EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO NEGATIVO
OPOSIÇÃO DO DEVEDOR
ÓNUS DA PROVA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE
Sumário


I- A tramitação das execuções para prestação de facto negativo, prevista nos artigos 876º e 877º, do C. P. Civil, tem de ser adaptada nos casos em que a decisão a executar determinou uma obrigação de o R. tolerar atos que terão que ser praticados pelo A., devendo o exequente, neste caso, oferecer prova do impedimento oposto pelo devedor, de modo a que o Tribunal verifique a violação.
II- Caso o executado deduza embargos e nestes aceite, expressa ou tacitamente, que não consente a prática do ato pelo exequente, será inútil a produção de prova do impedimento oposto pelo devedor.

Texto Integral


Relatório:

P. J. e V. G., residentes na Rua ..., nº …, Guimarães, deduziram contra P. C. e R. M., residentes na Rua ..., nº …, Guimarães, a presente oposição à execução mediante embargos de executado, pedindo se declare extinta a execução apensa.
Para tanto, alegam, em síntese, que não vislumbram qual a prestação de facto que os exequentes pretendem que os executados cumpram, uma vez que a obrigação exequenda não é certa, não sendo o título executivo suficiente.
Mais alegam que a pretensão dos exequentes não pode ter acolhimento, porquanto tendo o Tribunal da Relação de Guimarães revogado a sentença dada à execução, na parte em condenou os executados a absterem-se de utilizar a água do furo, tendo reconhecido aos executados o direito de servidão de água, deixou de ocorrer a situação de facto subjacente à decisão do Tribunal de 1ª instância, não se tendo procedido à adaptação do título executivo, por via da procedência do recurso que reconheceu aos executados o direito de servidão sobre a água, desaparecendo os pressupostos em que assentou a decisão exequenda, sendo que os exequentes pretendem com a presente execução contornar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
Alegam ainda que os exequentes não apresentaram aos executados qualquer alternativa para os mesmos acederem ao furo artesiano, que não pelo local onde os exequentes pretendem construir o muro, nem os exequentes indicaram qualquer prazo para a realização da prestação de facto, o que se impunha, uma vez que o mesmo não consta do título executivo.
Os Exequentes responderam dizendo que se encontra transitada a sentença dada à execução, a qual está investida de força de caso julgado, sendo a sentença exequível e a obrigação certa.
Mais alegam que os embargantes litigam com má fé, peticionando a condenação dos mesmos em multa e indemnização no valor de € 2500,00.
Terminam, requerendo a improcedência da oposição à execução mediante embargos de executado.
Em sede de despacho saneador, entendeu-se que o estado do processo permitia a apreciação do pedido, pelo que, passou-se de imediato a conhecer do mérito da causa, tendo sido proferida decisão que julgou os embargos totalmente improcedentes, ordenando o prosseguimento da ação executiva apensa.

*
Inconformados vieram os Executados recorrer formulando as seguintes conclusões:

Não podem, pois, os Recorrentes conformar-se com a sentença recorrida proferida nos presentes autos que, considerando que o estado do processo permitia a apreciação do pedido, conheceu imediatamente do mérito da causa e julgou, em consequência, os embargos de executado totalmente improcedentes, ordenando o prosseguimento da ação executiva apensa.
E isto porque,
A sentença dada à execução e valorada pelo Tribunal de que se recorre não constitui título executivo, por estar em causa, nos autos em apreço, execução para prestação de facto positivo e negativo e não, como decidiu o Tribunal a quo, apenas execução para prestação de facto negativo, impondo-se, ao demais, que fosse produzida prova sobre o alegado facto ilícito praticado pelos recorrentes.
Senão vejamos:
1. No que concerne à motivação, valorou o Tribunal a quo o teor da sentença dada à execução, na parte que não foi objeto de recurso e, por isso, não apreciada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, assim como o teor do requerimento executivo.
2. Pelo que importa, antes de mais, apelar ao que estabelece o art.º 45.º, n.º 1 do CPC:
“Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam os fins e os limites da ação executiva.”
Nesta conformidade, o título executivo é condição necessária e suficiente da ação.
Necessária, porque não há execução sem título.
Suficiente, porque, perante ele, deve ser dispensada qualquer indagação prévia sobre a real existência ou subsistência do direito a que se refere.
Ou seja,
3. O título executivo é um pressuposto da ação executiva, na medida em que confere ao direito à prestação invocada um grau de certeza e exigibilidade que a lei reputa suficientes para a admissibilidade de tal ação.
Na verdade,
4. A relevância especial dos títulos executivos que resulta da lei, deriva da segurança, tida por suficiente, da existência do direito substantivo cuja reparação se pretende efetivar por via da ação executiva. O fundamento substantivo da ação executiva é a própria obrigação exequenda, sendo que o título executivo é o seu instrumento documental legal de demonstração, ou seja, constitui a condição daquela ação e a prova legal da existência do direito de crédito nas suas vertentes fáctico-jurídicas - Ac. do STJ de 18.10.2007, dgsi.pt, p.07B3616.
No caso dos autos,
5. Interpretados os factos, temos que, pela sentença declarativa, aos recorrentes foi imposto o dever de se absterem de praticar qualquer ato que impeça os recorridos de acabar o muro, com a colocação da última pedra e a colocação de uma grade e de umas chapas no mesmo, na parte traseira do prédio, localizada a Sul (sustentado no não reconhecimento do direito à água por parte dos recorrentes, nem tão pouco a título de servidão), como, pelos vistos, antes da sentença estava a acontecer e cuja atuação despoletou também a ação declarativa.
6. Pretendendo os recorridos, no pós sentença, acabar o muro como concedido na sentença, através da colocação da última pedra e da colocação de uma grade e chapas no mesmo, alegando que os recorrentes, mais uma vez, impediram tal reparação (e sem que tenham acordado previamente com os recorrentes uma qualquer outra via de acesso ao furo artesiano, em virtude do reconhecimento do direito à servidão de água, pelo Tribunal da Relação de Guimarães).
Assim violando, por essa via, a sua obrigação de se absterem de praticar qualquer ato que impeça de acabar o muro, por banda dos recorridos.
E daí a execução.
7. Pelo que, a situação jurídico-factual, legitimou os recorridos, no âmbito da execução, na dupla perspetiva de prestação de facto positivo e de prestação de facto negativo.
8. Não obstante, considerou o Tribunal a quo, na sentença de que se recorre, que a execução em apreço é uma execução para prestação de facto negativo, fundamentando esse entendimento no art.º 876.º do CPC, considerando daí resultar não ser necessário fixar qualquer prazo para cumprimento da obrigação, “uma vez que os executados têm de omitir a ação ou tolerar uma atividade do titular do direito após o trânsito em julgado da decisão dada à execução”.
9. Ora resulta pois claro que tal entendimento se revela erróneo, porquanto a execução dos autos manifesta, de igual modo, a vertente de prestação de facto positivo e, nesta vertente, porque o direito dos exequentes apenas se concretiza pela prática de um facto positivo: a colocação da última pedra no muro e com a colocação de uma grade e chapas no mesmo.
