INTERPRETAÇÃO DO NEGÓCIO JURÍDICO
VONTADE DOS CONTRAENTES
QUINHÃO
DOAÇÃO
HERANÇA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
Sumário


I –Na interpretação de contratos celebrados por escritura pública, há que ter em conta, não apenas as regras estatuídas no artigo 236.º, mas também o disposto no artigo 238.º, ambos do Código Civil;
II - Não constando da matéria provada qualquer facto relativo à vontade real dos contraentes, mostra-se afastado o recurso a este elemento no âmbito da interpretação do negócio jurídico;
III - Consignando-se, em cada um dos contratos, que o primeiro outorgante declarou que doa ao segundo outorgante o quinhão hereditário que lhe pertence em determinada herança e que o segundo outorgante declarou aceitar tal doação nos termos exarados, o significado unívoco que se retira da interpretação destas declarações é no sentido da cessão gratuita ao segundo outorgante do quinhão hereditário que cabe ao primeiro na herança;
IV - A declaração de que a doação só compreende bens imóveis, efetuada a título complementar pelo primeiro outorgante em cada um dos contratos, aquando da atribuição de determinado valor ao ato gratuito praticado, destina-se a justificar o valor atribuído ao direito doado, não restringindo o âmbito da transmissão operada, a qual incide expressamente sobre o quinhão hereditário;
V – Uma interpretação restritiva das declarações negociais, segundo a qual estes contratos têm por objeto os bens imóveis que integram o quinhão hereditário de que o primeiro outorgante é titular nas heranças em causa, não tem suficiente correspondência no texto, nos termos exigidos para os negócios formais pelo artigo 238.º do Código Civil, dada a declaração expressa, constante de cada uma das escrituras, no sentido da doação do quinhão hereditário. (sumário da relatora)

Texto Integral


Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Por apenso ao inventário a que se procede para partilha das heranças abertas por óbito de A… e de F…, os interessados J… e M… deduziram incidente de habilitação de cessionário, pedindo a habilitação de JF… para intervir no processo principal na posição processual dos requerentes.
Alegam, em síntese, que, através de escrituras outorgadas a 26-03-2019, cederam ao requerido JF… os quinhões hereditários de que eram titulares nas heranças abertas por óbito de A… e de F…, conforme documentos que juntam.
Os requeridos M…, V…, S…, Ma… e Fr…, interessados no aludido inventário, contestaram a habilitação, sustentando que os requerentes apenas cederam parte dos respetivos quinhões hereditários e não a totalidade, pelo que continuam a deter a qualidade de herdeiros, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Por despacho de 25-09-2020, foi comunicado às partes que se entendia permitir o estado da causa o conhecimento do respetivo mérito, tendo sido concedido contraditório.
Não foi emitida pronúncia por qualquer das partes.
Por decisão de 24-11-2020, foi proferido despacho saneador, discriminaram-se os factos considerados provados e apreciou-se o mérito da causa, tendo-se decidido o seguinte:
Pelo exposto e decidindo:
1) Ao abrigo do disposto nos arts. 262.º, alínea a), 263.º, 295.º e 356.º, todos do NCPC e art.1332.º, n.º6 do anterior CPC, na redacção anterior à Lei n.º29/2009, de 29 de Junho, julgo procedente, por provado, o presente incidente de habilitação de cessionário e, em consequência, declaro JF… habilitado em substituição de J… e M… para prosseguir os autos principais de inventário;
2) Custas pelos requeridos.
Registe e notifique.
Inconformada, a requerida M… interpôs recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada, terminando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«1º O tribunal a quo cometeu, salvo erro e o devido respeito, erro de julgamento, porquanto faz errada interpretação e aplicação das normas de direito aplicáveis, in casu.
2º O Tribunal a quo deu como provados os seguintes Factos: (…) (…)
3º Assim e no que interessa para o presente recurso, deu-se como provado:
a) As heranças dos falecidos A… e F… são constituídas por bens móveis e imóveis. (Facto Provado G)
b) Por escritura pública outorgada em 26/03/2019, o requerente J… doou, por conta da sua quota disponível, a JF…, que aceitou, o quinhão hereditário a que tinha direito na herança de sua mãe A…. (Facto Provado C)
c) Consta da mencionada escritura que o requerente atribuiu “a esta doação, que só compreende bens imóveis, o valor de dois mil oitocentos e quinze euros.” (Facto Provado F)
4º Pelo que, consta expressamente na escritura outorgada entre o habilitante/doador e o habilitado/donatário, que a doação em causa, só compreende bens imóveis (“a esta doação, que só compreende bens imóveis”).
5º Estando provado, por sua vez, que as heranças em causa, são constituídas por bens móveis e bens imóveis.
