1. No Processo Comum n.º 74/... do Juízo Central Criminal – J... da Comarca ...., foi proferido acórdão cumulatório a “condenar AA, na pena única de dez anos de prisão (Processos n.ºs 74/... e 39/...)”.
Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:
“1º. O recorrente entende que os Processos que entravam em Cúmulo Jurídico, não são os mesmos considerados pelo douto acórdão recorrido, segundo os artigos 77.º e 78.º do CP e 471.º do CPP.
2º. Constam do CRC do arguido dezassete condenações transitadas em julgado (excluindo as penas suspensas já extintas).
3º. Segundo as regras de Cúmulo Jurídico, ter-se-á que ter em conta a decisão que transitou em primeiro lugar, que ocorre em 20.09.2011 no Processo n.º 178/....
4º. Para se determinar que Processos estão em situação de Cúmulo Jurídico com o Processo n.º 178/..., deverá ter-se em conta todos os Processos cujas datas da prática dos factos é anterior a essa data.
5º. Surge um primeiro bloco de Cúmulo Jurídico entre os Processos n.º 810/..., n.º 178/..., n.º 1138/..., n.º 92/..., n.º 470/..., n.º 425/...e n.º 41/…, resultando numa pena única.
6º. Quanto aos restantes processos, o primeiro a transitar é o Processo n.º 135/.... em 18.05.2016, entrando em Cúmulo Jurídico os restantes Processos cujas datas dos factos são anteriores.
7º. Surge um segundo bloco de Cúmulo Jurídico entre os Processos n.º 4758/..., n.º 3/..., n.º 975/..., n.º 135/…, n.º 459/…, n.º 107/...., n.º 79/...., n.º 74/... e n.º 2228/..., resultando numa pena única.
8º. Resta apenas o Processo n.º 39..., autónomo dos restantes, por não se encaixar em nenhum dos dois blocos anteriores.
9º. De todos os Processos, o último onde houve decisão foi nos presentes autos, em 18.03.2019, sendo o competente para a realização dos identificados Cúmulos Jurídicos.
10º. Deverão, pois, ser considerados dois blocos de Cúmulo Jurídico num total de três penas sucessivas e, nessa sequência, ser o Cúmulo Jurídico efectuado entre os Processos n.º 74/... e n.º 39... ser desfeito e reformulado nos termos acima referidos.”
O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:
“2.11 - Se consideramos, como o douto colectivo fez e se impunha fazer, as datas da prática dos factos que constam da fundamentação de facto- factos provados da pronúncia, do douto acórdão proferido nos autos, verificamos que os ciclos de infracções a considerar são os referenciados no douto acórdão cumulatório impugnado:
“No primeiro grupo, em que se atende ao trânsito em julgado ocorrido no Processo n.º 178/... (20.9.2011), incluem-se, para além daquele, as penas aplicadas nos Processos n.º 810/..., 1138/..., 92/..., 470/..., 425/..., 41/.... e 41/....
No segundo grupo, atender-se-á ao trânsito em julgado ocorrido no Processo n.º 135/.... (18.5.2016), incluindo-se, para além desta pena, as penas aplicadas nos Processos n.º 4758/..., 3/..., 975/..., 459/…, 107/…, 2228/... e 79/....
No terceiro grupo, incluem-se as penas aplicadas no Processo n.º 39... e nos presentes autos (Processo n.º 74/...) sendo que a data relevante é a do trânsito em julgado do Processo n.º 39..., ocorrido em 13.8.2018.”
2.12 - Face ao exposto, assentando as alegações do recorrente em pressupostos erróneos, deverá improceder o recurso interposto.
a) Sobre a decisão do tribunal a quo em efectuar o cúmulo jurídico das penas que integram o terceiro grupo de infracções
2.2 - O disposto no artigo 471º, n.º 2, do CPP, atribui, é certo, ao «tribunal da última condenação», a competência territorial para “efeito do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 78º do Código Penal”. Mas não mais do que isso.
2.2.1 - Essa atribuída competência não vai para além do disposto nesse artigo 78º, cujos pressupostos se mantêm de verificação imperativa.
2.2.2 - Ou seja, essa competência territorial para a realização dos múltiplos cúmulos jurídicos de penas não é de um só processo, daquele onde foi proferida a última condenação mas é daquele processo que, de entre os relativos aos crimes em relação de cúmulo jurídico, serviu de suporte à condenação mais recente.
2.2.3 - Por isso e no que respeita às penas respectivamente proferidas nos Processos n.º 74/..., deste Juízo Central Criminal ...... e n.º 39..., do Juízo Central Criminal ……, J…- ambas juridicamente cumuláveis entre si – é nestes autos que, tendo sido proferida, de entre estas, a última condenação, deverá ser efectuado o cúmulo jurídico deste conjunto de penas.
2.2.4 - Para além disso, na situação dos autos, não se encontra consistência e relevância no argumento de que a realização dos diversos cúmulos jurídicos deve ser efectuada no tribunal da última condenação que é o que terá uma visão mais abrangente e unitária da concreta situação jurídico-processual do arguido.
2.2.5 - Como esclarecidamente se mencionou no douto acórdão recorrido: “Tendo presente estes três grupos, constata-se que os presentes autos apenas integram o último grupo de condenações. Acresce que apenas nestes as duas condenações o arguido praticou os factos já em cumprimento de pena de prisão, tendo ambas as condenações uma especial ligação a qual levou, inclusive, a que o arguido não fosse condenado no Processo n.º 74/... pelo crime de tráfico de estupefacientes, uma vez que já o havia sido no Processo n.º 39..., redundando uma eventual condenação na violação do princípio ne bis in idem.
Esta especificidade, em contraponto com as demais condenações – onde em relação a alguns processos já foi, inclusive, efectuado um cúmulo de penas – leva a que o tribunal não estenda a sua competência aos demais grupos de penas, estando aqueles outros processos em melhores condições para avaliar a conduta do arguido em liberdade e durante o período de tempo decorrido entre 2008 e 2014.
Nestes termos, opta-se, neste processo, pela realização do cúmulo de penas aplicadas nos Processos n.º 39... e 74/...”.
2.2.6 - Concorda-se com o entendimento do douto colectivo que aliás tem apoio Jurisprudencial (a título de exemplo, acórdão da Relação do Porto, de 27 de Outubro de 2010, proferido no proc. n.º 988/04.2PRPRT.P2, acessível in www.dgsi.pt).”
Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta apôs o seu visto.
Teve lugar a conferência.
2. O acórdão recorrido, na parte que interessa ao recurso, tem o seguinte teor:
“ FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Factos Provados:
O arguido foi condenado nos seguintes processos:
Processo Comum Coletivo n.º 74/...:
Data dos Factos: Janeiro de 2016 a Julho de 2017 Data do Acórdão: 18.3.2019
Data do Trânsito em Julgado: 20.11.2019 Crimes e Pena aplicada:
- um crime de associação criminosa p. e p. pelo art.º 299º, nºs 1 e 3 do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- um crime de branqueamento p. e p. pelo art.º 368ºA, nºs 1, 2 e 6 ambos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão.
- um crime de extorsão na forma tentada (relativamente ao arguido BB) p. e p. pelos arts. 223º, nºs 1 e 22º e 23º todos Código Penal, pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
um crime de extorsão simples na forma tentada (relativamente ao CC) p. e p. pelos arts. 223º, nºs 1 e 22º e 23º todos Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão, absolvendo-o do crime qualificado, p. e p. pelos arts. 223º, nº 3 al a) ex vi art. 204º, n.º 2 al. g) e 22º e 23º todos do Código Penal
EM CÚMULO JURÍDICO DE PENAS na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.