10. E foi isto, para além do mais, que os recorridos pediram na execução.
11.Nesta ótica, porque, afinal, para que se concretize a obra, é necessário assegurar que os recorrentes a não impeçam.
12. Estamos no domínio do que a doutrina designa por obrigação de pati que é aquela em que o executado está obrigado a tolerar certas obras ou factos a realizar pelo credor o qual, para que a realização se efetive, tem o direito de solicitar ao tribunal atos de assistência judicial. - Lebre de Freitas, in A Ação Executiva, 4ª ed. p. 401/402.
13. O caso dos autos é desta obrigação paradigmático, pois ao proprietário do prédio, o recorrido, assiste fazer obras no seu prédio, no exercício do seu direito de propriedade.
Não obstante, o facto ainda não foi realizado, pelo que a sentença não constitui título executivo quanto a este.
14. E de igual modo não constitui título executivo para o outro pedido.
Senão vejamos,
15. Regem e relevam, nuclearmente, os seguintes art.ºs do CPC:
Art.º 876º:
“1 - Quando a obrigação do devedor consista em não praticar algum facto, o credor pode requerer, no caso de violação, que esta seja verificada por meio de perícia e que o juiz ordene:
a) A demolição da obra que eventualmente tenha sido feita;
b) A indemnização do exequente pelo prejuízo sofrido; e
c) O pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter na execução.”
Art.º 877º:
“1 - Se o juiz reconhecer a falta de cumprimento da obrigação, ordena a demolição da obra à custa do executado e a indemnização do exequente, ou fixa apenas o montante desta última, quando não haja lugar à demolição.
2 - Seguem-se depois, com as necessárias adaptações, os termos prescritos nos artigos 869.º a 873.º.”
Ora, perante o estatuído no art.º 876º, ao credor/exequente não está vedado de, cumulativamente com a destruição da obra realizada pelo devedor/executado em violação do seu dever de abstenção que lhe foi imposto pelo tribunal, impetrar indemnização pelo prejuízo causado pela atuação deste, e, bem assim, o pagamento de quantia a título de sanção pecuniária compulsória, mesmo que esta não tenha sido fixada na sentença condenatória.
Na verdade:
ao credor restará sempre a possibilidade de, simultaneamente com a demolição (da obra feita), exigir uma indemnização complementar pelo prejuízo sofrido, indemnização esta que é pedida e liquidada na própria ação executiva.
Se não houver obra feita, o exequente terá apenas direito à indemnização compensatória.
16. Por outro lado e quanto à verificação da violação:
Uma vez que o ato ilícito do executado tem sempre, neste tipo de obrigações, natureza positiva, a sua prova tem sempre de ser efetuada, por aplicação analógica do artº 715º, na fase liminar da execução.
Quando a violação consista numa obra, esta deve ser verificada através de perícia – artº 876º nº1.
Se não houver obra feita e a violação não tiver deixado quaisquer vestígios materiais, a prova do ato ilícito do executado terá de ser feita por outros meios, inclusive pelo depoimento de testemunhas -- Autor, ob. e loc. cits.
17. Finalmente e no que tange aos termos posteriores:
Reconhecida a falta de cumprimento da obrigação, o juiz ordena a demolição da obra, se a houver, à custa do executado, e fixa a indemnização devida ao exequente, ou apenas fixa esta, se não houver demolição, seguindo-se, conforme os casos, os demais termos da ação executiva para prestação de facto com prazo certo ou a sua conversão em ação executiva para pagamento de quantia certa – artº 877.º, n.º2 que remete para os artºs 869.º a 873.º - Autor e ob. cits. p. 401.
18. Nesta conformidade e no caso sub judice, dúvidas não restam que os pedidos dos recorridos estão acobertados pelas disposições legais supra citadas.
19. Ora, ao decidir como decidiu, pronunciando-se de imediato sobre o mérito da ação, obstou o tribunal a quo a que fosse produzida prova do alegado facto ilícito, o que se impunha, porquanto a alegada violação não deixou vestígios materiais.
21. De igual modo e face ao requerimento executivo, deveria ter sido realizado, com a assistência do tribunal, o facto positivo - a colocação da última pedra.
22. E devendo seguir-se a tramitação dos artºs 870º, 871º e 872º.
Ou seja,
produzir-se, contraditoriamente, a prova documental e testemunhal apresentada pelas partes, rectius a dos executados, pois que sobre eles incide o ónus probatório, para apurar da bondade do pedido aduzido, sob pena de violação do direito de defesa e do princípio do contraditório.