6º Daí resulta que, por via de tal escritura de doação de quinhão hereditário, JF…, quanto muito, só se encontra habilitado, nesse quinhão hereditário, na parte que compreende bens imóveis.
7º Pois, foi isso o expressamente declarado pelas partes que outorgaram tal escritura de doação.
8º Na mediada em que, estas expressamente declararam que tal doação só compreendia bens imóveis.
9º Assim, com o devido respeito, andou mal o Tribunal a quo, ao decidir a substituição de J… e M…, por JF….
10º Deste modo, enferma a sentença de erro de julgamento, atendendo aos factos provados, de declarar JF… habilitado em substituição de J… e M… para prosseguir os autos principais de inventário.
11º Pois, J… e M…, ainda detém a qualidade de herdeiros da herança em causa. Herança, essa, composta por bens imóveis e por bens móveis.
12º Pois, tal doação ao incidir só sobre bens imóveis que integram a herança, apenas originarão o direito à aquisição desses bens por parte dos “habilitados”, se vierem a preencher o quinhão dos cedentes. Cedentes, esses, que já se vê, continuarão a deter a qualidade de herdeiros no presente Inventário.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar se deve o requerido JF… ser declarado habilitado para intervir no inventário em substituição dos requerentes.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto
A 1.ª instância considerou provados os factos seguintes:
A) A… faleceu em 06/12/2006.
B) F… faleceu em 22/12/2008.
C) Por escritura pública outorgada em 26/03/2019, o requerente J… doou, por conta da sua quota disponível, a JF…, que aceitou, o quinhão hereditário a que tinha direito na herança de sua mãe A…, cfr. doc. junto aos autos em 10/04/2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
D) Consta da mencionada escritura que o requerente atribuiu “a esta doação, que só compreende bens imóveis, o valor de dois mil oitocentos e quinze euros.”
E) Por escritura pública outorgada em 26/03/2019, a requerente M… doou, por conta da sua quota disponível, a JF…, que aceitou, o quinhão hereditário a que tinha direito nas heranças de seus pais A… e F…, cfr. doc. junto aos autos em 10/04/2019, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
F) Consta da mencionada escritura que “atribuem a esta doação, que só compreende bens imóveis, o valor de cinco mil seiscentos e trinta euros.”
G) As heranças dos falecidos A… e F… é constituída por bens móveis e imóveis.
H) Fazem parte das heranças dos falecidos, para além do mais, os bens descritos nas relações de bens de fls.449 a 453 dos autos principais, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Vem posta em causa na apelação a decisão que considerou procedente o incidente de habilitação de cessionário e, em consequência, declarou habilitado o requerido JF… a intervir no inventário que constitui o processo principal, em substituição dos requerentes J… e M…, com fundamento em cessão dos respetivos quinhões hereditários operada por escrituras públicas outorgadas a 26-03-2019.
Discordando da decisão proferida, a apelante alega que os requerentes não cederam ao requerido a totalidade dos respetivos quinhões hereditários, mas apenas a parte que compreende bens imóveis; sustentando que a herança é constituída por bens móveis e bens imóveis, defende a recorrente que o requerido JF… só poderá ser considerado habilitado no que respeita aos bens imóveis, mantendo os requerentes a qualidade de herdeiros, pelo que conclui dever ser revogada a decisão que os substituiu pelo requerido.
A questão foi apreciada na decisão recorrida nos termos seguintes:
(…)
Cumpre, pois, analisar se a cessão abrangeu todo o quinhão hereditário ou apenas na parte em que integra os bens imóveis.
(…) se por um lado, os requeridos declaram doar os respectivos quinhões hereditários a JF…, por outro lado, aquando do valor a atribuir à doação de tais quinhões referem que os mesmos são constituídos apenas por bens imóveis.
(…)
Ora, analisado o teor das escrituras públicas juntas aos autos, conclui-se que as declarações contidas e efectuadas pelos doadores permitem concluir que pretendiam doar a totalidade dos respectivos quinhões hereditários e não apenas a parte que era composta por bens imóveis, tanto mais que (…) os mesmos ainda não eram detentores de quaisquer quotas sobre bens especificados da herança, in casu, desses bens imóveis. Por outro lado, os bens móveis a que os doadores não fizeram referência na escritura de cessão são de diminuto valor, não ascendendo presentemente e de acordo com as relações de bens apresentadas a mais do que duzentos e poucos euros. já os imóveis oscilam entre mais de 18.000,00€ e 22.000,00€.
Donde se conclui que o sentido das declarações dos requerentes foi a de doarem a totalidade dos respectivos quinhões hereditários por ser esse o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, podia deduzir do comportamento dos mesmos e este sentido tem correspondência com o texto das escrituras, ainda que imperfeitamente expresso.
Esse sentido pode, no entanto, valer se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade. Portanto, no caso em apreço, o objecto do negócio em causa foi o direito à meação e ao quinhão hereditário e não apenas os imóveis constantes da relação de bens, aos quais é feita menção apenas para atribuir um valor às doações.
