APOIO JUDICIÁRIO
HONORÁRIOS AO AGENTE DE EXECUÇÃO
PRECIPUIDADE DAS CUSTAS
Sumário


I- No que se refere ao pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução, a primeira regra é a da precipuidade destes montantes (art. 541º do CPC); a segunda regra é a que resulta do art. 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013 – coincidente com o disposto no n.º 1 do art. 721º do CPC –, nos termos da qual se aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, compete ao exequente suportar o seu pagamento, sem prejuízo do direito ao respetivo reembolso do executado, em sede de custas de parte (art. 26, n.º 3, als. b) e d) do RCP).
II- Contudo, se o executado beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não tem de suportar, nem as custas da execução, nem os honorários devidos ao agente de execução, nem quaisquer despesas por este efetuadas no âmbito do processo executivo, não funcionando, por conseguinte, a regra da precipuidade consagrada no art. 541.º do CPC.

Texto Integral


Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

Nos autos de ação executiva para pagamento de quantia certa, que o Banco …, S.A. move contra D. S., este executado veio, por requerimento de 20.12.2019, apresentar Reclamação da Nota Discriminativa e Justificativa apresentada pelo Sr. Agente de Execução (ref.ª 34374059), nos seguintes termos:
«(…)
O Executado tem apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo e nomeação de patrono.
Assim, a quantia de 2.200,40€ não poderá ser descontada no valor resultante da penhora, sendo responsabilidade do IGFEJ.
O Executado viu a sua casa ser vendida por um valor muito abaixo do preço real da mesma, pelo que, beneficiando o mesmo do apoio judiciário referido, tem direito a que seja devolvida essa quantia.
Deste modo, o valor a devolver ao executado é 3.836,58€» (1).

*
Notificado para tal efeito pelo Tribunal, o Agente de Execução veio responder a tal reclamação pelo seguinte modo (ref.ª 1509443):
«(…).
Na modesta opinião do subscritor não assiste razão ao executado uma vez que não se vislumbra no requerimento do apoio judiciário o pedido de dispensa dos encargos com o Agente de Execução, acrescendo que o subscritor, até à presente data, tão pouco teve acesso ao despacho de deferimento para aferir das modalidades de dispensa atribuídos;
Por outro lado, dispõe o Art.º 541.º do CPC que as custas da execução, incluindo os honorários e despesas do agente de execução, saem precípuas do produto dos bens penhorados;
Ora, nos presentes autos verifica-se que com o produto da venda do imóvel penhorado resultou saldo suficiente para satisfazer integralmente o crédito do exequente bem como os honorários e despesas do agente de execução, existindo ainda um saldo de € 636,18 a favor do executado, tudo conforme melhor resulta da respetiva nota discriminativa.
Face ao exposto, requer a V. Exa. se digne determinar o que tiver por conveniente».
*
A 22-01-2020, foi, pelo Mm.º Juiz “a quo”, proferido o seguinte despacho (ref.ª 22407751):

«Veio o Executado, D. S., reclamar da nota de honorários apresentada pelo Sr. Agente de Execução, alegando, em síntese, que, beneficiando aquele de apoio judiciário, além do mais (nomeação e pagamento de patrono), na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o valor dos honorários devidos a este último terão de ser suportados pelo IGFEJ, não o podendo ser por aquele.
Pronunciou-se o Sr. Agente de Execução, alegando, em síntese, ter, do produto da venda do imóvel penhorado, resultado saldo suficiente para liquidar o crédito do exequente, bem como os honorários e despesas daquele, sobrando ainda um saldo de € 636,18 que seria entregue ao Executado.
Mais alegou que, nos termos do artigo 541º do CPC, os honorários e despesas do agente de execução, constituindo custas, sairiam precípuas do produto da venda dos bens penhorados, pelo que tal produto teria também de ser adjudicado ao pagamento de tais encargos.
Cumpre apreciar.

