 358º, nº 1, al. b), do C. Penal (Elaboração de Pareceres e Projetos legislativos);
- em coautoria material com FF um crime de abuso de poder, p e p no art. 382º, por referência ao art. 26º, ambos do C. Penal (Elaboração de Pareceres e Projetos legislativos);
- em coautoria material com FF e NN, na prática de três crimes de falsificação de documento, previstos e punidos pelo disposto nos artigos 26.º, 255.º, alínea a), 256.º, nº 1, alíneas d), e) e nº 3, do Código Penal;
- na prática de três crimes de falsificação de documento, p e p nos artigos. 255º, al. c) e 256º, nº 1, al. f) e nº 3, do C. Penal (passaportes);
- em coautoria material (art. 26º do C. Penal) com BB e FF, na prática de seis crimes de fraude fiscal (anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e de 2017), sendo qualificados nos anos de 2013 e de 2014, p e p nos art. 103º, nº 1, al. a) e 104º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT);
- em coautoria material com BB, FF e MM, na prática de um crime de branqueamento, p e p no art. 368º-A, nº 1 e 2, do C. Penal, com referência ao art. 26º do mesmo diploma legal.
- Pede a condenação na pena acessória prevista no artigo 66º do Código Penal.
BB, em concurso real e na forma consumada:
- em coautoria material com AA e na forma consumada, na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido no estabelecido nos artigos 26.º e 373.º, nº 1, do C. P. agravado pelo art. 374-A, no 2, do Código Penal (GG e FF);
- em coautoria material com os arguidos AA e LL, na prática de um crime de abuso de poder, com plúrimas execuções, previsto e punido pelo disposto nos artigos 26.º, 28.º n.º 1 e 382.º, todos do Código Penal;
- em coautoria material (art. 26º do C. Penal) com AA e FF, na prática de seis crimes de fraude fiscal (anos de 2012, 2013, 2014, 2015, 2016 e de 2017) sendo qualificados nos anos de 2013 e de 2014, p e p nos art. 103º, nº 1, al. a) e 104º, nº 2, al. a), do Regime Geral das Infrações Tributárias;
- em coautoria material com AA, FF e MM, na prática de um crime de branqueamento, p e p no art. 368º-A, nº 1 e 2, do C. Penal, com referência ao art. 26º do mesmo diploma legal.
- Pede a condenação na pena acessória prevista no artigo 66º do Código Penal.
CC, em concurso real e na forma consumada:
- em coautoria material com AA, EE e FF na prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, agravado, p e p no art. 373º, nº 1 e 374º-A, nº 2 e 3, por referência aos art. 26º, 202º, al. b) e 386º, nº 1, al. d), todos do C. Penal (corruptor activo, HH).
Na prática de um crime de abuso de poder, p e p no art. 382º do C. Penal.
Em coautoria material com DD (art. 26º do C. Penal), na prática de:
Um crime de fraude fiscal, p e p no art. 103º, nº 1, al. b), do RGIT (anos de 2012 a 2015);
Uma contraordenação, p e p no art. 119º, nº 1, do RGIT (anos de 2016 e de 2017).
- Pede a condenação na pena acessória prevista no artigo 66º do Código Penal.
DD, em concurso real e na forma consumada:
Em coautoria material (art. 26º do C. Penal) com CC na prática de:
- Um crime de fraude fiscal, p e p no art. 103º, nº 1, al. b), do RGIT (anos de 2012 a 2015).
- Uma contraordenação, p e p no art. 119º, nº 1, do RGIT (anos de 2016 e de 2017).
3. Foi deduzido pedido de indemnização pelo Ministério Público, em representação do Estado Português e Autoridade Tributária e Aduaneira, contra AA, BB, FF, CC e DD. Nesse requerimento foi pedida:
a) A condenação solidária dos arguidos AA, BB e FF no pagamento da quantia de 393.466,57 € (trezentos e noventa e três milhares e quatrocentos e sessenta e seis euros e cinquenta e sete cêntimos) ao Estado Português, acrescida de juros de mora até integral pagamento;
b) A condenação solidária dos arguidos CC e de DD no pagamento da quantia de 81.089,35 € (oitenta e um milhares e oitenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos) ao Estado Português, acrescida de juros de mora até integral pagamento.
4. O Ministério Publico requereu ainda a declaração de património perdido a favor do Estado, em resultado de ser o produto ou vantagem do crime – perda clássica (artigo 110.º/1/b/3/4, CP) e liquidação do património incongruente – perda ampliada, terminando o pedido nos seguintes termos:
Perda Clássica:
Confisco das vantagens em espécie (110.º n.º 1 al. b) e n.º 3 do CP):
(…)
1- CC
a) Numerário
![]() | VALORES | OBS. |
13
Residência de CC | 435,00 €, valor composto por notas com valor facial de € 5,00 – Doc. 26;
590,00 €, valor composto por uma nota de € 200,00, sete de € 50,00 e quatro de € 10,00 – Doc. 28 533,00 USD DOLARES, em numerário – Doc. 30 350,00 €, valor composto por três notas de € 50,00, sete de € 20,00 e seis de € 10,00 – Doc. 31 | Guia de Depósito C.G.D. de 31.01.2018, Moeda estrangeira USD533,00 - Fls. 5129
Auto de Desselagem Moeda €435,00 - Fls. 5130 IGFEJ-DUC:Depósito Autónomo €435,00 - Fls. 5131 a 5133 Auto de Desselagem Moeda €590,00 – Fls. 5134 IGFEJ-DUC: Moeda €590,00 - Fls. 5135 a 5137 Auto de Desselagem Moeda €350,00 – Fls. 5138 IGFEJ-DUC: Moeda €350,00 –Fls. 5139 a 5141 |
Um Relógio de marca ……, acondicionado em caixa de cor verde e respetivo certificado de garantia emitido por T……, SA, com data de 18.12.2013, apreendido na residência de CC. Objeto de Peritagem foi-lhe atribuído o valor de 6.500,00€ à data de 6.11.2018.
2- AA
a) Numerário
![]() | VALORES | OBS. |
16
Residência de AA | 9.600,00 €, valor composto por sete notas de quinhentos euros, dez notas de cem euros, e cento e duas notas de cinquenta euros – Doc. 65 | CGD – depósito de 9.600,00 € - Fls. 4369
IGFEJ - CGD DUC e Auto de Desselagem com registo fotográfico - Fls. 4370 a 4377 |
3- BB
a) Numerário
![]() | VALORES | OBS. |
17
Residência de BB | Um envelope com o manuscrito - Empreiteiro, contendo no seu interior 31notas de 50€, 5 notas de 10€ e duas notas de 5 € - Doc. 33
Dois envelopes e algum dinheiro solto, nos seguintes montantes:16 notas de 20€ e 3 notas de 10€; Um envelope com a inscrição RR com 12 notas de 500€ e 2 notas de 50€; Um envelope com o timbre da L…. com 2 notas de 500€, 1 nota de 200€, 1 nota de 100€, 13 notas de 20€ e 1 nota de 5€; Doc. 34; Num quarto: 2 notas de 500€, 1 nota de 50€, 3 notas de 20€, 1 nota de 10€ e 3 notas de 5€ – Doc. 35. Total de 10.760,00€ | Auto de diligência: CGD – depósito de 10.760,00 € - Fls. 4369
IGFEJ - CGD DUC e Auto de Desselagem com registo fotográfico - Fls. 4370 a 4377 |
(…)
a) em conformidade com os elementos supra discriminados e com os factos descritos na acusação, o M.P. promove se condenem os arguidos AA e BB a pagar ao Estado, solidariamente, o valor global de 1.016.813,24 € (um milhão e dezasseis mil oitocentos e treze euros e vinte e quatro cêntimos), (466.540,74 € + 290.231,46 € + 33.158,84 € + 226.882,20 €), que corresponde à vantagem da atividade criminosa desenvolvida pelos arguidos, e que não foi possível apropriar em espécie, nos termos do artigo 110.º n.º 1 alínea b) e n.º 4, do Código Penal, sem prejuízo dos direitos de terceiros de boa-fé ou de eventuais vítimas e lesados.
Perda Ampliada:
(…)
a) quanto ao arguido AA liquida-se, ao abrigo do disposto no artigo 7.º n.º 1 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, o seguinte valor: (sem prejuízo de eventual atualização nos termos do ponto III que antecede): 201.006,18€ (duzentos e um mil e seis euros e dezoito cêntimos) montante que deverá ser declarado perdido a Favor do Estado, porquanto constitui vantagem de atividade criminosa – cfr. art. 7.º n.º 1 da Lei 5/2002.
b) quanto à arguida BB liquida-se, ao abrigo do disposto no artigo 7.º n.º 1 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, o seguinte valor: (sem prejuízo de eventual atualização nos termos do ponto III que antecede): 93.570,58 € (noventa e três mil quinhentos e setenta euros e cinquenta e oito cêntimos) montante que deverá ser declarado perdido a Favor do Estado, porquanto constitui vantagem de atividade criminosa – cfr. art. 7.º n.º 1 da Lei 5/2002.
c) quanto ao arguido CC liquida-se, ao abrigo do disposto no artigo 7.º n.º 1 da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, o seguinte valor: 133.009,49€ (cento e trinta e três mil e nove euros e quarenta e nove cêntimos) montante que deverá ser declarado perdido a Favor do Estado, porquanto constitui vantagem de atividade criminosa – cfr. art. 7.º n.º 1 da Lei 5/2002.
5. O Ministério Público requereu o arresto preventivo, nos termos do 228.º, n.º 1, do CPP e o arresto nos termos do art. 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, contra os Requeridos AA, BB, CC e DD, com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie, nos termos do artigo 228° do Código de Processo Penal, artigos 110°, n.°s 1 alínea b), n.º 3 e n.º 4, do Código Penal, e nos arts. 391.º a 393.°, do Código de Processo Civil (quanto à perda clássica); e ainda nos termos do disposto nos artigos 7.º n.º 1 e 10.º da Lei 5/2002 (quanto à perda ampliada).
6. Em 10 de Setembro de 2020 foi proferida decisão de arresto, constante de fls. 967 a 991, onde se decidiu (transcrição do dispositivo):
“Termos em que, pelo exposto, defere-se o requerido e se decreta o arresto preventivo (cfr. 228.º do CPP) e o arresto (cfr. artigo 10.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro) dos bens que foram identificados pelo Ministério Público, supra indicados, sem prejuízo de outros que possam eventualmente ser detetados até ao limite do valor que se pretende acautelar, com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie, nos termos do artigo 228° do Código de Processo Penal, artigos 110°, n.°s 1 alínea b), n.º 3 e n.º 4, do Código Penal, e nos art.s 391° a 393°, do Código de Processo Civil (quanto à perda clássica); e ainda nos termos do disposto nos artigos 7.º n.º 1 e 10.º da Lei 5/2002 (quanto à perda ampliada)”.
7. Inconformados, os Requeridos/arguidos AA, BB, CC e DD vieram interpor recurso da decisão que decretou o arresto, para este Supremo Tribunal de Justiça.
AA, apresenta as seguintes conclusões (transcrição):
1. No âmbito dos presentes autos, a 08-09-2020 foi deduzida Acusação Pública contra o Arguido por diversos crimes elencados no corpo do presente, no final da qual o M.P., esgota todos os mecanismos existentes para garantir o pagamento de diversos valores, que se desdobram em: pedido de indemnização civil, no valor de € 393.466,57; perda clássica, confiscando-se as vantagens em espécie no montante de € 9.600,00, e as vantagens pelo valor (solidariamente com a co-arguida BB) de € 1.016.813,24; e perda alargada, no montante de € 201.006,18.
2. Não se lobriga de que forma são contabilizados os diferentes valores, reservando-se o arguido ao direito de, em sede própria, os discutir concretamente, na medida em que existe manifesta duplicação dos montantes referidos no quadro a Fls. 12873 coluna “Contas bancárias”, em confronto com os valores que alegadamente pagou em sede de “Despesas” (ponto 13 da perda clássica na Acusação) e recebeu de “A……” (ponto 15 da perda clássica na Acusação). Estes últimos valores estão repetidos na medida em que consubstanciaram, pelo menos alguns, em determinado momento, movimentos de entradas ou saídas de dinheiro contabilizados em “Contas bancárias”. Mas a falta de rigor na peça que impulsiona o arresto não permite sanar tais questões, por ora.
3. Promove, nesse seguimento, o M.P., o arresto e arresto preventivo, a 08-09-2020, dos bens melhor elencados no ponto introdutório do recurso – contas bancárias (para efeitos de perda clássica e alargada, no montante em que exceda aquela primeira) e bens imóveis (no âmbito da perda clássica).
4. Em 10-09-2020 foi proferido despacho pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, mediante o qual, assente na promoção do Ministério Público (e sem qualquer inovação face a este), ordena os referidos arrestos, sendo esse despacho o objecto do presente recurso.
5. Perscrutadas as diversas páginas do despacho recorrido, lê-se apenas uma série de conclusões – quando não sejam transcrições de jurisprudência, da própria lei, ou da promoção do M.P. -, sem que relativamente às mesmas seja dada a correspectiva fundamentação. Isto é, o Mmo. Juiz Conselheiro a quo substitui o juízo que lhe competia fazer de determinação da existência de fortes indícios e, bem assim, de concretização do que seja o património desconforme, pela avaliação que é feita pelo Ministério Público em sede de requerimento de arresto que, por sua vez, remete para a indiciação da acusação, limitando-se a aderir à mesma, sem nada concretizar relativamente aos pressupostos do arresto preventivo, o que lhe competia.
6. Essas remissões ad nauseam culminam na inexistência da respectiva fundamentação quanto aos factos concretamente imputados ao arguido, à enunciação dos elementos probatórios que o fundamentam, à qualificação jurídica dos factos imputados e, no fundo, à respectiva motivação para aplicação de tal medida, nos termos e para os efeitos conjugados do disposto nos artigos 97.º, n.º 5 e 194.º, n.º 6, ambos do Código de Processo Penal, e 205.º da Constituição da República Portuguesa.
7. Assim, e salvo o devido respeito, não se tem por suficiente a descrição feita no despacho recorrido, razão pela qual expressamente se argui a nulidade do mesmo por manifesta insuficiência de fundamentação, para efeitos do disposto no art. 194.º, n.º 6, tendo por base a violação dos art. 97.º, n.º 5, 228.º e 374.º, n.º 2, C.P.P. 205.º C.R.P., e 10.º da Lei n.º 5/2002.
8. Todavia, não só no vício de falta de fundamentação culmina a ausência de densificação dos factos que estão na base da decisão recorrida.
9. As providências cautelares, onde se inclui o arresto, visam acautelar o efeito útil da acção (art. 2.º, nº 2 C.P.C.), bastando para o seu decretamento que, através de uma summario cognitio, se conclua pela séria probabilidade do direito invocado e pelo fundado receio de que esse direito sofra lesão grave e de difícil reparação decorrente da natural e inevitável demora processual.
10. O Tribunal a quo estriba a necessidade da aplicação desta medida de garantia patrimonial – necessidade que não explica – na acusação. Escreve, copiando o que já constava do requerimento de arresto do M.P., que se verifica o requisito de fumus boni iuris face aos fortes indícios da prática do crime e do valor que obtiveram os arguidos como vantagem, o que resulta da acusação.
11. Ora, a Acusação Pública, no âmbito do processo penal, define o objecto do processo e este integra os factos e incriminação, e será deduzida quando, em fase de inquérito, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o seu agente, considerando-se que os mesmos se traduzem numa probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança (art. 283,º n.º 1 e 2 do C.P.P.).
12. Não resulta do art. 228.º do C.P.P. ou art. 10.º da Lei 5/2002 a aplicação automática ou consequente do arresto quando for deduzida acusação. Antes tem a lei o cuidado referir que a pedido do MP (ou lesado) “pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil” (art. 228.º), e “O arresto é decretado pelo juiz, (…), se existirem fortes indícios da prática do crime.” (art. 10.º da Lei 5/2002).
13. De onde vale por dizer que o requerimento de arresto, a ser decretado, tem de descrever ou articular minimamente os factos concretamente imputados ao arguido, assim como as circunstâncias de tempo e de modo (artigo 194.º n.º 6 do C.P.P.), demonstrando os fortes indícios da prática do crime (artigo 10.º da Lei 5/2002), bem como os factos que tornam provável a existência do crédito e que justificam o receio invocado (artigo 392.º do C.P.C. aplicável ex vi artigo 228.º do C.P.P.).
14. A própria acusação, descrevendo factos relevantes para a imputação de um crime, contendo, somente, o thema probandum e o thema decidendum, enquanto produto de prova indiciária, não pode, por si só, servir de base para o decretamento do arresto por mera remissão – veja-se o Ac. TRC supracitado.
15. O artigo 365.º do C.P.C. dispõe, expressamente, que o requerente “oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão.”, não bastando para o Tribunal a quo escrever que “existem fortes indícios da prática dos enunciados crimes, sustentados pelos elementos probatórios supra indicados.”. Não são indicados quaisquer elementos probatórios “supra”, nem infra!
16. Ou seja, remete-se o Arguido para a Acusação Pública que, in casu, é um documento com mais de 960 páginas, das quais 39 são elementos de prova, não se podendo fazer recair sobre aquele o ónus de adivinhação dos factos imputados na acusação onde assentam os fortes indícios da prática dos crimes que impõem o decretamento de arresto para garantia do pagamento e da prova que o sustenta!
17. Colocamos até a questão a este Tribunal ad quem de que forma apresentaria o Arguido Oposição ao Arresto, nos termos da lei civil, sendo certo que não tem a base de articulado contra a qual se deva insurgir e, nomeadamente, requerer a produção de (contra) prova. Seria um absoluto tiro no escuro, o que condiciona o direito de defesa do Arguido!
18. É o próprio Tribunal a quo que transcreve, na pág. 13 e 15 os arts. 365.º e 392.º C.P.C., dos quais decorre a necessidade de (i) oferecer prova sumária do direito ameaçado e justificar o receio da lesão, e (ii) deduzir os factos que tornem provável a existência do direito, justificando o receio e relacionando os bens que devam ser apreendidos, respectivamente.
19. E pese embora de disponibilize uma tabela dos bens que devem ser apreendidos, apenas quanto à conta bancária D.O. n.º PT…………05 (que nem sequer é titulada ou co-titulada pelo Arguido) se indica o saldo constante da mesma.
20. No que concerne ao arresto preventivo, o n.º 4 do artigo 10.º da Lei 5/2002 remete, em tudo o que não for contrariado por aquela lei, para o regime do arresto preventivo do C.P.P., havendo que preencher os requisitos de: (i) existência de fortes indícios da prática de um dos crimes do catálogo consagrado no artigo 1.º da Lei 5/2002, (ii) fortes indícios de desconformidade do património do arguido, ou seja, o património apurado tem de ser incongruente com o rendimento lícito; (iii) à semelhança das restantes medidas de garantia patrimonial, também o arresto para garantia da perda alargada está sujeito aos princípios da necessidade, adequação, subsidiariedade, precariedade e proporcionalidade.
21. Para apuramento da sobredita desconformidade de património, a lei, no artigo 7.º da Lei n.º 5/2002, estipula uma presunção, referindo que se presume “constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito”. Como é consabido, o regime constante da Lei n.º 5/2002 estabelece, designadamente no art. 7.º, n.º 1, uma presunção iuris tantum da origem ilícita dos bens de pessoas condenadas pela prática dos crimes descritos no art. 1.º, sendo os mesmos confiscados, por se relacionarem com o crime.
22. Todavia, e como acima se referiu, trata-se de uma verdadeira presunção, pela qual determinado facto, desconhecido e não comprovado (in casu, a ilicitude da origem dos rendimentos), é inferido através de outros, esses já conhecidos e demonstrados. Contudo, e pese embora assim se construa a essência da estrutura de uma qualquer presunção iuris tantum, a verdade é que nos encontramos numa fase muito precoce do processo, no qual, reitere-se, ainda não houve participação do aqui Recorrente para justificação dos valores apurados, pelo que, em rigor, o dito património incongruente ainda tem que ser demonstrado. Não nos encontramos numa fase em que, com certeza existem factos – os tais conhecidos e demonstrados – que permitam concluir ou presumir a ilicitude dos bens em questão – como decorre do Acórdão desse STJ de 12-11-2008, processo n.º 08P3180.
23. Se os valores “apenas” se vão discutir no momento da audiência de julgamento ou, num momento prévio, em que os Arguidos sejam chamados a pronunciar-se (p. ex., contestação), não deixa de ser ténue/frágil a tão apelidada certeza na determinação do património desconforme/incongruente.
24. Não raras vezes, em sede de audiência de julgamento – ou até em momento prévio em que o Arguido seja chamado a defender-se –, são justificados valores que, até então, se julgavam ilícitos/incongruentes; ou, no limite, e mesmo que não se justifique o valor por inteiro e que até (sem se conceder) se determine que parte do património é efectivamente de origem ilícita, estaremos sempre a falar de um valor certamente diferente do que até então se tinha por certo.
25. Isto porque convém que não se esqueça que o princípio da presunção de inocência não vale apenas para o momento da condenação, mas outrossim, está presente ao longo de todo o processo criminal.
26. Acresce que, como resulta do n° 1 do art. 392.° do C.P.C., aplicável por força do n° 1 do art. 228.° do C.P.P., o requerente do arresto tem sempre que alegar factos que tornem provável a existência de um crédito e justifiquem o receio da perda da garantia patrimonial, requisitos que são cumulativos.