No Acórdão consta, no essencial, como provado:
“Em data não concretamente apurada, os arguidos DD, mais conhecido por “EE” (vocábulo francês que significa modalidade de box) e AA, conhecido por “FF” decidiram de comum acordo e em conjugação de esforços constituir, organizar e liderar um grupo com o propósito de introduzir e distribuir produto estupefaciente, especialmente haxixe, no interior do Estabelecimento Prisional ….. (EP...) para venda a reclusos, o que efectivamente fizeram, de forma sistemática e reiterada, pelo menos, entre Janeiro de 2016 e Julho de 2017.
Para dissimularem a origem do dinheiro e os lucros que iam auferindo os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços com alguns dos outros arguidos decidiram, para além do mais, utilizar de forma habitual, determinadas contas bancárias de namoradas ou amigas dos próprios ou de terceiros, e cujos NIB´s eram fornecidos aos reclusos que por sua vez, para ali, por regra, através de familiares, depositavam/transferiam quantias para pagamento do produto estupefaciente adquirido no EP....
AA e DD têm um caracter violento, sendo temidos pelos reclusos.
Na execução de todo este plano, estes dois arguidos, enquanto líderes do grupo, contavam com a colaboração e apoio essencial de todos os restantes arguidos (reclusos e não reclusos).
Os arguidos GG, HH, II, JJ, LL, e MM, eram porém, os homens de confiança daqueles, encontrando-se estes num 2º plano da organização, desempenhando cada um específicas funções, designadamente, angariavam e dirigiam, por diversos meios, outros elementos do grupo, colaboradores que despenhavam tarefas diferentes mas essenciais com vista à introdução e venda de produto estupefaciente no interior do EP... e/ou na dissimulação das respectivas vantagens e lucros.
Toda esta actividade tinha um caracter organizado e tentacular, envolvendo igualmente arguidos não reclusos que após receberem o produto das mãos de terceiros, entregavam-no a outros arguidos, nomeadamente, em regime aberto, e que por sua vez o transportavam e introduziram no interior do EP....
Aqui, uns tinham a função de guardar nas suas celas (algumas vezes sob pressão e violência física) o referido produto e ou inclusivamente no próprio organismo até receberem ordens para os entregar a outros co-arguidos, os quais, por sua vez, o vendiam, como efectivamente fizeram, a outros inúmeros reclusos.
Havia arguidos incumbidos de arremessar do exterior do EP... produto estupefaciente para o interior e por sua vez, outros (por vezes sob pressão e violência física) cabia a missão de recolher/ guardar e posteriormente entregar segundo orientações e ordens dos restantes.
Outros desempenhavam, cumulativamente, a função de cobradores de dividas contraídas na aquisição de estupefaciente exercendo reiteradamente pressão física e ou psicológica.
Havia ainda quem, para além do mais, angariasse outros elementos da associação especialmente namoradas, titulares de contas bancárias, as quais disponibilizavam o número das respectivas contas a fim de ali serem efectuados, como efectivamente foram, maioritariamente por parte dos familiares dos reclusos consumidores, depósitos ou transferências bancárias para pagamento do produto estupefaciente adquirido por estes no interior do EP....
Tais pagamentos foram efectuados por ordem dos arguidos AA, MM, DD, GG e LL através de depósitos ou transferências para as contas tituladas pelas arguidas NN (conta nº …76 da CGD) OO (conta nº …….09 do Eurobic), PP (conta nº …00 da CGD) QQ (conta nº …80 e …40 ambas da Caixa de Crédito Agrícola Mutuo) da arguida RR (conta nº …98 do Crédito Agrícola Mútuo) entre outras.
Os arguidos supra identificados, nas circunstâncias supra descritas agiram de comum acordo e em conjugação de esforços.
Os arguidos DD, AA, SS, AAA, BB, HH, TT, UU, JJ, II, MM, LL, NN, PP, QQ e OO integravam a associação supra descrita, conhecendo perfeitamente todas as actividades do grupo em que se inseriam e do qual aceitaram fazer parte, assumindo cada um a execução de actos necessários a alcançar os objectivos do grupo, tendo cada um deles funções específicas que visavam o desenvolvimento da actividade de introdução e venda de produto estupeficantes no interior do EP... e ou de dissimulação dos produtos e vantagens do crime, e cuja origem e proveniência era do conhecimento de todos os arguidos.
Para melhor concretizarem os seus objectivos, todos estes arguidos aceitaram zelar pelo desempenho eficaz daquela actividade organizada e pela continuidade do grupo.
Mais sabiam estes arguidos que com esta actuação, constituindo um grupo organizado que tinha como finalidade promover a prática de crimes tráfico de estupefacientes e branqueamento de capitais estavam a colocar em causa as expectativas sociais e a paz pública especialmente no interior de um estabelecimento prisional.
Todos os objectos e valores apreendidos foram usados na actividade criminosa, maxime de tráfico de estupefacientes e branqueamento de capitais levada a cabo pelos arguidos e ou constituem o seu produto.
Os arguidos AAA, BBB, BB, CCC, ZZ, XX, JJ, HH, AA, DD, II, GG, VV, TT e SS conheciam a natureza das substâncias que detinham, transportavam, recebiam, transaccionavam, guardavam, arremessavam e sabiam que as mesmas se destinavam ser introduzidas e vendidas no interior no EP..., como efectivamente foram.
Os arguidos BBB, PP, NN, QQ, OO, AA, MM, DD, GG, VV e LL disponibilizaram e ou ordenaram pagamentos referentes à aquisição de produto estupefaciente nas contas bancárias supra referidas com o propósito conseguido de dissimular o produto decorrente da actividade de tráfico de estupefacientes no sentido de evitar que as autoridades o viessem a apreender uma vez que se tratava de produto de crime e obstar a que pudessem vir a ser implicados no correspondente crime de tráfico de estupefacientes.
Os arguidos GG, DD, JJ, HH, AA, II e TT, usaram, nalgumas circunstâncias, de violência física e psicológica contra os reclusos (arguidos e não arguidos) com o propósito de os determinar ao pagamento de uma disposição patrimonial causadora de prejuízo patrimonial o que só não conseguiram por factos alheios às suas vontades.
Os arguidos HH e II agiram com o propósito conseguido de molestar fisicamente e nas circunstâncias em que o fizeram o arguido BB.
Agiram sempre os arguidos livre, voluntária e conscientemente e sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.”
Data do Trânsito em Julgado: 13.8.2018
Crimes e Pena aplicada: um crime p. e p. pelo art.º 21.º do DL n.º 15/93, de 22.1, na pena de 8 anos de prisão
No Acórdão consta como provado:
Desde data não concretamente apurada mas pelo menos desde o final do mês de Março de 2017, o arguido AA, então em cumprimento de pena de prisão no Estabelecimento Prisional …..., vem-se dedicando à aquisição e venda de resina de canábis a terceiros. Embora privado da liberdade. e por essa razão, o arguido socorre-se da colaboração dos demais arguidos, dando-lhes instruções no que se refere à aquisição do estupefaciente. ao seu armazenamento, transporte e distribuição por terceiros.
Do mesmo modo o arguido AA controlava o recebimento de dinheiro, correspondente ao preço do estupefaciente vendido, pelo arguido SS;
Essas instruções eram dadas diretamente ao arguido SS através do telefone, com quem contactava quase diariamente;
Assim, no início de Abril de 2017, o arguido AA utilizando o telefone com o número …, supervisionou a aquisição, transporte e entrega de resina de canábis, por parte do arguido SS;
Para o efeito, no dia … de Abril de 2017, os arguidos discutiram a aquisição de um carro, tendo o arguido AA ordenado que o arguido SS adquirisse um …, de origem inglesa (com o volante à direita), com a matrícula ……2, pelo valor de €2.100;
A viatura em questão foi procurada pelo arguido SS, que negociou igualmente o preço, mas só concretizou a aquisição depois de obtida a aprovação do arguido AA;
O veículo destinava-se ao transporte de estupefaciente entre o ……. e …….