Em suma, resultando dos factos provados que, na pendência dos autos de inventário, JF… adquiriu o direito à meação e quinhões hereditários a que J… e M… tinham direito na herança aberta por óbito de A… e F…, mediante as respectivas escrituras públicas celebradas com aqueles, a pretensão de modificação subjectiva da instância (arts.262.º, alínea a), 263.º, 295.º e 356.º, todos do NCPC) deve proceder com a requerida habilitação, julgando os transmitentes, aqui requerentes, substituídos pelo adquirente JF… para prosseguir no lugar daqueles nos autos de inventário.
O incidente de habilitação do adquirente ou cessionário encontra-se regulado no artigo 356.º do Código de Processo Civil e destina-se a substituir o transmitente da coisa ou direito em litígio, na pendência da causa, pelo adquirente ou cessionário, a fim de com este prosseguir a demanda, operando uma modificação subjetiva da instância, nos termos previstos no artigo 262.º, al. a), do mesmo código.
Dispõe a alínea a) no n.º 1 do citado artigo 356.º que deverá ser lavrado no processo o termo da cessão ou junto o título da aquisição ou da cessão, sendo notificada a parte contrária para contestar; esclarece este preceito que o notificado pode, na contestação, impugnar a validade do ato ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo.
Decorre deste preceito que, na contestação, pode a parte contrária, nas palavras de Salvador da Costa (Incidentes da Instância, 3.ª edição, atualizada e ampliada, Coimbra, Almedina, 2002, p. 257) “articular factos reveladores da invalidade do acto de cessão ou de transmissão, ou de que ele ocorreu com o escopo de lhe tornar mais difícil a posição na causa principal”; conclui o autor (loc. cit.) que “a contestação está, pois, limitada ao referido núcleo de factos relativo à validade formal ou material do acto de cessão ou de transmissão ou à circunstância de ele apenas visar dificultação da posição do contestante na causa principal”.
Em anotação ao mencionado artigo 356.º, afirmam José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, volume 1.º, 4.ª edição, Coimbra, Almedina, 2018, p. 703-704) que “na contestação, pode ser impugnada a validade do ato, com qualquer fundamento de nulidade ou de anulabilidade da lei substantiva, ou alegado que a transmissão teve como finalidade dificultar a posição processual do contestante (…)”. Acrescentam os autores (loc. cit.) que “o tribunal conhece oficiosamente dos fundamentos de nulidade que não hajam sido alegados, mesmo não havendo contestação (…), mas não lhe é permitido o conhecimento da anulabilidade (art. 287 CC) nem do facto de se ter visado dificultar a posição da parte contrária”.
Não vem posta em causa na apelação a validade ou a eficácia das cessões operadas através das escrituras outorgadas por requerentes e requerido, mas sim o objeto sobre o qual incidem, questão que cumpre apreciar.
Discorda a recorrente da interpretação dos negócios efetuada pela 1.ª instância, defendendo que as cessões não incidiram sobre a totalidade dos quinhões hereditários pertencentes aos doadores, conforme consta da decisão recorrida, mas apenas sobre a parte que compreende bens imóveis.
Face ao objeto da apelação, cumpre analisar as declarações negociais constantes das escrituras outorgadas por requerentes e requerido, averiguando se assiste razão à apelante e, em caso afirmativo, as consequências daí decorrentes.
Estão em causa duas escrituras públicas intituladas “CESSÃO DE QUINHÃO HEREDITÁRIO”, ambas outorgadas no dia 26-03-2019.
A escritura a que aludem as alíneas C) e D) de 2.1.1. foi celebrada entre o requerente J… e mulher, M…, como primeiros outorgantes, e o requerido JF…, como segundo outorgante, dela constando, além do mais, o seguinte:
i) que o primeiro outorgante marido declarou o seguinte:
- Que pela presente escritura doa por conta da sua quota disponível ao segundo outorgante seu irmão uterino, o quinhão hereditário que lhe pertencente na herança indivisa e ainda não liquidada – aberta por óbito de sua mãe A…, falecida, sem deixar testamento ou qualquer disposição de última vontade, em seis de Dezembro de dois mil e seis (…), no estado civil de casada com F… (…);
- Que atribui a esta doação, que só compreende bens imóveis, o valor de dois mil e oitocentos e quinze euros;
ii) que o segundo outorgante disse:
- Que aceita a presente doação nos termos exarados.