27. A probabilidade da existência do crédito verifica-se quando se alegue factos que, comprovados, apontem para a aparência da existência desse direito. Nada disto consta da decisão recorrida.
28. Sem que se mostrem preenchidos os requisitos legais, não pode o arresto ser decretado, nos termos do artigo 393.º n.º 1 do Código de Processo Civil, pelo que deverá o presente ser levantado por manifesta ilegalidade, em violação dos artigos artigo 194 n.º 6 do C.P.P., artigo 10.º da Lei 5/2002, artigo 392.º do C.P.C. aplicável ex vi artigo 228.º do CPP.
29. Segundo a doutrina, o critério para a determinação do arresto preventivo é, pois, bastante exigente, ao fazê-lo depender da comprovação de um receio que deverá ser justificado.
30. Ainda que se conceba, sem conceder, que não é exigível a demonstração do periculum in mora no arresto preventivo, há que atender a que tal entendimento apenas vem sendo sufragado quanto ao arresto nos termos do art. 10.º da Lei 5/2002, quando se interprete que nos termos do n.º 2 que apenas é necessário demonstrar o periculum in mora quando o arresto anteceda a liquidação.
31. Na decisão recorrida alude-se a um Acórdão de 02-04-2019 do TRL, segundo o qual “O decretamento do arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos, a saber a probabilidade da existência do crédito e o justo receio da perda da garantia patrimonial”.
32. O M.P. aplica ao arresto preventivo do art. 228.º do C.P.P. a mesma dispensa de demonstração do periculum in mora consagrada na Lei 5/2002, referindo que “as regras da experiência que influenciaram a solução legislativa do artigo 10.º n.º 3 poderão ser integralmente convocadas e decalcadas para o artigo 228.º”. Esta interpretação é contra legem!
33. Mesmo no caso da Lei 5/2002, não podemos olvidar que o valor apurado como incongruente assenta numa presunção, à qual não foi ainda permitido conferir a discussão quanto ao concreto quantitativo, podendo a mesma ser ainda ilidida pelo Arguido. E agora propõe o M.P. lançar ainda mão de uma outra presunção, a da existência do periculum in mora, a propósito do arresto preventivo estribado no artigo 228.º do C.P.P. De fora parece ficar apenas o princípio da presunção da inocência!
34. O justo receio de perda da garantia patrimonial verifica-se sempre que o requerido adopte, ou tenha o propósito de adoptar, conduta (indiciada por factos concretos) relativamente ao seu património que coloque, objectivamente, o titular do crédito a recear ver frustrado o pagamento do mesmo.
35. Não se alcança também, porque é que numa razão de três parágrafos, o Tribunal recorrido (fazendo copy paste do requerimento de Arresto do M.P.) diz que “Por outro lado, entendemos igualmente que se verifica o pressuposto do periculum in mora.” – pág. 22, e diz que “Por outro lado, não será exigível para aplicação do arresto ou arresto preventivo a demonstração do “periculum in mora”. – página 23. Ou seja, até existe, mas não é preciso demonstrá-lo.
36. Não podíamos estar mais em desacordo. Não só não existe, como é preciso demonstrá-lo. E se se procurasse demonstrá-lo, logo se perceberia que não existe…
37. Atendo-nos agora à perda clássica, veja-se que os imóveis arrestados foram adquiridos – segundo as tabelas – nos anos de 1993, 1996 e 1999, ou seja, desde há 27 a 21 anos a esta parte - estava o processo “Operação L……” longe de existir ou sequer ser cogitado, ou mesmo a “Operação R……”.
38. A investigação destes autos remonta a Setembro de 2016 (Fls. 2 dos autos); o Arguido foi constituído nessa qualidade a 30/01/2018, sem que nesse hiato temporal, até ao presente, tenha ocorrido qualquer alteração (aumento ou redução) do património.
39. Relevante é também verificar que os bens foram TODOS adquiridos com recurso a crédito. Mas mais! Os imóveis são adquiridos em data até bastante anterior ao momento até ao qual a investigação recua, se atendermos a que, por exemplo, a Fls. 258, é promovida a quebra do sigilo bancário desde 01-01-2005 (Fls. 258 dos autos). Por isso, não se diga que o “efeito surpresa” beneficia a garantia do Estado, pois de efeito surpresa, este arresto tem muito pouco. Aliás, as buscas realizadas no escritório de FF, a 19 de Abril de 2016 (a Fls. 34), e que foram do conhecimento do Arguido, não importaram qualquer alteração na sua vida, nem sequer no seu património.
40. Não obstante, na decisão que decreta o arresto também não se justifica por quer motivo são arrestados bens que não estão, sequer, em nome do Arguido – sendo mais evidente o imóvel com a descrição predial ……..84, em nome de OO.
41. O M.P. quer acautelar-se porquanto não se tem que esperar que o Arguido pratique o crime de branqueamento de capitais, sendo que o acusa, formalmente, da prática desse crime. Notável é existir ainda um “outro lado”, a somar aos dois que acima referimos, em que novamente se conclui pela existência do periculum in mora.
42. Não se demonstra, e nem sequer se alega, materialmente, que as vantagens são superiores ao valor do património, nem que o visado alienou ou se prepara para alienar uma parcela do património.
43. Não percamos de vista que o Arresto toma em linha de consideração o VPT dos imóveis. Porém, o valor de mercado daqueles é bastante superior ao que se acha espelhado nas cadernetas prediais, sendo facto notório o inflacionamento dos imóveis.
44. Como ressalta à vista de qualquer um, imóveis do tipo descrito nas respectivas cadernetas prediais, como sejam o localizado na Rua …… (……) e nas T…… (…), têm um valor de mercado muito superior, provavelmente perto do dobro (senão mais) do valor apurado em sede de perda clássica.
45. Para além destes dois imóveis, ainda foram arrestados mais dois imóveis, cujos valores de mercado são também muito superiores ao VPT. Ademais, recorde-se que no âmbito da perda clássica foi ainda apreendido o montante de € 9.600,00 que não é sequer referenciado no decretamento do arresto.
46. Vale isto por dizer que a decisão recorrida nem sequer respeita os princípios da proporcionalidade, adequação e necessidade na medida em que arresta bens cujo valor é muito superior – mais do dobro – do que o valor que visa garantir, porquanto a mesma não deverá ser concedida quando o prejuízo dela resultante exceda consideravelmente o dano que se pretende evitar.
47. Ao contrário do que diz o M.P., o património não é inferior ao valor calculado em sede de perda alargada! Veja-se que o montante apurado em sede de perda alargada é de € 201.006,18 e o VPT dos imóveis arrestados ascende a € 670.423,45. E quando se queira dizer que o património arrestado é inferior à soma da perda clássica e da perda alargada, temos muitas reservas em acompanhar tal medida pois, conforme referimos oportunamente, pela própria natureza dos valores, não podem os mesmos ser somados por incidirem sobre a mesma realidade e, conforme se virá a apurar em sede própria, um dos valores pode inclusivamente consumir (partes d)o outro.
48. E o Tribunal recorrido assim acedeu, em manifesta violação dos artigos 228.º do C.P.P. e 391.º e seguintes do CPC.
49. O M.P. emite um juízo de probabilidade de dissipação de património, ignorando inclusivamente que alguns dos bens arrestados estão ainda com hipotecas registadas e em liquidação de crédito bancário. A acrescer a tal facto, os requisitos de preenchimento do periculum in mora são sérios, rigorosos, e exigentes, não bastando existir propriedade para sintomaticamente se concluir pelo risco de dissipação necessário ao decretamento do arresto.
50. O MP acautela o confisco nas suas três vertentes, quando diz que os arguidos podem converter o património, tornando-o não detectável, e “insusceptível de vir a servir o propósito que subjaz à declaração de perda ou ao deferimento do pedido de indemnização civil.” Subrepticiamente verificamos que este arresto não se pretende limitar à perda ampliada ou à clássica, mas ao próprio PIC! Raciocínio que aprofunda mais à frente “Se assim acontecer, reafirma-se, ficará o Estado privado da possibilidade de cobrar os tributos em falta imputados a todos os arguidos – [peticionados em sede de Pedido de Indemnização Civil] -, bem como os valores imputados aos arguidos AA e BB, como consequência da atividade criminosa dos arguidos. [indiscriminadamente apontados como constantes na perda clássica e alargada] Bem como ainda a satisfação de eventuais sanções de natureza pecuniária que poderão resultar da condenação nos autos; como até de condenação em custas que as medidas de garantia patrimonial como o arresto visam neste momento salvaguardar.”
51. Reforçada sai a exigência, in casu, do preenchimento de todos os requisitos legais do arresto.
52. Por fim, uma breve referência ao que é escrito pelo MP a propósito do imóvel arrestado em nome de OO, na medida em que para o arresto ser decretado sobre bens de terceiro, tem de estar indiciado que o requerido do arresto, inicialmente proprietário dos mesmos, os transmitiu para terceiro, a título gratuito ou quase gratuito, para diminuir a garantia dos credores. O referido bem não é arrestado nos termos da Lei 5/2002, não havendo lugar à aplicação das presunções do artigo 7.º.
53. Mas também não se explica em que se estriba o arresto desse bem, em nome de um terceiro, o filho do Arguido e da co-arguida BB, que tinha 18 anos à data da aquisição, dizendo o MP que, fruto da idade, não tinha proventos para pagar o imóvel, pertencendo materialmente aos arguidos. Tal informação faz-nos recuar a 2005, se atendermos a que o filho do casal nasceu a …. de Janeiro de 1987 (Fls. 1945 dos autos), novamente para uma data muitíssimo anterior aos factos. Reforçamos, desde aí que a situação de facto é a mesma, a propriedade sempre se manteve na esfera de OO, não se avançando quaisquer fundamentos para afastar a presunção do registo e prejudicar o terceiro de boa fé, alegando, sem mais, em jeito de conclusão, que o bem materialmente pertence aos arguidos.
54. Assim, violou o Tribunal a quo os artigos 10.º da Lei 5/2002, 228.º do C.P.P. e artigos 391.º, 392.º, 393.º, e 365.º do C.P.C., ao interpretar tais artigos no sentido em que, existindo uma Acusação Pública, o requerente do arresto fica dispensado de alegar os factos nos quais se consubstanciam a probabilidade da existência do crédito, como se os mesmos pudessem resultar, por remissão, da acusação, sem necessidade de os autonomizar e densificar na petição de arresto. Viola tais artigos, também, quando se considera o requerente de arresto dispensado de invocar e justificar do receio de dissipação do património, o qual deverá assentar em indícios concretos. Também não foram relacionados os bens que devem ser apreendidos, com indicação dos respectivos valores, para melhor aferir da sua suficiência ou desproporção para garantir o eventual crédito, esquecendo os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação das medidas de garantia patrimonial, atropelando a presunção da inocência ao levar a eito tudo o que é parcamente invocado pelo MP, sem substrato factual ou probatório. Pois que, quanto a este último, também não são mencionados os elementos probatórios que sustentam qualquer um dos fundamentos que, também esses, ficam por alegar. (…)
Nestes termos e nos melhores de Direito, requer-se desde já a V. Exas. se dignem:
a) Declarar a nulidade do despacho recorrido por manifesta insuficiência de fundamentação, para efeitos do disposto no artigo 194.º, n.º 6, e tendo por base a violação do disposto nos artigos 97.º, n.º 5, 228.º e 374.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Penal, 205.º da Constituição, e 10.º da Lei n.º 5/2002;
b) Declarar a ilegalidade do arresto, por violação dos dispositivos contidos nos artigos 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, e ainda do artigo 228.º do Código de Processo Penal e 391.º e seguintes do Código de Processo Civil;
E, em qualquer caso:
c) Se dignem revogar a decisão de arresto ora colocada em crise.”
BB apresenta as seguintes conclusões (transcrição):
A. O presente recurso tem por objecto o despacho que decretou o arresto preventivo, nos termos do disposto no art.º 228.º do CPP, e o arresto, nos termos do disposto no art.º 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
B. O despacho recorrido é proferido na sequência de promoção apresentada pelo Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça.
C. Com excepção das páginas 24 e 25, o despacho recorrido contém apenas: (i) cópia de trechos da promoção apresentada pelo Ministério Público; (ii) transcrição integral ou parcial de preceitos legais; (iii) transcrição de sumários de arestos de Tribunais superiores.
D. Não consta, do despacho recorrido, qualquer referência a concretos factos que possam sustentar o decretamento das medidas em apreço.
E. Nos termos do disposto no art.º 154.º, n.º 1 do CPC, subsidiariamente aplicável, as decisões judiciais devem ser sempre fundamentadas.
F. Nos termos do disposto no art.º 154.º, n.º 2 do CPC, a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos anteriormente alegados.
G. Não se tratando de questão de manifesta simplicidade e considerando que a Requerida não foi ouvida em momento prévio ao da prolação do despacho recorrido, impunha-se que a fundamentação em que assenta a decisão de decretamento das providências fosse original e autonomamente inteligível.
H. Não sendo admissível que a fundamentação subjacente ao despacho recorrido seja um mero decalque da promoção apresentada pelo Ministério Público, acompanhada de transcrições de preceitos legais e citações de acórdãos.
I. O art.º 194.º, n.º 6 do CPP estatuí, por um lado, o dever de fundamentação – que decorre directamente do comando constitucional vertido no art.º 205.º, n.º 1 da CRP – e, por outro, os requisitos a que deve obedecer tal fundamentação.
J. Do despacho recorrido não consta: (i) a descrição de factos imputados à Requerida; (ii) a enunciação dos elementos probatórios do processo; (iii) a qualificação jurídica dos factos imputados; (iv) a referência aos específicos factos que preenchem os pressupostos da medida em causa.
K. Tais requisitos visam permitir, entre outras coisas, que a Requerida fique concretamente esclarecida quanto à motivação que subjaz à aplicação das providências decretadas.
L. O cumprimento dos requisitos da fundamentação é imprescindível para que a Requerida possa entender a decisão e acionar, querendo, os meios legais de reacção ao seu dispor.
M. Nos termos do disposto no art.º 372.º, n.º 1 do CPC, quando o requerido não tiver sido ouvido antes do decretamento, é-lhe lícito, em alternativa: (i) recorrer, nos termos gerais, do despacho que a decretou, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não devia ter sido deferida; ou (ii) deduzir oposição, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da medida.
N. No caso em apreço, ficou vedada, à Requerida, a opção de deduzir oposição, uma vez que se desconhecem os factos e os meios de prova que foram levados em consideração pelo Venerando Conselheiro a quo.
O. Estando-se em presença de um despacho que, aplicando medidas de garantia patrimonial, incumpre em absoluto os requisitos de fundamentação legalmente exigíveis.
P. Não podendo senão declarar-se judicialmente, nos termos conjugados dos arts. 154.º do CPC e 194.º, n.º 6 do CPP, a nulidade da decisão recorrida, com todas as consequências legais.
Q. Ficaram também por demonstrar os concretos requisitos de que dependeria o decretamento dos arrestos.
R. O arresto preventivo é uma medida de garantia patrimonial que visa acautelar o pagamento da pena pecuniária, das custas do processo ou de qualquer outra dívida para com o Estado relacionada com o crime.
S. Para que seja decretado, faz-se mister que estejam preenchidos os respectivos pressupostos, a saber: (i) a probabilidade da existência de um crédito sobre o requerido; e (ii) o fundado receio que faltem ou diminuam as garantias de pagamento de tal crédito.
T. A probabilidade da existência de um crédito sobre o requerido - in casu, fumus commissi delicti – tem, desde logo, que referir-se a factos concretos, que devem constar discriminadamente do despacho que decreta o arresto preventivo.
U. Não basta, para tanto, uma referência genérica ao despacho de acusação e ao acervo probatório constante dos autos principais.
V. Muito menos no caso dos presentes autos, em que a Requerida não é a única arguida e a acusação não lhe diz respeito apenas a si.
W. Impunha-se que o despacho recorrido elencasse que factos concretos, constantes do despacho de acusação, sustentam a conclusão pela verificação do primeiro requisito.
X. O despacho recorrido limita-se a referir que “há factos concretos indiciados na acusação de que resulta pela avaliação das regras de experiência comum a probabilidade da existência do crédito (…)”.
Y. A Requerida desconhece a que factos se refere o despacho recorrido, sendo que a acusação se estende por 964 páginas, 4956 pontos, contendo factos que não lhe dizem respeito, mas a outros arguidos.
Z. O despacho recorrido é absolutamente omisso no que respeita ao substracto factual que motiva a decisão que veio de se adoptar.
AA. Conclui-se que não se encontra preenchido um dos requisitos de que depende o decretamento do arresto preventivo, pelo que o mesmo não poderá ter lugar no caso vertente.
BB. No que respeita ao segundo requisito - que se prende com o fundado receio que faltem ou diminuam as garantias de pagamento do crédito - - pode ler-se, no despacho recorrido, que “[p]ode haver potencial perigo, de dissipação do património (…)”.
CC. Não se compreende, afinal, se pode haver perigo ou se há perigo.
DD. Não se compreende se tal perigo é potencial ou efectivo.
EE. Nos termos do disposto no art.º 391.º do CPC, o arresto só pode ter lugar quando se verifique um justificado receio de perda de garantia patrimonial do crédito.
FF. Tal justificado receio deve resultar de concretos factos que sustentem esse juízo conclusivo.
GG. O despacho recorrido não esclarece minimamente em que factos se sustenta a conclusão pelo receio de dissipação dos bens.
HH. Nem se compreende como poderia, neste momento processual, justificar-se um qualquer receio de dissipação das garantias do crédito.
II. A Requerida foi constituída arguida nos autos principais em Fevereiro de 2018, tendo sido, aquando do seu interrogatório judicial, confrontada com os factos por cuja prática veio de ser acusada.
JJ. Acaso pretendesse dissipar o seu património, sempre o poderia ter feito no hiato temporal de mais de dois anos que decorreu entre o referido interrogatório judicial e a dedução de despacho de acusação.
KK. A Requerida não dissipou qualquer património no referido espaço temporal.
LL. O contrário também não resulta do despacho recorrido, o que se impunha.
MM. Deve também ter-se por não verificado o requisito do periculum in mora, não se encontrando reunidos os pressupostos de que depende o decretamento do arresto preventivo.
NN. As considerações relativas à inexistência de substracto factual que possa sustentar o despacho recorrido aplicam-se, mutatis mutandis, ao arresto decretado ao abrigo do disposto no art.º 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro.
OO. Não constando, do despacho recorrido, os factos que fundamentariam, por um lado, um fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e, por outro lado, os fortes indícios da prática de pelo menos um dos crimes do catálogo, inexistem condições que permitam à Requerida ilidir a presunção de proveniência ilícita dos bens arrestados.
PP. Deve ainda concluir-se que, à luz do teor do despacho recorrido, o arresto decretado ao abrigo do disposto no art.º 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, é desnecessário, desadequado e desproporcional, violando o disposto no art.º 193.º do CPP.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, determinando-se, em consequência:
A. A nulidade da decisão recorrida, nos termos conjugados dos arts. 154.º do CPC e 194.º, n.º 6 do CPP, com todas as consequências legais.