Ainda nesse dia … de Abril, os arguidos SS e DDD visitaram o arguido AA no Estabelecimento Prisional ………, cidade onde se encontravam no dia seguinte;
Pelas 2Ih43m do dia … de Abril, os arguidos DDD e SS, circulavam na A.…, sentido Norte/Sul, no automóvel referido supra.
Porque o veículo circulava com velocidade média de 168,42 kms/horários foi mandado parar por elementos do Destacamento de Trânsito da Guarda Nacional Republicana em ..., ao km 38, área desta Comarca, ordem que o arguido SS, seu condutor, ignorou pondo-se em fuga;
O arguido veio a despistar-se na Estrada Nacional …, em …, …, abandonando o automóvel e pondo-se em fuga a pé, acompanhado da arguida DDD; Durante a fuga os arguidos contactaram telefonicamente a utilizadora do telefone com o número …., dizendo-lhe que estavam a fugir da polícia e pedindo-lhe que os viessem buscar porque tinham ficado apeados;
Durante a fuga apeada. os arguidos perderam uma bolsa contendo quantia em dinheiro indeterminada, que pertencia ao arguido AA;
Na bagageira do automóvel, os arguidos transportavam 15.606,98g de resma de canábis, dividida entre 148 placas e 100 bolotas, que também pertencia ao arguido AA e que se destinava a ser vendida a terceiros;
A partir desta data os arguidos deixaram de adquirir veículos para transportar o estupefaciente, passando a fazê-lo em automóveis para o efeito alugados.
No período compreendido entre 3 de Abril e 13 de Agosto de 2017, os arguidos mantiveram a actividade que até aí vinham desenvolvendo, nos precisos termos em que o vinham fazendo, passando a utilizar automóveis alugados.
Assim, o arguido SS distribuía estupefaciente por várias pessoas que depois o vendiam aos consumidores. entregando posteriormente o dinheiro ao arguido SS que por seu turno prestava contas ao arguido AA.
No dia … de Agosto de 2017, cerca das 16h40m, os arguidos SS e DDD, acompanhados pela mãe desta, dirigiram-se às instalações da International Rent-a-Car existentes no aeroporto de …, fazendo-se transportar no automóvel com a matrícula …-…-RS;
Procederam então ao aluguer de uma viatura …, modelo …, de cor cinzenta, com a matrícula …-SQ-…;
O aluguer do automóvel tinha sido previamente combinado pelo arguido SS e o contrato foi celebrado em nome da mãe da arguida. EEE.
Após, saíram do aeroporto, o arguido SS conduzindo o veiculo com a matricula …-63-.., e a arguida DDD como passageira do automóvel ..-SQ-…, conduzido por EEE, sua mãe;
Pelas 21h13, os arguidos SS e DDD, utilizando o veículo …-SQ-… sempre conduzido pelo primeiro, dirigiram. se a ... através da Ponte Internacional do … em … reentrando em território nacional pelas 22h53;
Os arguidos chegaram a casa do arguido SS pelas 21h50m onde permaneceram até às 12h45m do dia seguinte, hora em que voltaram a sair utilizando o mesmo automóvel, circulando por várias localidades e permanecendo numa vivenda sita na Rua …, … entre as I3h08m e as 14h40m;
Mais uma vez o automóvel foi conduzido pelo arguido SS;
Pelas 14h52m os arguidos dirigiram-se novamente a ... mais uma vez utilizando a Ponte Internacional do …, reentrando em território nacional pelas J 6h37m e dirigiram-se novamente à casa na Rua das …, onde permaneceram durante quatro minutos; Pelas 20h30m, utilizando sempre o mesmo veículo e sempre conduzido pelo arguido, dirigiram-se para ... através da A…..., tendo-se deslocado à Rua … e em seguida à …;
Após os arguidos dirigiram-se à … tendo-se encontrado com um sujeito não identificado. após o que seguiram para o …, através da Ponte …, onde chegaram pelas 00h26m;
O encontro com este sujeito havia sido previamente combinado pelo arguido SS.
Pelas 15h20m do dia seguinte os arguidos abandonaram o local utilizando novamente o veículo com a matrícula …-SQ-…, tendo o arguido SS novamente assumido a condução, e dirigiram-se ao Estabelecimento Prisional de …;
Aqui visitaram o AA, que, entretanto, fora transferido do Estabelecimento Prisional ….... para o Estabelecimento Prisional de …;
Pelas 20h16m, os arguidos encontravam-se em casa da mãe da arguida, no …, de onde saíram às 20h27m, dirigindo-se novamente à casa da Rua …;
Pelas 22h05m os arguidos abandonaram o local em direcção a …..., sendo a condução exercida mais uma vez pelo arguido SS, tendo atravessado a Ponte Internacional do ..…, pelas 22h44m;
Os arguidos reentraram em território nacional pelas 23h05m, tomaram a A.… no sentido Norte e chegaram às portagens da A… no …, pela 1h29m;
OS arguidos foram interpelados pela autoridade policial nessas portagens, mas desobedeceram à ordem de paragem e seguiram em direcção a ……, tendo sido intercetados na Rua …… em ……;
Na bagageira. do automóvel os arguidos transportavam 64.154,6g de resma de canábis;
O arguido SS trazia consigo, 7,091g de resina de canábis, correspondente a 39 doses individuais;
Embora não tenha tido qualquer um do estupefaciente apreendido na sua posse, o arguido AA quis organizar e controlar a actividade dos arguidos SS e DDD, o que fez;
Os arguidos SS e DDD cumpriam as instruções que lhe eram dadas pelo arguido AA, ocupando o seu lugar enquanto se encontra a cumprir pena de prisão;
O arguido SS não é titular de carta de condução;
Os arguidos SS e DDD quiseram transportar e deter na sua posse a resina de canábis, o que fizeram, destinada a ser vendida a terceiros recebendo o preço que pertencia ao arguido AA;
O arguido AA quis organizar a venda de resina de canábis, dispondo para essa finalidade dos arguidos SS e DDD, transmitindo ao primeiro como, quando, onde e a quem deveriam adquiri-la e vendê-la e controlando igualmente o recebimento do preço, que lhe pertencia, o que fez;
Os arguidos sabiam que a detenção e transmissão, a qualquer título, de resma de canábis é proibida por lei e não obstante agiram da forma descrita;
O arguido SS sabia que não podia exercer a condução automóvel, por não ser titular de carta de condução ou qualquer documento que lho permita fazer;
Ainda assim, o arguido quis exercer a condução dos automóveis que utilizou como descrito, o que fez;
Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as respetivas condutas eram proibidas e punidas por lei;
Por acórdão de 04/05/2011, transitado em julgado em 20/09/2011, proferido no Processo Comum Coletivo n.º. 178/... foi o arguido condenado pela prática, em …/05/2009, de um crime de coação agravada, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na execução, com regime de prova por igual período;
Por acórdão de 26/09/2012, transitado em julgado em 26/10/2012, proferido no Processo Comum Coletivo n.º 1138/..., foi o arguido condenado pela prática, em …/12/2008, de um crime de roubo simples, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na execução;
Por Acórdão datado de 24.6.2016 transitado em julgado em 30.11.2017, foi o arguido condenado na pena de 2 anos de prisão, pela prática em … .2.2010 de um crime p. e p. pelo art.º 210.º do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 92/...).
Por sentença datada de 15.11.2016 transitada em julgado em 15.12.2016, foi o arguido condenado na pena de 12 meses de prisão, pela prática em … .10.2014 de um crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal (Processo n.º 4758/…). Operando o cúmulo com as penas aplicadas nos Processos n.º 135/…, 459/…, 107/...., foi o mesmo condenado na pena única de 11 anos de prisão.