A escritura a que aludem as alíneas E) e F) de 2.1.1. foi celebrada entre a requerente M… e marido, J…, como primeiros outorgantes, e o requerido JF…, como segundo outorgante, dela constando, além do mais, o seguinte:
i) que a primeira outorgante mulher declarou o seguinte:
- Que pela presente escritura doa por conta da sua quota disponível ao segundo outorgante seu irmão germano, o quinhão hereditário que lhe pertencente nas heranças indivisas e ainda não liquidadas – abertas por óbito de seus pais A…, falecida em seis de Dezembro de dois mil e seis, e F…, falecido em vinte e dois de Dezembro de dois mil e oito, (…) falecidos ambos sem deixar testamento ou qualquer disposição de última vontade, ela no estado civil de casada com ele F… e ele dela viúvo (…);
- Que atribuem a esta doação, que só compreende bens imóveis, o valor de cinco mil seiscentos e trinta euros;
ii) que o segundo outorgante disse:
- Que aceita a presente doação nos termos exarados.
Tratando-se da interpretação de dois contratos celebrados por escritura pública, há que ter em conta, não apenas as regras estatuídas no artigo 236.º, mas também o disposto no artigo 238.º, ambos do Código Civil.
Sob a epígrafe Sentido normal da declaração, dispõe o artigo 236.º o seguinte: 1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
O artigo 238.º, por seu turno, sob a epígrafe Negócios formais, dispõe o seguinte: 1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso; 2. Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade.
No que respeita a contratos, em anotação ao artigo 236.º, Manuel Pita afirma (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 290) que o Código Civil “não estabeleceu regras particulares para a sua interpretação nas disposições gerais dos artigos 405.º e ss., sendo necessário adaptar este artigo 236.º, nomeadamente tendo em conta a dupla qualidade em que participam no contrato, ora como declarantes ora como declaratários”. Em anotação ao artigo 238.º, esclarece o autor (ob. cit., p. 292) o seguinte: “A solenidade do negócio formal exige especial diligência das partes na procura dos termos a utilizar. Se pretenderam uma determinada regulamentação de interesses e não utilizaram as palavras adequadas para a exprimir, a lei impede que o negócio valha com esse sentido se não tiver um mínimo de correspondência no respetivo documento”. Acrescenta o autor (loc. cit.): “O n.º 2 admite que ainda assim esse sentido valha mediante duas condições: (1) se corresponder à vontade real das partes; (2) que as razões determinantes da forma do negócio não se oponham à validade do negócio com esse sentido”.
No caso presente, não consta da matéria provada qualquer facto relativo à vontade real dos contraentes, o que afasta o recurso a este elemento no âmbito da interpretação das declarações negociais constantes das aludidas escrituras.
Consignando-se, em cada um dos dois contratos, que o primeiro outorgante declarou que doa ao segundo outorgante, seu irmão, o quinhão hereditário que lhe pertence em determinada herança, e que o segundo outorgante declarou aceitar tal doação nos termos exarados, o significado unívoco que se retira da interpretação destas declarações prestadas pelos outorgantes em cada um dos contratos é no sentido da cessão gratuita ao segundo outorgante do quinhão hereditário que cabe ao primeiro na herança.
A declaração de que a doação só compreende bens imóveis, efetuada a título complementar pelo primeiro outorgante em cada um dos dois contratos, aquando da atribuição de determinado valor ao ato gratuito praticado, destina-se a justificar o valor atribuído ao direito doado, não restringindo o âmbito da transmissão operada, a qual incide expressamente sobre o quinhão hereditário.
A interpretação indicada pela apelante, segundo a qual estes contratos têm por objeto os bens imóveis que integram o quinhão hereditário de que o primeiro outorgante é titular nas heranças em causa, não tem suficiente correspondência no texto, nos termos exigidos para os negócios formais pelo artigo 238.º do Código Civil, dada a declaração expressa, constante de cada uma das escrituras, no sentido da doação do quinhão hereditário.
Acresce que tal interpretação restritiva das declarações negociais, defendida pela apelante, conduziria a que se descaracterizasse o próprio tipo contratual, deixando cada cessão de incidir sobre o quinhão hereditário pertencente ao primeiro outorgante, conforme pelo mesmo expressamente declarado, e passando a incidir sobre concretos bens ainda pertencentes a cada uma das heranças indivisas, o que desvirtuaria o objeto dos negócios jurídicos celebrados. Ora, a interpretação das declarações negociais não pode deixar de ser efetuada tendo em conta o contexto do contrato em que se inserem, como um todo, bem como o respetivo teor literal, o que afasta o sentido defendido pela apelante.
Mantendo-se a interpretação dos contratos efetuada pela 1.ª instância e constante da sentença recorrida, mostra-se prejudicada a apreciação das questões relativas às consequências decorrentes da interpretação das declarações negociais defendida pela apelante, pelo que improcede a apelação.

3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 27-05-2021
(Acórdão assinado digitalmente)
Ana Margarida Carvalho Pinheiro Leite
(Relatora)
Cristina Dá Mesquita
(1.ª Adjunta)
José António Moita
(2.º Adjunto)