Subsidiariamente,
B. Caso assim não se entenda, que seja revogado, com efeitos imediatos, o despacho recorrido, como é de justiça!”
CC e DD, apresentam as seguintes conclusões (transcrição):
(A) A douta decisão a quo é nula, por ofensa dos artigos 20.º e 205.º, n.º 1, da CRP, 374.º, n.º 2, do CPP e 607.º, n.ºs 3 e 4 do CPC porquanto não elenca quais os factos concretos indiciariamente dados como provados, não procede à indicação dos meios de prova indiciariamente considerados, tampouco faz a análise critica das provas que fundamentam tal (inexistente) juízo;
(B) O MP imputou ao Recorrente marido a prática do crime de abuso de poder, previsto e punido pelo artigo 382.º do CP e do crime de corrupção passiva para acto ilícito, prevista e punida pelo artigo 373.º do CP, imputando a titulo de “vantagem patrimonial indevida” integrante desse tipo, apenas e tão só a solicitação de bilhetes para dois ou três jogos de futebol [artigos 952 a 956 (fls. 12177) 979, (fls. 12180), 984 a 996 (fls 12181 a 12183), 1556 a 1565 e 1574 (fls. 12.246 a 12248), 1589 (fls 12.250)];
(C) E imputa ao Recorrente marido, e à Recorrente mulher “em co-autoria” a prática de um crime de omissão pura, a saber, o crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1, alínea b), n.º 2 e 3 do RGIT, referindo a folhas 12.711 dos autos (artigos 4694 a 4697), que tal decorre do facto de os rendimentos (pelos quais vem a pedir a perda alargada…) decorrem de rendimentos do trabalho dependente da Recorrente mulher não declarados;
(D) Ou seja, para o MP, como “vantagem indevida” para efeitos de integração do tipo da corrupção, o Recorrente marido teria solicitado bilhetes para o futebol e para integrar o crime de fraude fiscal, o MP sustenta que não foram declarados rendimentos do trabalho dependente da Recorrente mulher; Todavia,
(E) Requereu, e viu-lhe deferido, o arresto em perda alargada, nos termos dos artigos 1.º, 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01, de bens que, a constituírem produto de crime, o seriam apenas e, na sua própria perspectiva do MP, do crime de fraude fiscal, nada tendo a ver com o crime de corrupção;
(F) Pelo que a douta decisão a quo, decretando o arresto de bens como garantia da perda alargada fê-lo ao arrepio dos preceitos indicados na alínea anterior, já que o crime de fraude fiscal não permite tal;
(G) Acresce que, a decisão impugnada, ao decretar o aresto de bens, quer na vertente da perda alargada (Artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01) quer no da perda clássica (artigos 110.º, do CP e 228.º do CPP), violou a lei, por não ponderar nem o fumus boni iuris, nem o periculum in mora;
(H) Quanto ao fumus boni iuris, e sem prejuízo de não ter sido articulado um único facto que o sustentasse, estaria desde logo afastado, no que ao arresto em perda alargada diz respeito, por o crime de fraude fiscal não constar da indicação taxativa do artigo 1.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01;
(I) E, dado que os artigos 20.º, 111.º e 202.º da CRP determinam que a função jurisdicional é reserva exclusiva dos tribunais e, nesse ensejo, o artigo 10.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, de 11/03, determina o decretamento do arresto pelo juiz em caso de fortes indícios da prática de um dos crimes ali previstos, decorre de tais normas estar o mesmo impedido de, nessa análise, se bastar com a invocação da mera dedução de acusação criminal como integrante do fumus boni iuris, dispensando-se de analisar o conteúdo da mesma, embora nesta exclusiva perspectiva;
(J) Ao invés, e até por a providencia de arresto tocar o direito de propriedade, constitucionalmente protegido, impõe-lhe que, forma indiciária e com efeitos restritos ao incidente de arresto, escrutine a existência de factos, provas e razões de direito que, de forma concreta, estribem o fumus boni iuris;
(K) Tal não sucedeu in casu, pelo que a decisão a quo violou tais normas, quer no que diz respeito ao arresto para garantia da perda alargada, quer ao arresto para garantia em perda clássica, neste último caso, porque o artigo 228.º, n.º 1, do CPP (ao invés do artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01, nesta modalidade inaplicável), ao remeter para o artigo 392.º, n.º 1, do CPC, também lhe impunha tal juízo;
(L) Tampouco a decisão a quo avaliou o periculum in mora, que, in casu é, pura e simplesmente (manifestamente) inexistente, já que, sem prejuízo de as “vantagens” que o MP pretende arrestar se traduzirem, segundo ele, em ganhos do trabalho dependente não declarados fiscalmente e, por isso, integrantes do crime de fraude fiscal;
(M) Ambos os Recorrentes são portugueses, não tendo qualquer outra nacionalidade;
(N) Ambos residem e trabalham em Portugal, não tendo qualquer outra actividade profissional ou outra fora do País;
(O) Ambos vivem do seu trabalho (em ponto algum se lhes apontou qualquer tipo de recepção de vantagens criminalmente puníveis que não proviessem, segundo o MP, do trabalho da Recorrente mulher);
(P) Um dos Recorrentes, o Recorrente marido, é funcionário público, sendo os seus rendimentos proporcionados, apenas pelo Estado Português;
(Q) Possuem casa própria na ……. e uma casa ……– não as venderam nem as tentaram vender - antes continuam a pagar o respectivo crédito hipotecário à banca (isto, pese embora tenham sido constituídos arguidos nestes autos há mais de dois anos…);
(R) Não fizeram, nem isso lhes foi imputado, qualquer tipo de tentativa de vender bens, dissipar bens ou ocultar bens;
(S) Prosseguem, em suma, a sua vida normal, de cidadãos pacatos;
(T) Sendo, ademais, que a lei permite ao MP suscitar o incidente de arresto, em qualquer altura se e quando se verificarem os respectivos pressupostos;
(U) De onde, para além de não ponderar o periculum in mora que os artigos 10.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, de 11/01 e 228.º do CPP lhe impõem que pondere, violou a decisão a quo elementares critérios de necessidade, proporcionalidade e adequação, impostos pelo artigo 193.º do CPP;
(V) No que diz respeito ao arresto para garantia de bens em perda clássica, violou, ainda a decisão a quo, os artigos 103.º, n.º 1, alínea b) do RGIT e 22.º do CPP por, relativamente a esta modalidade, não estar ainda verificado o periculum in mora por duas ordens de razões;
(W) O MP acusa ambos os Recorrentes de prática em co-autoria de um crime de omissão pura, previsto e punido pelo artigo 103.º, n.º 1, alínea b) do RGIT, pelo qual foi ordenado o arresto de um imóvel no valor patrimonial de 106.779,68€ para garantir a potencial perda a favor do Estado de 81.089,35€, consubstanciados no valor referente aos impostos a pagar e aos reembolsos obtidos nos anos de 2012 a 2018; Todavia,
(X) Tais quantias - que o MP imputa a rendimentos do trabalho não declarado da Recorrente mulher - não saíram do património da sua empregadora, sendo antes e na verdade doações que seu pai lhe fazia, dentro do espírito de liberalidade comum entre pais e filhos e que não integram rendimentos sujeitos a IRS, nos termos dos artigos 1.º a 12.º-A do CIRS, pelo que não tinham de ser declarados – artigo 57.º, n.º 1, do CIRS;
(Y) Mas, sem prejuízo disso, de o MP nem sequer indicar na acusação quem terá sido o autor material das declarações fiscais onde, em seu entender, deveriam constar os aludidos e supostos rendimentos e de não ter aduzido qualquer facto que integrasse a co-autoria, o domínio do facto enquanto critério de delimitação da autoria criminosa é inaplicável aos crimes de omissão, pelo que os Recorrentes não podiam ser acusados a tal título; Sem prejuízo disso,
(Z) Foi violado o artigo 103.º, n.º 1, alínea b), n.º 2 e 3 porquanto, o conceito de vantagem patrimonial ilegítima, constante do tipo de crime, abrange apenas a prestação tributária em falta;
(AA) E, sendo o crime de fraude fiscal punido apenas quando o montante da mesma ultrapasse os 15.000€, considerada cada declaração fiscal (logo, cada ano) - n.º 3 do artigo 103.º - verifica-se - folhas 12.876 dos autos - que o montante dessa prestação é inferior a tal montante em todos os anos, salvo no de 2015 em que o montante da prestação supostamente em divida é de 16.387,97€;
(BB) Pelo que, considerando o valor patrimonial do bem arrestado e o valor potencialmente aqui em causa, ocorre violação do artigo 193.º do CPP atenta a desproporção entre os mesmos;
Nestes termos e nos melhores de Direito, se requer a V. Exa seja o persente recurso admitido e feito subir à formação competente do Venerando Supremo Tribunal de Justiça, a fim de ali ser julgado, sendo, a final, revogada a decisão que ordenou os arrestos.”
8. Os recursos foram admitidos, na instância recorrida, por despacho de 07-10-2020 [recurso dos Requeridos CC e DD] e em 10-11-2020 [recursos dos Requeridos AA e BB].
9. O Ministério Publico veio apresentar respostas aos recursos interpostos pelos Requeridos.
Na resposta ao recurso interposto pelo Requerido AA, extraem-se as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“(…)
1. Ao contrário do que defende o recorrente, não merece censura a decisão recorrida, devendo pelo contrário considerar-se que se encontra sustentada.
2. Convém ter sempre presente que o arresto preventivo aplicado nos presentes autos visa, exclusivamente, assegurar a eficácia do confisco das vantagens do crime.
3. Quando se fala em vantagens do facto ilícito típico fala-se em benefício ou incremento patrimonial, e não em bens certos e determinados.
4. Por outro lado, o vector axiológico intuitivo, expresso no brocardo que afirma que "o crime nunca é título legítimo de aquisição" não se esgota numa mera semântica metafísica.
5. Tal significa não só que o agente do crime não adquire qualquer direito sobre os bens ou direitos obtidos com a prática do crime e que constituam o seu benefício. Esse incremento patrimonial jamais lhe pertencerá.
6. O confisco pelo Estado representa o único destino legal e legítimo para as vantagens do crime. Até esse momento ideal, as vantagens do crime, diretas, indiretas, pelo valor, sucedâneo, e respetivos juros, lucros e demais acréscimos, sempre que apurados, são apenas e só isso mesmo: um património ilícito.
7. O legislador nacional estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, que com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos.
8. O despacho recorrido mais não fez que seguir de forma sustentada e dogmaticamente irrepreensível o critério legalmente estabelecido que determina a obrigatoriedade de, nesse condicionalismo, substituir a perda das vantagens geradas com crime pelo pagamento ao Estado do respetivo valor no âmbito da perda clássica.
9. O confisco das vantagens do crime cede apenas perante necessidade de observância dos critérios de proporcionalidade, em sentido amplo, e pela proteção dos "terceiros" de "boa-fé" tal como enunciada no regime previsto para a efetivação das medidas ablativas.
10. O confisco das vantagens não se resume aos objetos diretamente adquiridos com a prática do crime, ou com os respetivos sucedâneos bem como os juros lucros e demais acréscimos, uma vez que no presente caso, quer na perda clássica, quer na perda alargada, estão em causa essencialmente valores que potencialmente serão declarados perdidos a favor do Estado - trata-se do confisco das vantagens pelo valor,
11. Como diz a nossa lei «se a recompensa, os direitos, as coisas ou as vantagens ... não puderem ser apropriadas em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor» (art. 110.°, n.° 4, do CP).
12. As instâncias formais de controlo não podem ficar reféns da possibilidade ou impossibilidade de encontrar a própria coisa e, por isso mesmo, devem poder apreender bens de valor equivalente à vantagem inicial.
13. O ordenamento jurídico nacional, fortemente influenciado pelas soluções normativas europeias, designadamente pela Diretiva 2014/42/EU, impõe o confisco das vantagens pelo respetivo valor, e para o assegurar admite-se que sejam arrestados bens que integram o património lícito, estejam na posse do visado ou na esfera patrimonial de um terceiro por aquele controlado.
14. A generalidade das convenções e dos fóruns internacionais recomenda intensamente a adoção do confisco como eficaz instrumento de luta contra o crime, bem como das medidas cautelares necessárias à sua concretização;
15. A remissão para o processo civil no âmbito do arresto preventivo é apenas para as respetivas formalidades e não para o tipo de direitos que se pode fazer valer;
16. Não está em causa uma mera providência processual civil enxertada no processo penal, mas uma medida de garantia patrimonial que se aproxima das medidas de coação tendo na base o ius imperium estadual, nomeadamente a necessidade de demonstrar que o crime não é uma forma legítima de aquisição processual;
17. Por outro lado, entendemos que nenhuma das situações indicadas pelo recorrente integra qualquer nulidade. Na verdade, as situações que foram invocadas como causa dessas nulidades não apresentam qualquer desvio ao formalismo legalmente estabelecido.
18. Das diligências de inquérito realizadas e que conduziram à acusação concluiu-se como fortemente indiciada a prática dos crimes constantes da respetiva qualificação jurídica, bem como da obtenção de benefícios patrimoniais deles resultantes, que deverão ser declarados perdidos a favor do Estado, quer no âmbito da perda clássica, quer no âmbito da perda alargada;
19. O ordenamento jurídico nacional impõe o confisco de bens que estejam na disponibilidade/titularidade do arguido e mesmo de terceiros.
20. Nomeadamente, como no caso concreto, pertencem materialmente aos arguidos que suportam os encargos e despesas com o imóvel.
21. Não está em causa nos presentes autos qualquer providência cautelar de arresto civil, mas antes, inequivocamente, a aplicação de uma medida de garantia patrimonial, desde logo, a aplicação de arresto preventivo, tal como previsto no artigo 228.° do CPP e de arresto previsto no artigo 10.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
22. A esta medida, insiste-se, aplicam-se as regras do Código de Processo Penal, enquanto regime adjetivo, encontrando-se o respetivo regime substantivo previsto, integralmente, no Código Penal, cfr. artigo 109.° a 112.°, e no artigo 7.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
23. A decisão recorrida e a promoção do Ministério Público enunciam, especificadamente, quer a factualidade que a sustenta quer os elementos de prova que sustentam cada um dos segmentos factuais invocados, ainda mais quando a mesma é proferida após a dedução de acusação.
24. O direito ao "conhecimento" está nesta parte, plenamente respeitado.
25. Ora, concatenando a decisão colocada em crise pelo recorrente, constata-se que, na mesma, o M.mo juiz Conselheiro enuncia clara e expressamente os factos que considera indiciados, assim como os elementos de prova que os sustentam, explicitando, ainda, as razões de direito que sustentam a decisão de decretamento de arresto preventivo que tomou.
26. Neste contexto, não se vislumbra estar-se perante o invocado incumprimento do dever de fundamentação que determine a suscitada nulidade, em qualquer das modalidades supra enunciadas nesta resposta, ou seja, quer numa perspetiva formal, quer numa perspetiva substantiva.
27. A decisão judicial, pela forma descrita, expõe as razões de facto e de direito que conduziram à decisão tomada, ora colocada em crise.
28. A decisão recorrida não violou as normas jurídicas relativas à aplicação do arresto preventivo, ou o regime substantivo relativo ao confisco das vantagens do facto ilícito típico, em qualquer das modalidades substantivas em que foi promovido.
29.O fumus boni iuris concretiza-se no âmbito do arresto preventivo por referência ao Fumus Commissi Delicti, que se encontra nessa medida devidamente demonstrado.
30. No âmbito do arresto preventivo para garantia do confisco das vantagens do crime, não se exige a existência de receio de dissipação da garantia patrimonial.
31. Ainda assim, no presente caso verifica-se a existência de periculum in mora, desde logo porque este pressuposto existe sempre que as garantias faltem (cfr, artigo 227.° n.° 1) nomeadamente porque o valor a acautelar é superior ao valor do património que poderá ser arrestado.
32. Por outro lado, independentemente do regime anacrónico que foi imposto ao artigo 10.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, pela Lei 30/2017, de 30 de Março, sempre dele se poderá extrair, do conjunto dos n.°s 2 e 3, que após a acusação se dispensa a demonstração do periculum in mora.
33. Nestes casos estará então automaticamente demonstrado o periculum in mora e consequentemente legitimado o decretamento do arresto.
34. A demonstração da diminuição das garantias de pagamento do valor das vantagens do crime, seja por falta imputável ou não ao proprietário dos bens em causa, constitui apenas um dos fundamentos que podem ser invocados no momento de avaliar a existência do fundado receio, não sendo o modo exclusivo ou sequer o principal de o demonstrar;
35. Não foram violadas quaisquer normas jurídicas, designadamente os artigos 228.°, 97.°, n.° 5, 194.°, n.° 6 e 374.°, n.° 2, do CPP, 10.° da Lei 5/2002 ou 205.° da CRP. Pelo exposto, o presente recurso não merece provimento, devendo a decisão recorrida ser mantida, nos seus precisos termos.
Na resposta ao recurso interposto pela Requerida BB, extraem-se as seguintes conclusões, que se transcrevem:
(…)
1. Ao contrário do que defende a recorrente, não merece censura a decisão recorrida, devendo pelo contrário considerar-se que se encontra sustentada.
2. Convém ter sempre presente que o arresto preventivo aplicado nos presentes autos visa, exclusivamente, assegurar a eficácia do confisco das vantagens do crime.
3. Quando se fala em vantagens do facto ilícito típico fala-se em benefício ou incremento patrimonial, e não em bens certos e determinados.
4. Por outro lado, o vector axiológico intuitivo, expresso no brocardo que afirma que "o crime nunca é título legítimo de aquisição", não se esgota numa mera semântica metafísica.
5. Tal significa não só que o agente do crime não adquire qualquer direito sobre os bens ou direitos obtidos com a prática do crime e que constituam o seu benefício. Esse incremento patrimonial jamais lhe pertencerá.
6. O confisco pelo Estado representa o único destino legal e legítimo para as vantagens do crime. Até esse momento ideal, as vantagens do crime, diretas, indiretas, pelo valor, sucedâneo, e respetivos juros, lucros e demais acréscimos, sempre que apurados, são apenas e só isso mesmo: um património ilícito.
7. O legislador nacional estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, que com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos.
8. O despacho recorrido mais não fez que seguir de forma sustentada e dogmaticamente irrepreensível o critério legalmente estabelecido que determina a obrigatoriedade de, nesse condicionalismo, substituir a perda das vantagens geradas com crime pelo pagamento ao Estado do respetivo valor no âmbito da perda clássica.
9. O confisco das vantagens do crime cede apenas perante necessidade de observância dos critérios de proporcionalidade, em sentido amplo, e pela proteção dos "terceiros" de "boa-fé" tal como enunciada no regime previsto para a efetivação das medidas ablativas.
10. O confisco das vantagens não se resume aos objetos diretamente adquiridos com a prática do crime, ou com os respetivos sucedâneos bem como os juros lucros e demais acréscimos, uma vez que no presente caso, quer na perda clássica, quer na perda alargada, estão em causa essencialmente valores que potencialmente serão declarados perdidos a favor do Estado.
11. Como diz a nossa lei «se a recompensa, os direitos, as coisas ou as vantagens ... não puderem ser apropriadas em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor» (art. 110.°, n.° 4, do CP).
12. As instâncias formais de controlo não podem ficar reféns da possibilidade ou impossibilidade de encontrar a própria coisa e, por isso mesmo, devem poder apreender bens de valor equivalente à vantagem inicial.
13. A generalidade das convenções e dos fóruns internacionais recomenda intensamente a adoção do confisco como eficaz instrumento de luta contra o crime, bem como das medidas cautelares necessárias à sua concretização;
14. A remissão para o processo civil no âmbito do arresto preventivo é apenas para as respetivas formalidades e não para o tipo de direitos que se pode fazer valer;
15. Não está em causa uma mera providência processual civil enxertada no processo penal, mas uma medida de garantia patrimonial que se aproxima das medidas de coação tendo na base o ius imperium estadual, nomeadamente a necessidade de demonstrar que o crime não é uma forma legítima de aquisição processual.
16. Por outro lado, entendemos que nenhuma das situações indicadas pelo recorrente integra qualquer nulidade. Na verdade, as situações que foram invocadas como causa dessas nulidades não apresentam qualquer desvio ao formalismo legalmente estabelecido.
17. Das diligências de inquérito realizadas e que conduziram à acusação concluiu-se como fortemente indiciada a prática dos crimes constantes da respetiva qualificação jurídica, bem como da obtenção de benefícios patrimoniais deles resultantes, que deverão ser declarados perdidos a favor do Estado, quer no âmbito da perda clássica, quer no âmbito da perda alargada;
18. O ordenamento jurídico nacional impõe o confisco de bens que estejam na disponibilidade/titularidade do arguido e mesmo de terceiros.
19. Não está em causa nos presentes autos qualquer providência cautelar de arresto civil, mas antes, inequivocamente, a aplicação de uma medida de garantia patrimonial, desde logo, a aplicação de arresto preventivo, tal como previsto no artigo 228.° do CPP e de arresto previsto no artigo 10.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
20. A esta medida, insiste-se, aplicam-se as regras do Código de Processo Penal, enquanto regime adjetivo, encontrando-se o respetivo regime substantivo previsto, integralmente, no Código Penal, cfr. artigo 109.° a 112.°, e no artigo 7.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
21. A decisão recorrida e a promoção do Ministério Público enunciam, especificadamente, quer a factualidade que a sustenta quer os elementos de prova que sustentam cada um dos segmentos factuais invocados, ainda mais quando a mesma é proferida após a dedução de acusação.
22. O direito ao "conhecimento" está nesta parte, plenamente respeitado.
23. Ora, concatenando a decisão colocada em crise pela recorrente, constata-se que, na mesma, o M.mo juiz Conselheiro enuncia clara e expressamente os factos que considera indiciados, assim como os elementos de prova que os sustentam, explicitando, ainda, as razões de direito que sustentam a decisão de decretamento de arresto preventivo que tomou.
24. Neste contexto, não se vislumbra estar-se perante o invocado incumprimento do dever de fundamentação que determine a suscitada nulidade, em qualquer das modalidades supra enunciadas nesta resposta, ou seja, quer numa perspetiva formal, quer numa perspetiva substantiva.
25. A decisão judicial, pela forma descrita, expõe as razões de facto e de direito que conduziram à decisão tomada, ora colocada em crise.
26. A decisão recorrida não violou as normas jurídicas relativas à aplicação do arresto preventivo, ou o regime substantivo relativo ao confisco das vantagens do facto ilícito típico, em qualquer das modalidades substantivas em que foi promovido.
27. O fumus boni iuris concretiza-se no âmbito do arresto preventivo por referência ao Fumus Commissi Delicti, que se encontra nessa medida devidamente demonstrado.
28. No âmbito do arresto preventivo para garantia do confisco das vantagens do crime, não se exige a existência de receio de dissipação da garantia patrimonial.
29. Ainda assim, no presente caso verifica-se a existência de periculum in mora, desde logo porque este pressuposto existe sempre que as garantias faltem (cfr. artigo 227.° n.° 1) nomeadamente porque o valor a acautelar é superior ao valor do património que poderá ser arrestado.
30. Por outro lado, independentemente do regime anacrónico que foi imposto ao artigo 10.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, pela Lei 30/2017, de 30 de Março, sempre dele se poderá extrair, do conjunto dos n.°s 2 e 3, que após a acusação se dispensa a demonstração do periculum in mora.
30. Nestes casos estará então automaticamente demonstrado o periculum in mora e consequentemente legitimado o decretamento do arresto.