Por Acórdão datado de 18.11.2016 transitado em julgado em 26.4.2018, foi o arguido condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática em … .8.2012 de um crime de detenção de arma proibida (Processo Comum Coletivo n.º 3/...).
Por Acórdão datado de 25.11.2016 transitado em julgado em 17.11.2017, foi o arguido condenado na pena única de 7 anos de prisão, pela prática em … .3.2010, 14.3.2012 e 19.5.2009 de 3 crimes de injúrias agravadas, um crime de furto qualificado, 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário e 8 crimes de condução sem habilitação legal (Processo Comum Coletivo n.º 975/...).
Por Acórdão datado de 4.5.2011 transitado em julgado em 20.10.2017, foi o arguido condenado na pena de 18 meses de prisão pela prática em … .5.2009 de dois crimes de coacção agravada (Processo Comum Coletivo n.º 178/...).
Por sentença de 20/12/201, transitado em julgado em 02/10/2012, proferido no Processo Comum Singular n° 409/..., foi o arguido condenado pela prática, em …/08/2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 230 dias de multa à razão diária de 7 euros, declarada extinta por despacho de 05/11/2012;
Por sentença de 19/01/2012, transitado em julgado em 03/12/2012, proferido no Processo Sumário n° 12/..., foi o arguido condenado pela prática, em …/0r/2012, de dois crimes de injúria, na pena única de 3 meses de prisão, suspensa na execução por 1 ano, declarada extinta por despacho de 03/12/2013;
Por Acórdão datado de 17.10.2013 transitado em julgado em 20.10.2016, foi o arguido condenado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pela prática em … .06.2009, de um crime p. e p. pelo art.º 204.º, n.º 2, al. e) do C.Penal (Processo Comum Coletivo n.º 470/...).
Por sentença de 27/04/2012, transitado em julgado em 19/II/20I3, proferido no Processo Sumário n.º 98/..., foi o arguido condenado pela prática. em …/03/2012, de um crime de injúria agravada e de condução perigosa de veículo rodoviário, na pena única de 210 dias de multa à taxa diária de 6 euros
Por Acórdão datado de 30.3.2016 transitado em julgado em 25.1.2017, foi o arguido condenado na pena única de 3 anos de prisão, pela prática em … .1.2014, de um crime de condução sem habilitação legal, 2 crimes de injúria agravada, 1 crime de resistência e coacção sobre funcionário e um crime de condução perigosa de veículo rodoviário (Processo Comum Coletivo n.º 107/…).
Por sentença datada de 25.5.2016 transitada em julgado em 3.10.2016, foi o arguido condenado na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, pela prática em 9.5.2012 de um crime de condução sem habilitação legal (Processo Comum Singular n.º 520/...).
Por acórdão de 19/02/2013, transitado em julgado em 18/03/2013, proferido no Processo Comum Coletivo n.º 425/..., foi o arguido condenado pela prática, em …/08/2009, de um crime de furto qualificado na forma tentada, na pena de 18 meses de prisão, suspensa na execução por igual período;
Por sentença de 15/07/2014, transitado em julgado em 19/12/2014. proferido no Processo Comum Singular n.º 106/...foi o arguido condenado pela prática em …/03/2012, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 10 meses de prisão, suspensa por 1 ano na respetiva execução, declarada extinta por despacho de 18/03/2016;
Por acórdão de 03/02/2015, transitado em julgado em 05/03/2015, proferido no Processo Comum Coletivo n°. 41/…, foi o arguido condenado pela prática, em …/07/2011 de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na execução por igual período;
Por acórdão de 12.04.2016, transitada em julgado no dia 18.5.2016, proferida no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 135/…. pela prática, em … .02.2014 e 26.1.2014, de um crime de sequestro, de um crime de detenção de arma proibida e de dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, na pena única de sete anos de prisão;
Por sentença de 09/11/2016, transitado em julgado em 26/05/2017, proferido no Processo Comum Singular n. ° 79/.... foi o arguido condenado pela prática em …/02/2012, de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de coação e resistência sobre funcionário, na pena de 20 meses de prisão e 12 meses de prisão, e na pena única de 2 anos e 2 meses de prisão;
Por sentença de 15/11/2016, transitado em julgado em 15/12/2016, proferido no Processo Comum Singular n.º 4758/...M foi o arguido condenado pela prática em …/08/2015, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 12 meses de prisão;
As condições habitacionais do núcleo familiar de origem eram muito precárias, tratando-se de uma habitação clandestina (barraca) localizada próximo de .... Só mais tarde, em 1995, com o apoio do programa de realojamento social, é que o agregado familiar veio a usufruir de melhores condições habitacionais. Em termos comunitários, o núcleo familiar do arguido estava referenciado como problemático pelos vários serviços de apoio social de ..., não dispondo a família de fonte de receitas regulares, recebendo apoios sociais pontuais acrescidos de trabalhos em “ferro velho”, realizados na altura pelo progenitor.
AA apresenta um percurso escolar de fraco aproveitamento, tendo registado duas retenções no 1º Ciclo, alegadamente por desinteresse pelas matérias lecionadas e por absentismo, ocupando o tempo no convívio com os amigos. Com 13 anos de idade optou por abandonar os estudos, não chegando a concluir o 5ºano de escolaridade, reportando-se a essa fase os primeiros problemas comportamentais, vindo a família a ser sinalizada junto dos serviços de proteção na sequência de comportamentos de desobediência e rebeldia dos descendentes para com a mãe.
Após o abandono escolar apresentou um estilo de vida sem qualquer ocupação estruturada, num quotidiano ocioso e marginal, em convívio estreito com grupos de pares conotados por condutas socialmente reprováveis.
A manutenção desses comportamentos socialmente inadequados culminou na aplicação de medidas tutelares educativas e internamento em Centro Educativo da DGRSP. Embora neste contexto institucional tenha concluído o 7º ano de escolaridade e aparentado indicadores ao nível da capacidade pessoal para infletir as suas atitudes, AA veio a registar uma fuga da instituição em 2007, onde foi reconduzido, tendo saído de forma definitiva em janeiro de 2008.
O regresso à residência materna foi ponto de retorno ao modo de vida anteriormente mantido, num quotidiano ocioso e de convívio com os amigos, desenvolvendo relacionamentos afetivos de curta duração.
AA tem um filho, fruto dessas relações mantidas por curto espaço de tempo, tendo existido alguma conflitualidade na interação com o grupo familiar da mãe do seu filho.
Esteve preso preventivamente no EP………, tendo sido colocado em liberdade a …-10-2011, por excesso de prisão preventiva. Posteriormente, em agosto de 2012, registou nova reclusão no EP ….... à ordem do processo nº 3/... do Tribunal da Comarca..., tendo no meio prisional registado várias punições disciplinares.
AA encontra-se preso desde setembro de 2014, em cumprimento de várias penas sucessivas de prisão.
Em data precedente à situação de reclusão, AA estava a residir em ... juntamente com uma namorada, nacional desse país, mencionando uma situação economicamente modesta mas equilibrada, assente nos rendimentos provenientes da atividade da então namorada, proprietária de um salão de cabeleireiro, a que adicionaria algum rendimento advindo do seu alegado trabalho, na compra e venda de veículos automóveis usados.
No momento atual, a ausência de uma formação profissional e os reduzidos hábitos de trabalho que parece registar, onde se destaca um percurso institucional marcado pela fraca adesão a ações de promoção de desenvolvimento de competências sociais e laborais, são alguns dos fatores que levam a alguma ponderação quanto ao sucesso da sua reintegração social, não se descurando o apoio familiar que, embora presente, surge como pouco consistente em termos de contenção dos seus comportamentos.
Como planos futuros, AA perspetiva ir viver para … com o atual cônjuge, FFFF, que tem sociedade numa empresa de construção civil, com o pai, e uma loja de estética (unhas e tatuagens), onde o arguido pode vir a colaborar.