Ao demais,
23. Considerou o Tribunal a quo resultar da factualidade alegada na execução apensa, “que os executados não impugnaram”, que no dia 15.12.2019, o exequente foi impedido pelos executados de acabar o muro, o que entende consubstanciar uma violação ao decidido na sentença dada à execução, considerando que os executados têm de se abster da prática de qualquer ato que impeça o autor de acabar o muro, com a colocação da última pedra e a colocação de uma grade e de umas chapas no mesmo.
24. Ora, com o devido respeito, também aqui a sentença de que se recorre manifesta um total desnorte.
Na verdade, os embargos de executado revestem a natureza de uma verdadeira ação declarativa de simples apreciação negativa, aos quais são inaplicáveis quaisquer ónus que impendem sobre o Réu nas ações declarativas.
25. Consequentemente, não incide sobre os executados, embargantes, o ónus previsto no art.º 576.º do CPC.
Aliás, entendimento diverso, imporia ao embargante uma atividade processual absolutamente inútil, face à força probatória reconhecida ao título executivo.
Força essa que justifica a dispensa de uma prévia apreciação jurisdicional sobre o direito nele titulado e executado.
26. Revela-se, pois, e também por esta banda, que mal andou o Tribunal a quo, ao considerar ser aplicável aos embargos de executado o ónus de impugnação, extraindo, consequentemente e também daí, a improcedência dos embargos.
27. Considerou ainda o Tribunal a quo como meio de prova do facto ilícito a que se alude, o Doc. n.º 2, junto pelos Exequentes e por essa via provado de igual modo o facto ilícito.
28. Ora, o doc. n.º 2, trata-se de uma comunicação via email, enviada pelo mandatário dos Exequentes, dirigida à aqui subscritora, em 18.12.2019, data em que esta não era mandatária dos Exequentes.
29. Ao demais, tendo o Tribunal a quo valorado o teor da sentença dada à execução, na parte que não foi objeto de recurso e, por isso, não apreciada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, deveria, pois, ter considerado como facto provado que são os executados, titulares do direito de servidão de água, assistindo-lhes jus a aceder ao prédio dos exequentes para fruir da servidão, nos termos previstos no art.º 1566.º do Código Civil.
30. Na verdade, ao considerar como facto provado o reconhecimento do direito à servidão de água pelo Tribunal da Relação de Guimarães, impunha-se considerar como facto provado o direito de os Recorrentes acederem ao furo artesiano para exercício dos atos de adminicula servitutis, ou seja, para exercer as faculdades e os poderes instrumentais, acessórios ou complementares que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão que lhes foi conferida pelo Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que não constituem uma servidão autónoma, ainda que acessória, nem constituem uma atividade supérflua ou gravosa para o prédio serviente, traduzindo-se em poderes ou faculdades acessórias da servidão.
31. Verifica-se destarte que os fundamentos da decisão recorrida se não encontram corretamente enunciados, tendo conduzido a uma errada fixação dos factos provados.
32. Pelo que a consequência não pode ser outra que não seja a da nulidade da sentença, nos termos previstos no art.º 615.º, n.º1, alíneas c) e d) do CPC.
33. Além do mais, a exigência legal de motivação da decisão sobre a matéria de facto não se satisfaz com a simples referência aos meios de prova que o julgador considerou decisivos para a formação da sua convicção, devendo indicar as razões que, na sua análise crítica, relevaram para a formação da sua convicção, expondo o processo lógico e racional que seguiu, por ser esta a única forma de tornar possível o controlo da decisão.
34. O que se não verificou, infortunadamente, na sentença em apreço.
Ao demais,
35. Não se procede, na sentença recorrida, à enunciação dos factos não provados, o que contende com o acesso à justiça e à tutela efetiva, consagrada como direito fundamental no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa.
36. Na verdade, o não apuramento cristalino do completo elenco dos factos não provados, assim como a completa omissão da fundamentação quanto a estes, consubstancia nulidade, nos termos dos arts. 607.º, n.º4 e 615.º, n.º 1, als. c) e d) do CPC.