Dispõe o artigo 541º do CPC o seguinte:
“As custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados.”

Por sua vez, dispõe o artigo 721º do mesmo diploma:
“1 - Os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º.”
Decorre das disposições legais vindas de transcrever que as despesas e honorários do agente de execução são pagas pelo produto da venda dos bens penhorados e só não sendo tal possível (designadamente, por tal produto da venda ser insuficiente para cobrir tais despesas e honorários) pelo Exequente, mas tendo este direito a reclamar o respectivo reembolso do Executado, salvo, como referido no ac. TRG de 17/11/2016 – relator: Heitor Gonçalves – se este beneficiar de apoio judiciário, caso em que tal reembolso é assegurado pelo IGFEJ(…). Donde, dúvidas não subsistem que só na hipótese é que o produto da venda dos bens penhorados não é suficiente para o pagamento dos honorários e das despesas do agente de execução e em que, nesse sentido, não tem aplicação o disposto no artigo 541º do CPC, é que o Exequente, nos termos do artigo 721º do mesmo diploma, tem o dever de adiantar tais valores, sendo reembolsado, através de custas de parte, ou pelo Executado (quando este não beneficie de apoio judiciário) ou pelo IGFEJ (quando o Executado beneficie de tal apoio).
No caso, e como resulta das posições assumidas pelo Executado e pelo Sr. Agente de Execução, o produto da venda do imóvel penhorado é suficiente para acautelar tais honorários e despesas, pelo que obviamente estes devem ser pagos por tal produto, não tendo o Executado – mesmo beneficiando de apoio judiciário – direito a reaver a parte correspondente do produto da venda.
O que faz todo o sentido, porquanto o apoio judiciário visa assegurar apenas que a insuficiência económica do Executado não o impeça de litigar e de defender os seus direitos, não visando, no entanto, que o mesmo fique dispensado do pagamento, por essa via, das custas processuais quando estas sejam passíveis de serem liquidadas através da venda executiva dos bens penhorados.
Não questionando o Executado o valor da nota de honorários e despesas apresentada pelo Sr. Agente de Execução e apenas questionando a possibilidade do pagamento dos valores reclamados pelo produto da venda do imóvel penhorado, claro se afigura dever a reclamação apresentada ser indeferida.
*
Pelo exposto, indefere o Tribunal a reclamação deduzida pelo Executado, D. S., da nota de honorários e despesas apresentada pelo Sr. Agente de Execução. Custas do incidente pelo Executado, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia. Notifique e registe.
(…)».
*
Inconformado com esta decisão, dela recorre o executado (ref.ª 34727393), tendo formulado, a terminar as respetivas alegações, as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. O despacho recorrido assenta num crasso erro de interpretação do direito.
2. O Mm. Juiz assume que sendo suficiente o produto da venda para fazer face as despesas do agente de execução, deve ser ignorado o apoio judiciário de que beneficia o executado.
3. No caso concreto dos autos, o executado ficou sem a casa onde vive com a sua família.
4. Seria cruel tirar-lhe a casa e ainda fazer-lhe pagar mais de dois mil euros de honorários de agente de execução.
5. Cruel e violador de direitos constitucionalmente consagrados.
6. Mas a questão controvertida está praticamente assente na nossa jurisprudência, pelo que dúvidas não há que este despacho viola a lei e como tal deve ser revogado.
7. É matéria tida como assente que beneficiando o Executado de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo, não podem, mesmo que sobre dinheiro da venda dos bens penhorado, ser suportados por este os honorários do agente de execução.
8. A concessão de apoio judiciário ao executado na modalidade de dispensa de pagamento de taxas de justiça e demais encargos com o processo, é uma excepção ao princípio do pagamento dos honorários e despesas pelo produto dos bens penhorados.
9. Devendo assim ser a decisão recorrida revogada, entregando-se ao executado a quantia relativa aos honorários do AE constante da nota apresentada, tal como este reclamou.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, em conformidade com as conclusões formuladas.
Assim se fazendo JUSTIÇA!».
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente e em separado, com efeito devolutivo (ref.ª 23259582).
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II. Questões a decidir.