31. A demonstração da diminuição das garantias de pagamento do valor das vantagens do crime, seja por falta imputável ou não ao proprietário dos bens em causa, constitui apenas um dos fundamentos que podem ser invocados no momento de avaliar a existência do fundado receio, não sendo o modo exclusivo ou sequer o principal de o demonstrar;
32. Não foram violadas quaisquer normas jurídicas, designadamente os artigos 228.° e 194.°, n.° 6, do CPP ou 154.° do CPC, nem o artigo 32.° ou 205.° da CRP. Pelo exposto, o presente recurso não merece provimento, devendo a decisão recorrida ser mantida, nos seus precisos termos”
Na resposta ao recurso interposto pelos Requeridos CC e DD extraem-se as seguintes conclusões, que se transcrevem:
“(…)
1. Ao contrário do que defendem os recorrentes, não merece censura a decisão recorrida, devendo pelo contrário considerar-se que se encontra sustentada.
2. Convém ter sempre presente que o arresto preventivo aplicado nos presentes autos visa, exclusivamente, assegurar a eficácia do confisco das vantagens do crime.
3. Quando se fala em vantagens do facto ilícito típico fala-se em benefício ou incremento patrimonial, e não em bens certos e determinados.
4. Por outro lado, o vector axiológico intuitivo, expresso no brocardo que afirma que "o crime nunca é título legítimo de aquisição" não se esgota numa mera semântica metafísica.
5. Tal significa não só que o agente do crime não adquire qualquer direito sobre os bens ou direitos obtidos com a prática do crime e que constituam o seu benefício. Esse incremento patrimonial jamais lhe pertencerá.
7. O confisco pelo Estado representa o único destino legal e legítimo para as vantagens do crime. Até esse momento ideal, as vantagens do crime, diretas, indiretas, pelo valor, sucedâneo, e respetivos juros, lucros e demais acréscimos, sempre que apurados, são apenas e só isso mesmo: um património ilícito.
8. O legislador nacional estabeleceu o confisco das vantagens como uma medida obrigatória, subtraída a qualquer critério de oportunidade, e que ocorrerá sempre, por imperativo legal, que com a prática do crime tenham sido gerados benefícios económicos.
9. O despacho recorrido mais não fez que seguir de forma sustentada e dogmaticamente irrepreensível o critério legalmente estabelecido que determina a obrigatoriedade de, nesse condicionalismo, substituir a perda das vantagens geradas com crime pelo pagamento ao Estado do respetivo valor no âmbito da perda clássica.
10. O confisco das vantagens do crime cede apenas perante necessidade de observância dos critérios de proporcionalidade, em sentido amplo, e pela proteção dos "terceiros" de "boa-fé" tal como enunciada no regime previsto para a efetivação das medidas ablativas.
11. O confisco das vantagens não se resume aos objetos diretamente adquiridos com a prática do crime, ou com os respetivos sucedâneos bem como os juros, lucros e demais acréscimos, uma vez que no presente caso, quer na perda clássica, quer na perda alargada, estão em causa essencialmente valores que potencialmente serão declarados perdidos a favor do Estado - trata-se do confisco das vantagens pelo valor.
12. Como diz a nossa lei «se a recompensa, os direitos, as coisas ou as vantagens ... não puderem ser apropriadas em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor» (art.° 110.°, n.° 4, do CP).
13. As instâncias formais de controlo não podem ficar reféns da possibilidade ou impossibilidade de encontrar a própria coisa e, por isso mesmo, devem poder apreender bens de valor equivalente à vantagem inicial.
14. O ordenamento jurídico nacional, fortemente influenciado pelas soluções normativas europeias, designadamente pela Diretiva 2014/42/EU, impõe o confisco das vantagens pelo respetivo valor, e para o assegurar admite-se que sejam arrestados bens que integram o património lícito, estejam na posse do visado ou na esfera patrimonial de um terceiro por aquele controlado.
15. A generalidade das convenções e dos fóruns internacionais recomenda intensamente a adoção do confisco como eficaz instrumento de luta contra o crime, bem como das medidas cautelares necessárias à sua concretização;
16. Para além da perda clássica, existe em Portugal, desde a entrada em vigor da Lei n.° 5/2002, de 11 de Janeiro, um mecanismo de confisco ampliado, ou seja, uma modalidade de confisco que, estendendo-se, ampliando-se, ou, se preferirmos, «alargando-se» para além das fronteiras do universo em que se move o mecanismo da perda clássica, permite o confisco de outros bens ou valores cuja vinculação ou conexão com o facto ilícito típico investigado não é possível demonstrar.
17. Para aplicação do mecanismo de perda ampliada previsto na Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, é por isso irrelevante que o crime de catálogo tenha gerado vantagens confiscáveis, uma vez que o valor declarado perdido no âmbito da perda ampliada é o valor da incongruência patrimonial, e não o valor das vantagens geradas por qualquer dos crimes investigados e pelos quais os arguidos foram condenados.
18. Para garantia do pagamento do valor das vantagens, quer na perda clássica quer na perda ampliada, aplicam-se os arrestos previstos para os respetivos regimes.
18. A remissão para o processo civil no âmbito do arresto preventivo é apenas para as respetivas formalidades e não para o tipo de direitos que se pode fazer valer;
19. Não está em causa uma mera providência processual civil enxertada no processo penal, mas uma medida de garantia patrimonial que se aproxima das medidas de coação tendo na base o ius imperium estadual, nomeadamente a necessidade de demonstrar que o crime não é uma forma legítima de aquisição processual;
20. Por outro lado, entendemos que nenhuma das situações indicadas pelos recorrentes integra qualquer nulidade. Na verdade, as situações que foram invocadas como causa dessas nulidades não apresentam qualquer desvio ao formalismo legalmente estabelecido.
21. Das diligências de inquérito realizadas e que conduziram à acusação concluiu-se como fortemente indiciada a prática dos crimes constantes da respetiva qualificação jurídica, bem como da obtenção de benefícios patrimoniais deles resultantes, que deverão ser declarados perdidos a favor do Estado, quer no âmbito da perda clássica, quer no âmbito da perda alargada;
22. O ordenamento jurídico nacional impõe o confisco de bens que estejam na disponibilidade/titularidade do arguido e mesmo de terceiros.
23. Não está em causa nos presentes autos qualquer providência cautelar de
arresto civil, mas antes, inequivocamente, a aplicação de uma medida de garantia
patrimonial, desde logo, a aplicação de arresto preventivo, tal como previsto no artigo
228.° do CPP e de arresto previsto no artigo 10.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
24. A esta medida, insiste-se, aplicam-se as regras do Código de Processo Penal, enquanto regime adjetivo, encontrando-se o respetivo regime substantivo previsto, integralmente, no Código Penal, cfr. artigo 109.° a 112.°, e no artigo 7.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro.
25. A decisão recorrida e a promoção do Ministério Público enunciam, especificadamente, quer a factualidade que a sustenta quer os elementos de prova que sustentam cada um dos segmentos factuais invocados, ainda mais quando a mesma é proferida após a dedução de acusação.
26. O direito ao "conhecimento" está nesta parte, plenamente respeitado.
27. Ora, concatenando a decisão colocada em crise pelos recorrentes, constata-se que, na mesma, o M.mo juiz Conselheiro enuncia clara e expressamente os factos que considera indiciados, assim como os elementos de prova que os sustentam, explicitando, ainda, as razões de direito que sustentam a decisão de decretamento de arresto preventivo que tomou.
28. Neste contexto, não se vislumbra estar-se perante o invocado incumprimento do dever de fundamentação que determine a suscitada nulidade, em qualquer das modalidades supra enunciadas nesta resposta, ou seja, quer numa perspetiva formal, quer numa perspetiva substantiva.
29. A decisão judicial, pela forma descrita, expõe as razões de facto e de direito que conduziram à decisão tomada, ora colocada em crise.
30. Não existe, nesta medida, qualquer nulidade que possa conhecer-se, considerando ainda que os recorrentes não indicam sequer o fundamento legal para a nulidade por falta de fundamentação que afirmam existir, considerando que a norma do artigo 374.°do CPP que invocam não comina qualquer nulidade.
31. A decisão recorrida não violou as normas jurídicas relativas à aplicação do arresto preventivo, ou o regime substantivo relativo ao confisco das vantagens do facto ilícito típico, em qualquer das modalidades substantivas em que foi promovido.
32. O fumus boni iuris concretiza-se no âmbito do arresto preventivo por referência ao Fumus Commissi Delicti, que se encontra nessa medida devidamente demonstrado.
33. No âmbito do arresto preventivo para garantia do confisco das vantagens do crime, não se exige a existência de receio de dissipação da garantia patrimonial.
34. Ainda assim, no presente caso verifica-se a existência de periculum in mora, desde logo porque este pressuposto existe sempre que as garantias faltem (cfr. artigo 227.° n.° 1) nomeadamente porque o valor a acautelar é superior ao valor do património que poderá ser arrestado.
35. Por outro lado, independentemente do regime anacrónico que foi imposto ao
artigo 10.° da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, pela Lei 30/2017, de 30 de Março, sempre dele se poderá extrair, do conjunto dos n.°s 2 e 3; que após a acusação se:dispa isa a demonstração àopericulum in mora.
36. Nestes casos estará então automaticamente demonstrado' o pericuhim in mora e consequentemente legitimado o decretamento do arresto.
37. A demonstração da diminuição das garantias de pagamento do valor das vantagens do crime, seja por falta imputável ou não ao proprietário dos bens em causa, constitui apenas um dos fundamentos que podem ser invocados no momento de avaliar a existência do fundado receio, não sendo o modo exclusivo ou sequer o principal de o demonstrar;
38. Não foram violadas quaisquer normas jurídicas, designadamente os artigos 228.°, 194.° e 374.°, n.° 2 do CPP e 607.°, n.°s 3 e 4 do CPC, os artigos 1.°° 7.° e seguintes da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, ou os artigos 32.° e 205.° da CRP. Pelo exposto, o presente recurso não merece provimento, devendo a decisão recorrida ser mantida, nos seus precisos termos.”
10. O processo prosseguiu nos termos do artigo 419.º/3/b, CPP.
11. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
II
A
Da matéria relevante para apreciação dos presentes recursos
1. Foi o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição):
DESPACHO
“Nos supra identificados autos, e com referência aos arguidos nos mesmos autos identificados
1. AA;
2. BB
3. CC;
4. DD;
Vem o Ministério Público através de dois Procuradores Gerais Adjuntos e duas Procuradoras da República, requerer ARRESTOS nos termos dos artigos 228.º do Código de Processo Penal (CPP) e 10.º n.º 1 da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro. em que começa por alegar que
“1- Os factos que fundamentam a necessidade de aplicação de medida de garantia patrimonial e os elementos do processo que os demonstram são precisamente aqueles que constam da acusação, e das respetivas promoções no âmbito da aplicação dos diversos mecanismos de confisco, com as especificidades próprias que seguidamente se enunciam.
2- Fundamento do arresto e requisitos de aplicabilidade de medida de garantia patrimonial.
Tal como resulta da acusação e respetiva liquidação que antecede, foi possível apurar a existência de vantagens resultantes da prática de crime para os arguidos no âmbito da perda clássica (110 n.º 1 alínea b) e n.º 4 do Código Penal) e no âmbito da perda alargada (artigo 7.º e sgts. da Lei 5/2002).
Até ao momento não foram ainda arrestados quaisquer bens com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie, nem a garantir o valor apurado no âmbito da perda ampliada.
Importa por isso garantir a eficácia das medidas de confisco no âmbito da perda clássica e da perda alargada. […] foi possível apurar a existência de vantagens resultantes da prática de crime para os arguidos no âmbito da perda clássica (110 n.º 1 alínea b) e n.º 4 do Código Penal) e no âmbito da perda alargada (artigo 7.º e sgts. da Lei 5/2002).
Até ao momento não foram ainda arrestados quaisquer bens com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie, nem a garantir o valor apurado no âmbito da perda ampliada.
Importa por isso garantir a eficácia das medidas de confisco no âmbito da perda clássica e da perda alargada.
Termina por pedir que
i- Seja decretado o arresto preventivo (cfr. 228.º do CPP) e o arresto (cfr. artigo 10.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro) dos bens que de seguida se identificam, com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie, nos termos do artigo 228° do Código de Processo Penal, artigos 110°, n.°s 1 alínea b), n.º 3 e n.º 4, do Código Penal, e nos art.s 391° a 393°, do Código de Processo Civil (quanto à perda clássica); e ainda nos termos do disposto nos artigos 7.º n.º 1 e 10.º da Lei 5/2002 (quanto à perda ampliada);
ii- Em caso de deferimento do requerido, sejam os autos reenviados de imediato para o Ministério Público, sem cumprimento de qualquer outra formalidade, notificação ou diligência, com vista a que se comunique a decisão ao Gabinete de Recuperação de Ativos, nos termos do que dispõe o artigo 4°, n.° 3, da Lei n.° 45/2011, de 24-06 e se diligencie pela execução das respetivas medidas de garantia patrimonial.
iii- Para concretização dos arrestos indicam-se os seguintes bens concretos, sem prejuízo de outros que possam eventualmente ser detetados até ao limite do valor que se pretende acautelar:
3.1 Arresto preventivo - perda clássica - artigo 228.º do CPP
3.1 Bens a arrestar para garantia do pagamento dos valores apurados no âmbito da perda clássica, ao abrigo do disposto no artigo 110.º n.º 2 e n.º 4 do Código Penal e 228.º do Código Processo Penal:
3.1.1 Relativamente aos arguidos AA e BB, com vista a garantir o pagamento do valor de 1.016.813,24 € (um milhão e dezasseis mil oitocentos e treze euros e vinte e quatro cêntimos) e até esse limite, indicam-se, entre outros bens que eventualmente venham a ser apurados, os seguintes ativos:
A) Valores Mobiliários e Saldos de contas bancarias:
1- Todos os saldos das contas bancárias de depósitos à ordem tituladas
ou co tituladas pelos arguidos AA e BB, nomeadamente as sediadas nas entidades bancárias abaixo elencadas, incluindo as contas de depósito a prazo e outras aplicações financeiras ou instrumentos financeiros complexos que estejam associadas àquelas, e que não constituam garantia de contratos de mútuo, nomeadamente:
Banco Comercial Português (yide fls. 127/128, Vol. 6, Ap. GRA)
· Conta de D.O. n.º PT……………05, titulada por AA e em que BB possui procuração com poderes de movimentação.
· Conta de D.O. n.º PT……………05, titulada por BB e co titulada por AA.
· Conta de D.O. n.º PT…………...05, titulada por OO e co titulada por BB. De acordo com informação prestada a 07/07/2020 a conta apresentava saldo de 15.372,91 €.
Caixa Geral de Depósitos (vide fls. 129/130, Vol. 6, Ap. GRA)
• Conta de D.O. n.º PT……………03, co titulada por BB e AA.
Caixa Económica Montepio Geral (yide fls. 125/126, Vol. 6, Ap. GRA)
• Conta de D.O. n.º PT……………60, figurando AA como titular.
B) Bens imóveis:
Propriedade de AA e de BB:
DESCRIÇÃO PREDIAL | FRAÇÃO | ARTIGO IRN
MATRIZ | ARTIGO
AT | TIPO | FREGUESIA / CONCELHO
CONSERVATÓRIA |
…….22 | B | ….08 | ….73 | URBANO | ………….
Conservatória do Registo Predial ……… |
COMPOSIÇÃO | Moradia ………… | ||||
MORADA | …………, lote …… | ||||
VALOR PATRIMONIAL | € 120.960,00 | ||||
OBSERVAÇÕES | Registo de aquisição datado de 02/09/1996
Na caderneta predial o imóvel está associado ao sujeito passivo BB |
DESCRIÇÃO PREDIAL | FRAÇÃO | ARTIGO IRN
MATRIZ | ARTIGO
AT | TIPO | FREGUESIA / CONCELHO
CONSERVATÓRIA |
……85 | - | ……77 | …….77 | URBANO | ……….
Conservatória do Registo Predial ……… |
COMPOSIÇÃO | Terreno para construção urbana | ||||
MORADA | …………. | ||||
VALOR PATRIMONIAL | € 82.140,63 | ||||
OBSERVAÇÕES | Registo de aquisição da quota de 4,75% datado de 03/05/1993
Na caderneta predial a parte 19/400 do imóvel está associado ao sujeito passivo BB |
DESCRIÇÃO PREDIAL | FRAÇÃO | ARTIGO IRN
MATRIZ | ARTIGO
AT | TIPO | FREGUESIA / CONCELHO
CONSERVATÓRIA |
…….89 | DA | …….38 | ……38 | URBANO | ………. / ……..
Conservatória do Registo Predial …… |
COMPOSIÇÃO | Bloco ……, 5º andar ……………… | ||||
MORADA | ……………….. | ||||
VALOR PATRIMONIAL | € 254.150,00 | ||||
OBSERVAÇÕES | Registo de aquisição do imóvel e de hipoteca datados de 04/05/1999
Hipoteca a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS Na caderneta predial o imóvel está associado ao sujeito passivo AA ENCARGOS: (a) registo de uma hipoteca voluntária a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, datada de 04/05/1999: à data de julho de 2020, o capital vincendo é de 50.620,14 €; (b) registo de uma hipoteca voluntária a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, datada de 03/12/1999: à data de julho de 2020, o capital vincendo é de 17.675,41 €) |
DESCRIÇÃO PREDIAL | FRAÇÃO | ARTIGO IRN
MATRIZ | ARTIGO
AT | TIPO | FREGUESIA / CONCELHO
CONSERVATÓRIA |
….…84 | JT | …….91 | URBANO | Conservatória do Registo Predial …………, Freguesia ………… | |
COMPOSIÇÃO | Edifício …. – Segundo andar …………………… | ||||
MORADA | …………………….. | ||||
VALOR PATRIMONIAL | 213.172,82 € | ||||
OBSERVAÇÕES | Registo de aquisição do imóvel e de hipoteca datados de 04/05/1999
Hipoteca a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS ENCARGOS: (a) registo de uma hipoteca voluntária a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, datada de 19/01/2005: à data de julho de 2020, o capital vincendo é de 137.342,98 €. São FIADORES E PRINCIPAIS PAGADORES AA e BB) |
3.1.2 Relativamente aos arguidos CC e DD, com vista a garantir o pagamento do valor de 81.089,35 € (oitenta e um mil e oitenta e nove euros e trinta e cinco cêntimos), e até esse limite.
A) Imóvel propriedade de CC e de DD
DESCRIÇÃO PREDIAL | FRAÇÃO | ARTIGO IRN
MATRIZ | ARTIGO
AT | TIPO | FREGUESIA / CONCELHO
CONSERVATÓRIA |
……22 | R | ………83 | ………83 | URBANA | ……… / ………
Conservatória dos Registos Civis, Predial, Comercial e Automóvel …… |
COMPOSIÇÃO | Edifício ………… | ||||
MORADA | ………………………… | ||||
VALOR PATRIMONIAL | € 106.779,68 | ||||
OBS | Registo de aquisição do imóvel datado de 03/09/2015 (escritura pública de 03/09/2015, valor escriturado € 94.000). |
3.2 Arresto perda ampliada
3.2.- Bens a arrestar para garantia do pagamento dos valores apurados no âmbito da perda ampliada, ao abrigo do disposto nos artigos 7.º e 10.º da Lei 5/2002, com vista a garantir o pagamento dos valores apurados nas liquidações que antecedem.
3.2.1 Relativamente ao arguido AA, com vista a garantir o pagamento do valor de € 201.006,18 (duzentos e um mil e seis euros e dezoito cêntimos) e até esse limite, indicam-se, entre outros bens que eventualmente se venham a apurar, os seguintes ativos:
A) Valores Mobiliários e Saldos de contas bancarias, no montante que exceda o necessário para garantir o pagamento do valor apurado na perda clássica – caso tal remanescente exista:
1- Todos os saldos das contas bancárias de depósitos à ordem sediadas nas entidades bancárias abaixo elencadas, incluindo as contas de depósito a prazo e outras aplicações financeiras ou instrumentos financeiros complexos que estejam associadas àquelas, e que não constituam garantia de contratos de mútuo, nomeadamente:
Banco Comercial Português (vide fls. 127/128, Vol. 6, Ap. GRA)
▪ Conta de D.O. n.º PT……………05, titulada por AA e em que BB possui procuração com poderes de movimentação.
▪ Conta de D.O. n.º PT……………05, titulada por BB e co titulada por AA.
Caixa Geral de Depósitos (vide fls. 129/130, Vol. 6, Ap. GRA) ▪ Conta de D.O. n.º PT………………03, co titulada por BB e AA.
Caixa Económica Montepio Geral (vide fls. 125/126, Vol. 6, Ap. GRA) ▪ Conta de D.O. n.º PT……………60, figurando AA como titular.
3.2.2 Relativamente à arguida BB, com vista a garantir o pagamento do valor de 93.570,58 € (noventa e três mil quinhentos e setenta euros e cinquenta e oito cêntimos) e até esse limite, indicam-se, entre outros bens que eventualmente se venham a apurar, os seguintes ativos:
A) Valores Mobiliários e Saldos de contas bancarias, (no montante que exceda o necessário para garantir o pagamento do valor apurado na perda clássica – caso tal remanescente exista):
1- Todos os saldos das contas bancárias de depósitos à ordem sediadas
nas entidades bancárias abaixo elencadas, incluindo as contas de depósito a prazo e outras aplicações financeiras ou instrumentos financeiros complexos que estejam associadas àquelas, e que não constituam garantia de contratos de mútuo, nomeadamente:
Banco Comercial Português (vide fls. 127/128, Vol. 6, Ap. GRA)
· Conta de D.O. n.º PT…………...05, titulada por AA e em que BB possui procuração com poderes de movimentação.