NESTES TERMOS, e nos melhores de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta.
assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA!
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Os Réus contra-alegaram pedindo a improcedência do recurso:
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Questões a decidir:
- Verificar se a sentença padece de nulidade;
- Verificar se a decisão proferida no processo principal é exequível
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Na 1ª instância foram considerados provados os seguintes factos:

1) Por sentença proferida no dia 23 de Março de 2019, na ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum nº 4684/17.2T8GMR, que correu termos no Juízo Central Cível de Guimarães, Juiz 2, os executados foram condenados, entre o mais:
2) “reconhecerem que o Autor é proprietário do prédio identificado no art.º 1.º da petição inicial;
3) absterem-se da prática de qualquer ato que impeça ou diminua a utilização, por parte do Autor, desse mesmo prédio;
4) absterem-se de invadir o prédio do Autor;
5) absterem-se de utilizar a água do furo do Autor;
6) absterem-se da prática de qualquer ato que impeça o Autor de acabar o muro, com a colocação da última pedra e a colocação de uma grade e de umas chapas no mesmo, na parte traseira do prédio, localizada a Sul;
7) a pagarem ao Autor a quantia pecuniária, a liquidar ulteriormente, necessária ao ressarcimento do custo que terá de ser suportado pelo mesmo com a reparação da tampa do furo artesiano e do dia completo que pagou aos trabalhadores, apesar de estes só terem trabalhado uma tarde, no que diz respeito à construção do muro referido na alínea e) deste dispositivo”.
8) Consta da factualidade provada na sentença, entre o mais:
9) “O Autor, por si e antecessores, há mais de 20 anos que, contínua e ininterruptamente, ocupa o prédio a que se alude em 1, nos limites do prédio em função dos quais pretende vedá-lo, colhendo os seus frutos e utilidades e suportando os seus encargos, fazendo-o com o ânimo de quem é dono, com o conhecimento de todos e sem oposição de ninguém.
10) Na parte traseira do edifício formado pelas frações autónomas A e B a que se alude em 5 existe já, a separar tais frações, um muro.
11) Sobre esse muro pretende o Autor, como vedação da fração A, colocar uma grade e uma chapa.
12) Pretende o Autor, também, a vedação do prédio referido em 1, ainda na parte traseira deste, através de um muro revestido com uma grade e chapas.
13) Para realizar tais obras o Autor recorreu a um empreiteiro, tendo sido impedido pelos Réus de realizar o referido em 12 e de concluir o muro referido em 13, que estava a ser construído.
14) O Autor, mercê da oposição dos Réus, não colocou uma pedra no muro, nem a grade e as chapas sobre esse muro.
15) No prédio a que se alude em 1 existe um furo artesiano.
16) Os Réus desligaram o motor do furo artesiano e, depois de terem entrado na fração do Autor, selaram o furo, mediante a colocação de um ferro e de um aloquete.
17) Com isso, estragaram o paralelo e impediram o Autor de utilizar a água.
18) Os Réus, desde data não exatamente apurada, mas anterior à data referida em 1, utilizam água proveniente do furo artesiano, para abastecimento da sua fração e rega.
19) Tal acontecia através de canalização que atravessa a fração dos Réus.
20) Foram os Réus quem construiu o furo e suportou o respetivo custo e quem suporta os custos de manutenção do furo e os associados à energia elétrica necessária ao funcionamento do motor de extração.
21) Os Réus sempre acederam ao furo”.
22) Por acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães datado de 28.11.2019, foi revogada a sentença dada à execução na parte em que condenou os réus a absterem-se de utilizar a água do furo existente no interior do prédio do autor; e
23) Na parte em que os condenou a pagarem ao autor a quantia pecuniária, a liquidar ulteriormente, necessária ao ressarcimento do custo que suportou com o pagamento aos trabalhadores por um dia de trabalho.
24) No mais, confirmou a decisão recorrida.
25) Na execução apensa, os exequentes alegam, entre o mais, “de facto, no dia 15 de Dezembro de 2019, o executado foi impedido pelos executados de acabar o muro, com a colocação da última pedra, da grade e das chapas, na parte traseira do prédio localizada a Sul.
26) Os executados avisaram, nessa altura, o exequente de que não iriam permitir o acabamento do muro.
27) Após isso, os exequentes, através do seu mandatário, tentaram convencer
os executados a cumprir o decidido judicialmente (Doc. n.º 2), sem resultado, obrigando à instauração desta execução.
28) Desta forma, deverá ser reconhecida a violação da obrigação dos executados de se abster de qualquer ato que impeça o exequente de acabar o muro, com a colocação da última pedra e a colocação de uma grade e de umas chapas no mesmo, na parte traseira do prédio, localizada a Sul.
29) Para além disso, deverão os executados ser notificados para não colocar obstáculos ao acabamento do muro (…).
30) Ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 876º, do CPC, os exequentes requerem a fixação de uma sanção pecuniária compulsória, sugerindo-se uma quantia nunca inferior a € 50,00, por cada dia de incumprimento, desde a data da citação para a execução”.
31) A execução apensa deu entrada em Juízo em 24.01.2020, conforme certificação digital do sistema citius.
Na decisão recorrida considerou-se não existirem factos não provados com interesse para a decisão da causa.
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Cumpre apreciar e decidir:

Da alegada nulidade da sentença recorrida por violação do disposto nas alíneas c) e d), do nº 1 do C. P. Civil.

A nulidade prevista na al. c) acima referida ocorre quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No caso, não existe qualquer contradição entre os fundamentos e a decisão, pois não se vê que os fundamentos da mesma conduzam a um resultado oposto ao aí expresso. O que se passa é que os Recorrentes não se conformam com a decisão proferida, que no seu entender deveria ser outra, mas tal não configura uma nulidade, mas sim a invocação da existência de erro de julgamento.

Antunes Varela (in Manuel de Processo Civil, pág. 686) diz-nos que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
A decisão impugnada também não padece de obscuridade,

No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/4/2007 (in www.dgsi.pt ) explica-se que o acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo conteúdo seja ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer. Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa ou de difícil interpretação, se sentido equívoco ou indeterminado. Só existe obscuridade quando o tribunal proferiu decisão cujo sentido exato não pode alcançar-se. A ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado. Podem razoavelmente atribuir-se dois os mais sentidos. A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja, se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da decisão que se diz ambíguo.

Acrescenta-se neste Acórdão que deve ter-se em conta que o haver-se decidido bem ou mal, de forma correta ou incorreta, em sentido contrário ao preconizado pela requerente, é coisa totalmente diversa da existência de obscuridade ou ambiguidade do acórdão.

No caso, a decisão é perfeitamente coerente.

Quanto à omissão de pronúncia, por a sentença não ter elencado os factos não provados, a mesma não existe, pois, como se refere nessa decisão, tais factos não foram elencados por se considerar que os mesmos não existiam.
De qualquer forma, ainda que o juiz não tivesse fixado os factos não provados, em obediência ao preceituado no art. 607º, nº 3 do C. P. Civil, tal omissão não implicaria a nulidade da sentença pois, como expressamente decorre do disposto no art. 615º, nº 1 - b), apenas a completa falta de fundamentação de facto e de direito faz a sentença incorrer no invocado vício.
A omissão da decisão sobre a matéria de facto, entendendo-se que a irregularidade cometida tem influência no exame ou na decisão da causa, consiste numa nulidade processual, prevista no art. 195º, nº 1 do C. P. Civil, com o regime de arguição previsto no art. 197º do mesmo Código.
Tal nulidade, a existir, deveria ter sido suscitada em sede de 1ª instância, por aplicação dos mencionados preceitos (arts. 195º e 197º do C. P. Civil), já que esta não é uma nulidade da sentença e não é de conhecimento oficioso (Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág. 24).

Assim, no nosso entender, não têm os Recorrentes qualquer razão ao invocar a nulidade da sentença proferida pelo Tribunal a quo.
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Da exequibilidade e certeza do título executivo:

O título executivo é um documento que constitui o meio legal de demonstração da existência do direito da exequente ou que estabelece, de forma ilidível, a existência daquele direito (José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 2ª ed., pág. 30).

O título executivo constitui, pois, a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites daquela (art. 10º, nº5 do C. P. Civil).
No caso o título executivo é uma sentença (art. 703º, nº 1 – a) do C. P. Civil).
A inexequibilidade da obrigação é um fundamento possível dos embargos baseados em sentença (art. 729º, alíneas a) e e) e do C. de P. Civil).