Está no Estabelecimento Prisional…… desde dezembro de 2019. Trabalha como … e pretende fazer teste de acesso ao ensino superior (+ 23), para tentar frequentar um curso de … através da Universidade Aberta.
Não regista infrações disciplinares em 2020.
Ainda não reuniu condições para beneficiar de medidas de flexibilização da pena.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
1. Dos Processos Abrangidos:
Importa, então, realizar o cúmulo jurídico de penas, por se verificar um conhecimento superveniente de crimes anteriores (art.° 78°, n° 1 Código Penal).
Em matéria de cúmulo de penas, dispõe o art.º 77º/1 do Código Penal que “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”. O art.º 78º do Código Penal dispõe que «1 — Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.2 — O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado. 3 — As penas acessórias e as medidas de segurança aplicadas na sentença anterior mantêm-se, salvo quando se mostrarem desnecessárias em vista da nova decisão; se forem aplicáveis apenas ao crime que falta apreciar, só são decretadas se ainda forem necessárias em face da decisão anterior.»
De acordo com o Acórdão de Fixação de Jurisprudência 9/2016 «O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso. (in DR, I série, n.º 111, de 19.6.2016)
O trânsito em julgado de uma condenação é um limite temporal intransponível, no âmbito do concurso de crimes, à determinação de uma pena única, excluindo desta os crimes cometidos depois.
Por outro lado, conforme refere o Acórdão do STJ de 15.4.2010 (Processo n.º852/03.2PASNT.L1.S1 – 3ª secção), « A alteração legislativa dada pela Lei 59/2007, de 04-09, ao n.º 1 do art. 78.º do CP, foi inquestionavelmente no sentido de incluir no cúmulo as penas cumpridas, que serão descontadas na pena única, como expressamente se dispõe no texto legal. Por força desse desconto, a inclusão dessas penas não envolve nenhum prejuízo para o condenado, podendo, ao invés, representar um significativo benefício. II - Mas a situação é diferente relativamente às penas prescritas ou extintas. Embora a letra da lei aparentemente consinta a inclusão, essas penas devem ser excluídas. É que, se elas entrassem no cúmulo, interviriam como factor de dilatação da pena única, sem qualquer compensação para o condenado, por não haver nenhum desconto a realizar. III - Ora, se essas penas foram apagadas da ordem jurídico-penal, por renúncia do Estado à sua execução, renúncia essa definitiva, recuperar tais penas, por via do concurso superveniente, seria subverter o carácter definitivo dessa renúncia. Seria, afinal, condenar outra vez o agente pelos mesmos factos, seria violar frontalmente o princípio non bis in idem, consagrado no art. 29.º, n.º 5, da CRP. Consequentemente, há que excluir da pena conjunta as penas prescritas e extintas que entraram no concurso» (in www.stj.pt)
Por sua vez, aderimos ao entendimento plasmado no Acórdão do STJ de 29.4.2010 (Proc. n.º 16/06.3GANZR.C1.S1 - 5.ª Secção) de que “no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas serem descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final. Pelo mesmo motivo, há que reflectir que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos daquela norma ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão. Na verdade, no caso de extinção nos termos do art. 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o é nas restantes hipóteses.» (in www.stj.pt).
Por outro lado, é entendimento jurisprudencial maioritário que a existência de penas suspensas não obsta à sua inclusão no cúmulo a operar, apenas a final se decidindo da eventual suspensão da pena única aplicável caso a mesma seja legalmente admissível (neste sentido cfr. Paulo Dá Mesquita, O Concurso de Penas, ps. 95 a 98, e Acs. do STJ de 22/04/04, CJSTJ, 2004, t. 2, p. 172; de 14/06/06; e de 4/12/08, da R.P. de 28.3.2007, 28.3.2012, da R.L. de 28.6.2006, da R.E. de 20.1.2011, todos em www.dgsi.pt).
Tendo presente as considerações supra expostas, considerando a data dos factos praticados e das condenações sofridas e respectivos trânsitos em julgado, é possível formar três grupos de condenações:
No primeiro grupo, em que se atende ao trânsito em julgado ocorrido no Processo n.º 178/... (20.9.2011), incluem-se, para além daquele, as penas aplicadas nos Processos n.º 810/..., 1138/..., 92/..., 470/..., 425/..., 41/.... e 41/....
No segundo grupo, atender-se-á ao trânsito em julgado ocorrido no Processo n.º 135/.... (18.5.2016), incluindo-se, para além desta pena, as penas aplicadas nos Processos n.º 4758/...M, 3/..., 975/..., 459/...., 107/...., 2228/... e 79/....
No terceiro grupo, incluem-se as penas aplicadas no Processo n.º 39... e nos presentes autos (Processo n.º 74/...) sendo que a data relevante é a do trânsito em julgado do Processo n.º 39..., ocorrido em 13.8.2018.
Para a formação destes grupos não se atendeu às multas aplicadas nos Processos n.º 409/... e 98/..., as quais se encontram extinta, não sendo útil efectuar qualquer operação de cúmulo jurídico das mesmas.
Por outro lado, não se atendeu às penas aplicadas nos Processos n.º 12/…, 520/... e 106/..., uma vez que as penas de prisão suspensas na sua execução foram declaradas extintas nos termos do disposto no art.º 57.º do Código Penal.
Tendo presente estes três grupos, constata-se que os presentes autos apenas integram o último grupo de condenações. Acresce que apenas nestes as duas condenações o arguido praticou os factos já em cumprimento de pena de prisão, tendo ambas as condenações uma especial ligação a qual levou, inclusive, a que o arguido não fosse condenado no Processo n.º 74/... pelo crime de tráfico de estupefacientes, uma vez que já o havia sido no Processo n.º 39..., redundando uma eventual condenação na violação do princípio ne bis in idem.
Esta especificidade, em contraponto com as demais condenações – onde em relação a alguns processos já foi, inclusive, efectuado um cúmulo de penas – leva a que o tribunal não estenda a sua competência aos demais grupos de penas, estando aqueles outros processos em melhores condições para avaliar a conduta do arguido em liberdade e durante o período de tempo decorrido entre 2008 e 2014.
Nestes termos, opta-se, neste processo, pela realização do cúmulo de penas aplicadas nos Processos n.º 39... e 74/....
No que respeita à punição do concurso de crimes, o legislador português optou pelo sistema da pena única, ou pena do concurso, dogmaticamente justificável à luz da consideração – necessariamente unitária – da pessoa ou da personalidade do arguido (cfr. Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1ª Edição, 1993, pág. 280, Jorge de Figueiredo Dias). Com efeito, o elemento aglutinador da pena aplicável aos vários crimes praticados pelo arguido é, justamente, a sua personalidade, a qual tem, por força das coisas, carácter unitário (cfr. Código Penal Anotado, I vol., Editora Rei dos Livros, 2ª Edição, 1997, pág. 610, Manuel Leal-Henriques, Manuel Simas Santos).
Conforme se expõe no Acórdão do S.T.J. de 19 de Abril de 1991 (A.J. nº 18, proc.º nº 41746), “nos chamados tipos normativos de agente, como sucede na determinação do «quantum» da pena unitária no caso de concurso de crimes, a punição não resulta só, autonomamente, da prática de um facto, não só sequer da existência de uma certa personalidade, mas da cumulativa existência de um facto e de uma certa personalidade”. Não estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito, a lei fornece ao tribunal, para além das circunstâncias contidas no art.º 71º do Código Penal, um critério especial, contido na parte final do art.º 77º, n.º 1 do aludido código: “na determinação da medida da pena (do concurso) serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” (cfr. Acórdão do S.T.J. de 8 de Julho de 1998, C.J., Acs. do S.T.J., Ano VI, Tomo II, 1998, págs. 246-248)1.