Sendo o âmbito dos recursos delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente – arts. 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil (doravante, abreviadamente, designado por CPC), aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho –, ressalvadas as questões do conhecimento oficioso que ainda não tenham sido conhecidas com trânsito em julgado, a única questão que se coloca à apreciação deste tribunal consiste em saber se numa execução, gozando o executado do benefício de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos e resultando saldo suficiente para liquidar o crédito do exequente, bem como os honorários e despesas ao agente de execução, deverá aquele ser responsável pelas quantias devidas com honorários e despesas ao agente de execução.
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III. Fundamentos

IV. Fundamentação de facto.

Os factos materiais relevantes para a decisão do presente recurso são os que decorrem do relatório supra (que, por brevidade, aqui se dão por integralmente reproduzidos), a que se acrescenta o seguinte:

1. - No âmbito da ação executiva de que estes autos de recurso emergem, por decisão do competente Instituto da Segurança Social, proferida no dia 11 de julho de 2019, foi concedido ao executado o benefício do apoio judiciário, além do mais, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (ref.ª 1401154).
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IV. Fundamentação de direito

A questão principal a decidir no presente recurso, tal como delimitado, consiste em saber se o Executado, que beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, deve, ou não, pagar os honorários e as despesas do agente de execução.

No caso, e em virtude do produto da venda do imóvel penhorado ser suficiente para acautelar os honorários e despesas do Agente de Execução, entendeu o Tribunal “a quo” que estes devem ser pagos por tal produto, não tendo o Executado – mesmo beneficiando de apoio judiciário naquela modalidade – direito a reaver a parte correspondente do produto da venda.
Insurge-se o Apelante/executado contra o assim decidido, sustentando não ter de suportar as despesas ou encargos com o processo, nomeadamente com as despesas e honorários devidos ao agente de execução, por lhe ter sido concedido o benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos. A concessão de apoio judiciário nessa modalidade é uma excepção ao princípio do pagamento dos honorários e despesas pelo produto dos bens penhorados.

Quid iuris?