Preceitua o art. 619º, nº 1 do C. P. Civil que, transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º (conceito de litispendência e caso julgado) e 581º (requisitos da litispendência e caso julgado), sem prejuízo do disposto nos artigos 696ª a 702º (preceitos referentes ao recurso de revisão).
O caso julgado incide não só sobre a decisão e seus fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão, incluindo o julgamento das questões invocadas pelo réu como meio de defesa (A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e atualizada, pág. 713) mas também, com o caso julgado preclude o direito de o Réu invocar exceções que poderia ter invocado por serem invocáveis (v. Lebre de Freitas e outros, ob. cit., pág. 683 e Castro Mendes, Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 713).
Por outro lado, como é sabido, o caso julgado material pode valer, não só como exceção de caso julgado, quando o objeto da ação posterior é idêntico ao objeto da ação antecedente, mas também como autoridade de caso julgado, quando o objeto da ação subsequente é dependente do objeto da ação anterior.
Na verdade, o instituto do caso julgado tem dois efeitos, um negativo e um positivo. O primeiro traduz-se na inadmissibilidade duma segunda ação (proibição de repetição: exceção de caso julgado), o segundo consiste na constituição da decisão proferida em pressuposto indiscutível de outras decisões de mérito (proibição de contradição: autoridade de caso julgado) (v. José Lebre de Freitas e outros, ob. cit., pág. 678).
A autoridade do caso julgado justifica-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas e tem uma dupla função: impedir o efeito negativo da inadmissibilidade de uma segunda ação e um efeito positivo que é o de impor uma decisão como pressuposto indiscutível de uma segunda decisão, a fim de evitar que o órgão jurisdicional, duplicando as decisões sobre idêntico objeto processual, contrarie na decisão posterior, o conteúdo da decisão anterior (v. Prof. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, vol. III, pág. 93, Prof. Miguel Teixeira de Sousa, “O Objecto da Sentença e o Caso Julgado Material”, BMJ 325, p. 171, Ac. do STJ de 12/01/1990, Ac. da R. do P. de 13/01/2011 e Ac. da R. de C. de 15/05/2007, publicados em www.dgsi.pt ).
No caso de uma execução de sentença, o Autor faz da sentença exequenda o fundamento da segunda ação. Assim, a sentença exequenda impõe a sua autoridade na ação executiva, impedindo que a primeira decisão seja contraditada pela segunda.

No caso concreto, na sentença proferida no dia 23 de março de 2019, na parte com interesse para o caso em apreço, condenaram-se os RR., ora Embargantes, a absterem-se de invadir o prédio do Autor; de utilizar a água do furo do Autor; da prática de qualquer ato que impeça o Autor de acabar o muro, com a colocação da última pedra e a colocação de uma grade e de umas chapas no mesmo, na parte traseira do prédio, localizada a sul e ainda no pagamento de uma indemnização. Por acórdão deste Tribunal, a referida sentença foi revogada na parte em que condenou os RR. a absterem-se de utilizar a água do furo existente no interior do prédio do A. e na parte em que condenou os RR. no pagãmente de uma indemnização. Mantendo, no mais, a decisão recorrida.