· Conta de D.O. n.º PT……………05, titulada por BB e co titulada por AA.
· Conta de D.O. n.º PT……………..05, titulada por OO e co titulada por BB.
Caixa Geral de Depósitos (yide fls. 129/130, Vol. 6, Ap. GRA)
• Conta de D.O. n.º PT……………03, co titulada por BB e AA.
Caixa Económica Montepio Geral (yide fls. 125/126, Vol. 6, Ap. GRA)
• Conta de D.O. n.º PT……………60, figurando AA como titular.
3.2.3 Relativamente ao arguido CC, com vista a garantir o pagamento do valor de € 133.009,49 (cento e trinta e três mil e nove euros e quarenta e nove cêntimos), e até esse limite.
A) Valores Mobiliários e Saldos de contas bancarias:
1- Todos os saldos das contas bancárias de depósitos à ordem tituladas
ou co tituladas pelos arguidos CC e DD, nomeadamente as sediadas nas entidades bancárias abaixo elencadas, incluindo as contas de depósito a prazo e outras aplicações financeiras ou instrumentos financeiros complexos que estejam associadas àquelas, e que não constituam garantia de contratos de mútuo, nomeadamente:
- Banco Santander Totta (vide fls. 139/140, Vol. 6, Ap. GRA)
■ Conta de D.O. n.º PT……………36, figurando como titular CC.
■ Conta de D.O. n.º PT……………43, figurando como titular CC.
- Caixa Geral de Depósitos (yide fls. 129/130, Vol 6, Ap. GRA)
· Conta de D.O. n.º PT………………55, figurando CC e DD como cotitulares.
· Conta de D.O. n.º PT………………08, uni titulada por CC.
B) Bem imóvel propriedade de CC e de DD
DESCRIÇÃO PREDIAL | FRAÇÃO | ARTIGO IRN
MATRIZ | ARTIGO
AT | TIPO | FREGUESIA / CONCELHO
CONSERVATÓRIA |
……87 | G | ……32 | ……32 | URBANA | ……/ ……..
1ª Conservatória do Registo Predial …… |
COMPOSIÇÃO | Terceiro andar ………………………. | ||||
MORADA | …………………… | ||||
VALOR PATRIMONIAL | € 169.222,61 | ||||
OBS | Registos de aquisição do imóvel e hipotecas datados de 19/07/2004. Hipotecas a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS.
ENCARGOS: (a) registo de uma hipoteca voluntária a favor da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, datada de 19/07/2004: à data de julho de 2020, o capital vincendo é de 43.443,63 €) |
C) Bens Móveis:
Obras de arte que os arguidos guardavam na sua residência (Apenso de Busca 13) as quais foram avaliadas no valor global de 7950€, em conformidade com o Auto de Exame Pericial de Avaliação de Obras de Arte a fls. 7482, 7485 a 7488.
a) Pintura de acrílico sobre tela, de D…………, representativa de uma procissão, denominado: “……” ……, com as dimensões 81x100cm (Doc. 33);
b) Pintura de N..................., sem título, com dimensões 73x92cm, com moldura (Doc. 34);
c) Pintura de DI……………, com dimensões 45x50cm, com moldura, intitulado “Asas da bailarina” (Doc. 35);
d) Pintura de N..................., sem título, com dimensões 40x30cm, com moldura (Doc. 36);
e) Pintura de óleo sobre tela de D………, representativa da Praia da Poça (Doc. 37);
f) Pintura de óleo sobre tela, de G………, com dimensões 90x102cm, intitulada “……”, de ……. (Doc. 38);
g) Pintura de A…………, representativa de elétricos, com moldura (Doc. 39);
h) Pintura técnica mista sobre tela, intitulada “………”, ……, com dimensões de 80x100cm - Doc. 40.
*
Valor: 1.525.488,84€ (um milhão quinhentos e vinte e cinco mil quatrocentos e oitenta e oito euros e oitenta e quatro cêntimos).
<>
Analisando:
Nos termos do Artigo 268.º do Código de Processo Penal, entre os Actos a praticar pelo juiz de instrução consta que
1 - Durante o inquérito compete exclusivamente ao juiz de instrução:
b) Proceder à aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial, à excepção da prevista no artigo 196.º, a qual pode ser aplicada pelo Ministério Público
Por sua vez, após o Artigo 227.º do CPP se referir no título III às medidas de garantia patrimonial relativamente à Caução económica, estabelece o Artigo 228.º do CPP sobre Arresto preventivo
1 - Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da garantia patrimonial.
2 - O arresto preventivo referido no número anterior pode ser decretado mesmo em relação a comerciante.
3 - A oposição ao despacho que tiver decretado arresto não possui efeito suspensivo.
4 - Em caso de controvérsia sobre a propriedade dos bens arrestados, pode o juiz remeter a decisão para tribunal civil, mantendo-se, entretanto, o arresto decretado.
5 - O arresto é revogado a todo o tempo em que o arguido ou o civilmente responsável prestem a caução económica imposta.
6 - Decretado o arresto, é promovido o respetivo registo nos casos e nos termos previstos na legislação registal aplicável, promovendo-se o subsequente cancelamento do mesmo quando sobrevier a extinção da medida.
Como bem se salientou no sumário do Acórdão de 02-04-2019 do Tribunal da Relação de Lisboa, proc. n.º 959/11.2IDBGC-B.
- O decretamento do arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos, a saber a probabilidade da existência do crédito e o justo receio da perda da garantia patrimonial.
- O critério de avaliação do requisito de justo receio da perda da garantia patrimonial, não deve assentar em juízos puramente subjectivos do juiz ou do credor (isto é, em simples conjecturas), antes deve basear-se em factos ou em circunstâncias que, de acordo com as regras de experiência, aconselhem uma decisão cautelar imediata como factor potenciador da eficácia da acção declarativa ou executiva.
E como resultava do Acórdão de 04 de Julho de 2018 nº 122/13.8TELSB-AR.L1-9 de mesmo Tribunal da Relação
“1. O arresto preventivo previsto no art. 228.º, n. º 1, 1.ª parte do CPP, segue o disposto nos arts. 364º e 365º do CPC no que concerne à forma de processamento e à relação entre o procedimento cautelar e o processo principal.”
Artigo 364.º do CPC (art. 383.º CPC 1961) refere-se à relação entre o procedimento cautelar e a ação principal.
Por sua vez o Artigo 365.ºdo CPC (art.º 384.º CPC 1961) determina
1 - Com a petição, o requerente oferece prova sumária do direito ameaçado e justifica o receio da lesão.
2 - É sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência decretada.
3 - É subsidiariamente aplicável aos procedimentos cautelares o disposto nos artigos 293.º a 295.º.
O art. 392 º do Código de Processo Civil (CPC) determina que
1 - O requerente do arresto deduz os factos que tornam provável a existência do crédito e justificam o receio invocado, relacionando os bens que devem ser apreendidos, com todas as indicações necessárias à realização da diligência.
Por sua vez resulta do art. 393.ºdo CPC, (art.º 408.º CPC 1961) sobre Termos subsequentes,
1 - Examinadas as provas produzidas, o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais.
2 - Se o arresto houver sido requerido em mais bens que os suficientes para segurança normal do crédito, reduz-se a garantia aos justos limites.
3 - O arrestado não pode ser privado dos rendimentos estritamente indispensáveis aos seus alimentos e da sua família, que lhe são fixados nos termos previstos para os alimentos provisórios.
2 - Sendo o arresto requerido contra o adquirente de bens do devedor, o requerente, se não mostrar ter sido judicialmente impugnada a aquisição, deduz ainda os factos que tornem provável a procedência da impugnação.
O acórdão do Tribunal Constitucional 724/2014, decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 228.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual, remetendo a referida disposição para o regime processual civil, se permite o decretamento do arresto preventivo sem audição prévia do arguido;
<>
O Artigo 110.ºdo Código Penal (CP) prevê a Perda de produtos e vantagens
1 - São declarados perdidos a favor do Estado:
a) Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
2 - O disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.
3 - A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
5 - O disposto nos números anteriores tem lugar ainda que nenhuma pessoa determinada possa ser punida pelo facto, incluindo em caso de morte do agente ou quando o agente tenha sido declarado contumaz.
6 - O disposto no presente artigo não prejudica os direitos do ofendido.
Acrescente o Artigo 111.º do mesmo diploma legal substantivo, sobre Instrumentos, produtos ou vantagens pertencentes a terceiro
1 - Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, a perda não tem lugar se os instrumentos, produtos ou vantagens não pertencerem, à data do facto, a nenhum dos agentes ou beneficiários, ou não lhes pertencerem no momento em que a perda foi decretada.
2 - Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando:
a) O seu titular tiver concorrido, de forma censurável, para a sua utilização ou produção, ou do facto tiver retirado benefícios;
b) Os instrumentos, produtos ou vantagens forem, por qualquer título, adquiridos após a prática do facto, conhecendo ou devendo conhecer o adquirente a sua proveniência; ou
c) Os instrumentos, produtos ou vantagens, ou o valor a estes correspondente, tiverem, por qualquer título, sido transferidos para o terceiro para evitar a perda decretada nos termos dos artigos 109.º e 110.º, sendo ou devendo tal finalidade ser por ele conhecida.
3 - Se os produtos ou vantagens referidos no número anterior não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112.º-A.
4 - Se os instrumentos, produtos ou vantagens consistirem em inscrições, representações ou registos lavrados em papel, noutro suporte ou meio de expressão audiovisual, pertencentes a terceiro de boa-fé, não tem lugar a perda, procedendo-se à restituição depois de apagadas as inscrições, representações ou registos que integrarem o facto ilícito típico. Não sendo isso possível, o tribunal ordena a destruição, havendo lugar à indemnização nos termos da lei civil.
<>
O CAPÍTULO IV da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, ao referir-se à Perda de bens a favor do Estado consagra na SECÇÃO I a Perda alargada, cujo art. 7º estabelece:
1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal.
O artigo 1º deste diploma define o seu âmbito de aplicação e refere:
Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
1 - A presente lei estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado, relativa aos crimes de:
a) Tráfico de estupefacientes, nos termos dos artigos 21 .º a 23.º e 28.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro;
b) Terrorismo, organizações terroristas, terrorismo internacional e financiamento do terrorismo;
c) Tráfico de armas;
d) Tráfico de influência; e
e) Recebimento indevido de vantagem;
f) Corrupção ativa e passiva, incluindo a praticada nos setores público e privado e no comércio internacional, bem como na atividade desportiva;
g) Peculato;
h) Participação económica em negócio;
i) Branqueamento de capitais;
j) Associação criminosa;
l) Pornografia infantil e lenocínio de menores;
m) Dano relativo a programas ou outros dados informáticos e a sabotagem informática, nos termos dos artigos 4.º e 5.º da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro, e ainda o acesso ilegítimo a sistema informático, se tiver produzido um dos resultados previstos no n.º 4 do artigo 6.º daquela lei, for realizado com recurso a um dos instrumentos referidos ou integrar uma das condutas tipificadas no n.º 2 do mesmo artigo;
n) Tráfico de pessoas;
o) Contrafação de moeda e de títulos equiparados a moeda;
p) Lenocínio;
q) Contrabando;
r) Tráfico e viciação de veículos furtados.
2 - [...]
3 - [...]
4 - [...]
Por sua vez o art 10º da mesma Lei, versando sobre arresto, estabelece:
Artigo 10.º
Arresto
1 - Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido.
2 - A todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa.
3 - O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime.
4 - Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal.
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Como se referiu no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-06-2017, proc. 9070/16.9T8CBR.C1
1 - No arresto, para a alegação e comprovação do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial tem-se entendido, tanto no campo jurisprudencial como na doutrina, que não basta o receio meramente subjectivo, porventura exagerado do credor (ou baseado em meras conjecturas), de ver insatisfeita a prestação a que julga ter direito, antes há-de esse receio assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação, isto é, terá ele que se alicerçar nas circunstâncias e factos demonstrados, segundo uma avaliação dependente das regras de experiência comum.
2- Sendo que para o preenchimento da cláusula geral do justo receio ou justificado receio de perda de garantia patrimonial relevam, em geral, a forma da atividade do devedor, a sua situação económica e financeira, a maior ou menor solvabilidade, a natureza do património, a dissipação ou extravio de bens, a ocorrência de procedimentos anómalos que revelem o propósito de não cumprir, o montante do crédito, a própria relação negocial estabelecida entre as partes.
Como se deduz da promoção apresentada pelo Ministério Público “Tal como resulta da acusação e respetiva liquidação, foi possível apurar a existência de vantagens resultantes da prática de crime para os arguidos no âmbito da perda clássica (110 n.º 1 alínea b) e n.º 4 do Código Penal) e no âmbito da perda alargada (artigo 7.º e sgts. da Lei 5/2002). Inexistindo possibilidade de apropriar as vantagens em espécie, deverão os arguidos ser condenados a pagar ao Estado o respetivo valor dessas vantagens diretas, nos termos do artigo 110.º n.º n.º 4 do CP.
Para garantia do pagamento de tal valor, apurado nos termos do artigo 110.º n.º 4.º do Código Penal, o ordenamento jurídico oferece como solução, entre outras medidas, o arresto preventivo dos bens que este possua no seu património, nos termos do artigo 228.º do CPP.
Esta medida deverá ser aplicada de imediato e sem prévia audição do visado.
Quanto à perda alargada, determina o artigo 10.º n.ºs 1 que para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido.
Quanto à necessidade de aplicação das medidas de garantia patrimonial sem prévia intervenção do visado afirma-se Acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) 21 de Dezembro de 2011 (proferido no processo C 27/09 P) que “Com efeito, para uma medida desse tipo não comprometer a sua eficácia, deve, pela sua própria natureza, poder beneficiar do efeito surpresa e ser aplicada imediatamente”.
A aplicação destas medidas de garantia patrimonial, de arresto do artigo 10.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, e de arresto preventivo previsto no artigo 228.º do CPP está sujeita aos requisitos gerais (193.º do CPP) da necessidade, adequação e proporcionalidade e ainda, segundo alguns entendimentos, aos requisitos específicos - os tradicionais: fumus boni iuris e periculum in mora.
No presente caso existem fortes indícios da prática dos enunciados crimes, sustentados pelos elementos probatórios supra indicados. Tais indícios conduziram inclusivamente à dedução da acusação.
O conceito de fumus boni iuris, marcadamente civilista, vem sendo sistematicamente invocado pela doutrina e jurisprudência como pressuposto do arresto preventivo - e com razão.
Exige-se, sem dúvida, algum fumus ou aparência de direito para que possa ser decretado o arresto, mas aqui poderá não ser, em bom rigor, o boni iures, mas sim o seu contrário, ou a sua antítese.
O que verdadeiramente interessa demonstrar como condição de aplicação do arresto preventivo (no que ora nos interessa) é a existência de indícios da prática do crime e das vantagens que este gerou.
Este fumus commissi delicti como pressuposto do arresto preventivo deverá assim ser concretizado nesta dupla vertente: Indícios da prática do crime e indícios que desse crime resultaram vantagens, pelo menos, do seu valor.
No presente caso entendemos que se verifica inequivocamente o requisito do fumus boni iures, precisamente porque existem fortes indícios da prática do crime, bem como do valor que os arguidos obtiveram para si ou para terceiros a título de vantagens do crime, tal como resulta da acusação.
Por outro lado, entendemos igualmente que se verifica o pressuposto do periculum in mora. No âmbito do decretamento do arresto preventivo o periculum in mora será concretizado por referência ao “receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento” do valor das vantagens, tal como determina o artigo 227.º n.º 1 do CPP.
A concretização dos pressupostos de que «faltem» ou «diminuam» substancialmente as garantias de pagamento não suscita especiais dificuldades:
Existe receio que as garantias faltem, nomeadamente, sempre que o valor das vantagens seja superior ao valor património do visado.
Existe receio que as garantias diminuam sempre que o visado tenha alienado ou se prepare para alienar uma parcela do seu património.
Por outro lado, não será exigível para aplicação do arresto ou do arresto preventivo a demonstração do “periculum in mora”, ou seja, do receio de perda da garantia patrimonial sempre que esse arresto vise o pagamento do valor das vantagens, ou seja, a restauração da ordem patrimonial correspondente ao direito legítimo.
Convocando as finalidades e fundamentos dogmáticos do confisco das vantagens do crime imediatamente se concluirá que não será exigível a demonstração do periculum in mora nos casos de arresto para o confisco das vantagens.
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O receio de perda de garantia patrimonial sempre poderá ser afirmado por via da natureza dos crimes imputado aos arguidos e investigados nos presentes autos. Os crimes de corrupção e de branqueamento, bem como o crime de fraude fiscal, pressupõe uma atividade de dissimulação do real, e de ocultação. e porventura susceptíveis de motivação da utilização de mecanismos semelhantes para ocultar e dissimular o seu património lícito com vista a evitar o confisco das vantagens pelo valor.
Pode haver potencial perigo, de dissipação do património dos arguidos que se desfaçam do património e o convertam em valor não detetável ficando fora do alcance da ação da justiça penal, na vertente da perda de bens a favor do Estado. quando forem conhecedores da acusação deduzida e do respetivo pedido de declaração de perda de bens a favor do Estado e eventuais pedidos de indemnização civil os arguidos
Há factos concretos indiciados na acusação de que resulta pela avaliação das regras de experiência comum a probabilidade da existência do crédito e o justo receio da perda da garantia patrimonial.
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Termo em que, pelo exposto, defere-se o requerido e. se decreta o arresto preventivo (cfr. 228.º do CPP) e o arresto (cfr. artigo 10.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro) dos bens que foram identificados pelo Ministério Público, supra indicados, sem prejuízo de outros que possam eventualmente ser detetados até ao limite do valor que se pretende acautelar, com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie, nos termos do artigo 228° do Código de Processo Penal, artigos 110°, n.°s 1 alínea b), n.º 3 e n.º 4, do Código Penal, e nos art.s 391° a 393°, do Código de Processo Civil (quanto à perda clássica); e ainda nos termos do disposto nos artigos 7.º n.º 1 e 10.º da Lei 5/2002 (quanto à perda ampliada);
Reenviem-se de imediato os autos para o Ministério Público, sem cumprimento de qualquer outra formalidade, notificação ou diligência, com vista a que se comunique a decisão ao Gabinete de Recuperação de Ativos, nos termos do que dispõe o artigo 4°, n.° 3, , da Lei n.° 45/2011, de 24-06 e se diligencie pela execução das respetivas medidas de garantia patrimonial.
Sem custas”
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B
Questões a decidir:
a) Competência;
b) Fundamentação do despacho que aplica os arrestos;
c) Requisitos do confisco;
d) Requisitos do decretamento dos arrestos.
Questão prévia da competência.
1. A recorrente BB endereçou o seu recurso para o pleno das seções do Supremo Tribunal de Justiça, mas não é esse o tribunal, ou a composição do tribunal, competente.
2. A competência, material e funcional, dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições do CPP e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária. Muito sinteticamente impõe-se referir que a decisão que aplica medidas de garantia patrimonial é recorrível, pelo MP (quaisquer decisões), pelo arguido, assistente e partes civis, relativamente às decisões contra eles proferidas, assim como pelos terceiros visados por medida de garantia patrimonial para defenderem um direito afetado pela decisão (401.º/1/a/b/c/d, Código de Processo Penal, diploma a que pertencem as normas citadas sem menção de origem), para o tribunal de hierarquia imediatamente superior. Se a medida for aplicada por um juiz do STJ, que exerce as funções de JI, nas fases de inquérito e instrução, ou pelo juiz do processo na fase subsequente, o conhecimento do recurso cabe a uma das seções criminais (art. 11.º/4/b/7), e não ao pleno como parece entender a recorrente, seguindo, possivelmente, o entendimento de Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2008, p. 355, que também atribui essa competência ao pleno. O presente recurso sindica decisão proferida por um juiz do STJ, na veste de JI. Não está em causa uma decisão proferida, em primeira instância, pelas secções do STJ (art. 11.º/3/b/4/b/, CPP; art. 53.º/b, LOSJ), caso em que seria competente o pleno das seções criminais do STJ, mas uma decisão proferida por um juiz na veste de JI, caso em que a competência cabe à seção criminal [ac. STJ/FJ 16/2014, 20.11.2014, (COMENTÁRIO JUDICIÁRIO AO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, Tomo I, §§ 15 e 31 da anotação ao art. 11.º, e tomo III, § 38 da anotação ao art. 192.º].
Fundamentação do despacho que aplicou os arrestos.
1. Sustenta o recorrente AA que não é suficiente a descrição feita no despacho recorrido, quanto aos factos concretamente imputados ao arguido, à enunciação dos elementos probatórios que o fundamentam, à qualificação jurídica dos factos imputados e, no fundo, à respetiva motivação para aplicação de tal medida. Conclui que ocorre violação do disposto nos artigos 97.º/5 e 194.º/6, 374.º/2, arts. 205.º, CRP e 154.º do CPC; que nos termos conjugados dos arts. 154.º do CPC e 194.º/6, a decisão recorrida é nula.
2. A recorrente BB, invoca a (1) nulidade da decisão recorrida, nos termos conjugados dos arts. 154.º do CPC e 194.º/6, alegando para o efeito que não consta do despacho recorrido qualquer referência i) a concretos factos imputados à requerida que possam sustentar o decretamento das medidas em apreço; (ii) a enunciação dos elementos probatórios do processo; (iii) a qualificação jurídica dos factos imputados; iiii) que nos termos do disposto no art.º 154.º/2, CPC, a fundamentação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos anteriormente alegados; considerando que (2) não foi ouvida em momento prévio ao da prolação do despacho recorrido.