Dispõe o art. 532.º, n.º 1, do CPC que, «[s]alvo o disposto na lei que regula o acesso ao direito, cada parte paga os encargos a que tenha dado origem e que se forem produzindo no processo».
As custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte [cfr. arts. 529º, n.º 1, do CPC e 3º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais (RCP)].
As custas de parte compreendem o que a parte vencedora haja despendido com o processo e tenha direito a ser compensada em virtude da condenação da parte contrária, designadamente as remunerações pagas ao agente de execução e as despesas por este efetuadas [arts. 529º, n.º 4, 533º, n.º 2, al. c), do CPC e arts. 25º, n.º 2, als. c) e d) e 26º, n.º 3, als. b) e d), do RCP].
Segundo consta do n.º 3 do art. 26º do RCP, as custas de parte incluem “os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução” [alínea b)] e os valores pagos a título de honorários ao agente de execução [alínea d)].
Sobre a garantia de pagamento de custas, prevê o art. 541.º do CPC que «as custas da execução, incluindo os honorários e despesas devidos ao agente de execução, apensos e respetiva ação declarativa saem precípuas do produto dos bens penhorados».
O citado normativo consagra o princípio da precipuidade, o qual significa que, penhorados bens ao executado, sairá do seu produto, em primeiro lugar, o valor necessário ao pagamento das custas relativas à execução (2). Ou seja, o património do executado garante, em primeiro lugar, o crédito do Estado – custas processuais – e da parte com direito a reembolso de custas de parte. Significa isto que o Estado estabeleceu, a seu favor, uma garantia de pagamento (3).
Segundo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, o art. 541º do CPC consagra um verdadeiro privilégio creditório de que gozam o Estado e a parte com direito a reembolso de custas relativamente às custas da execução e dos seus apensos, bem como as da ação declarativa precedente (nelas se incluindo as custas de parte da ação de condenação), a saírem precípuas do produto da venda (4).
Estabelece o art. 721.º, n.º 1, do CPC que «os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao executado nos casos em que não seja possível aplicar o disposto no artigo 541.º».
Estatui, por sua vez, o art. 45.º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, que «nos casos em que o pagamento das quantias devidas a título de honorários e despesas do agente de execução não possa ser satisfeito através do produto dos bens penhorados ou pelos valores depositados à ordem do agente de execução decorrentes do pagamento voluntário, integral ou em prestações, realizados através do agente de execução, os honorários devidos ao agente de execução e o reembolso das despesas por ele efetuadas, bem como os débitos a terceiros a que a venda executiva dê origem, são suportados pelo autor ou exequente, podendo este reclamar o seu reembolso ao réu ou executado».
Resulta assim da conjugação das normas supra citadas que, no que se refere ao pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução, a primeira regra é a da precipuidade destes montantes (art. 541º do CPC); a segunda regra é a que resulta do art. 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013 – coincidente com o disposto no n.º 1 do art. 721º do CPC –, nos termos da qual se aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, compete ao exequente suportar o seu pagamento – com o sentido de adiantados –, sem prejuízo do direito ao respetivo reembolso do executado, em sede de custas de parte (art. 26º, n.º 3, als. b) e d) do RCP) (5).
Questiona-se porém se, no caso de o executado beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, deverá, ainda assim, responder pela satisfação dos honorários e despesas do agente de execução através da afetação do produto da venda dos bens penhorados ao seu pagamento em conformidade com o referido regime geral ? Ou, pelo contrário, se é de admitir, em face “da lei que regula o acesso ao direito” e do estatuto de beneficiário de apoio judiciário de que beneficia o Recorrente, um desvio ao regime regra ?
Essa é a questão que se coloca no presente recurso e cuja resposta não se mostra pacífica na jurisprudência.
A posição maioritária e que se mostra expressa, designadamente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 17/11/2020 (relatora Maria João Areias), disponível in www.dgsi.pt., entende que o executado a quem foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo não terá de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução, seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (art. 541.º do CPC) (6), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte (art. 721.º do CPC) (7), não devendo ser incluídas na liquidação da responsabilidade do executado no caso de pagamento voluntário da quantia exequenda (art. 847.º).
Na doutrina, secundando esse entendimento, referem Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, em anotação ao art. 541.º do CPC, que «(...) caso o executado litigue com o benefício do apoio judiciário que não inclua a modalidade de atribuição de agente de execução (o que será a situação mais frequente), os honorários e despesas do agente de execução têm de ser suportadas pelo exequente, face à regra das custas em sede executiva (...). O legislador quis agora, que, em semelhantes situações, seja o exequente a suportar os riscos da lide executiva, ao invés de ser a comunidade a suportar esse mesmo risco» (8).
Em sentido divergente, outra posição jurisprudencial que se mostra explicitada, designadamente, no acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/05/2020 (relator Manuel Domingos Fernandes), disponível in www.dgsi.pt., considera que, numa execução em que é realizado o montante da quantia exequenda pelo produto dos bens penhorados ao executado, as custas, onde se incluem os honorários e as despesas suportadas pelo agente de execução, saem precípuas desse produto, ainda que o executado beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa total do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (9).
Sufragamos a primeira posição.
Como é sabido, o apoio judiciário, consagração na lei ordinária do dispositivo constitucional vertido no art. 20º da Constituição da República Portuguesa, visa garantir em igualdade de meios económicos o acesso ao sistema de justiça (cfr. art. 1º da Lei n.º 34­/2004, de 29 de Julho, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 47­/2007, de 28/08, Lei n.º 40/2018, de 08/08, Dec. Lei n.º 120/2018, de 27/12 e Lei n.º 2/2020, de 31/03 - LAJ). Por outras palavras, o instituto do apoio judiciário visa a concretização do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei.
Essa proteção jurídica (de acordo com o disposto no seu art. 6º, n.º 1) reveste as modalidades de consulta jurídica e de apoio judiciário. E o apoio judiciário pode ainda revestir distintas modalidades, em conformidade com o estatuído no art. 16º, n.º 1 da referida LAJ, de entre elas a dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo [al. a)].
Quem beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo não é responsável pelo pagamento de taxa de justiça ou de quaisquer outros encargos e taxas devidas no processo e por força deste, pelo que, a final, ainda que – por ter decaído na ação ou por dela ter retirado proveito – venha a ser condenada nas custas do processo (10), não lhe será exigido o seu pagamento (11), a não ser no caso de o benefício do apoio judiciário lhe venha a ser retirado nos termos do art. 10º da LAJ, prevendo, para o efeito, o art. 13º da LAJ a instauração de uma ação judicial de cobrança das quantias de cujo pagamento fora dispensado no quadro da proteção jurídica.
Gozando a parte vencedora do direito a ser reembolsada, a título de custas de parte – dos valores de taxa de justiça e a título de encargos por si pagos, incluindo as despesas do agente de execução e os valores pagos a título de honorários ao agente de execução –, se a parte vencida gozar do beneficio de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo vencedor é suportado pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas de Justiça, I.P. (art. 26º, n.º 6, do RCP (12)) (13).
Este é o entendimento, não obstante o respeito que nos merece posição contrária, que melhor se coaduna com o regime legal que regula o acesso ao direito (e que o próprio legislador processual civil ressalvou no art. 532º do CPC quanto aos encargos) e os princípios ínsitos ao mesmo.