Os Recorrentes alegam que a sentença não constitui título executivo porque o facto ainda não foi realizado, no entanto, não têm qualquer razão.
Com efeito, tendo a decisão proferida no processo principal reconhecido ao A. o direito a acabar o muro, tendo os RR. que tolerar a concretização de tal obra, é manifesto que existe título, que o mesmo é exequível e que a obrigação é certa e determinada.
Seria um contrassenso entender que a decisão não era exequível porque a colocação da ultima pedra ainda não foi realizada, quando é precisamente essa colocação que os RR. não permitem, fazendo com que o Exequente tenha que recorrer à ação executiva para conseguir efetuar tal colocação.
As considerações que os Executados/Recorrentes fazem no seu recurso não têm aplicação no caso presente pois estamos perante uma execução para prestação de facto negativo e não para prestação de facto com prazo certo.
É certo que a tramitação prevista nos artigos 876º e 877º não se pode aplicar integralmente nos presentes autos, pois, no caso, não há que proceder à demolição de qualquer obra que incumbisse aos RR. demolir mas sim à obrigação de estes tolerarem atos que terão que ser praticados pelo A.
Conforme se explica no Acórdão desta Relação de 19/11/03 (in www.dgsi.pt ), “No campo do direito das obrigações, face á lei civil – arts. 398º , 828º e 829º, do C. Civil – a prestação de factos pode ser positiva ou negativa.
A lei processual civil, refere-se, também, a esta distinção - cfr. arts. 933º e 941º.
Ao contrário da prestação de facto que envolve uma conduta positiva (obrigação de facere), a prestação de facto negativa ora pode ser representada por um puro não fazer ou abstenção (obrigação de non facere), ora por um não fazer associado a um consentir ou tolerar actos do credor ou titular do direito (obrigação de pati) Cfr. Antunes Varela, un, “Das Obrigações”, págs. 53 e 54 e Anselmo de Castro, in, “A Acção Executiva Singular, Comum e Especial”, 3ª ed., pág. 383.
E, diferentemente da execução para prestação de facto positivo em que a execução específica é faculdade e não obrigação do credor, a quem é lícito optar sempre, em vez dela, pelo seu equivalente em dinheiro, sendo o facto prestado pelo exequente ou por outrem com quem contrate a sua realização ( cfr. art. 828º do C. Civil e art. 933º e segs do C. P. Civil)., no que respeita à prestação de facto negativo e de harmonia com o disposto no art. 829º, n.º1 do C. Civil, a execução é aqui sempre específica, quando haja obra feita em contravenção da obrigação, consistindo na destruição ou demolição da obra. Só no caso de o prejuízo da demolição da obra para o devedor ser consideravelmente superior ao prejuízo que sofra o credor com a sua manutenção é que o direito do exequente consiste unicamente na indemnização- cfr. nº 2 do citado art. 829º e art. 941º, n.º4 do C. P. Civil..
Mas, tal como defendeu o Tribunal a quo, isto não significa que a possibilidade de execução para prestação de facto negativo fique restringida única e exclusivamente aos casos em que haja lugar à destruição ou demolição da obra.
É que, conforme já se deixou dito, as prestações de facto negativas podem apresentar-se não só sob a forma de pura omissão, mas também sob a forma de uma tolerância ou deixar fazer.
E num e noutro caso, é sempre possível a execução, caso contrário não se respeitaria o princípio da obrigatoriedade de acatamento das decisões judiciais.
Acresce que a dificuldade que possa eventualmente existir na execução das obrigações de tolerância ou de deixar fazer, particularmente frequentes nas servidões para cujo exercício se requeira a realização de obras novas ou reparações, é apenas aparente e resultante do facto de o legislador ter estruturado o regime legal da execução de facto negativo tão só para a obrigação de não fazer.
Mas, tal como ensina, Anselmo de Castro In, obra citada, pág. 386., esta dificuldade “tem, evidentemente, de ser superada integrando e introduzindo na lei as necessárias adaptações”.
No acórdão citado defende-se que a verificação da violação deveria ser efetuada pela prova do impedimento oposto pelo devedor a efetuar por testemunhas quando não consista em obstáculos materiais, no entanto, tal como se entendeu na decisão recorrida, tal não é necessário nos presentes autos, uma vez que, nos embargos que opuseram à execução os Executados não impugnam o facto de não permitirem a conclusão do muro. Ora, conforme se refere no Ac. do STJ de 19/03/19 (in www.dgsi.pt ). Na oposição à execução, o embargante tem o ónus de concentrar na petição todos os fundamentos que podem justificar o pedido por ele formulado. A inobservância deste ónus de concentração implica a preclusão dos fundamentos não alegados naquela petição.
Assim, não tendo os Executados dito que permitiram ou permitiriam que o Exequente terminasse o muro, pelo contrário, pois, entendem que tal não deve ocorrer, seria inútil a produção de prova do impedimento oposto pelo devedor.
Na verdade, acham-se os Executados com direito a passar pelo local onde o muro está a ser construído, por o Acórdão deste Tribunal, proferido no processo principal, lhes ter reconhecido o direito de servidão sobre a água do furo existente no prédio do A.. No entanto, salvo o devido respeito, não têm razão, pois se esse Acórdão lhes reconheceu o direito de servidão sobre a água, também reconheceu ao A. o direito a acabar o muro (direito de tapagem), sendo certo que os Embargantes sempre poderão aceder ao prédio do A. pela entrada já existente do prédio deste, como se menciona na decisão recorrida.
Ao contrário do que referem os Recorrentes nas suas alegações, o mencionado direito (de aceder à água), decorre da análise do Acórdão proferido na ação principal, não sendo matéria factual a mencionar nos factos provados da presente decisão ou da decisão recorrida.
Desde modo, por inteiramente acertada, mais não resta que confirmar a decisão recorrida.
Quanto à litigância de má-fé invocada pelo Recorrido, remete-se para o que foi decidido na decisão de primeira instância por ter aqui pela aplicação.
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DECISÃO:

Pelo exposto, acorda-se nesta secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pelos Apelantes.
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Guimarães, 27 de maio de 2021

Alexandra Rolim Mendes
Maria de Purificação Carvalho
Maria dos Anjos Melo Nogueira