3. Os recorrentes CC e DD, taxam a decisão de nula, por ofensa dos artigos 20.º e 205.º/1, CRP, 374.º/2, CPP e 607.º/3/4, CPC porquanto não elenca quais os factos concretos indiciariamente dados como provados, não procede à indicação dos meios de prova indiciariamente considerados, tampouco faz a análise crítica das provas que fundamentam tal (inexistente) juízo.
4. A base comum de argumentação dos recorrentes em tema de falta de fundamentação, com manifestações pontuais de diversidade, permite e aconselha a sua apreciação em conjunto, sem que se descurem as particularidades suscitadas pela alegação de cada recorrente. A questão da falta de fundamentação tem uma vertente formal (art. 97.º e 194.º) e outra material, esta no que concerne à verificação, ou não, dos requisitos ou pressupostos substantivos e adjetivos de que depende o decretamento dos arrestos. Vamos tratar da vertente formal, depois abordaremos a material dado que está imbricada com a verificação dos requisitos de aplicação dos arrestos.
5. O dever de fundamentação das decisões judiciais, nos casos e nos termos previstos na lei, é uma exigência e, ao mesmo tempo, uma garantia constitucional integrante do conceito de Estado de direito democrático (art. 205.º/1, CRP), com concretização ordinária no direito processual penal, quanto à sentença ou acórdão (arts. 97.º/1/a/c/2/3, 374.º/2) e quanto ao despacho, fora dos casos de mero expediente (art. 97.º/5). Num Estado de direito é pela fundamentação que a decisão judicial se legitima e ao mesmo tempo possibilita um efetivo direito ao recurso.
6. Está em causa nos autos a aplicação de medidas de garantia patrimonial de arresto para garantir a eventual declaração de confisco a favor do Estado, em resultado de (alegadamente) ser o produto ou vantagem do crime – perda clássica (art. 110.º/1/b/3/4, CP) – e constituir património incongruente – perda alargada (art. 7.º e ss, Lei 5/2002).
7. As medidas de garantia patrimonial regem-se pelas disposições gerais dos arts. 191.º a 195.º, e especiais dos arts 227.º(caução económica) e 228.º (arresto preventivo). O arresto para confisco do património incongruente rege-se pelas disposições da Lei 5/2002 (arts 7.º a 12.º) e, subsidiariamente, pelo regime do arresto preventivo previsto no CPP (art. 10.º/4, Lei 5/2002). A remissão legislativa do art. 228.º/1, quanto ao arresto, para os termos do processo civil não é, consabidamente, uma remissão irrestrita, mas consoante impõe o art. 4.º, para as normas que se harmonizem com o processo penal, pois o arresto é também um instituto processual penal (MANUEL COSTA ANDRADE, MARIA JOÃO ANTUNES, Da Natureza Processual Penal do Arresto Preventivo, RPCC, 27, 2017, p. 143). Daí que, em matéria de requisitos formais do despacho que aplica o arresto, na parte que ao caso interessa, a disciplina imediata é a dos arts. 194.º e 97.º. Fora do âmbito de aplicação ao nosso caso, pois os recursos não visam sentença ou acórdão, fica o art. 607.º/3/4, CPC, que disciplina a sentença em processo civil e o art. 374.º, que disciplina os requisitos da sentença penal, não aplicável a um despacho, em relação ao qual o legislador, apesar de tudo, não se bastou com a regra geral, mas estabeleceu um regime específico de fundamentação que sucessivamente vem aperfeiçoando (art. 194.º). Também não é aplicável o art.154.º, CPC. Aliás, importa deixar registo, a referência pelos recorrentes ao art. 154.º, CPC, não tem tanto a ver com o dever de fundamentar a decisão, mas com a possibilidade de a justificação [a fundamentação] não poder consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento, segmento argumentativo que irá ser objeto de apreciação.
8. Afirmar, como se faz no despacho recorrido, que estão indiciados os factos ilícitos típicos cuja prática se descreve na acusação e cuja autoria se imputa a um determinado arguido, é uma avaliação autónoma do juiz que decretou os arrestos. A decisão não deixa de estar fundamentada quando nessa ponderação remete para os factos, a qualificação jurídica e as provas da acusação. O mesmo ocorreria se, em vez de remeter para os factos da acusação, a decisão recorrida a transcrevesse. Importa é que a remissão seja clara e inequívoca, como é no caso. Necessário é que a notificação da aplicação da medida seja contemporânea da entrega de cópia da acusação, o que também aconteceu no caso. E o milhar de páginas é notoriamente exagerado quando descontado o facto de se descreverem condutas delituosas de outros arguidos que não os recorrentes. E o alegado desconhecimento dos factos não convence quando a acusação tem um índice minucioso onde se remete para as páginas da acusação.
9. Sejamos claros, não há qualquer similitude entre o caso dos autos e aquele sobre que versou o ac. TC 674/99. Nesse acórdão o TC decidiu julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 358º e 359º, quando interpretados no sentido de se não entender como alteração dos factos – substancial ou não substancial – a consideração, na sentença condenatória, de factos atinentes ao modo de execução do crime, que, embora constantes ou decorrentes dos meios de prova juntos aos autos, para os quais a acusação e a pronúncia expressamente remetiam, no entanto aí se não encontravam especificadamente enunciados, descritos ou discriminados, por violação das garantias de defesa do arguido e dos princípios do acusatório e do contraditório, assegurados no art. 32.º/1/5, CRP. No caso dos autos a remissão é uma remissão especificadamente enunciada, para os factos concretos e exatamente delimitados da acusação que no mesmo ato de notificação da medida foi também notificada e entregue aos arguidos. A remissão para os factos da acusação, no caso e nas circunstâncias concretas vale. Se vale, não importa se a acusação é mais ou menos extensa.
10. Mas vejamos a questão com mais detalhe. As medidas de garantia patrimonial são aplicadas por despacho do juiz (art. 194.º/1 e art. 268.º/1/b), devendo a fundamentação do despacho que as aplicar conter, sob pena de nulidade (art. 194.º/6):
a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;
b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;
c) A qualificação jurídica dos factos imputados;
d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º.
11. Pese embora a literalidade da norma (art. 194.º/6/d), os requisitos ou condições de aplicação, exigidos pelo art. 204.º, não são aplicáveis às medidas de garantia patrimonial apenas às medidas de coação. Quanto às medidas de garantia patrimonial não relevam, autonomamente, os perigos enunciados no art. 204.º, apenas as necessidades cautelares, o fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento.
12. Refere o despacho recorrido (transcrição):
(…) como resulta da acusação e respetiva liquidação, foi possível apurar a existência de vantagens resultantes da prática de crime para os arguidos no âmbito da perda clássica (110.º, n.º 1 alínea b) e n.º 4 do Código Penal) e no âmbito da perda alargada (artigo 7.º e segts da Lei 5/2002). Inexistindo possibilidade de apropriar as vantagens em espécie, deverão os arguidos ser condenados a pagar ao Estado o respetivo valor dessas vantagens diretas, nos termos do artigo 110.º n.º n.º 4 do CP.
Para garantia do pagamento de tal valor, apurado nos termos do artigo 110.º n.º 4.º do Código Penal, o ordenamento jurídico oferece como solução, entre outras medidas, o arresto preventivo dos bens que este possua no seu património, nos termos do artigo 228.º do CPP.
Quanto à perda alargada, determina o artigo 10.º n.ºs 1 que para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido. A aplicação destas medidas de garantia patrimonial, de arresto do artigo 10.º da Lei 5/2002, de 11 de Janeiro, e de arresto preventivo previsto no artigo 228.º do CPP está sujeita aos requisitos gerais (193.º do CPP) da necessidade, adequação e proporcionalidade e ainda, segundo alguns entendimentos, aos requisitos específicos - os tradicionais: fumus boni iuris e periculum in mora.
No presente caso existem fortes indícios da prática dos enunciados crimes, sustentados pelos elementos probatórios supra indicados. Tais indícios conduziram inclusivamente à dedução da acusação. (…) O que verdadeiramente interessa demonstrar como condição de aplicação do arresto preventivo (no que ora nos interessa) é a existência de indícios da prática do crime e das vantagens que este gerou. (…)
No presente caso entendemos que se verifica inequivocamente o requisito do fumus boni iures, precisamente porque existem fortes indícios da prática do crime, bem como do valor que os arguidos obtiveram para si ou para terceiros a título de vantagens do crime, tal como resulta da acusação.
Por outro lado, entendemos igualmente que se verifica o pressuposto do periculum in mora. No âmbito do decretamento do arresto preventivo o periculum in mora será concretizado por referência ao “receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento” do valor das vantagens, tal como determina o artigo 227.º n.º 1 do CPP. (…) Existe receio que as garantias faltem, nomeadamente, sempre que o valor das vantagens seja superior ao valor património do visado. Existe receio que as garantias diminuam sempre que o visado tenha alienado ou se prepare para alienar uma parcela do seu património.
O receio de perda de garantia patrimonial sempre poderá ser afirmado por via da natureza dos crimes imputado aos arguidos e investigados nos presentes autos. Os crimes de corrupção e de branqueamento, bem como o crime de fraude fiscal, pressupõe uma atividade de dissimulação do real, e de ocultação e porventura susceptíveis de motivação da utilização de mecanismos semelhantes para ocultar e dissimular o seu património lícito com vista a evitar o confisco das vantagens pelo valor. (…) Há factos concretos indiciados na acusação de que resulta pela avaliação das regras de experiência comum a probabilidade da existência do crédito e o justo receio da perda da garantia patrimonial.
13. Da fundamentação precedente, constante da decisão recorrida, resulta que os factos relevantes imputados aos arguidos são os constantes da acusação, acusação que relata as circunstâncias de tempo, lugar e modo das condutas penalmente relevantes. A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos, a prova indiciária, é a prova arrolada na acusação, como também a qualificação jurídica dos factos imputados é a que consta da acusação. Aliás, no caso, formulando o M.º P.º o pedido de decretamento dos arrestos depois de deduzida a acusação, os factos, a qualificação jurídica e as provas a levar ao requerimento de aplicação de medida de garantia patrimonial, só podiam ser os da acusação, com o acrescento dos factos relativos aos pressupostos dos arrestos, para justificar o pedido e possibilitar, caso provados, o subsequente decretamento. A proceder o pedido do M.º P.º, como procedeu, a decisão recorrida tinha necessariamente os limites factuais da acusação, na parte relativa às condutas delituosas imputadas aos arguidos, nada além da acusação a não ser em tema de necessidades cautelares; a prova a ponderar, a da acusação, assistindo ao juiz a liberdade da qualificação jurídica.
14. Os recorrentes beneficiaram de uma concretização e estabilidade, quer quanto aos factos imputados, quer quanto à sua qualificação jurídica, quer, finalmente, quanto à identificação e acesso pleno às provas, que não seria possível aquando de um primeiro interrogatório ou em momento subsequente, mas anterior à acusação, momentos em que já podem ser aplicadas medidas de garantia patrimonial. A crítica dos recorrentes resulta de um menos correto enfoque da realidade processual. O ato decisório em causa não é uma sentença, mas um despacho que se situa numa sequência processual no términus do inquérito. A decisão de aplicar medida de garantia patrimonial, quando ocorre depois de proferida a acusação tem, necessariamente, de se ater aos factos constantes da acusação que delimita o objeto do processo e os poderes de cognição. Podendo e devendo ponderar a verificação dos requisitos gerais e especiais de aplicação da medida, não compete ao juiz, não lhe é exigido nem lhe é sequer legalmente permitido, desencadear qualquer comprovação da decisão de deduzir acusação, como parece ser o entendimento e a pretensão dos recorrentes. No procedimento cautelar de arresto, quanto aos indícios, basta, por um lado, que não se verifique causa de exclusão de responsabilidade e indícios suficientes da prática de ilícito típico por parte do visado. A comprovação da decisão de acusar só pode ser feita em instrução. Mas, que fique claro, não é finalidade da instrução comprovar a decisão de aplicar medida de garantia patrimonial, sem prejuízo obviamente de o sentido da decisão instrutória poder ter repercussão na manutenção da medida de garantia patrimonial, quer na sua extinção, redução ou ampliação, dado o caráter provisório da medida, submetida aos princípios da necessidade e proporcionalidade (JOÃO CONDE CORREIA, COMENTÁRIO JUDICIÁRIO, 2021, III, § 11 da anotação ao art. 228.º). Assim, pretendendo os recorrentes uma discussão aprofundada sobre os indícios, visando a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação, não é este o meio adequado, resta-lhes o RAI (art. 286.º). Este recurso não pode ser visto como um sucedâneo do RAI. O legislador não pode ter consagrado em matéria de medidas de garantia patrimonial um regime mais garantístico do que o que aplicável à sindicância da acusação.
15. A descontextualização da argumentação dos recorrentes (quanto aos factos, qualificação jurídica e provas), torna-se evidente quando perspetivamos e cotejamos a aplicação do arresto em matéria patrimonial, como equivalente às medidas de coação, em matéria de direito à liberdade. Sugestivamente afirma-se que o arresto é a prisão preventiva do património. Na aplicação de uma medida de coação, v.g., a prisão preventiva, é suficiente a referência aos factos por remissão para a acusação, à sua qualificação jurídica, aos indícios e às necessidades cautelares de aplicação da medida. O mesmo deve ocorrer quanto às medidas de garantia patrimonial pois são, em matéria patrimonial, o que as medidas de coação representam em matéria de liberdade.
16. A remissão para os factos de uma acusação, que é um ato decisório do M.ºP.º, onde se narram os factos ilícitos típicos e a respetiva qualificação jurídica, não é uma qualquer remissão a granel para um qualquer documento, em que o destinatário terá de adivinhar o que releva, mas uma remissão especificada e direcionada a um conjunto definido, delimitado e estabilizado de factos concretos, concatenados e relevantes num determinado momento processual. Factos que não são uma total surpresa para os recorrentes, pois, ao menos parte deles, foram-lhes comunicados aquando do primeiro interrogatório. O mesmo caráter de concretização e estabilidade tem o elenco da prova e a qualificação jurídica. A responsabilidade da maior ou menor dimensão da acusação não pode ser assacada ao subscritor do despacho recorrido, que não usou da glosada desculpa do padre António Vieira, beneficiando a consulta/leitura da acusação de um minucioso índice que identifica as páginas onde se descrevem as várias condutas delituosas. O que não se pode, no caso, e ao mesmo tempo, é dizer que o despacho recorrido é conclusivo, porque não elenca os factos da acusação, e que a acusação para a qual expressamente remete é longa pelo que não vale a remissão. O generoso prazo para interpor recurso (art. 411.º/1), bem mais longo que o estabelecido para apresentar RAI (art. 287.º/1), é um prazo razoável, permite a leitura da acusação e assegura o exercício do direito ao recurso.
17. A aplicação das medidas foi motivada e está fundamentada de modo a permitir aos destinatários a sua sindicância em recurso. A motivação concisa e sintética, mas completa, é aquela a que o legislador, reiteradamente, tem dado preferência, referindo-se a título meramente exemplificativo, a acusação (art. 283.º/3/b), o RAI (art. 287.º/2, súmula), a sentença em processo sumário (art. 389-A/1/a indicação sumária), quer no processo abreviado (art. 391.º-F).
18. A fundamentação do despacho que aplica uma medida de garantia patrimonial, por remissão para o requerimento do MP, não está vedada por lei, sendo em concreto mais ou menos viável, em face das exigências legais (arts. 97.º, 194.º), o conteúdo do requerimento de aplicação e o tipo de decisão em concreto. A fundamentação por remissão é, aliás, expressamente consentida na decisão instrutória em que se pode remeter para acusação, (art. 307.º/1) despacho com uma dimensão problemática mais exigente que a aplicação de medidas cautelares.
19. Como vimos, a aplicação das medidas de garantia patrimonial faz parte da reserva do juiz (art. 268.º/1/b). Concordamos com os recorrentes que importa afastar qualquer equívoco, pelo que é fundamental ao aplicar uma medida de garantia patrimonial que o juiz o faça por decisão sua e não por se ter deixado “arrastar” pelo requerimento do MP, nesse sentido. É essencial que a decisão surja aos olhos do cidadão, efetivamente, como uma decisão pessoal do juiz. No Estado de direito, as aparências também têm o seu valor. Mas o exato cumprimento do dever constitucional de fundamentação não proscreve, em absoluto, a possibilidade de o juiz fundamentar a sua decisão, mediante remissão para a promoção do MP, a cujo conteúdo dá adesão. No entanto, a proibição de um tal modo de fundamentar existirá, seguramente, quando ele for suscetível de, legitimamente, criar a dúvida sobre se a decisão é uma decisão pessoal do juiz ou apenas um “ir atrás” do MP. O juiz deve desempenhar o papel, que é o seu, de garante das liberdades (ac. TC 189/99). Apesar desta argumentação, o TC concluiu (acs. 223/98, 189/99, 147/2000, 396/2003 e 391/2015), pela não inconstitucionalidade da solução normativa que admite a fundamentação por remissão. No caso, a fundamentação por remissão representou apenas e só uma economia de meios; não resta sombra de dúvida que a decisão recorrida é uma decisão pessoal do juiz que não se limitou a acriticamente ir atrás do MP.
20. Improcede, assim, a arguida falta de fundamentação. Admitindo, por eficácia de argumentação, que no caso se verificava desconformidade na fundamentação do despacho que aplicou as medidas de garantia patrimonial, com as exigências legais, ocorreria nulidade (art. 194.º/6). Nulidade essa que deve ser arguida antes de o ato terminar ou, se a este não tiver o interessado assistido, nos 10 dias seguintes a contar daquele em que tiver sido notificado (arts. 194.º/6 e 120.º/1/2/3/a,). No caso, os recorrentes não assistiram à prolação do despacho recorrido pelo que dispunham de um prazo de dez dias após a notificação do despacho que decretou os arrestos, para arguírem a nulidade por falta de fundamentação (art. 105.º/1), o que não ocorreu, dado que só em recurso interposto depois do decurso desse prazo suscitaram a nulidade, pelo que eventual nulidade ficou sanada antes da sua arguição em recurso (COMENTÁRIO JUDICIÁRIO, 2021, III, § 38 da anotação ao art. 194.º).
21. Segundo AA as remissões quanto aos factos imputados ao arguido, à enunciação dos elementos probatórios que o fundamentam e à qualificação jurídica dos factos imputados levadas a cabo no despacho configurariam inexistência da respetiva fundamentação. A inexistência, embora não expressamente prevista no Código de Processo Penal, entre as espécies de invalidade, constitui na construção doutrinal a manifestação mais grave de invalidade. Como já referimos, a fundamentação do despacho existe e satisfaz as exigências legais. Mesmo a ocorrer deficiente fundamentação, o que, repete-se, não é o caso, ocorreria tão só nulidade que não foi oportunamente arguida pelo que está sanada (arts. 194.º/6 e 120.º/1/2/3/a).
22. Suscita a recorrente BB a questão de o arresto ter sido decretado sem a sua audição, apesar de visada pela medida. Não sofre contestação que os arrestos – quer o preventivo (art. 228.º), quer o previsto no art. 10.º da Lei 5/2002 – são decretados nos termos da lei do processo civil, o primeiro por remissão expressa do art. 228.º/1, o segundo por uma remissão em segunda mão, por via da dupla remissão, art. 10.º/4, e art. 228.º/1. Ora o art. 393.º/1, CPC, dispõe, expressamente, que o arresto é decretado, sem audiência da parte contrária, desde que se mostrem preenchidos os requisitos legais. Decretado o arresto sem a audição da requerida visada pela medida foi respeitado o formalismo legal e como o TC já teve oportunidade de dizer (ac. 724/2014) não é inconstitucional a norma do art. 228.º/1, interpretada como, remetendo para o regime processual civil, permitindo o decretamento do arresto sem prévia audição do arguido.
23. BB alega que a referência aos específicos factos que preenchem os pressupostos da medida em causa é imprescindível para que possa entender a decisão e acionar, querendo, os meios legais de reação ao seu dispor. Alega ainda a requerida que, em consequência daquela omissão no despacho recorrido, lhe ficou vedada a escolha dos meios de defesa. Quanto aos pressupostos de decretamento da medida, além do já referido, voltaremos, em momento subsequente a essa questão. Quanto à escolha dos meios de defesa importa começar por referir que não é pacífico que a recorrente pudesse usar simultaneamente os dois meios de defesa, recurso e oposição. Admitindo porém essa possibilidade (contra ac. RL de 21.03.2017 e ac. RP de 11.04.2018; a favor JOÃO CONDE CORREIA, COMENTÁRIO JUDICIÁRIO, 2021, Tomo III, § 41 da anotação ao art. 228.º), como nos parece ser de admitir, conhecendo a recorrente os factos e os meios de prova que foram levados em consideração no decretamento dos arrestos, conhecendo ou sendo-lhe exigível que conhecesse o valor dos bens arrestados, tanto mais que depois da efetivação da apreensão tais valores constam dos autos (v.g., fls 1000 e ss), a que a recorrente tem livre acesso, fica sem base a mera alegação, já de si conclusiva, de que lhe ficou vedada a opção de deduzir oposição. Não foi coartado qualquer meio ou direito de defesa; a recorrente decidiu no seu critério que meios de defesa usar.