Assim, gozando o executado do benefício do apoio judiciário, além do mais, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não terá de suportar, nem as custas da execução, nem os honorários devidos ao agente de execução, nem quaisquer despesas por este efetuadas no âmbito do processo executivo, não funcionando, por conseguinte, a regra da precipuidade consagrada no citado art. 541.º do CPC. Com efeito, tendo sido reconhecida ao executado uma situação de carência económica, com a consequente atribuição do benefício de apoio judiciário, não se vislumbra como, sem violação do princípio constitucional enunciado, se lhe possa impor um encargo, com base no princípio da precipuidade (14).
É que, se num caso como o presente, ainda assim, continuasse a funcionar tal regra, não deixaria de ser o executado a responder pela satisfação tanto das custas da execução, como dos honorários e despesas do agente de execução através da afetação do produto da venda dos bens penhorados ao respetivo pagamento (15).
O que significa que, ainda que esteja depositada a totalidade da quantia exequenda resultante do produto dos bens penhorados ao executado, se este, sendo o responsável pelo pagamento das custas gozar de apoio judiciário na modalidade de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, está o mesmo dispensado do seu pagamento.
Logo, não poderá aplicar-se o regime regra da precipuidade das custas previsto no art. 451º do CPC, mas sim a segunda regra plasmada no art. 721º, n.º 1, do CPC e no art. 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013.
De outro modo, a sufragar-se a posição jurisprudencial que defende que o funcionamento da regra do art. 451º do CPC não pode ser afastada pela circunstância de ao recorrente ter sido concedido o apoio judiciário na modalidade acima referida tal equivaleria a amputar ou restringir nos seus efeitos o apoio judiciário concedido, posto que, afinal, sempre o executado seria responsável pelo pagamento das custas processuais, incluindo as “custas de parte”, nomeadamente os honorários e despesas do agente de execução (art. 533º, n.º 2, al. c), do CPC e art. 26.º, n.º 3, als. b) e d) do RCP).
Daí que, tendo-lhe sido concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e dos encargos do processo, não terá o mesmo de pagar custas, não lhe podendo ser cobradas as quantias devidas a título de honorários e despesas com o agente de execução, seja pela via do seu pagamento prioritário pelo produto dos bens penhorados (art. 541º CPC), seja por reclamação do exequente a título de custas de parte (art. 721º do CPC).
Pelo exposto, a apelação é de proceder, com a consequente revogação da decisão recorrida, de modo a considerar-se que o Executado está dispensado de pagar os honorários devidos ao agente de execução e reembolso das despesas por ele efetuadas, em face do benefício de apoio judiciário de que goza.
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Sumário (ao abrigo do disposto no art. 663º, nº 7 do CPC):