Por conseguinte, a pena do concurso deverá resultar do enquadramento geral dos factos, como se a sua análise nos fornecesse, na expressão do Prof. Figueiredo Dias, a gravidade do ilícito global. No que respeita à personalidade do agente, atender-se-á, sobretudo, ao facto de as condutas por si empreendidas resultarem de uma particular tendência para a prática de ilícitos criminais; ou, pelo contrário, resultarem de condutas ocasionais ou que não revelem uma personalidade propensa à prática de crimes, com particular dificuldade em pautar-se de acordo com a ordem jurídica, “maxime”, a ordem jurídico-penal. (cfr. Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, p. 291.) Só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização) (neste sentido, cf. Ac. STJ de 28.4.2010, in www.stj.pt).
Na determinação da pena única, ter-se-á mais uma vez presente que as finalidades de aplicação de uma pena residem, em 1ª linha, na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do arguido na comunidade; por outro lado, não se esquecerá que a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.
Em conclusão, como refere o Acórdão do STJ de 28.4.2010 (Proc. n.º 4/06.0GACCH.E1.S1 - 3.ª Secção), «I - Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, ou seja, a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia; a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a receptividade à pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa. II - Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização. (…) IV -Por outro lado, importa determinar os motivos e objectivos do agente no denominador comum dos actos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência. Igualmente deve ser expressa a determinação da tendência para a actividade criminosa revelada pelo número de infracções, pela sua perduração no tempo, pela dependência de vida em relação àquela actividade. V - Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização e de inserção, ou de repúdio, pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado. VI - Recorrendo à prevenção, importa verificar relativamente à prevenção geral o significado do conjunto de actos praticados em termos de perturbação da paz e segurança dos cidadãos e, num outro plano, o significado da pena conjunta em termos de ressocialização do delinquente, para o que será eixo essencial a consideração dos seus antecedentes criminais e da sua personalidade expressa no conjunto dos factos. VII - Serão esses factores de medida da pena conjunta que necessariamente deverão ser tomados em atenção na sua determinação, sendo então o pressuposto de uma adição ao limite mínimo do quantum necessário para se atingir as finalidades da mesma pena mas tendo, também, presente o sentido da proporcionalidade que deve presidir à fixação da pena conjunta.)» (in www.dgsi.pt).
Desta forma, a pena há-de ser determinada (dentro dos limites mínimo e máximo fixados na lei) mediante critérios legais, quais sejam, em 1º lugar, o da culpa do agente que fixa o limite máximo inultrapassável da pena, intervindo depois (ao mesmo nível) as exigências de prevenção, especial e geral (a chamada margem de liberdade) (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210 e Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). O limite mínimo da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto, sendo a prevenção especial de socialização que a vai determinar, em último termo (cf. Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.210). .2
Definidos todos estes parâmetros, a necessidade da pena respeitar a referida proporcionalidade constitui exigência que resulta, além do mais, do princípio que decorre desse art. 18.º, n.º 2, da CRP, só assim se harmonizando com o Estado de direito democrático. Esse princípio da proporcionalidade, que se desdobra em três subprincípios: a) princípio da adequação; b) princípio da exigibilidade; c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito (Gomes Canotiilho/Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra, 2007, págs. 392 e seg.) impõe a proibição do excesso, no sentido de dever prevalecer a intervenção menos gravosa, mas ainda assim idónea e estritamente necessária para as finalidades em vista.
Tais critérios devem ser aplicados num acto uno, em que interagem de forma dialéctica.
Nesta sede há que atender que a ilicitude e a culpa são conceitos graduáveis entendidos como elementos materiais do delito. Isto significa, entre outras coisas, que a intensidade do dano, a forma de executar o facto a perturbação da paz jurídica contribui para dar forma ao grau de ilicitude enquanto a desconsideração; a situação de necessidade; a tentação as paixões que diminuem as faculdades de compreensão e controle; a juventude; os transtornos psíquicos ou erro devem ser tomados em conta para graduar a culpa. A dimensão da lesão jurídica mede-se desde logo pela magnitude e qualidade do dano causado, devendo atender-se, em sentido atenuativo ou agravativo, tanto as consequências materiais do crime como as psíquicas. Importa, ainda, considerar o grau de colocação em perigo do bem jurídico protegido quer na tentativa quer nos crimes de perigo. A medida da violação jurídica depende, também, da forma de execução do crime. A vontade, ou o empenho empregues na prática do crime são, também, um aspeto subjetivo de execução do facto que contribui para a individualização. A tenacidade e a debilidade da vontade constituem valores angulares do significado ambivalente da vontade que pode ser completamente oposto para o conteúdo da ilicitude e para a prevenção especial. (cf. Jeschek, Tratado de Direito Penal, ed espanhola, pág 780).
No juízo de culpa parte-se de uma conceção de culpa, referida ao facto, em que a personalidade do agente só releva para a culpa na medida em que se exprime no ilícito típico e o fundamenta (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40). A culpa jurídico-penalmente relevante não é uma «culpa em si», mas «uma censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito» (Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal, ll, 2005, pág. 239).
Tal entendimento não afasta a possibilidade de o julgador se socorrer também, de fatores estranhos ao facto (strictu sensu), os quais são indubitavelmente necessários à correta determinação da medida da pena, quais sejam, entre outros, os atinentes à personalidade do agente e todos os demais que do n.º 2 do art.º 71º do C.Penal constam. Porém, o juízo de culpa é sempre um juízo de desvalor sobre o agente em razão do seu comportamento num certo momento, qual seja o do cometimento do ilícito típico (Ac. RC, 17/1/96, CJ, T. I, p.40).
No que diz respeito à prevenção geral positiva, entendida, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida (Ac. STJ, 11/1/96, CJSTJ, T.I, p.176.
Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração, podem e devem atuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena3. Esta deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia de proteção dos bens jurídicos (Ac. STJ, 24/5/95, CJSTJ, T.II, p.214). Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.
Tendo presente tais considerações há que atender no caso em apreço às seguintes circunstâncias:
Com efeito, o arguido AA em vez de aproveitar a reclusão para melhorar as suas competências profissionais e sociais, alterando os seus comportamentos passados, decidiu replicar em meio prisional os seus comportamentos ilícitos tidos em liberdade.
Neste plano, merece especial destaque o papel relevante que o mesmo tinha na introdução e circulação de produto estupefaciente dentro do estabelecimento prisional, em estreita colaboração com o arguido SS.
As exigências de prevenção geral positiva são muito elevadas atentos os efeitos nefastos que tal actuação provoca na ressocialização dos reclusos.
Estamos perante um arguido que em ambos os processos assume um papel relevante ou de liderança e que demonstra não ter qualquer sentido de autocrítica e que apresenta sérias dificuldades em pautar a sua conduta pelo respeito das mais elementares regras e leis deste país. Não só a culpa e ilicitude deste arguido são elevadas, como as exigências de prevenção especial impõem a aplicação de penas exemplares por forma a deixar claro que tais condutas são absolutamente inadmissíveis num estado de direito.
Por fim, é de atender à valoração feita nos dois processos donde resultaram as penas únicas fixadas, as quais servirão de ponderação para este cúmulo, bem como a ponderação já feita em sede de recurso de toda a factualidade ínsita no Processo n.º 74/..., designadamente quanto à actuação do arguido DD, cuja actuação, avaliada no seu todo, é muito similar à actuação do arguido AA no conjunto dos dois processos ora em apreciação.
DECISÃO:
Pelo exposto, decide-se:
1. Condenar AA, na pena única de 10 (dez) anos de prisão (Processos n.º 74/... e 39...).”
3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão a apreciar circunscreve-se à decisão sobre quais as penas (e processos) que devem integrar o cúmulo jurídico efectuado nos presentes autos, pelo acórdão recorrido.