24. Diz ainda a recorrente, não constando do despacho recorrido os factos que fundamentariam, por um lado, um fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e, por outro lado, os fortes indícios da prática de pelo menos um dos crimes do catálogo, inexistem condições que permitam à requerida ilidir a presunção de proveniência ilícita dos bens arrestados. A essência desta alegação será apreciada aquando da análise dos pressupostos do decretamento dos arrestos. De qualquer modo o recurso do despacho que decretou o arresto não será o meio mais apropriado para ilidir a presunção do art. 7.º/1, Lei 5/2002.
25. Conclui-se que não se verifica violação do disposto nos artigos 97.º/5 e 194.º/6, 374.º/2, 205.º, CRP e 154.º do CPC. Improcedem nesta parte os recursos
Requisitos do confisco
26. O Ministério Público requereu o arresto preventivo, nos termos do 228.º/1, e o arresto nos termos dos arts 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, contra AA, BB, CC e DD (a requerida DD apenas foi visada pelo arresto para garantia da perda clássica), com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie, nos termos do art. 228.º, arts 110.º/1/b/3/4, CP, e arts. 391.º a 393.º, do Código de Processo Civil (quanto à perda clássica); e, ainda, nos termos do disposto nos artigos 7.º n.º 1 e 10.º da Lei 5/2002 (quanto à perda ampliada).
27. A decisão recorrida deferiu e decretou o arresto preventivo (art. 228.º) e o arresto (art. 10.º, Lei 5/2002), dos bens identificados pelo Ministério Público, com vista a assegurar o pagamento do valor das vantagens que não foi possível apropriar em espécie, nos termos do artigo 228.º e artigos 110.º/1/b/3/4, CP, e nos arts 391.º a 393.º, CPC (quanto à perda clássica); e ainda nos termos do disposto nos artigos 7.º/1 e 10.º da Lei 5/2002 (quanto à perda ampliada).
28. A disciplina substantiva do confisco/perda clássica – simplesmente perda na nomenclatura legal – que o arresto preventivo visa garantir encontra-se no Código Penal. O direito penal português atual assenta, ainda hoje, na velha distinção, entre a “perda de instrumentos” e “perda de produtos e vantagens” ou produtos” (arts. 109.º e 110.º, CP). O Confisco/perda clássica previsto no CP visa a declaração de perda dos instrumentos (desde que pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso ponham em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, considerando-se instrumentos de facto ilícito típico todos os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a sua prática art. 109.º, CP), produtos, (os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática) e vantagens de facto ilícito típico, (todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem) art. 110.º, CP (JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição do confisco à perda alargada, 2012, INCM, p. 66).
29. Diverso do confisco/perda clássica, consagrou o legislador uma inovadora forma de confisco, perda alargada na nomenclatura legal (arts. 7. º e ss. da L 5/2202), visando o combate à criminalidade organizada e económico-financeira. Nas palavras da Proposta de Lei n.º 94/VIII, em face da constatação da insuficiência dos mecanismos de combate à criminalidade organizada e económico-financeira teve-se em vista introduzir mecanismos de investigação e de repressão mais eficazes, em relação a um conjunto de crimes identificados no artigo 1.º da Lei 5/2002. Visa este confisco, partindo do pressuposto de que havendo uma condenação criminal por um destes crimes (art. 1.º, Lei 5/2002), o condenado não deve poder conservar, no todo ou em parte, os proventos acumulados no decurso de uma carreira criminosa, a ablação da vantagem de atividade criminosa que é medida por uma diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
30. Considerando o respetivo regime legal e a elaboração doutrinária e jurisprudencial são comummente identificados como pressupostos do confisco/perda alargada:
a) A Condenação pela prática de um crime do catálogo (art. 1.º L 5/2002). Se não estiver em causa um desses ilícitos, por mais grave, rentável, vantajoso ou avultado que seja o património acumulado pelo condenado, este mecanismo processual ablativo não poderá ser desencadeado. Alargar o elenco a outros crimes, por via interpretativa, representa violação do princípio da legalidade (art. 29.º/1, CRP, art. 7.º, CEDH, JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição…, 103).
b) Que o condenado tenha, ou tenha tido um património [JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição…, p. 105 e 106 (212).
c) (Património) incongruente com o seu rendimento lícito.
31. Se o arguido só tem bens provenientes de um concreto crime, ficam (os bens) sujeitos às regras gerais do confisco, previstas no CP, ou se só tem bens compatíveis com os seus rendimentos lícitos o confisco alargado não se aplica (JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição…, p. 108). Importa realçar que os bens ou vantagens, direta ou indiretamente provenientes do crime (do catálogo, art. 1.º, Lei 5/2002) que está na origem do confisco, não devem ser incluídos nesse montante global. O mesmo se passa com os bens provenientes de um crime concreto, quer seja do catálogo, quer não seja, ficam sujeitos ao regime geral da perda dos instrumentos, produtos ou vantagens do crime (art. 109º e ss, CP), não sendo necessário presumir (para efeito de confisco) a sua proveniência de uma qualquer atividade criminosa (JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição…, p. 109, aqui seguido de muito perto).
32. O campo de aplicação da presunção limita-se ao património: perante um crime do catálogo e um património incongruente com o rendimento lícito do arguido o legislador presume (uma non-conviction based confiscation) que a diferença entre o valor do património apurado e aquele que é congruente com o rendimento lícito provem de atividade criminosa (art. 7.º/1, Lei 5/2002, JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição…, p. 111). A presunção está, obviamente, arredada da matéria penal e da culpa, pois não é compatível com a presunção de inocência (art. 32.º/2, CRP e art. 48.º CDFUE, ac. 101/2015 TC). Daí que não seja fundada a crítica dos recorrentes de violação desse princípio com garantia constitucional. Mas não é um mero não provado, firmado em matéria penal, que ilide a presunção tendo em vista o confisco. Esse não provado não exclui a presunção legal pois para ser ilidida exige-se a prova em contrário (arts. 349.º e 350.º, CC), prova que não sendo feita tudo se passa como provado para fins de confisco; a presunção só é ilidida se resultar provado o contrário (ac STJ de 16.01.2008, disponível em wwwdgsi.pt), sublinha-se resultar provado, pois pode resultar de atividade oficiosa do tribunal.
33. Os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193.º, norma de inequívoca natureza material JOSÉ DE FARIA COSTA, Noções fundamentais de direito penal, 3.ª ed. p. 44) visam traduzir, na legislação ordinária, o comando constitucional de que as restrições de direitos, liberdades e garantias, em consequência da aplicação de medidas cautelares (no caso arresto), devem limitar-se ao necessário (art. 18.º/2 CRP) para salvaguardar o interesse público na realização da justiça. O legislador ordinário, querendo ser exaustivo e correndo o risco de alguma redundância, consagrou na definição do critério que deve presidir à aplicação em concreto das medidas cautelares a sua atualidade (responde ao quadro de exigências atuais e não futuras), necessidade, proporcionalidade e adequação. Assim as medidas cautelares a aplicar (em sentido amplo), devem ser aquelas que, a cada momento, são necessárias, adequadas e proporcionadas às exigências processuais de natureza cautelar (COMENTÁRIO JUDICIÁRIO, 2021, III, § 3 da anotação ao art. 193.º, CPP). A alteração das necessidades cautelares processuais penais em sentido estrito (art. 204.º), não têm repercussão nas medidas de garantia patrimonial. Já têm repercussão nas medidas de garantia patrimonial as circunstâncias suscetíveis de interferirem na responsabilidade patrimonial e por excelência, o seu agravamento ou a sua extinção.
34. Os critérios para a fixação das medidas de garantia não são os mesmos que os das medidas de coação. As medidas de garantia patrimonial são aplicáveis a qualquer crime, independentemente da sua gravidade e da pena aplicável, desde que se verifique a probabilidade de um crédito sobre o requerido e fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento. A afetação patrimonial deve ser adequada e proporcional às necessidades cautelares e na justa medida da previsível obrigação futura (COMENTÁRIO JUDICIÁRIO, 2021, III, § 14 da anotação ao art. 193.º, CPP) e já não á gravidade do crime e das sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
35. Está em causa nos autos o decretamento de arrestos, (arresto preventivo) para garantir a eventual declaração de património perdido a favor do Estado, em resultado de ser o produto ou vantagem do crime/perda clássica (art. 110.º/1/b/3/4, CP) e (arresto) para eventual declaração de perda do património incongruente. O regime processual da apreensão em que se traduz o arresto, para confisco do património incongruente rege-se pelas disposições da Lei 5/2002 (arts 7.º a 12.º) e, subsidiariamente, pelo regime do arresto preventivo previsto no CPP (art. 10.º/4, Lei 5/2002) e nos termos da lei do processo civil (sucessivamente, ex vi art. 10.º/4, Lei 5/2002 e art. 228.º/1). O regime processual do arresto preventivo consta do art. 228.º do Código de Processo Penal e do CPC, art. 391.º e ss.
36. Pressuposto liminar de aplicação de qualquer das medidas cautelares é que não se verifiquem fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal (art. 192.º/2). O legislador não se bastou com o civilístico fumus boni iuris, que no ambiente processual penal, traduz-se no fumus commissi delicti (Paolo Tonini, Manuale di procedura penale, 2019, p. 503), os indícios da prática do crime que se exigem, v.g., para a acusação (art. 283.º/1), a fundada suspeita da prática de crime, mas consagrou, como princípio geral, um pressuposto negativo ou cláusula de salvaguarda, excluindo a aplicação de qualquer medida (nenhuma medida é o imperativo do legislador), quando houver fundado motivo para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal. Se as medidas de garantia patrimoniais se legitimam, como restrição de direitos fundamentais, quando além fumus commissi delicti existam razões cautelares, a inviabilidade do procedimento implica o afastamento da possibilidade da sua aplicação (n.º 6). (COMENTÁRIO JUDICIÁRIO, 2021, III, § 6 da anotação ao art. 192.º, CPP). A cláusula de exclusão da possibilidade de aplicar uma medida cautelar basta-se com «fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal», e é usada num sentido amplo, abrangendo todos os casos de afastamento da responsabilidade penal, nomeadamente as causas de justificação e de exculpação, de extinção da responsabilidade e do procedimento criminal e as causas de isenção da pena; em suma, deve tomar-se em conta toda a espécie de situações em razão das quais o agente não será punido (COMENTÁRIO JUDICIÁRIO, 2021, III, § 6 da anotação ao art. 192.º, CPP).
37. No caso, não foram alegadas nem se descortinam causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal (art. 192.º/6).
Requisitos de decretamento dos arrestos
38. O arresto não é uma sanção, apenas uma medida cautelar que visa garantir a eficácia da futura (eventual) declaração de perda, DAMIÃO DA CUNHA, Perda de bens a favor do Estado, Cento de Estudos Judiciários, 2002, p. 25-6). São pressupostos ou requisitos do decretamento do arresto tendo em vista o confisco (perda clássica) a verificação cumulativa do a) fumus commissi delicti e o b) periculum in mora (art. 391.º/1, CPC, ex vi, art. 228.º/1). É necessário que o requerente alegue a probabilidade de existência de indícios da prática de crime e o fundado receio de perda da garantia patrimonial do pagamento do valor que venha a ser confiscado/declarado perdido. Como já referido, o civilístico fumus boni iuris, no ambiente processual penal, traduz-se no fumus commissi delicti, os indícios da prática do crime que se exigem v.g., para a acusação (art. 283.º/1), a fundada suspeita da prática de crime (Manuel da Costa Andrade/Maria João antunes, 2017a, p. 149, COMENTÁRIO JUDICIÁRIO, 2021, III, § 25 da anotação ao art. 192.º, CPP). Não se afirma que existindo uma acusação pública o requerente está dispensado da prova no fumus commissi delicti, como também não foi afirmado na decisão recorrida, como iremos ver mais aprofundadamente, apenas que o fumus commissi delicti é equivalente aos indícios da prática do crime que se exigem para formular uma acusação (art. 283.º/1). Já a decisão instrutória, quando culmine num despacho de pronúncia, constituindo comprovação judicial de deduzir a acusação, terá o condão de dispensar o requerente do arresto da prova dos indícios da prática do crime. Acresce a prova do periculum in mora «o fundado receio de perda da garantia patrimonial», salvo se tiver sido previamente fixada e não prestada caução económica, caso em que o requerente fica dispensado dessa prova (art. 228.º/1).
39. São pressupostos de decretamento do arresto para garantia do confisco do património incongruente, «valor correspondente ao liquidado (apurado) como constituindo vantagem da atividade criminosa», arts 7.º e 10.º/2, Lei 5/2002), (a) o procedimento por um crime do catálogo (b) «a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais» e (c) «fortes indícios da prática do crime», do catálogo (arts 7.º e 10.º da Lei 5/2002). Existindo fortes indícios da prática do crime (do catálogo, art. 10.º/3, Lei 5/2002), o arresto poder ser decretado independentemente da verificação do periculum in mora [o que parece possibilitar a afirmação de que afinal bastam os indícios suficientes, caso em que a esse requisito acresce a prova do periculum in mora]. Assim, e em vista do caso em apreço, no procedimento para decretar o arresto tendo em vista garantir a perda alargada (património incongruente, princípio de taxatividade de crimes art. 1.º, Lei 5/2002), o MP está liberto da prova do periculum in mora (art. 10.º/3, L 5/2002, e art. 227.º), desde que prove os a) fortes indícios da prática de um dos crimes de catálogo e b) os fortes indícios da desconformidade do património do arguido, condição que emerge como um requisito não expresso, mas pressuposto pelo legislador (JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição…, p 186-7). O arresto para garantia da perda alargada está ainda sujeito aos princípios aos princípios gerais da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193.º/1).
40. Os «fortes indícios da prática do crime», são os mesmos fortes indícios da prática de crime exigidos para a aplicação das medidas de coação mais graves (art. 202.º/1, 201.º, 200.º/1), sem que qualquer norma exija, quanto às medidas de garantia patrimonial, que o crime seja doloso e por boas razões. Como já acima referido, presuposto legal da aplicação das medidas de garantia patrimonial não é a gravidade do crime, mas as necessidades cautelares.
41. Segundo os recorrentes, o arresto preventivo tendo em vista o confisco/perda clássica foi decretado sem que se verificasse o fumus boni iuris (rectius o fumus commissi delicti) e o periculum in mora, não estando o MP desonerado de demonstrar o justo receio da perda da garantia patrimonial, que deverá assentar em indícios concretos; que o despacho recorrido substitui o juízo que lhe competia fazer de determinação da a) existência de fortes indícios e, bem assim, de b) concretização do que seja o património desconforme, pela avaliação que é feita pelo Ministério Público em sede de requerimento de arresto que, por sua vez, remete para a indiciação da acusação, limitando-se a aderir à mesma, sem nada concretizar relativamente aos pressupostos do arresto preventivo, o que lhe competia. Que as contas bancárias e imóveis foram arrestados nos termos do arresto preventivo, art. 228.º, no âmbito da perda clássica, não estando o MP desonerado de demonstrar o justo receio da perda da garantia patrimonial. Que ocorre violação dos artigos 10.º da Lei 5/2002, 228.º do C.P.P. e artigos 391.º, 392.º, 393.º, e 365.º do C.P.C., ao interpretar tais artigos no sentido em que, existindo uma acusação pública, o requerente do arresto fica dispensado de alegar os factos nos quais se consubstanciam a probabilidade da existência do crédito, como se os mesmos pudessem resultar, por remissão, da acusação, sem necessidade de os autonomizar e densificar na petição de arresto (perda alargada). Viola tais artigos, também, quando se considera o requerente de arresto dispensado de invocar e justificar do receio de dissipação do património, o qual deverá assentar em indícios concretos. Também não foram relacionados os bens que devem ser apreendidos, com indicação dos respetivos valores, para melhor aferir da sua suficiência ou desproporção para garantir o eventual crédito, esquecendo os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação das medidas de garantia patrimonial, atropelando a presunção da inocência ao levar a eito tudo o que é parcamente invocado pelo MP, sem substrato factual ou probatório.
42. A questão relativa à violação do art. 365.º, CPC, já foi decidida pelo se considera ultrapassada.
43. Como já referido o civilístico fumus boni iuris (o direito/crédito), no ambiente processual penal, traduz-se no fumus commissi delicti (os indícios da prática do crime). O fumus commissi delicti para o efeito de decretar o arresto preventivo (confisco/perda clássica) é menos que os fortes indícios; o fumus commissi delicti é o equivalente dos indícios suficientes de se verificar crime e de os arguidos serem os seus agentes. Bastando os indícios suficientes, o que se afirma na decisão recorrida, é que, no presente caso, existem fortes indícios da prática dos crimes cuja autoria é imputada aos arguidos, fortes indícios sustentados pelos elementos probatórios constantes da acusação, fortes indícios que conduziram inclusivamente à dedução da acusação. Não se afirma no despacho recorrido, como a dado passo pretendem os recorrentes fazer crer, que há indícios porque foi deduzida uma acusação; diferentemente, afirma-se que há indícios porque depois de uma valoração autónoma e independente, por parte do despacho recorrido, quanto à verificação ou não dos indícios, concluiu-se pela sua existência. Em reforço da conclusão pelos fortes indícios a que chegou a decisão recorrida, importa referir que já anteriormente, por despacho judicial do juiz de instrução, os recorrentes foram sujeitos a medidas de coação de proibição e imposição de condutas (art. 200.º/1/d, não contatar com os demais arguidos e intervenientes identificados na listagem de fls. 5059 a 5061), medidas essas que pressupõem e exigem, de entre as condições de aplicação, os fortes indícios de prática de crime doloso. A conclusão do JI pelos fortes indícios não foi um ir atrás do MP, como parecem fazer crer os recorrentes, mas o resultado de uma avaliação aprofundada por parte de quem tem um conhecimento completo do processo, dos factos e respetiva qualificação jurídica e meios de prova. Em conclusão, o arresto (tendo em vista o confisco/perda clássica) foi decretado depois de verificado o fumus commissi delicti, pelo que improcede, este fundamento de recurso.
44. Quanto ao periculum in mora (arresto para garantir o confisco/perda clássica), a decisão recorrida também o considerou verificado. Afirmou a propósito «que se verifica o pressuposto do periculum in mora. No âmbito do decretamento do arresto preventivo o periculum in mora será concretizado por referência ao “receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento” do valor das vantagens, tal como determina o artigo 227.º n.º 1 do CPP. A concretização dos pressupostos de que «faltem» ou «diminuam» substancialmente as garantias de pagamento não suscita especiais dificuldades: Existe receio que as garantias faltem, nomeadamente, sempre que o valor das vantagens seja superior ao valor património do visado. Existe receio que as garantias diminuam sempre que o visado tenha alienado ou se prepare para alienar uma parcela do seu património. Por outro lado, não será exigível para aplicação do arresto ou do arresto preventivo a demonstração do “periculum in mora” ou seja, do receio de perda da garantia patrimonial sempre que esse arresto vise o pagamento do valor das vantagens, ou seja, a restauração da ordem patrimonial correspondente ao direito legítimo. Convocando as finalidades e fundamentos dogmáticos do confisco das vantagens do crime imediatamente se concluirá que não será exigível a demonstração do periculum in mora nos casos de arresto para o confisco das vantagens».
45. Como já referido, o MP não está desonerado do ónus de demonstrar o justo receio da perda da garantia patrimonial, que deverá assentar em indícios concretos. O receio é sempre subjetivo; para ser justificado, tem de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação (ac. STJ 3.3.1998, SILVA PAIXÃO, CJ STJ, Ano VI, Tomo I, p. 116). O justo receio pressupõe a alegação e prova, ainda que perfunctória, de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito (ABRANTES GERALDES, Temas da Reforma do Processo Civil, IV, p.174). JACINTO RODRIGUES BASTOS (Notas ao Código de Processo Civil, vol. II, p. 191), em lição ainda atual, refere que o receio do credor, para ser considerado justo, deve assentar em factos concretos, que o revelem à luz de uma de uma prudente apreciação; não basta o receio subjetivo, porventura exagerado, de ver insatisfeita a prestação a que tem direito. Uma última nota para afirmar que as condições para decretar a decisão de arresto deverão proporcionar um equilíbrio adequado entre o interesse do credor em obter uma decisão e o interesse do devedor em prevenir abusos da decisão, de outro modo, a medida de garantia patrimonial perde efetividade porquanto, na prática, o exercício do direito de arresto ficaria extremamente difícil.
46. A decisão recorrida afirma a verificação do requisito, mas acaba por desenvolver também uma argumentação subsidiária no sentido de que não será exigível para decretar o arresto ou o arresto preventivo a demonstração do periculum in mora, ou seja, o receio de perda da garantia patrimonial sempre que esse arresto vise o pagamento do valor das vantagens, ou seja, a restauração da ordem patrimonial correspondente ao direito legítimo. Esse entendimento tem sido perfilhado (nomeadamente por HÉLIO RIGOR RODRIGUES, O confisco das vantagens do crime: entre os direitos dos homens e os deveres dos estados a jurisprudência do TEDH em matéria de confisco, in O Novo Regime de Recuperação de Ativos, INCM, 2018, p. 81) mas não foi o acolhido pelo legislador que consagrou solução normativa diversa, que importa respeitar. Não sendo este o local para desenvolvidamente discorrer sobre a alegação do M.º P.º de que o crime não é um modo legítimo de aquisição de propriedade – fazendo, possivelmente, eco das palavras de SIDÓNIO RITO de que «o crime nunca é título legítimo de aquisição», Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Geral, II volume, 1966, p. 200 – diremos que os bens imóveis arrestados nos autos são indiscutivelmente património lícito, em relação ao qual foi decretado arresto para garantia do eventual confisco de valores, esses sim resultado de eventuais atividades delituosas. Feita esta precisão, encurtando razões e para que não restem dúvidas, para decretar o arresto tendo em vista a garantia do confisco/perda clássica, impende sobre o M.ºP.º, o ónus de alegar e provar o periculum in mora. Já o arresto para garantia do confisco/perda alargada pode ser decretado sem o a demonstração do periculum in mora, desde que se verifiquem fortes indícios da prática de crime do catálogo (art. 1.º e 10.º/2, Lei 5/2002 e art. 227.º/1).