I - No que se refere ao pagamento dos honorários e despesas ao agente de execução, a primeira regra é a da precipuidade destes montantes (art. 541º do CPC); a segunda regra é a que resulta do art. 45º, n.º 1, da Portaria n.º 282/2013 – coincidente com o disposto no n.º 1 do art. 721º do CPC –, nos termos da qual se aqueles encargos não puderem ser satisfeitos com o produto dos bens penhorados ou com os valores depositados decorrentes do pagamento voluntário, compete ao exequente suportar o seu pagamento, sem prejuízo do direito ao respetivo reembolso do executado, em sede de custas de parte (art. 26, n.º 3, als. b) e d) do RCP).
II - Contudo, se o executado beneficiar do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, não tem de suportar, nem as custas da execução, nem os honorários devidos ao agente de execução, nem quaisquer despesas por este efetuadas no âmbito do processo executivo, não funcionando, por conseguinte, a regra da precipuidade consagrada no art. 541.º do CPC.
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V. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogando a decisão recorrida consideram que o Executado está dispensado de pagar os honorários e despesas do agente de execução, em face do seu estatuto de beneficiário de apoio judiciário.
Sem custas a apelação.
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Guimarães, 27 de maio de 2021

Alcides Rodrigues (relator)
Joaquim Boavida (1º adjunto)
Paulo Reis (2º adjunto)