Defende o arguido que o acórdão recorrido, porque proferido por “tribunal da última condenação”, deveria ter procedido ao englobamento de todas as penas de prisão efectiva anteriormente aplicadas ao arguido. Aceita como correctas as decisões que levaram à formação dos “dois blocos de condenações” que originaram as duas penas únicas anteriormente aplicadas. Essas duas penas únicas foram resultado de dois cúmulos jurídicos oportunamente efectuados, em processos distintos. E o recorrente não as traz directamente à discussão, aqui. Também não discute a(s) medida(s) da(s) penas ali aplicadas.
Assim, o recorrente impugna o acórdão recorrido apenas na parte em que se considerou não deverem essas condenações anteriores, que conduziram aos dois referidos cúmulos jurídicos de penas, e ainda uma outra que se encontrava em sucessão com aquelas, integrar o presente cúmulo jurídico de penas, efectuado no acórdão recorrido.
Mas atentando na argumentação do recorrente, patente na motivação do seu recurso, constata-se que nada de substancial contrapõe no que respeita à problematização do concurso efectivo superveniente de crimes, condição prévia e determinante, como se sabe, da efectivação de um cúmulo jurídico de penas, concentrando-se mais na questão da competência do tribunal.
E era (é) nessa relação de concurso de crimes que cumpriria (e cumpre) previamente atentar.
As penas correspondentes a crimes que se encontrem numa relação de concurso efectivo e/ou real devem ser cumuladas juridicamente, independentemente do conhecimento desse concurso poder vir a ser superveniente. Daí que o art. 78º do Código Penal mande aplicar as regras do art. 77º – regras da punição do concurso – ao conhecimento superveniente do concurso.
Como dá nota Figueiredo Dias, “a generalidade das legislações manda construir para a punição do concurso uma pena única ou pena do concurso, desde logo justificável à luz da consideração – necessariamente unitária – da pessoa ou da personalidade do agente; e politico-criminalmente aceitável à luz das exigências da culpa e da prevenção (sobretudo de prevenção especial) no processo de determinação e de aplicação de qualquer pena” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 2005, p. 280).
Ainda segundo o autor, a mera adição mecânica das penas faz aumentar injustamente a sua gravidade proporcional e abre a possibilidade de ser deste modo ultrapassado o limite da culpa. Pois se a culpa não deixa de ser sempre referida ao facto (no caso, aos factos), a verdade é que, ao ser aferida por várias vezes, num mesmo processo, relativamente ao mesmo agente, ela ganha um mesmo efeito multiplicador. (…) Por outro lado, uma execução fraccionada (…) opõe-se inexoravelmente a qualquer tentativa séria de socialização” (loc. cit.).
Razões de culpa, de prevenção e da personalidade da pessoa justificam, pois, o cúmulo de penas. E, como lembra Cavaleiro de Ferreira, o cúmulo material de penas não só não é adoptado na lei vigente, como nunca o foi por nenhum dos códigos penais precedentes (Lições de Direito Penal, II, 2010, p. 156).
O condenado tem direito à pena única, resultante da soma jurídica das penas (parcelares) correspondentes aos crimes por si cometidos, desde que estes concorram efectivamente ou realmente entre si. Assim é, independentemente do concurso ser conhecido num mesmo ou em vários processos, neste caso (não querido, mas processualmente acontecido), desde que todas as penas correspondam a crimes cometidos antes do trânsito em julgado da primeira condenação.
O art. 78º do Código de Processo Penal visa proceder à reposição da situação de igualdade entre arguido com conduta ilícita global conhecida logo num mesmo (único) processo e arguido cujo ilícito global sofre a fragmentarização formal acidental (e nunca imputável ao próprio), por vários processos. Razões exclusivamente formais, de procedimento (ou seja, razões processuais), não podem ditar diferenças de tratamento material, particularmente no que respeita às consequências do crime.
A pena única determinar-se-á, então, dentro de uma moldura penal de cúmulo, casuisticamente encontrada após fixação de todas as penas parcelares integrantes de uma certa adição jurídica.
Na pluralidade de infracção, a regra é a de que o concurso de crimes dará lugar ao concurso de penas, por contraposição à sucessão de crimes que dará lugar à sucessão de penas (na nomenclatura de Cavaleiro Ferreira quanto ao “concurso de penas” – v. Lições de Direito Penal, II, 2010, pp. 155 e ss).
Na fixação da pena única, aditiva das penas correspondentes a todos os crimes concorrentes, o tribunal tem então de proceder à reavaliação dos factos em conjunto com a personalidade do arguido (art. 77º, nº 1 do Código Penal), o que exige uma especial fundamentação na sentença, a fixar “em função das exigências gerais de culpa e de prevenção (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, 2005, p. 291).
A decisão sobre o cúmulo de penas pressupõe a prévia identificação do concurso efectivo de crimes, a identificação das penas elegíveis, a selecção e reagrupamento dessas penas em casos de sucessão de cúmulos, a referência sucinta aos factos concretamente perpetrados, a identificação e selecção dos factos relativos à personalidade do arguido.
Olhando o acórdão recorrido, na sua fundamentação de facto e de direito, constata-se que a tudo isto se procedeu correctamente ali.
Note-se que o recorrente não denunciou nele, verdadeiramente, nenhum erro de decisão no respeitante à matéria das relações de concurso de crimes que originaram as três condenações cumulatórias que problematizou. Limitou-se, sim, a esgrimir com argumentos que respeitam mais à decisão sobre a competência do tribunal para efectuar o cúmulo jurídico de penas.
Sinteticamente, na visão do recorrente, sendo este o tribunal da última condenação, deveria, por essa razão singela, proceder ao cúmulo jurídico de todas as penas anteriormente sofridas pelo arguido. Isto, independentemente da existência ou não de relações de concurso efectivo (superveniente) de crimes, que não problematizou devidamente.
Senão, releia-se a sua argumentação:
“De todos os Processos supra referidos, analisa-se, por fim, qual foi o último Processo onde houve decisão.
Conclui-se, pois, que são os presentes autos, cuja decisão ocorreu em 18.03.2019.
Desta forma, entende-se que o Processo competente para realizar o Cúmulo Jurídico dos dois blocos, devidamente identificados e individualizados, é o dos presentes autos.
Com todo o respeito, entendemos que as regras do Cúmulo Jurídico operam de forma relativamente aritmética e não de forma material.
Por isso, deverão ser considerados dois blocos de Cúmulo Jurídico, com três penas sucessivas, não devendo operar o Cúmulo Jurídico conforme foi feito, por não entendermos haver, sequer, correspondência temporal face ao já explanado, conforme regras plasmadas nos artigos 77.º e 78.º do Código Penal e 471.º do Código de Processo Penal.”
Contrapõe o Ministério Público na resposta ao recurso, de modo claro, com pertinência e um rigor que justifica a transcrição:
“Tendo em consideração essas datas, a decisão que transitou em primeiro lugar foi a proferida no processo n.º 178/.... Anteriores a essa decisão e em relação de cúmulo com as penas aí impostas e entre si estão as penas resultantes das condenações proferidas nos processos n.º 810/..., n.º 1138/..., n.º 92/..., n.º 470/..., n.º 425/...e n.º 41/….
Ainda com fundamento nessas datas registadas no Certificado de Registo Criminal, verifica-se que após a advertência para o arguido, que foi a condenação transitada em julgado em 20/09/2011, voltou o mesmo a praticar novos factos criminosos, sendo que a decisão condenatória, que de entre esses factos primeiramente transitou em julgado, foi a do processo n.º 135/…, em 18/05/2016. Anteriores a essa decisão e em relação de2.1.4) cúmulo entre elas e com a pena aplicada nesse processo estão as penas parcelares resultantes das condenações operadas nos processos n.º 4758/..., n.º 3/..., n.º 975/..., n.º 459/…, n.º 107/…, n.º 79/... e n.º 74/... (o presente processo).