47. São conhecidas as críticas ao legislador nacional (Lei 39/2017) na transposição da Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 3 de abril de 2014 e muito concretamente quanto à perda alargada, falando-se mesmo de incumprimento parcial da Diretiva (MARIA DO CARMO SARAIVA DE MENEZES DA SILVA DIAS, Perda alargada prevista na Diretiva 2014/42/EU (artigo 5.º) e perda do valor de vantagem de atividade criminosa prevista na Lei 5/2002 (artigo 7.º a 12.º), in O Novo Regime de Recuperação de Ativos, INCM, 2018, p. 106 e ss., 113 e ss). O M.ºP.º na resposta aos recursos não deixa de indiretamente aludir à questão. A diretiva é um ato destinado aos países da UE, que a devem transpor para os seus direitos nacionais. Direito nacional que deve ser interpretado conforme o direito europeu. O Tribunal de Justiça reconhece às Diretivas, em determinadas situações, um efeito direto para proteger os direitos dos particulares. Assim, o Tribunal estabeleceu na sua jurisprudência que uma diretiva tem um efeito direto quando as suas disposições são incondicionais e suficientemente claras e precisas, e quando o país da UE não tiver transposto a diretiva no prazo previsto (acórdão de 4 de dezembro de 1974, Yvonne van Duyn contra Home Office). No entanto, o efeito direto só pode ser vertical; os países da UE têm a obrigação de aplicar as diretivas, mas não podem invocá-las contra os particulares (acórdão de 5 de abril de 1979, Ratti; https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=LEGISSUM%3Al14547). Consequentemente estando em causa a dimensão país-particular, não se suscita questão de interpretação do direito da União, nem é caso de pedido de decisão prejudicial. Portugal pode é vir a ser responsabilizado pela incorreta transposição da Diretiva, mas essa é uma dimensão problemática que não cumpre apreciar.
48. O receio é sempre subjetivo; para ser justificado, tem de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação. O juízo da verificação do periculum in mora baseou-se no facto de as vantagens do crime serem superiores ao património dos visados. Afirma a decisão recorrida que existe receio que as garantias faltem, nomeadamente, sempre que o valor das vantagens seja superior ao valor património do visado. O legislador não consagrou de modo expresso um critério quantitativo, no sentido de que o requerente estaria dispensado de alegar e provar o fundado receio de perda da garantia patrimonial quando o valor do seu património fosse inferior ao valor do pedido de perda. Do património deficitário não se pode inferir sem mais o justo receio. O legislador não se bastou com essa visão contabilística. O juízo probatório pode assentar, alem da prova direta do facto, em factos ou circunstâncias indiretas, as presunções (art. 127.º). Nas presunções simples ou naturais (art. 349º do Cód. Civil), o facto conhecido é o ponto de partida (base da presunção), para concluir (presunção) a verificação de um facto desconhecido (facto presumido), percurso que é possibilitado pelas regras da experiência, da probabilidade e da lógica. A nível jurisprudencial, mormente nos Tribunais da Relação, que é onde em regra se suscitam estas questões, vem sendo aceite a inferência de que se verifica o periculum in mora, a justificar o decretamento da providência de arresto, quando há uma desproporção manifesta entre ativo e passivo (ac. TRL 2.04.2019, LUÍS GOMINHO, disponível em wwwdgsi.pt) e este sobreleva aquele. Mais se afirma que na prova do requisito periculum in mora a exigência não pode ser tal que se reconduza à prova de circunstâncias que revelem a concretização desse perigo, caso em que, não estaríamos perante um perigo de dissipação, mas perante a concretização de uma dissipação, perdendo o arresto e sua utilidade e efetividade. Subscrevemos o entendimento que precede.
49. No caso, segundo alegam os recorrentes, não está demonstrado que o valor das vantagens seja superior ao valor património do visado. Vejamos se é assim. Relativamente aos arguidos CC e DD, tendo em vista a perda clássica, foi decretado o arresto preventivo de um imóvel com o valor patrimonial tributário de €106 779,68, para garantir o pagamento do valor de €81 089,35. No arresto para garantir a perda alargada – em que é apenas visado CC – foi decretado o arresto de outro imóvel com o valor patrimonial tributário de €169.222,61, para garantir o pagamento do valor de € 133.009,49. Em relação a este imóvel, uma hipoteca garante o capital de €43.443,63. Mas além deste bem foram arrestados bens móveis avaliados em €7950,00, assim como saldos de contas bancárias em valor superior a €22.000,00, pelo que, em direitas contas, os ativos ultrapassam o valor da liquidação para efeito de eventual confisco, pelo que não temos sequer uma situação patrimonial deficitária. Tanto basta para afirmar que a realidade indiciária alegada pelo M.ºP.º, e dada como assente no despacho recorrido, não se verifica. Falecendo a base da presunção – o valor das vantagens ser superior ao valor património do visado – não é consentida, por esta via, a conclusão de que há periculum in mora.
50. Também não se indicia nos autos, nem sequer foi alegado, que o CC e DD, tenham alienado ou se preparavam para alienar uma parcela do seu património. A tese de que no arresto para garantir o confisco/perda clássica, não é necessária a prova do periculum in mora esbarra com a letra inequívoca da lei, como já vimos. Finalmente, em relação a alegação de que o receio de perda de garantia patrimonial sempre poderá ser afirmado por via da natureza dos crimes imputados aos arguidos e investigados nos presentes autos; que os crimes de corrupção e de branqueamento, bem como o crime de fraude fiscal, pressupõe uma atividade de dissimulação do real, e porventura suscetíveis de motivação da utilização de mecanismos semelhantes para ocultar e dissimular o seu património lícito com vista a evitar o confisco das vantagens pelo valor, diremos simplesmente que essa é a questão que importa demonstrar. Mais, essa argumentação convive mal com a filosofia das medidas cautelares no processo penal. Ninguém ousará justificar a aplicação da prisão preventiva com o único fundamento de que se indicia um crime de homicídio. É que, como sabemos, há requisitos gerais e especiais para aplicação das medidas cautelares – de garantia e de coação – que é imperioso respeitar num Estado de direito. Diversa poderia ser a situação se os arguidos tivessem um histórico na matéria, vale por dizer o uso de mecanismos de ocultação e dissimulação. Não é esse o caso.
51. Procede nesta parte o recurso dos arguidos CC e DD, a originar revogação da decisão na parte em que decretou o arresto para garantir o confisco/perda clássica, por falta de verificação do requisito periculum in mora.
52. Relativamente aos arguidos AA e BB, tendo em vista a eventual declaração de confisco/perda clássica da quantia de € 1 016 813,24, foi decretado o arresto, para garantir essa eventual decisão, em bens e saldos bancários com um valor pouco acima de €500 000,00. Em vista do confisco/perda alargada da quantia de €201.006,18 (AA) e €93.570,58 (BB), foi decretado o arresto de bens móveis (valores mobiliários e saldos de contas bancárias), de valor notoriamente insuficiente para garantir a eficácia de eventual declaração de perda. São desconhecidos outros bens imóveis propriedade destes arguidos.
53. Segundo o recorrente AA os bens (a apreender) não foram relacionados com indicação dos respetivos valores, para melhor aferir da sua suficiência ou desproporção para garantir o eventual crédito, esquecendo os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação das medidas de garantia patrimonial, atropelando a presunção da inocência ao levar a eito tudo o que é parcamente invocado pelo MP, sem substrato factual ou probatório.
54. Os bens a arrestar foram identificados com um critério de concretização bastante para possibilitar a efetivação da apreensão judicial desses bens, as indicações necessárias à realização da diligência (arts. 391.º/2 e 392.º/1, CPC), o que ocorreu sem percalços. Em termos de procedimento (art. 392.º/1, CPC) não se exige que o requerente indique os valores, v.g., dos saldos das contas etc., ónus de difícil cumprimento dada a sua volatilidade e as restrições de acesso. O recorrente, como normal titular de contas e utilizador de serviços bancários, sabia ou estava na sua disponibilidade saber quais os montantes constantes das respetivas contas. Após a apreensão judicial os valores estabilizam, podendo com base nesses valores, ser sindicada a necessidade, proporcionalidade e adequação num exercício demonstrativo concreto e não meramente abstrato. Não foi essa a opção dos recorrentes, apesar de os valores constarem dos autos de arresto desde momento anterior à interposição do recurso (fls. 1000 e ss). De qualquer modo, não ocorre qualquer desconformidade no procedimento, que a existir constituiria mera irregularidade, já sanada, sendo intempestiva a sua arguição em recurso (art. 123.º/1).
55. Quanto à presunção de inocência valem aqui as considerações expendidas no ponto (32). O campo de aplicação da presunção iuris tantum do art. 7.º/1, Lei 5/2002, está circunscrito a matéria patrimonial: perante um crime do catálogo e um património incongruente com o rendimento lícito do arguido o legislador presume (uma non-conviction based confiscation) que a diferença entre o valor do património apurado e aquele que é congruente com o rendimento lícito provem de atividade criminosa (art. 7.º/1, Lei 5/2002, JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição…, p. 111). A presunção está, obviamente, arredada da matéria penal e da culpa, pois não é compatível com a presunção de inocência (art. 32.º/2, CRP e art. 48.º CDFUE). A presunção contida no art. 7.º/1 da Lei n.º 5/2002, apenas opera após a condenação, em nada contrariando, pois, a presunção de inocência. Além do mais, trata-se de uma presunção ilidível, como são todas as presunções legais exceto quando o legislador disponha em contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil, acs. TC 101/2015 e 392/2015). Daí que não seja fundada a crítica do recorrente de violação desse princípio com garantia constitucional.
56. Quanto à verificação da existência de fortes indícios da prática de ilícito típico damos aqui por reproduzidas as considerações já desenvolvidas, no sentido de que a decisão recorrida concluiu, com bom fundamento, pela sua verificação, realçando que na decisão recorrida, não se afirma, como a dado passo pretendem os recorrentes, que há indícios porque foi deduzida uma acusação. A afirmação da existência de fortes indícios da prática de ilícito típico é o resultado de uma valoração autónoma, quanto à verificação ou não dos indícios, concluindo a decisão recorrida pela sua verificação.
57. Quanto à existência de periculum in mora valem as precedentes considerações, na parte aplicável, que damos aqui por reproduzidas (n.ºs 44, 45 e 48). Em relação aos recorrentes AA e BB, o juízo da verificação do periculum in mora baseou-se na circunstância de as vantagens do crime, na liquidação efetuada pelo M.ºP.º, serem superiores ao património dos visados. Afirma a decisão recorrida que existe receio que as garantias faltem, nomeadamente, sempre que o valor das vantagens seja superior ao valor património do visado. No caso, segundo os recorrentes, não está demonstrado que o valor das vantagens seja superior ao valor património dos visados. Vejamos se é assim.
58. Tendo em vista a eventual declaração de confisco/perda clássica, do valor de €1.016 813,24, foi decretado o arresto de bens no valor patrimonial tributário de cerca de €500.000,00. Alega o recorrente AA, que é facto notório que os imóveis situados na Rua ……. (……) e nas ……… (……) têm valor de mercado superior, provavelmente perto do dobro do valor patrimonial tributário. Uma breve nota para registar a incongruência, ou mero lapso, de o recorrente contabilizar como seu o património que afirma propriedade de terceiro (do filho). Aceita-se que é notório os valores patrimoniais tributários serem inferiores ao valor de mercado, em regra aquele valor está desatualizado. Mas já não é facto notório a alegada valorização - perto do dobro -, sendo ónus do requerido a prova dessa alegada valorização, o que não logrou. Admitindo, por eficácia de argumentação, como boa a alegação de os imóveis situados na Rua ……. (……) e nas ……… (……) valem mais que o valor patrimonial tributário, concluímos que, mesmo assim, o património arrestado é manifestamente curto para garantir o valor liquidado como do eventual confisco. E a desproporção agrava-se se considerarmos a totalidade da liquidação, para perda clássica e perda alargada, em confronto com a totalidade dos bens arrestados, sendo que não resulta assente que os requeridos sejam donos de outros bens, nomeadamente imóveis para além dos já arrestados.
59. Verificados como estão os requisitos legais cumulativos do arresto preventivo decretado, conclui-se que não foram violados os artigos, 228.º, CPP, 391.º, 392.º, 393.º e art. 365.º, CPC, nem os princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação das medidas de garantia patrimonial (art. 193.º). Improcede, nesta parte, o recurso dos arguidos AA e BB.
60. São requisitos cumulativos para decretar o arresto de bens do arguido tendo em vista garantir o confisco alargado (art. 10.º/2, Lei 5/2002), que se apure (1) um património incongruente e respetivo montante, (2) se verifique a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais (periculum in mora) e (3) indícios da prática do crime (do catálogo, art. 1.º, Lei 5/2002). Reunidos esses pressupostos, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens dos arguidos, no valor correspondente ao liquidado (apurado) como constituindo vantagem de atividade criminosa. O arresto para perda alargada pode ser decretado, independentemente de haver fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, Lei 5/2002, (periculum in mora), se existirem fortes indícios da prática do crime do catálogo (art. 7.º, 1.º e 10.º/3, Lei 5/2002).
61. Uma primeira nota para esclarecer que o arresto tendo em vista a garantia do confisco/perda alargada apenas foi decretado em relação ao CC. Alegam os recorrentes CC e DD que o MP «imputou ao CC a prática do crime de abuso de poder, p. e p. pelo art. 382.º, CP e do crime de corrupção passiva para ato ilícito, p. e p. pelo artigo 373.º, CP, imputando a título de vantagem patrimonial indevida integrante desse tipo, apenas e tão só a solicitação de bilhetes para dois ou três jogos de futebol [artigos 952 a 956 (fls. 12177) 979, (fls. 12180), 984 a 996 (fls. 12181 a 12183), 1556 a 1565 e 1574 (fls. 12.246 a 12248), 1589 (fls 12.250)]. Imputa ainda ao CC e à DD em coautoria a prática do crime de fraude fiscal, p. e p. pelo artigo 103.º/1/b/2/3, RGIT, referindo a folhas 12.711 dos autos (artigos 4694 a 4697), que tal decorre do facto de os rendimentos (pelos quais vem a pedir a perda alargada…) decorrem de rendimentos do trabalho dependente da Recorrente mulher não declarados. Ou seja, para o MP, como “vantagem indevida” para efeitos de integração do tipo da corrupção, o recorrente marido teria solicitado bilhetes para o futebol e para integrar o crime de fraude fiscal, o MP sustenta que não foram declarados rendimentos do trabalho dependente da Recorrente mulher; todavia, requereu, e viu-lhe deferido, o arresto em perda alargada, nos termos dos artigos 1.º, 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11/01, de bens que, a constituírem produto de crime, o seriam apenas, na perspetiva do MP, do crime de fraude fiscal, nada tendo a ver com o crime de corrupção, pelo que a douta decisão a quo, decretando o arresto de bens como garantia da perda alargada fê-lo ao arrepio dos preceitos indicados na alínea anterior, já que o crime de fraude fiscal não permite tal».
62. No essencial, assiste razão aos recorrentes CC e DD, pois é contabilizada para o efeito da perda alargada, quantia que é, segundo o M.º P. º, o resultado de um concreto crime de fraude fiscal cuja coautoria é imputada a ambos os arguidos. Manda ainda o rigor que se diga, relativamente às parcelas de €6.487,41 (ano de 2016) e €5.869,00 (ano de 2017) nem sequer há crime; a existir ilícito, segundo o M.º P.º, há apenas ilícito contraordenacional. Por simplificação de raciocínio, o resultado de um concreto crime de fraude fiscal, cuja coautoria é imputada aos arguidos, não pode entrar nas contas da perda alargada, quer porque a fraude fiscal não pertence ao catálogo (art. 1.º, Lei 5/2002), quer fundamentalmente porque, apurando-se que o valor em causa resulta de um concreto crime, cuja autoria se imputa aos requeridos, não há lugar ao funcionamento de qualquer presunção de aquele valor ser proveniente de atividade criminosa. De outro modo a ficção sobrepunha-se à verdade processual. O regime da Lei 5/2002 é excecional, consagra um meio específico do regime particular – e particularmente drástico – de resposta, preventiva e repressiva à criminalidade organizada e económico-financeira (MANUEL COSTA ANDRADE /MARIA JOÃO ANTUNES, RPCC 27, 2017, p. 141) que só deve ser aplicado nos seus precisos termos. Como já referimos, resultando os bens ou vantagens, de um crime concreto, quer seja do catálogo (art. 1.º, Lei 5/2002), quer não seja do catálogo, ficam sujeitos ao regime geral da perda dos instrumentos, produtos ou vantagens do crime (art. 109º e ss. CP), não sendo necessário presumir a sua proveniência de uma qualquer atividade criminosa. O confisco alargado não afasta o regime geral, sendo uma medida complementar ou adicional, que visa preencher uma lacuna legal. O mesmo deve acontecer com os seus lucros, juros, ou outras vantagens, que só devem ser imputados no património incongruente (art. 7.º/3, L 5/2002) quando não for possível proceder ao seu confisco direto (art. 111.º/3, CP, JOÃO CONDE CORREIA, Da proibição…, p. 109 (221) aqui seguido de muito perto).
63. Procede parcialmente o recurso dos recorrentes CC e DD, pelo que o arresto para garantir a perda alargada pelo valor de €133.009,49, não pode subsistir para garantia do montante global liquidado, mas apenas pela diferença (€133.009,49 - €81 089,35) = €51.920,14).
64. Em relação ao requerido AA, há fortes indícios da prática de crimes do catálogo [crime de corrupção passiva para ato ilícito, agravado, p. e p. nos art. 373.º/1 e 374º-A/2/3, por referência aos arts. 26.º, 202.º/) e 386.º/1/d), CP; crime de recebimento indevido de vantagem, p. e p. nos artigos 26.º e 372.º/1, CP (apenas o arguido) e crime de branqueamento, p. e p. no art. 368.º-A/1/2, CP, com referência ao art. 26.º do mesmo diploma legal (art. 1.º/1/e/f/i, Lei 5/2002)], foi liquidado o valor do património incongruente em €201.006,18 e verifica-se a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais, dado que o património do requerido é claramente inferior ao montante liquidado para o eventual confisco que os arrestos visam garantir. Como já referido o arresto para perda alargada pode ser decretado, independentemente de haver fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias do pagamento do valor determinado nos termos do artigo 7.º/1, Lei 5/2002, (periculum in mora), se existirem fortes indícios da prática do crime do catálogo (art. 7.º, 1.º e 10.º/3, Lei 5/2002). É o caso. Reunidos todos os pressupostos, o arresto decretado para garantia do valor correspondente ao liquidado como constituindo vantagem de atividade criminosa foi decretado em obediência às normas legais, pelo que não se verifica violação dos dispositivos contidos nos artigos 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, e ainda do artigo 228.º, CPP, e 391.º e ss, CPC.
65. Quanto à requerida BB, há fortes indícios da prática de crimes do catálogo [crime de corrupção passiva para ato ilícito, agravado, p. e p. nos art. 373.º/1 e 374.º-A/2/3, por referência aos arts. 26.º, 202.º/) e 386.º/1/d), e crime de branqueamento, p. e p. no art. 368.º-A/1/2, CP, com referência ao art. 26.º do mesmo diploma legal (art. 1.º/1/e/f/i, Lei 5/2002)], foi liquidado o valor do património incongruente no valor de €93.570,58 e verifica-se a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais, dado que o património da requerida é insuficiente para solver os montantes liquidados (para confisco clássico e alargado). Como já referido o arresto para perda alargada pode ser decretado, independentemente de haver fundado receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias do pagamento do valor determinado nos termos do artigo 7.º/1, Lei 5/2002 (periculum in mora), se existirem fortes indícios da prática do crime do catálogo (art. 7.º, 1.º e 10.º/3, Lei 5/2002). É o caso. Reunidos todos os pressupostos, o arresto decretado para garantia do valor correspondente ao liquidado como constituindo vantagem de atividade criminosa foi decretado em obediência às normas legais, pelo que não se verifica violação dos dispositivos contidos nos artigos 7.º e 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de janeiro, e ainda do artigo 228.º, CPP, e 391.º e ss, CPC, nem dos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação das medidas de garantia patrimonial, art. 293.º.
65. Improcedem nesta parte os recursos dos requerentes AA e BB,
Decisão:
Julgam-se improcedentes os recursos interpostos por AA e BB.
Na parcial procedência do recurso de CC e DD, revoga-se a decisão recorrida na parte em que decreta o arresto preventivo para garantia de confisco/perda clássica; revoga-se ainda a decisão recorrida na parte em que decreta o arresto para garantia de confisco/perda alargada do valor de €81 089,35. No mais improcede o recurso.
Custas pelos recorrentes AA e BB, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Supremo Tribunal de Justiça, 15 de abril de 2021.
António Gama (Relator)
João Guerra