1. Cujo valor foi objecto de correcção para 2.836,58€, por requerimento de 20.12.2019 (ref.ª 34374163).
2. Cfr. Salvador da Costa, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 6ª ed., 2017, Almedina, p. 51.
3. Cfr. Ac. RP de 11/05/2020 (relator Manuel Domingos Fernandes) e Ac. da RE de 14/01/2021 (relatora Cristina Dá Mesquita), disponíveis in www.dgsi.pt.in www.dgsi.pt.
4. Cfr. Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 3ª ed., Almedina, pp. 454/455.
5. Cfr. J. H. Delgado de Carvalho, Ação Executiva para Pagamento de Quantia Certa, 2.ª Edição, Quid Juris, 2016, pp. 564-565 e Ac. da RE de 14/01/2021 (relatora Cristina Dá Mesquita), in www.dgsi.pt.
6. Cfr., em sentido similar, Ac. da RP de 10/02/2020 (relator Carlos Querido) e Ac. da RL de 27/04/2021 (relator José Capacete), in www.dgsi.pt.
7. No acórdão desta Relação de 30/04/2020 (relatora Raquel Baptista Tavares), no proc. n.º 2764/16.0T8VNF.G1, sumariou-se nestes termos: «I - Em face do regime legal aplicável aos processos executivos a regra é de que os honorários e despesas devidos ao agente de execução saem primordialmente precípuos do produto dos bens penhorados e, na impossibilidade de assim saírem, são suportadas pelo exequente, que os pode reclamar em reembolso, do executado (artigos 721º n.º 1 e 541º do Código de Processo Civil, e artigo 45º n.º 1 da Portaria n.º 282/2013, de 29/08). II - Tal regime regra sofre um desvio decorrente da Lei do Apoio Judiciário, que “regula o acesso ao direito” e, no caso de o executado beneficiar de apoio judiciário, na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos, está o mesmo dispensado do seu pagamento pois, neste caso, o exequente não os poderá reclamar do executado».
8. Cfr. A Ação Executiva Anotada e Comentada, 2.ª Ed., Almedina, 2017, p. 115.
9. Cfr., no mesmo sentido, Ac. da RE de 14/01/2021 (relatora Cristina Dá Mesquita), in www.dgsi.pt.
10. Salvador da Costa entende que o vencido que seja beneficiário do apoio judiciário não deve ser condenado no pagamento das custas da sua responsabilidade e que tal condenação só deverá ocorrer na ação intentada para tal efeito pelo Ministério Público em caso de revogação do apoio judiciário por insuficiência de bens – “O Apoio Judiciário”, 5ª ed., Almedina, pp. 95-97.
11. O art 29º, n.º 1, alínea d), do Regulamento das Custas Processuais determina a dispensa de realização da conta de custas sempre que o responsável pelas custas beneficie de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos).
12. O Tribunal Constitucional (T.C.), no Acórdão n.º 2/2015, publicado no DR n.º 130/2015, Série II de 7 de julho de 2015, decidiu não julgar inconstitucional a norma do art. 26.º, n.º 6, do RCP, na redação conferida pela Lei n.º 7/2012, de 13 de fevereiro, quando interpretada no sentido de que apenas é devido à parte vencedora, quando a parte vencida litiga com apoio judicial, o reembolso da taxa de justiça paga e não de outras importâncias devidas a título de custas de parte, por não violadora do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP, pois que tal princípio, «enquanto norma vinculativa da atuação do legislador, não lhe veda o estabelecimento de diferenciações de tratamento “tout court”, mas apenas de diferenciações de tratamento desprovidas de uma fundamentação ou justificação razoável. O princípio da proibição do arbítrio, enquanto vínculo negativo de controlo, basta-se com a existência de uma ligação objetiva e racionalmente comprovável entre os objetivos subjacentes à escolha legislativa e a diferenciação estabelecida, à luz de "critérios de valor objetivo constitucionalmente relevantes"». O T.C. voltou a pronunciar-se no mesmo sentido no Acórdão n.º 27/2015, acessível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20150027.html, ao decidir não haver «motivo para considerar verificada a violação do princípio da igualdade relativamente à norma do n.º 6 do artigo 26.º do Regulamento das Custas Processuais, quando interpretada no sentido que à parte vencedora, quando a parte vencida está dispensada do pagamento de taxa de justiça e encargos, apenas são devidos pelo Instituto de Gestão Financeira e das Infraestruturas da Justiça, IP, os montantes despendidos a título de taxas de justiça, e não também a compensação legalmente prevista face às despesas com honorários do mandatário judicial».
13. Já no que respeita à entidade responsável pelo pagamento de honorários e despesas ao agente de execução, na situação em que o executado beneficia da referida modalidade de apoio judiciário – exequente ou IGFEJ –, não se verifica uniformidade no critério jurisprudencial, havendo quem afirme que será responsável pelo reembolso ao exequente o IGFEJ [cfr. Ac. da RL de 07/02/2019 (relatora Isoleta Almeida Costa), e Ac. RL de 18/02/2016 (relatora Teresa Pardal)], enquanto outra corrente entende que tal responsabilidade recai sobre o exequente [cfr. Ac. da RG de 17/11/2016 (relator Heitor Gonçalves), Ac. da RG de 10/07/2019 (relatora Eugénia Cunha) e Ac. da RC de 23.10.2018 (relator Carlos Moreira)], questão essa que extravasa o âmbito do presente recurso.
14. Cfr., Ac. da RP de 10/02/2020 (relator Carlos Querido), in www.dgsi.pt.
15. Cfr. Ac. da RL de 27/04/2021 (relator José Capacete), in www.dgsi.pt.