A pena imposta no processo n.º 39... deveria manter a sua autonomia e ser cumprido em sucessão com as antes assinaladas.
Assim sendo, concluiu o recorrente que o cúmulo a operar deveria abranger dois grupos de infracções, a determinar três penas únicas a cumprir em sucessão, sendo que a pena parcelar imposta no presente processo (74/...) deveria ser incluída no segundo grupo de infracções (identificado em 2.1.4).
Analisado o boletim n.º 34, do C.R.C. do recorrente AA (referência electrónica n.º …, de 14.12.2020) verifica-se que aí está registado que aquele foi condenado no processo n.º 74/..., do Juízo Central Criminal de ..., J... (o presente processo), por um crime de extorsão, na forma tentada, praticado em Janeiro de 2016 e de um crime de extorsão, praticado em Janeiro de 2016, na pena efectiva de 6 anos e 6 meses de prisão.
Ora confrontando esse boletim com os acórdãos proferidos nestes autos, em primeira e segunda instância, verifica-se que o recorrente foi condenado pela prática de um crime de associação criminosa, praticado entre Janeiro de 2016 e Julho 2017 (facto 1, do ponto I, da fundamentação de facto do douto acórdão condenatório), um crime de extorsão, na forma tentada -relativamente ao arguido BB, praticado em 12 de Junho de 2017 (ponto IV) e um crime de extorsão, na forma tentada-relativamente a CC, praticado em 13 de Julho de 2017 (ponto VI) de um crime de branqueamento, praticado entre Janeiro de 2016 e 13 de Julho de 2017 (ponto XI, sempre da fundamentação de facto do douto acórdão condenatório) (itálico nosso)
Nunca sendo de mais chamar a atenção para o cuidado e rigor que se impõe no preenchimento dos boletins de registo criminal, atentas as importantes consequências jurídicas decorrentes dum preenchimento menos preciso, certo é que a situação dos autos é bem demonstrativa da imprescindibilidade desse rigor.
Se consideramos, como o douto colectivo fez e se impunha fazer, as datas da prática dos factos que constam da fundamentação de facto- factos provados da pronúncia, do douto acórdão proferido nos autos, verificamos que os ciclos de infracções a considerar são os referenciados no douto acórdão cumulatório impugnado:
“No primeiro grupo, em que se atende ao trânsito em julgado ocorrido no Processo n.º 178/... (20.9.2011), incluem-se, para além daquele, as penas aplicadas nos Processos n.º 810/..., 1138/..., 92/..., 470/..., 425/..., 41/.... e 41/....
No segundo grupo, atender-se-á ao trânsito em julgado ocorrido no Processo n.º 135/.... (18.5.2016), incluindo-se, para além desta pena, as penas aplicadas nos Processos n.º 4758/..., 3/..., 975/..., 459/…, 107/…..., 2228/... e 79/....
No terceiro grupo, incluem-se as penas aplicadas no Processo n.º 39... e nos presentes autos (Processo n.º 74/...) sendo que a data relevante é a do trânsito em julgado do Processo n.º 39..., ocorrido em 13.8.2018.”
É integralmente de acompanhar a argumentação desenvolvida na resposta ao recurso. Pois após a (primeira) condenação transitada em julgado, em 20/09/2011 (e que delimitou o primeiro bloco de condenações), voltou o arguido a delinquir. Sendo agora a decisão condenatória do processo n.º 135/…, proferida em 18/05/2016, e relativa a este segundo grupo de processos, a que primeiramente transitou em julgado.
Lamentavelmente, do CRC do arguido consta como data da prática dos factos apreciados no proc. n.º 74/... apenas a referência a “Janeiro de 2016”. Só que, na verdade, como consta do acórdão proferido nos autos, o recorrente foi condenado pela prática de um crime de associação criminosa, praticado entre Janeiro de 2016 e Julho 2017, um crime de extorsão, na forma tentada praticado em 12 de Junho de 2017 e um crime de extorsão na forma tentada, praticado em 13 de Julho de 2017 e um crime de branqueamento, praticado entre Janeiro de 2016 e 13 de Julho de 2017.
Do exposto resulta que não corresponde à realidade do processo que o arguido tenha sido condenado nos presentes autos por factos delituosos cometidos em data anterior ao trânsito em julgado da primeira condenação relativa ao segundo grupo de processos. Ou seja, falece a sua pretensão por ausência de base factual que a sustente, pois os crimes relativos à condenação proferida nos autos ocorreram, sim, em data posterior ao trânsito em julgado do acórdão proferido no processo n.º 135/….
Deste modo, as relações de concurso efectivo (superveniente) de crimes estabeleceram-se da forma como o acórdão recorrido bem nomeou e tratou. E assim, sendo certo que é este o tribunal da última condenação, a sua competência para efectuar um cúmulo jurídico de penas pressupunha a decisão material prévia sobre as relações de concurso efectivo entre os crimes cometidos pelo arguido. Pois só o concurso efectivo de crimes dará lugar a cúmulo jurídico de penas, como se disse. E, repete-se, essas relações de concurso estabeleceram-se do modo como o acórdão o referiu.
O acórdão seguiu jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, como se pode ver, a título de exemplo, no Acórdão do STJ de 22-04-2020 (Relator Raul Borges):
“XI – É pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes mediante a aplicação de uma pena única, que a prática dos crimes concorrentes haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles.
XII – Poderá dizer-se que o momento temporal decisivo para o estabelecimento de relação de concurso (ou a sua exclusão) é o trânsito em julgado de qualquer das decisões, sendo esse o momento em que surge, de modo definitivo e seguro, a solene advertência ao arguido.
XIII – O trânsito em julgado obstará a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funcionará assim como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
XIV – A primeira decisão transitada será assim o elemento aglutinador de todos os crimes que estejam em relação de concurso, englobando as respectivas penas em cúmulo, demarcando as fronteiras do círculo de condenações objecto de unificação.
XV – Concretizada a admonição na condenação transitada, encerrado um ciclo de vida, impõe-se que o arguido a interiorize, repense e analise de forma crítica o seu comportamento anterior, e projecte o futuro em moldes mais conformes com o direito, de tal modo que, a sucumbir, iniciando um ciclo novo, reincidirá.”
Esgotado o conhecimento do objecto do recurso, consigna-se uma nota final:
No acórdão recorrido procedeu-se à identificação do arguido do modo seguinte: “AA, conhecido por “FF, nascido a 10/08/1991, solteiro, filho de GGG e de EEE, natural de …, ..., vendedor ambulante, a cumprir pena no E.P. de …, com B.I. n.º …” (itálico nosso).
Em processo penal, a identificação do arguido deve fazer-se com o nome, filiação, naturalidade, data de nascimento, estado civil, profissão, local de trabalho e residência, como o determinam os arts. 342.º e o art. 141.º, n.º 3 do CPP.
O art. 283.º, n.ºs 1 e 3-a) fala em “indicações tendentes à identificação”, o que visará “resolver aqueles casos em que não se sabe ao certo qual é a identificação do arguido” (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 2009, p. 682), situação de indefinição de identificação que não ocorria seguramente aqui.
Assim, não fazendo a “alcunha” parte dos elementos de identificação do arguido, o qual se encontra, no caso, exaustivamente identificado através de todos os elementos legais de identificação, deve a expressão “conhecido por FF” ser eliminada do excerto do acórdão recorrido em que se procedeu à identificação do arguido.
4. Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em:
- Julgar improcedente o recurso, confirmando-se o acórdão;
- Ordenar se proceda à eliminação da expressão “conhecido por FF”, da identificação do arguido.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 6 UC’s – (arts 513º /1 e 514º/1 CPP e 8º/9 e Tab. III RCP).
Lisboa, 21.04.2021
Ana Barata Brito, relatora
Tem voto de conformidade da Sra. Conselheira Adjunta Maria da Conceição Simão Gomes